domingo, 11 de outubro de 2015

(Parte 43) Insanidade


Estava consciente. Como, ela não fazia a mínima idéia. Parecia estranho sendo que sua última visão turva era a de Nikolai se aproximando de seu corpo. Acreditou ter morrido durante o confronto na ponte. Algo bem estranho, pois na verdade tinha plena certeza desse fato. Havia falecido devido a uma flecha em seu pescoço. E alguma coisa estava realmente errada ali.
Nada daquilo fazia sentido. Já que além de não estar morta, sem ela querer estava uma vez mais diante do Portal da Verdade. Aquilo nem passava mais na cabeça da jovem. Seu corpo estava perfeito, com a roupa que havia tombado e sem nenhum corte. Além que nenhum sangue ou ferida surgia em seu corpo. Era como em toda a vez em que esteve naquele lugar. Como se as forças externas nunca existissem ali. Nem tempo, nem espaço. Algo estava diferente, no entanto. Seu instinto parecia zunir com aquela sensação. Como se aquilo fosse errado. Extremamente.
Notou que o Portal estava entre aberto. Um tentáculo se escondia atrás dele. E não parecia com nada que já viu.

Mesmo achando que o mago mascarado, muitas vezes agia de modo sombrio, aquilo parecia nenhum pouco ser obra dele. Será que existiria mais um mestre que ascendeu recentemente, foi o primeiro pensamento que lhe surgiu. Um que talvez não conhecesse ou que abriu recentemente aquele caminho de revelações. Independente de quem fosse a sua chegada ali trazia certo receio. Um grito na alma de Halphy parecia surgir como um aviso de alerta. Nunca houve tão poucas opções, no entanto. Menos do que em qualquer outra situação.
O perigo era claro e óbvio. Nada poderia fazer. A não ser entrar por aquela porta sinistra, como já fez antes. Se tentasse voltar ao mundo normal poderia morrer instantaneamente foi o que concluiu. Ao menos é o que imaginou aquela jovem perdida. E não queria comprovar tal teoria.
Enfim ela empurrou a porta de pedra. Lá não havia luz de estrelas ou a escuridão de um céu noturno convidativo. Existiam chamas de vela, em aparelhos de cobre preparados para tal e o breu de algo sombrio.
Começou a enxergar certas coisas. Antes não pudesse ver.
Inicialmente notou um gato de pé com duas caudas. Seus olhos eram de um animal. Só que eles se moviam quase que com malicia de um homem. Era estranho e bizarro. Nem tanto quanto seus companheiros.
Outro ser parecia com uma mulher. Usava um manto cobrindo seu corpo, com uma faixa vermelha em sua barriga. O detalhe eram seus longos cabelos negros, que pareciam formar braços e mão com seus fios finos. O pior era notar que da nuca dela uma bocarra grande surgia.
Que coisas todas eram aquelas? Estaria no Inferno? Mal sabia ela que estava próxima disso.
Uma das formas lembrava mais um fantasma. Translúcido, sombrio, cruel e maligno em sua imagem. Sua expressão lembrava mais os olhos de uma raposa. Como os de Yue Khan que servia ao Bando do Tigre Demoníaco. Agora que pensou para analisar tais seres notou alguns com expressões parecidas com o daquele homem.
Começou a compreender o ocorria ali? Eram seres que provinham do extremo leste.
Todos bizarros: cabeças em rodas, espadas flutuantes, mulheres com metade de seus corpos como os de uma aranha, animais com aspectos humanos, criaturas que vagamente lembravam ogros, raposas de várias caudas, hominídeos com cabeças de cavalos, criaturas que lembravam mortos sem descanso, todos com formas únicas e que só uma mente conseguiria conceber. Pois Halphy sabia que aquilo nunca seria um sonho. Ou sua morte. Todos – quando possuíam olhos ou ao menos uma face – com uma expressão sombria a encaravam, mas não se aproximavam.
Eles assim mesmo, concedem espaço para a jovem caminhar. Criando uma trilha para ela. Era como um animal para o abate ou um cordeiro. Agora entendia como os cristãos sempre pensavam. Tudo fazia mais sentido. Pois sabia... O mal verdadeiro estava na sua frente.
Enfim, ela encontrou o ser que controlava o lugar. Lembrava tanto o corpo de uma imensa serpente, como a pele do estranho Long que a havia encontrado antes. Ainda assim, era possível sentir todo o odor de um forte enxofre naquele recinto diferente. A face do ser lhe surgiu como um demônio, ou quase isso. Era um dragão com muitos traços de uma cobra medonha e apavorante. Esse ser único, com certeza era o poderoso Yo-Long, um novo mistério para Halphy.
-Acredito que não preciso me apresentar...
-Mas os bons costumes ditam que você deve se apresentar.
Uma parte da garra surgiu na sua frente. Só aquele pedaço do imenso ser era o triplo do tamanho da antiga ladina. Havia provocado alguém extremamente perigoso. Sabia disso.
-Não me provoque mulher.
-Que falta o Lacktum faz aqui. Podendo levar um golpe por mim – soltou inconscientemente à jovem – Eu sei que é o Yo-Long. Afinal, você é um dragão ou um deus? Ele não deixou isso bem claro para mim.
-Meu pupilo, Long é um tanto quanto protetor demais. Eu sou sim um ser onisciente e onipotente. Ao mesmo tempo sou um dragão. Compreenda: antes do grande êxodo de minha raça, eu obtive poder suficiente para alterar meu status. De um mero ser com poder arcano entre os de minha raça, e um daymio[1] junto aos mortais humanos... Eu cresci como um deus. Nada, na verdade, ninguém, poderia impedir-me. Especialmente em minhas terras. Só uma princesa feiticeira de uma lenda antiga teria força para me impedir. A última dessa linhagem sumiu. Acho que você não compreenderia mesmo que eu lhe explicasse com toda cautela do mundo. No entanto, um perigoso e famigerado dragão de sangue me aprisionou na Prisão dos Espíritos.
-Por quanto tempo ficou preso.
Dessa vez não era raiva o que Yo-Long soltava. Eram risadas. Ela estava começando a odiar risadas histéricas. Fossem lá quem as fazia.
-Quem disse que me libertei? Isso aqui é uma interpretação de minha alma. Graças a um aliado que me veio em sonhos. Maelstrom.
Esse nome mais uma vez. Era como uma maldição. Ele sempre surgia nas sombras de seu mundo. Através de forças perigosas como as de Sinestro, Hades e agora Yo-Long. A assassina sabia como aquilo parecia. Interligava as tramas de um plano superior. Um mistério era feito através de um mero nome.
De qualquer modo, ela perguntou com receio para aquele ser:
-E o que quer de mim? Estou morta, não é isso?
A cauda da serpente dracônica se enrolou no corpo de Halphy. Sua ponta era cheia de detalhes coloridos. Cobriu tanto a sua pessoa, que só a cabeça era visível agora. Uma atitude, literalmente, sufocante. Os dentes do monstro deus estavam próximos de sua face. Gotejava uma saliva nojenta, enquanto o cheiro de enxofre subia. Nauseante alguém diria. A jovem ainda continuava forte e firme, apesar de tudo.
-Você vai voltar a viver. Eu quero assim. Através do meu poder. Para que posa me libertar. Vá até onde Sinestro irá abrir o Portal Infernal e espere instruções de Long. Caso não faça o exigido a levarei até uma terra de onde provêm essas criaturas. Além do que, preciso que parte do plano do dragão esmeralda funcione.
E sem que ela quisesse, Halphy Brown despertou. De todo aquele pandemônio. Ou melhor, daquele Inferno. Alguns diriam insanidade.

Tossia muito. Acordou fazendo isso com muita força. O que sentiu dentro do Portal da Verdade a afetou fora dele. Isso ocorreu, pois, com certeza era poderoso aquele escamoso. Mesmo com a ajuda do sorrateiro Maelstrom. Sua cabeça girava muito depois de tudo. Literal e figurativamente.
Só quando despertou notava que estava em uma cabana. Bem simples e sem comodidades. Além de parecer ser das Terras Altas. E lembrou que o castelo de Sinestro se localizava no extremo norte daquele território único. Como havia saído do castelo nem fazia idéia mesmo.
Através de uma porta improvisada com pano surgia Nikolai. E os seus olhos do jovem ficaram cheios de água e alegria, nunca antes demonstrada. O alquimista pulou cima de Halphy. Ele a abraçou afetuosamente.
-Eu já o entendi meu amigo. Esta feliz em me ver... Viva.
-Mais que isso! Grato! A todos os deuses que conheço! E pelos quais orei por você! Pois nem imagino qual lhe salvou!
-Acredito que não foi Hades. Tenho quase certeza disso. Mas também não sei se iria orar para qual fez essa façanha.
-Como assim Halphy?
-Nada... Esqueça... Então só me diga... Vejo que não me enterrou. Por qual motivo não o fez? Ou até queimar meu corpo seria uma opção.
Então o jovem se levantou. Com isso a assassina notou estar deitada no chão de terra. Havia palha ali, mas para fazer uma cama improvisada. Ali havia ela e seus itens todos. Com exceção de Slithar-Mor.
-Mesmo estando aparentemente morta, seu corpo ainda pulsava. Nem me pergunte como. Achei estranho, mas com a ajuda de Brigid eu fugi com vocês nos...
-Brigid ainda vive?
-Eu não sei minha querida. Só coloquei você entre meus braços como ela ordenou. Afinal devia ter lhe avisado dos golpes em seu corpo ainda não recuperado. Perdão. Juro que não voltarei a cometer tal erro.
A garota colocou sua mão direita no ombro de seu, atualmente, único amigo. E talvez para sempre.
-Eu que fui irresponsável. Nunca deveria ter me aliado ao Pacto de Guerra. Muito menos atacar como uma louca aqueles seres em forma de armadura. Por Deus como testemunha, eu admito minha culpa meu amigo.
-Deus? – espantou-se o alquimista – Como assim? Nunca lhe ouvi suplicar pelas bênçãos de uma força superior. Muito menos a dos cristãos. Sinceramente você deve estar passando mal. Melhor deitar mais um pouco. Trarei-lhe um chá para lhe acalmar os ânimos.
Halphy esboçou um sorriso curto e tímido. Parecia um pouco mudada em diversos aspectos.
Ela levantou rapidamente tentando tomar fôlego. Notou que já não havia neve naquelas terras por uma janela. O inverno deveria ter partido, a jovem comentou quando olhou pela janela e apontou.
-É... Já faz uns dias.
Saiu da casa com cada equipamento e item que Nikolai guardou. Estava mais que decidida a lidar com Sinestro. Com o dragão do leste se viraria depois. Ao menos achava que conseguiria isso.
-Onde esta Silthar-Mor?
-A Lâmina que Perfura Dragões? Foi capturada durante o combate por um revenant.
Parecia um tanto transtornada. Ela queria levar aquela arma para longe dos olhares de seu antigo mestre. Porém, sabia que onde estivesse nunca se livraria da influência cruel e maligna dele. Pois parte dele, agora fazia um pedaço de seu ser.
Sim. O artefato. Foi para isso que ele a queria. Seus planos macabros estão cheios de crueldade. Uma grande malícia também. Mas qual seu intuito? Com que finalidade um dragão constituiu família? Não haveria motivos de conceder um objeto de tamanho poder para alguém sem motivo. Só agora pensou sobre isso. Como foi tola. Tudo nesse mundo podre e sórdido tinha um preço alto demais para ser pago. E o dela era claro sua própria alma.
Ela colocou sua mão sobre o medalhão da dominação. E começou a apertá-lo com força. O suficiente para fazer com que toda pele ao redor começasse a sangrar. As garras estavam mais projetadas que o normal. A Chama Gélida tinha que sair daquele corpo. Já tinha sido maculada demais pela herança cruel do antepassado.
Nikolai ali, tudo assistia sem nada a fazer. O que poderia fazer? Ele, como tantos estudiosos, ouviu as lendas sobre o que ocorre a quem tenta acabar com um artefato.
Os gritos que a jovem marduk soltava eram agonizantes. Parecia que queria morrer e que logo estaria perto disso. Só que isso nunca chegava. O suicídio seria uma opção caso seus pecados fossem finalmente perdoados. Ela tinha muitos pecados. Precisava os expurgar eles o mais rápido possível.
Ao que pareciam, os planos de Sinestro e Yo-Long para ela, continuavam firmes. Visto que aquele profano ornamento fixado em seu corpo nunca sairia. Maldito sejam os dragões. Como gostaria só de ser uma meio-elfa agora. Talvez se ainda o fosse isso nunca teria acontecido.
Ajoelhou-se fatigada pelo esforço contra o próprio corpo
-Esta bem donzela.
Ela colocou a mão no peito de Nikolai, como uma forma de apoio ao seu corpo machucado. Precisava de um momento para respirar.
-Grato meu amigo.
-Quer se matar minha querida?
-Se essa fosse uma opção...
-Nunca mais repita isso Halphy!
-Ora essa... Não me chamou de Donzela agora.
-Óbvio! – irritado soltou o alquimista – Você parece mudar de humor, como se estivesse mudando um de seus virotes em sua arma.
-Desculpe. É que só queria...
-Se livrar desse item? – completou o jovem.
Ela concordou com a cabeça.
O jovem começou um discurso:
-Acredito que enquanto estamos vivos ainda podemos mudar as coisas. É óbvio que muitas vezes a nossa vida parece nos sufocar. E detalhes parecem nos limitar. Porém, enquanto vivos podemos fazer o que queremos. Mesmo que pareça absurdo. De certa maneira, o que pretendo um dia conseguir seria um absurdo... Compreende o que quero dizer? Tente se livrar desse mal. Só que viva o quanto puder por todos aqueles que não puderam.
A imagem de Jean se fez presente na mente de Halphy, instantaneamente. Entendia o que aquele homem que mexia com um tipo de magia diferente queria dizer.
-Mas e você Laskov? O que pretende com tanto ardor que ainda lhe faz viver para contemplar outro dia? Já que perdeu um grande amor...
Ele soltou um sorriso malicioso. Halphy esperava outra coisa sair daqueles lábios.
-É bem diferente do que você imagina. Eu suponho... Quero enfrentar a fera que tomou a vida de minha amada.
Um vento sombrio bateu no cabelo do jovem. Era como se até o tempo, que começava a ficar mais ameno, soubesse de suas intenções. Halphy sentiu o pior calafrio. Como se uma premonição seguisse aquelas palavras. E ela dizia que não sairia vivo daquela tarefa que impôs a si mesmo.

Enquanto se afastava daquela casa – que com certeza era uma de milhares, destruídas por uma das Alianças – ela pedia mais informações. Seus passos eram decididos e firmeza sobre eles continham. Sua cabeça ainda estava enevoada. Cheia de problemas. Ainda assim era uma nova mulher e queria saber tudo para começar a agir.
-Mallmor abandonou o Pacto de Guerra. Antes, no entanto, entregou um artefato de poder equivalente ao do Desalmado e do Cavaleiro da Pele de Platina. É chamada como Rosa Negra, pelo que eu soube. O Príncipe Negro dos Anões foi para próximo de Jerusalém, junto com uma comitiva de seus mais fiéis homens. Já o resto do exercito do dragão partiu na direção do tal lugar onde originalmente o Portal Infernal foi aberto. Ninguém, a não ser Sinestro sabe sua verdadeira localização. E eu não conseguiria retirar muitas informações das tropas. Quase toda sua formação, agora é composta por mortos famintos e revenants. Aqueles que não são assim, quase sempre fazem parte de grupos perigosos. Como ogros cheios de raiva ou necromantes perigosos. Ao que tudo indica também, o poderoso Matadouro morreu em combate.
Nesse instante, Halphy parou o discurso do amigo e o segurou pelo braço. Aquele monstro era extremamente perigoso. Os duendes verdes e ogros idolatravam-no como a um rei. Mesmo seus poucos dons arcanos seriam o bastante para triturar um oponente em alguns instantes.
-Quem o fez?
-Foi ao norte. Nas terras gélidas. Ele morreu para os Dragões da Justiça.
Halphy o soltou imediatamente. Sorriu como uma criança. E em seguida correu. Mais rápido que um lobo em disparada. Ou que uma águia sobrevoando os céus. Até mesmo mais veloz que um peixe em águas límpidas. Nikolai tentou a seguir com grande confusão em sua mente.
Parecia ter revivido na jovem algo que não fazia a mínima idéia do que se tratava. Ainda assim, ele acreditou ser algo deveras bom.
-Para onde vai? – gritava já sem fôlego, sendo que pouco ele havia corrido na verdade. Estava desacostumado com aquilo. Ainda que o tenha feito no castelo.
-Não usei o poder de minha bola de cristal, mas meu instinto me diz que se não estiverem... Ao menos devem estar indo na direção de Avalon. E é praticamente impossível comunicação através de magia lá. Além disso, é o único ponto de referência que tenho para saber onde eles estão. Mesmo que não seja lá que os encontre. Vamos seu ocioso. Deixe a preguiça e moleza de lado e me acompanhe. Necessito de seus dons ainda. Se quiser me ajudar.
-Quem esta em Avalon? E essa terra não é uma lenda? Nunca soube de um homem que esteve lá.
Com o inverno acabado e a vontade de Halphy finalmente revitalizada, aquele lugar parecia mágico agora. Subiu em algumas pedras e notou que havia montanhas mais a frente em seu caminho. Uma jornada dura que iria conseguir superar. Tinha que apressar o passo de qualquer forma possível. Talvez, ela mesma fosse chave para algo muito maior em toda a Gaya.
-Avalon é real. Meus pés tocaram aquela grama e aquele chão mágicos. Pretendo me reencontrar com os Dragões da Justiça. Eu acredito... Eu sei que eles podem impedir Sinestro. Assim eu espero.

Aqueles seres estavam em cima um lugar, onde deveria ser uma montanha no mínimo. Ao menos parecia ser. Algo dentro deles dizia que o lugar não ficava em um mundo comum. Devia-se ao fato que o céu estava repleto dos mais magníficos dragões dourados. Sem um sol sequer, mas parecia de dia. E o céu tinha dons em dourado poderoso, quase vivo que forçavam a vista daqueles estranhos no lugar. Tanto que não conseguiam definir como estavam vestidos os seus estranhos companheiros. Pelo menos eles eram assim uns aos outros.
Eram cerca de cinco figuras em volta de um obelisco. Nele, havia um símbolo, claramente ligado a um dragão dourado. Pareciam confusos, pois foram convocados por algo ou alguém. Havia entre eles – ao que tudo indicava – dois homens, uma mulher, um anão e um ogro. Cada um armado e equipado. Muito bem por sinal, apesar de não conseguir ver os detalhes.
Antes que pudessem fazer qualquer coisa – boa ou má – uma voz se fez ouvir.
-Ouçam! A terra em pisais é chamada Império dos Dragões do Sol. Fui eu que a criei. E sou pleno com meus poderes sobre tal localidade. Desafiem-me e saberão muito mais sobre isso. Da forma mais terrível possível. Conjurei-os até aqui por um motivo. Um crime bárbaro ocorreu em meu plano natal. Algo bárbaro, que não tem precedentes nos mundos conhecidos. Se pudesse interferiria nesse assunto quando soube dele. Não o posso. Por causa das leis que regem este universo. E isso me impede de punir a culpada por crime tão grave. Porém, conheço brechas dentro das matrizes nos mundos. Inclusive de Gaya. Seres mortais têm como cumprir o que não posso por fatores maiores. Onde vós podereis cumprir minha vontade e a justiça mais que divina. Pois ela foi cúmplice de um assassinato. Tal facínora que cometeu esse ato perverso e pérfido eu lidarei pessoalmente, ao meu modo. Entretanto quero que eliminem qualquer vestígio da existência repugnante da amaldiçoada mulher. Ainda assim, não tenho como os projetar em meu mundo de nascença. Isso ocorre já que um poder antigo, tratado como Paradoxo impede muitas coisas de ocorrerem por lá. Inclusive vossa incursão, sendo de lugares tão distantes, como sois vós. Compreendam e espereis. Já que um dia voltarei a convocá-los para eliminar Halphy Brown. A última mortal que viu meu irmão vivo. Não há com o que se preocupar. Ela partirá para a Cidade dos Portais em breve. Tenho certeza disso. Seja nos Impérios Esquecidos, Dragaurus, Terras do Falcão das Cinzas, Ofício de Guerra e Nevoa Sangrenta... Eu procurei os melhores aventureiros que pude. Serão recompensados como quiserem. E com quanto quiserem.
Somente a mulher questionou aquilo tudo. Quando o fez se adiantou na frente do obelisco.
-Mas quem é você para fazer tudo isso? No mínimo um semideus ou algo dessa estirpe. Só que nunca antes havia sido convocada por tal poder. Perdoe-me se pareço tola quando a isso.
Surgiu vindo do nada, um par de olhos dourados como o sol naquele céu. Uma cabeça surgia na forma de nuvens grossas e trovejantes ao redor daquele par de globos com a cor do ouro. Tinha a forma de um imenso crânio de dragão. Sua boca alargada, seus dentes protuberantes e até os chifres cheios de poder. Nada era comum naquele ser. E com certeza não se tratava de um mero semideus.
-Sou Ixxanon, deus dos dragões dourados e de todos os aspectos que punem os caóticos e maus. Meu poder é supremo. Não preciso pedir perdão a nenhum ser, visto que meus dons superam qualquer erro cometido quando poderia ser morto. Por tanto este dom também lhes concedo. Nunca precisais pedir desculpas pelo que farão, pois será em meu nome. E que vocês lembrem-se que os convocarei mais uma vez. E quando o fizer... Caçarão para mim.
Então, literalmente com um mero sopro, aquela forma tão magnífica fez com que os aventureiros sumissem tão rapidamente, quando apareceram. Em seguida cinco estrelas partiam para direções extremamente opostas. Era claro que se tratavam dos ainda misteriosos caçadores a mando de Ixxanon. Cada qual deveria ter retornado a sua terra de origem. Já que todos nasceram em mundos completamente diferentes, essa diversidade poderia auxiliar os jovens nos intentos que o dragão pediu a eles.
A forma dracônica se dissipou bem lentamente, como se fosse um manto caindo ao chão de uma casa. Quase de forma triste. Não sem antes deixar algo cair rapidamente. Parecia que era uma lágrima. Mas se alguém visse aquilo, pensaria se tratar de uma estrela cadente.




[1] Lorde

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

(Parte 42) Hino da fé


Dois dias se passaram desde que houve – pelo menos é assim que os aldeões denominaram – o Martírio das Três Feras. Enfim, na manhã do terceiro, o navio com os guerreiros daquele lugar chegou à costa. Estavam tentando fazer acordos com outras vilas. Foi o que alguns deles falavam aos Dragões e ao Homem Santo.
Estavam inconformados com o estado da vila. Devastada. E caso não houvesse heróis ali, em pior estado estaria eliminada. Os deuses são um tanto caprichosos. Quando acreditamos que nada de ruim nos acontecerá é quando devemos redobrar a atenção. Podem nos tirar amor, fortuna, família, riquezas ou bem materiais. Ainda assim a fé permanece. E não é necessário que seja depositado tal atributo nas divindades. Basta que ela exista nos corações.
James os reconfortou com isso e muito mais. Apesar de acreditar em uma divindade, nunca sequer citada no panteão deles, o antigo Imortal Esquecido obteve atenção de todos. Propagar a palavra de Kanglor, no entanto, nunca foi sua função ali. Iria os ajudar e auxiliar no que pudesse. Pois essa era uma função dele como paladino.
Os Dragões da Justiça colaboraram também. Com os auxílios arcanos e físicos, em dois dias a pequena vila estava bem. Brincavam muito até, verdade seja dita, mas estavam bem entusiasmados com aquilo tudo.
Enquanto isso, Siegfried se apresentou ao líder daquela vila, pai de Hilde. Nos dois dias que seguiram – visto que o jovem falou com aquele homem, no mesmo dia que ele chegou – conseguiu passear com sua amada. Havia recebido a permissão do progenitor para sair com a garota.
Nunca se viu um casal tão feliz. Pareciam que haviam conhecido um ao outro, séculos atrás. Nem Lacktum queria admitir. Sentia inveja, só que James compreendia esse sentimento. Perder alguém nunca é fácil. Não importa a idade que se tenha quando isso ocorre.
Assim que os dois dias passavam os heróis se preparam para partir. Cada um ao seu modo.
O elfo se encheu de flechas. Até mesmo na mochila. Parecia uma aljava ambulante. Graças ao mago, ele obteve bom senso. Um pouco, bem pouco.
Thror treinou a exaustão. Queria usar suas novas lâminas de forma perfeita. Poderia treinar e conseguir manipular Trovoada e Relampejar ao ponto de fazer uma delas seu escudo em combate. Difícil aquilo seria. Já em sua cabeça estava mais que pronto como sempre.
Gustavo se isolou. Nem Arctus pode entrar em contato com o cavaleiro. Parecia que aquele homem quis se fechar. Algo incomodava seu ser. E o clérigo temia que estivesse próximo o dia que ele tombaria. Pois é destino de um homem igual a ele morrer contra o mal.
Ulfgar perdia os dias discutindo com Tom. Sempre eram coisas como brigas sobre martelo e raio mestre, filho e pai, Asgard e Olimpo. Ao menos o clérigo gostou do termo Valhalla. Claro que queriam falar de seus deuses patronos, e saber quais deles era o mais forte. Nunca alguém imaginou que duas pessoas contrastantes seriam tão parecidas.
E então, o dia chegou. Os Dragões e James teriam que partir em direção de Avalon. Houve uma grande série de despedidas tristes. Algumas até meio fúnebres.
O primeiro foi James com Deenar.
-Não posso partir contigo mestre? – perguntou de modo tristonho o anão.
James se agachou. Era até belo aquela cena: como se o humano referencia-se o pequeno elemental da terra. Ao fazer isso, ele segurou firme no ombro daquele que até então, era seu discípulo.
-Precisa ficar aqui. Um novo Homem Santo deve surgir. No meu lugar. Esse povo necessita acreditar em algo ou alguém. O clero cristão esta vindo. Tentando converter os homens. Alterando nossos modos antigos. E com isso, todos os deuses sumirão. Só que enquanto houver lendas, uma parte de nós ficará. Assim deve ser para sempre. Alguém que respeite as tradições. Este será você.
-Compreendo meu mestre. Sua voz me lembra uma despedida. Antes de um enterro ou cremação. Qual o motivo disso?
Eis que o mestre abraça seu pupilo, rapidamente. Como se o quisesse calar. Ainda assim, em um gesto quase fraternal.
-Você não é mais meu discípulo. Agora isso é um adeus em definitivo meu amigo. Espero que seja feliz Deenar.
Nesse meio tempo, Tom tinha problemas muito maiores com uma mulher. Valquíria o queria acompanhar. Não do modo que ele queria, contudo.

Havia discussões entres os dois já que ele nunca imaginou o que jovem realmente queria. Erro grande.
-Você quer ser clériga? De Zeus? – perguntava o jovem aos gritos e com tom inconformado.
-E qual o problema nisso? Falou-me tanto dessa divindade... Eu quero servir a ele por isso. Não posso?
-Pode! Lógico... Só que achei que iria querer outro deus. Ou melhor, deusa. Como Athena, Demeter e até Hera... Quem sabe a deusa da sorte... Por algum motivo não consigo me lembrar o nome desta.
Valquíria notou o jovem divagando. Tratou de cortá-lo desse transe. Estalou os dedos na frente de sua face.
-Não quero saber disso. Por ser mulher devo venerar uma? Sem sentido. Além do que, você só me falou de Zeus. Nenhum outro. Então a não ser que sua virilidade fale tão alto que não permita treinar uma mulher nesses caminhos.
-Não fale assim dos deuses. Mas há sentido no que diz minha cara. Até que deve ser bom isso para mim. Uma clériga de Zeus me auxiliando. Assim poderei combater de forma melhor...
-Por favor, de novo isso de se perder em pensamentos? É novo demais para ficar assim meu caro.
-Certo! Você pode ser uma sacerdotisa. Só me faça um favor: troque imediatamente essas roupas.
-Nunca que irei usar as mesmas vestimentas citadas por você uma vez. Minha bota é grande mesmo, minha saia dividida para me facilitar correr e uso peles do modo que os do meu povo sempre faziam e ainda o fazem. Se não esta satisfeito com isso então eu volto para minha casa. Além do que, foi você que criou a maldita aposta. Caso a memória lhe esteja falhando também.
-Raios. Esta bem mulher. Entre no navio.
Ela se abaixou. Pegou as coisas que trouxe de sua humilde morada e foi até a embarcação. Antes beijou a face daquele que seria seu mentor de agora em diante. Alguns dos homens ao redor riram do fato.
-Praga Tom. Fraco mesmo, hein? Consegue eliminar um terrível ogro mago, ao qual unificou seres de diversas raças. Porém, não convence nem um mulher – afirmou Lacktum com um sorriso.
Sem ter como negar Tom só confirmou com a cabeça. Os Dragões tinham mais um membro em seu grupo agora. Valquíria das terras do norte. E com coragem superior a muitos ali.

Valente ficou preso em um compartimento da embarcação. Longe dos humanos, pois poderia assustar os humanos. Não era como Rec, ao qual lacktum escondia através da magia. Fazendo o que lhe foi pedido ele se sentia nervoso.
Ao menos ele estava sem nenhum rato ao seu redor. E estava junto da comida. O problema continuava no fato de estar em um lugar extremamente apertado.
Nada poderia fazer por enquanto.
-Espero que eu possa fazer algo logo. Estou farto de ficar no pano de fundo.
Quem imaginaria Valente como peça chave de um dos principais confrontos que estariam por vir.

Quase todos haviam se despedido dos habitantes da vila naquele dia. Acolhedores e fortes sempre. O povo da região possuía muita garra em seu modo de vida simples. Com tudo isso eles já passaram por muitas coisas. Algo que nem os Dragões imaginariam. E estava enraizado em suas almas.
Estavam todos concedendo adeus as pessoas. E isso dificultava ainda mais a vida de Siegfried. Não foi dito muita coisa pelo que os bardos contam. Uma conversa simples, entre amantes.
-Quando irá voltar meu amado?
-Eu não sei. Juro, entretanto, que de alguma forma retornarei para você. Prometo-lhe.
-Não jure algo que não irá cumprir. O faça simplesmente.
-Eu o farei. Acredite Hilde. De alguma forma farei isso nem que para isso volte de uma forma nunca antes vista.
-Sabe que eu creio cegamente em você. Que o esperarei.
-E por isso, eu lhe peço... Caso o peso dessa espera seja demais para sua tão pura alma... Permito-lhe que encontre alguém digno. Com o qual terá uma família feliz como eu desejo a você. Pois a empreitada para salvar meu pai, não sei quando terminará.
-Não importa o quanto eu espere. É você que vou sempre esperar.
-Esta certa disso?
-Lógico!
-Minha Hilde. Amo-te tanto quanto existem estrelas no céu noturno. Na noite mais decorada com essas luzes.
-E eu a vocês, tanto quanto grão de areia na praia. Da mais longínqua terra e do mais extenso território.
-Tão pouco? – soltou Siegfried de modo irônico.
-Seu parvo.
-Eu sou. Por você eu sempre serei.
-É sim. O meu tolo.
-Agora irei partir.
As mãos dos amantes se desvencilharam. Pouco a pouco. Tão lentamente conseguiam ou poderiam fazer aquilo. Quase na velocidade de uma batida de coração. Quando os brancos de seus olhos não mais se cruzavam aqueles dois puderam agir de modo adequado na atual situação. Ele caminhou na direção do navio, de forma firme e decidida. Já a jovem correu para longe, o mais rápido que pode. Um casal que tentaria manter a chama do amor em ambos, mesmo com a distância.
Ao se encontrar com os Dragões, Lacktum perguntou se ele tinha certeza de sua atual decisão.
-Sim. Além de cuidar desses dois pesos – apontando na direção do anão e do elfo – necessito encontrar uma cura para meu pai. Compreende meu amigo?
-Cuidar do elfo? Pois sim! Não necessito disso – disse Bahamunt.
-Cuidar do elfo sim, pois EU não necessito disso! – gritou o ranzinza anão.
-Não necessitam disso para mim. Sei me cuidar muito bem, diga-se de passagem.
Enquanto falava isso, o elfo esfregava um anel em sua mão.
-Por qual motivo faz tanto isso? – perguntou Ulfgar na doca.
-Ora para encontrar minha mãe é claro – respondeu o elfo a sua frente.
Alguns homens o olharam com estranheza. Ulfgar os acalmou dizendo que eram coisas de elfos. Muito ali já tiveram convívio com os sidhes de Midgard. Por isso não estranhavam tanto o arqueiro ali. Seus hábitos, porém nunca passavam despercebidos...
-Eu lhes disse que talvez, se continuarem conosco, as pessoas ao seu redor... Não lembrem mais nada sobre vocês. Eu ainda não sei como isso funciona completamente. Mas é um efeito poderoso do que os mais antigos tratam como Paradoxo.
Siegfried abaixa a cabeça. Em seguida diz:
-Não terá sido tempo perdido. Além disso, eu sinto, dentro de mim, que uma pequena fração do meu ser esta aqui. Nessas terras, de onde nunca nasci. E que sempre vivi.
Ao falar aquilo, Siegfried subiu enfim na embarcação. E Lacktum questionou aquele fato. Caso estivesse naquela situação, o mago faria a mesma coisa?

Enfim, o navio concedido para a viagem deixou aquelas terras gélidas e ao mesmo tempo, tão calorosas. As forças e ânimos se inflaram com toda aquela situação. Alguns, pelo fato de conhecerem uma terra totalmente desconhecida e mística. Outros, por voltarem em uma ilha tão sombria, mas magnífica e bela. Pois assim também era a Arte. Ao mesmo tempo bonita e mirabolante. Intrínseca como uma chama escondida. Gentil como um ser celeste. Tolos são aqueles que acreditam plenamente nesse poder. Pior ainda aqueles que não o fazem.
Enquanto o navio passava em certo ponto, de um penhasco era visível uma figura. Feminina com certeza. Era uma última despedida. Tanto da amiga, que arriscaria a vida em aventura quanto dos heróis que partiam. Acima de tudo, do homem amado.

Passaram-se os dias lentamente. A embarcação cruzava no mar com velocidade única. O skeid[1] reformado pelos aldeões da vila e reforçado com feitiços tornavam-no quase um peixe na água. Suas almas agora se enchiam no peito com a vontade de encontrar mais respostas.
Para tanto, quando podiam os jovens treinavam. Pois sabiam que as respostas não viriam sem conflitos. Verbais ou físicos.
Thror usava suas lâminas junto de Gustavo, agora mais extrovertido. Tom guiava Valquíria nos caminhos e segredos de Zeus como podia. Bahamunt usava suas flechas contra a impetuosa defesa de Ulfgar de modo único. Estavam prontos. E agora estavam mais instruídos por Lacktum o quanto conseguia. Ainda que ficassem cansados fisicamente.
Em uma manhã, o paladino James chegou próximo do jovem mago. Ele estava do lado esquerdo, na frente do navio, onde ficava a cabeça de dragão esculpida. Parecia contemplar um futuro misterioso.
-Ouvi que você era meio fraco para viagens marítimas – comentou o membro dos Imortais Esquecidos.
-Criei um pequeno truque para acabar com enjôo. Uma simples mágica.
-Ora! Você parece sábio. Conseguiu criar até uma magia. Parabéns jovem talento.
O jovem riu desconcertado.
-Que isso. Foi apenas um simples truque. Se fosse uma magia mais poderosa eu poderia falar algo. Gabar-me talvez.
-Do jeito que vai nem tenho certeza se precisará do meu treino. É um prodígio meu caro.
Com isso dito o mago duvidou das palavras daquele homem.
-Desculpe. Como pode um homem de arma ensinar um mago? Não quero duvidar do senhor.
James sorriu e se apoiou na cabeça do dragão no barco. Então questionou o mago:
-O que é a magia Lacktum?
Lacktum convencido, quase debochou daquilo.
-É o meio pelo qual alteramos a realidade ao nosso favor. Todo mago e feiticeiro sabe disso.
-Parabéns! Mas o que disse são fezes, próximo do que realmente ela é. Entenda que ela é bem mais que isso. Ela provém dos nossos sentimentos. Não importa se eu sou bom ou mau, a magia esta em nós. Em tudo ao seu, e ao meu, redor. No arquimago poderoso, no guerreiro audaz ou no aldeão trabalhador. A arma de um homem que combate não é uma espada, machado ou lança. É o conhecimento que obteve para manejar aquele item. Assim como você lida com a Arte deve saber que isso também é feito através do seu coração. E ai você extrai o mana para seus feitiços e encantos. Isso difere as focas arcanas da famosa Lei. Até um morto sem descanso tem esse poder, como pode ver por Kalic Benton II.
O jovem mago sabia que mesmo sendo um abridor, aquelas palavras faziam sentido. E ao perguntar ao paladino como obteve tal conhecimento, ele obteve uma resposta bem simples: eu vivi.

Em outro lugar, em uma espécie de santuário arcano, dois encapuzados caminhavam até um circulo mágico. Os dois conversavam seriamente. O primeiro usava um capuz muito maior.
-Mestre, você acredita que estou pronto? Crê que eu posso estar apto para trilhar esse caminho?
O segundo notou aquela pergunta com um tom de fraqueza. A falta de confiança naquelas palavras. Isso era comum, visto o tamanho de sua missão. Não poderiam deixar que aquilo enfraquecesse suas determinações.
-Não tema. Wolfgard seu nome estará em lendas. Recitaram poemas e histórias. Lendas e feitos surgiram sobre sua graça. Estamos partindo para Avalon onde poderão alcançar uma grande proeza. Lá, o destino lhe possibilitará encontra e finalmente libertar o seu pai.
A dupla alcançou o lugar com alta magia, o ponto mais forte dali. O segundo homem mexia suas mãos decrépitas lentamente. Fazia círculos no ar, além de criar movimentos únicos e circulares. Estava clara sua concentração em cada elemento daquele rito. Quando isso ocorreu àqueles gestos ficaram rápidos, quase frenéticos. Enfim, brilhos arcanos e forças realmente poderosas preenchiam o lugar rompendo o tempo e o espaço. Depois de que cada uma das marcas obteve sua posição, os dois sumiram com a vontade daquele mago.
Um detalhe que vale mencionar é que o primeiro homem era filho de um dragão. E um Dragão da Justiça ele estava destinado a ser.

Em determinado momento daquela viagem, enquanto Tom tentava ensinar certos costumes dos gregos para Valquíria e o resto do grupo mexia nos remos, Valente começou a cantar. Era a mesma canção cantada por Thror tantas vezes. E o guerreiro careca com cicatriz acompanhava o suricate com sua voz. Até que bonita. Ainda assim já era repetida muitas e muitas vezes no mar.
-Parem de cantar a mesma coisa sempre praga – exigiu Ulfgar irritado. Anões gostam de canções, mas nunca de repetições.
-Então querem que eu cante o que? – perguntou Thror enquanto remava. Ele estava até que bem distraído.
-Eu não sei. Só mudem de música! Oras!
Sem que pudessem pedir algo, os membros dos Dragões da Justiça ouviram uma voz até que graciosa. Meio tremula e fraca. Era James Gawain na borda do navio cantando. Uma perna estava na parte lateral da embarcação e a outra na parte superior.
Terra de urso, terra de águia
Que nos deu o berço e a benção
Os jovens pararam seus afazeres para ouvir aquilo. Não parecia ser forte a canção. Porém, o coração dentro do paladino tinha certeza do motivo de cantar. Muitas pessoas pensam que uma música só deve ser proferida por um bardo. Só que em seu coração se houver uma chama antiga que o faz querer cantar – seja perda, amor, ódio, raiva, lamentação, inveja, serenidade, bondade, caridade, confiança, orgulho, luxuria, temperança ou até crença – deve o fazer com as letras que encontrar.
Bahamunt interrompeu falando que aquilo era comum das mulheres cantarem.
Nova surpresa, pois Lacktum o seguiu, de pé, cantando:
Terra de urso, terra de águia
Que nos deu o berço e a benção
Terra que nos dá esperança
Vamos voltar por entre os montes
Então, mesmo aqueles que não sabiam cantar aquele som tentavam repetir seu refrão. Criando um som único por todo aquele mar. Até mesmo a pequena criatura animal que sempre os acompanhava.
Vamos voltar, vamos voltar
Vamos voltar por entre os montes
Enquanto faziam isso, ninguém notava que na mão de Lacktum, além de seu grimório havia outra coisa. Um tomo. O mesmo que foi entregue por Azerov. O livro da loucura de Lacktum

As águas não eram mais do mar. Pareciam mais com as de um lago ou rio caudaloso provavelmente. Além disso, brumas surgiam. Não era como uma simples neblina matutina. Havia algo ali que era vibrante, atraente, belo e único. Muito raro. Quase mítico. Ninguém ali sabia descrever perfeitamente o que era aquilo, mas alguns sabiam o que significava. Haviam enfim, chegado às fronteiras de Avalon.
James e os membros mais antigos do grupo pareciam caçar algo com seus olhos. Era uma pessoa. Qualquer figura que os auxiliasse chegar até a real Ilha das Brumas.
Tom, Ulfgar, Bahamunt, Siegfried e Valquíria estranhavam aquela reação tão sem sentido dos colegas. Achavam até que estivessem mais loucos que o elfo. Esse não se ofendeu naquele momento.
Foi Thror que apontou em uma direção dizendo com muito orgulho sobre sua descoberta:
-Ali! Mestre James! Nas pedras! Há um elfo! Como quando chegamos à primeira vez em Avalon. Não é o mesmo, mas sei que se trata de um.
O mesmo que deve a atenção chamada mirou na direção apontada. Ele colocou a mão no ombro do guerreiro grego.
-É isso mesmo amigo. Muito bem.
Era notável que o sidhe usava vestimentas arcanas de tom azul berrante. Cabelos longos presos em formas trançadas o faziam ter um mais nobre ainda. O que parecia estranho para um lugar tão isolado na água. Seus olhos demonstravam um poder tremendo e cheio de segredos que alcançavam facilmente almas tolas que o fitassem. E ele pairava em cima das pedras. Não havia dúvidas que descenda no mínimo, de uma casa nobre dos elfos.
-Ora essa. Eu entro nas terras dos elfos. Para qual motivo? Ver mais deles malucos como esse aqui – e ao falar isso, Ulfgar apontou para Bahamunt. De um modo irônico.
-Não faz sentido! – soltou Tom – Até chegarmos aqui nada havia. Olhei na mesma direção do guerreiro. Em um fechar e abrir de olhos, após ele falar isso, ai estava o sidhe. Nessa pedra. Em um lago! Como?
Ao ouvir isso, Lacktum logo tirou a duvida do clérigo.
-Aquele é como poderíamos chamar... De um porteiro. É ele quem protege as fronteiras entre as terras de Avalon e a nossa. Assim como ocorre em outros reinos élfico, eu presumo. Seus poderes são demasiados grandes. Podemos comparar seus dons ao infinito dos céus, ou a extensão das águas no mar. Nem sei se isso seria suficiente, acredito.




[1] Outro nome para os drakkar, navios de guerra viking. Chegava a 22 km/h (12 nós)