sábado, 19 de setembro de 2015

(Parte 41) Ruínas assombradas



Ela despertou em um lugar que conhecia bem. Cheio de sombras e crueldade. Onde antes havia um espelho, sabia bem. Agora surgiam olhares de desaprovação e maldade. Um inimaginável ninho de cobras perigosas. Se estivesse bem, e não sendo tratada como uma traidora chamaria o lugar como lar. Mas aquele era o castelo de Sinestro.
Halphy estava cercada por boa parte dos membros do Pacto de Guerra. Ainda assim, faltavam Daehim, Matadouro e Mallmor. Nikolai, desacordado e ferido também estava ali.
Queria que tudo fosse um simples sonho. Contudo, era realidade e nada mais seria como antes.
Estava sem nenhuma de suas armas. Nem as facas, nem a bestas, muito menos Vampira de Almas. Só lhe restava suas roupas rasgadas. Além de suas algemas, pesadas e com símbolos arcanos. Era óbvio que elas tinham grande poder. Notou que Nikolai também possuía um par ao redor de seus pulsos. Nenhum deles poderia usar magia.
Em um trono de pedra estava sentado Sinestro, coberto por manto só deixando só os olhos reptilianos a mostra. Uma espada estava acima das pernas do ser. Era Fim- dos- Dragões. A pouca expressão visível trazia certa raiva. Constatava-se que ele já soube da tentativa daquela jovem em tentar abandonar o Pacto de Guerra. Era claro como a luz esse fato.
-Sinto por suas atitudes Halphy... – começou o dragão que ainda estava sem sua forma original. Não deveria ter se passado muito tempo desde que ficou desacordada pensou a jovem assassina. Ela o interrompeu de forma pesada.
-Poupe-me Sinestro! Tem outros planos. Para mim e todo o seu maldito Pacto não é?
O líder daquele grupo se levantou com demasiada raiva.
-Como ousa levantar a voz para mim! Não passa de um animal! Um ser domesticado.
-Ouso isso e muito mais! Maldito é aquele que confiou em Coração Gélido. E mais ainda, quem o fará. Chamou-me de domesticada? Até um cão pode morder seu dono quando for maltratado!
Nesse momento, as garras dele levantaram o corpo de Halphy. Em questão de instantes, ele saiu do trono. Igual a uma assombração alguns diriam. Não que estivesse muito longe disso. Erguia a jovem pelo pescoço.
-Cale esse buraco cheio de fezes que acredite ser uma boca – disse ele enquanto a asfixiava. Em seguida, lembrando que ela ainda teria um propósito, lançou ela para longe.
Nenhuma reação vinha dos espectadores. Só os artistas daquela peça profana.
-Sorte sua ainda termos você como uma peça chave. Nossos planos necessitam de você.
Nikolai despertou com o golpe que jogou a jovem para longe. Ele a viu usando a parede para se apoiar. Lentamente se levantou. Seu corpo parecia moído, ainda assim tentava manter-se firme diante de tudo. Cada vez mais difícil. Ainda assim, ela ria.
Sua risada veio de forma irônica. Meio triste, ainda assim queria ferir seu antigo mentor. Já foi dito que as palavras trazem dor. E algumas outras coisas surgiram na sua cabeça com um sorriso enlouquecido.
-Não sei o que é pior: saber que fui usada ou me lembrar quem fez isso. Queria alcançar o poder, só que agora noto com tristeza, ele não estava em você. Pois caso o tivesse não teria ardis necessitando de humanos como capangas – e ao falar isso ela cuspiu no chão.
Ele ficou de costas tentando se controlar. Em seguida exigiu que as duas criaturas fossem retiradas de sua presença.
-Eu vou lhe mostrar quem é inferior! – gritou Halphy enquanto era levada por uma dupla de revenants. Essas criaturas ficavam nas sombras, imperceptíveis. Com a forma de uma armadura ninguém imaginaria que eram monstros.
-Halphy o que houve? – pediu o alquimista. Ele também era levado.
-Estamos sendo preso para mais tarde auxiliar os planos de Sinestro.
Enquanto eram arrastados, o dragão sentiu que algo estava errado. Não era para isso ocorrer. Pois o que ele queria estava perto de si e de vários outros.

Foram presos os dois. Em uma das celas do castelo. Uma das que passou poucas vezes quando participava do Pacto de Guerra. Por qual motivo pensaria naquele lugar questionou muitas vezes.
-Por todas as forças do oculto! – Nikolai falava isso enquanto batia sua algema contra a grade – Quem concedeu essas algemas para os servos de Sinestro? Eles não teriam capacidade para isso.
Halphy encostada na parede ficou pensativa. Lembrou-se da morte de Jean. Da mão de Raquel o atravessando com um golpe arcano. Era sua culpa isso acontecer com ele. Tão grande era sua sina. Será que alguém teria piedade dela, depois de suas atitudes covardes? Nunca ela pensou.
-Ei! Donzela? Poderia me ajudar a reclamar aqui?
A moça parecia ter saído de um transe. Lembrou onde estava quando notou Nikolai na sua frente, pedindo atenção.
-Desculpe... Estava em outro lugar.
Ele se agachou e se aproximou da moça. Parecia bem mais calmo, do que quando reclama de suas mãos presas.
-Não foi sua culpa minha cara.
-Do que esta falando Nikolai.
-Foi Raquel quem matou Jean. Não você.
Ela o olhou carinhosamente. Finalmente se levantou. Tentou arrumar a si como podia.
-Obrigado Laskov.
Foi até a direção da porta da cela onde estavam. Ficou de costas para ele.
-Eu sei que você sabe meus segredos – ele falou com tom sombrio.
A jovem virou seu pescoço na direção de Nikolai.
-Como sabe... Ah! Zacharias, não é?
O pobre alquimista afirmou com sua cabeça. Era constrangedor. Nunca pensou naquela situação a jovem.
-Eu não quis... Eu só... Perdoe-me – só agora notou o quão invasivo poderia ser aquele artefato.
-Você não pensou que o seu feito foi mais que uma carta? O que soube?
-Você trabalha para a Santa Sé.
-Parece pouco. Não parece algo que arrancaria de mim donzela.
Suspirou fundo a jovem antes de relatar:
-E da mulher que um dia amou.
-Ah!
Era a vez dele se sentar.
-Nunca pensei que voltaria a me lembrar de minha amada. Não desse modo. Se me recordo bem, eu era um alquimista em começo de treinamento. Só que tinha talento. Muito. E me apaixonei quase que por acaso. Eu pegava ervas para uma solução alquímica. Ela procurava algumas para um corte que sua mãe sofrerá. Não sei o motivo para isso acontecer àquela senhora. Algumas coisas ainda ficam nubladas em minha mente. O que é certeza... Éramos felizes. Sendo tolos ou não. Só que o destino é cheio de artimanhas. Ela era do legado de Andrômeda.
-Legado?
-Sim. Ao que tudo indica algumas mulheres que descendem de Andrômeda eram sacrificadas. Para um tipo de fera antiga. Deve saber da lenda.
-Andrômeda, oferecida a uma fera. Para aplacar o ódio de um deus. Não é isso? Nunca fui especializada com mitos gregos.
-Exato. Eu morava próximo a essa vila que mantinha os costumes. E cheguei tarde demais. Por isso sou assim. Cheio de vontades para tentar esquecer a dor.
-Compreendo.
A garota queria lhe conceder pêsames, ainda assim não o fez. Do que adiantaria? E de qualquer modo não havia necessidade para aquilo no momento. Nem tempo suficiente.
-Como podemos fugir – ela questionou.
-Eu estou pensando. Mas tem pelo menos dois revenants na passagem que nos concederia a liberdade.
-O problema nem é esse. Eu me refiro a essas coisas – apontando para as algemas.
-Deixe-me pensar...
-Vejo que estão em dificuldades – disse uma voz no canto da cela.
Os dois pularam de susto. Aquela cela pequena tinha outra pessoa? Impossível. Ainda mais sem nenhum item no local.
No lugar de onde ouviram aquela voz, uma forma estranha surgia. Começando por sua pele. Tinha escamas, como um marduk, só que essas eram mais brilhantes e coloridas. Além de lembrar mesmo, partes de uma serpente. Até os cabelos pareciam mais com uma cobra. Seus olhos totalmente e com um parentesco mais claro ainda com um ofídio. Garras de um poderoso dragão no lugar das mãos e pés – estes descalços. Possuía uma roupa que Halphy tinha certeza ser de pura seda muito cara. Nela, além de haver um estilo diferente de qualquer vestimenta que já viu seu contorno era recheado de desenhos. Estranho para a assassina e o alquimista.
-Quem é você? Ou melhor, o que é você? – perguntou Laskov.
-Parece um marduk.
Aquele ser cuspiu de lado. Estava enojado com a comparação.
-Perdoe-me, mas não me rebaixo a um nível de meio-dragão.
-Não vou tomar isso como pessoal, ainda. Então é o que? Ou melhor, veio de onde? – perguntou mais uma vez a jovem.
-Vim de uma terra muito longínqua. Na desconhecida, por vocês, Yamato[1]. Só que essas terras possuíram outros nomes. Até pelos homens do continente. É como uma ilha para vocês. Águas poderosas por todos os lados. Pelo que eu vi, ela não esta nos mapas de vocês das terras do Oeste.
-Não existem terras assim – soltou Halphy.
-Conhece pouco do mundo com seus olhos jovens, Brown.
-Sei...
-Também aquelas terras são chamadas de Hinomoto[2].
-Eu não quero saber disso! Por qual motivo esta aqui?
-Vocês são apressados. Meu mestre chama-se Yo-Long. Ele é o que vocês chamariam de um dragão. Para mim é como um deus. Pois foi ele que me ensinou a obter essa forma. Devo tudo a ele. Ele disse que você pode auxiliá-lo. E que lhe concederia o que quisesse. Se o libertasse.
Ela riu.
-Tem muita gente que quer muito de mim.
-Pode até ser. Mas ao menos não pode ficar do que já esta Brown.
Ao falar isso, em um piscar da dupla presa, o estranho homem saiu daquela cela. Ele se virou para os jovens antes de partir.
-Sou Long, um pupilo do dragão. Adeus Brown.
Eis que o homem caminhava para longe das grades. Uma nova alternativa surgiu para a jovem. O que não era muito bom de qualquer forma. Eis que uma idéia lhe veio à cabeça.
-O Portal da Verdade.

Estava uma vez mais no lugar que foi mandado após encontrar a Chama Gélida. Dessa vez estava tudo branco. Mas o imenso portão continuava onipotente e flutuante. Igual as forças mais antigas, perigosas e poderosas do universo. Era como se um medo enorme lhe surgisse na mente, só de encarar a construção. O motivo lhe era um mistério, mesmo já sabendo seu conteúdo. Que os mais loucos deuses parariam e se perderiam contemplando aquilo. Não era momento para aquilo.
-Kalic Benton! Onde esta?
Momentos depois, como por encanto, o mago mascarado apareceu. Ele a encarou.
-Você sabe que esta encrencada? Em um nível que nunca poderei lhe auxiliar, se é isso que pensou.
-Não me diga! Qual foi a primeira pista? Acho que o seu silêncio, enquanto Sinestro quase me enforcava já demonstrou bem isso.
-Interferir só seria um desperdício. Acha mesmo que eu o deteria? Qualquer um de nós não conseguiria nem sequer lhe causar dano. Mesmo naquela forma decrépita dele.
-Eu imagino mesmo.
O mago olhou impaciente para a moça. Sabia que ela queria algo dele mesmo assim. Ela sempre faz de tudo para se livrar.
-O que quer?
-Um método de fugir.
Ele riu. Nunca ouviu tamanha besteira. E Halphy nunca o ouviu rir tanto de algo ou alguém.
-Não há como.
-Mas você pode me ajudar.
-Disse bem. Eu posso. Tenho poder para tanto. Só que não o farei. Há uma grande diferença.
-Sinestro é um morto sem descanso. Não pode utilizar o dom da Lei em você. Mesmo que pudesse você nem seria afetado. Esse tipo de criatura, como vocês, é impossível ser afetada. Eu sei. Já tentei.
-Compreendo. De qualquer forma enfrentar Sinestro não se encaixa nos meus planos. De forma alguma.
-Você realmente é um homem difícil às vezes.
-Deuses! Você acha que seria fácil? – disse inconformado Kalic benton II.
-Não. Mas bem que poderia trazer uma solução.
-Entenda que não sou seu amigo. Nem tão pouco, seu aliado. E atualmente nunca serei mais nada seu devido as suas atitudes. Trair Sinestro é trair o Pacto de Guerra.
-Só me diga uma coisa: você crê em Sinestro?
Foi quando ele se calou, virou de costas e se afastou da assassina que parecia já desesperada.
-Adeus Halphy Brown.
-Espere! Tenho uma coisa a lhe falar.
Ele então parou sua caminhada.
-Eu eliminei sua mãe.
O mago colocou sua mão direita na máscara. Parecia refletir sobre algo.
-Você a queimou?
-Do que esta falando?
-Não ouviu? Perguntei se você a queimou.
-Acredito que não. Não. Não o fiz.
-Tudo bem. Então ela continua viva... Ou melhor, não esta morta. Adeus Halphy Brown.
Mesmo de costas aquele mago deveria imaginar qual era o rosto da assassina. Ela cortou sua cabeça, e a desgraçada ainda estava viva. O que lhe fez crer nisso foi à visão da destruição do Kalic Benton original. Realmente aquilo fazia sentido. Infelizmente.
Teria que voltar até Nikolai e se preparar. Samara ainda estava viva.

Despertou com Nikolai desenhando algo. Parecia ter uma cor vermelha, onde estava aquela forma. Então notou o ombro e o rosto do rapaz. Além, lógico, das suas mãos. Era vermelho sangue. Pois era sangue. O que ele fez, pensou ela. Foi quando uma idéia macabra lhe surgiu.
-Você se mordeu até sangrar? Enlouqueceu Nikolai!
Suas mãos formaram um círculo de transmutação. Grande e poderoso. Estava muito claro aquilo.
-Enquanto você caçava algo no plano astral[3], eu tentava outro modo de fuga minha donzela querida. E então? Obteve sucesso?
Balançou a cabeça em negativa. Um rosto de tristeza e frustração lhe veio rapidamente.
-Imaginei isso quando despertou minha pequena. Não se martirize. Convencer seria impossível. Eu acredito.
-O que pretende com isso – perguntou a aflita assassina – Esta sangrando muito e nem pode fazer magia!
Ele sorriu. Mesmo com a boca suja se sangue. Parecia sabre mais que ela. Ao menos estava feliz.
-Você aprendeu sobre a Arte e a Lei. Nunca sobre suas variantes. Nesse caso, a alquimia. Ela não é como magia. Dizem que um feiticeiro ou arcano de qualquer tipo age como um abridor. Por isso usam esse termo. O que realmente eles se parecem são chaves. Pois armazenam o mana em si. Seus corpos são um meio para os fins específicos. Já os que transmutam – alquimistas – não a armazenam. Usam a energia em tudo que existe para façanhas.
Em seguida tocou com ambas as mãos o símbolo. Nesse instante, as algemas se partiram ao meio com a força de um brilho arcano.
-Ainda bem que como você, mesmo os membros do Pacto que usam um pouco de alquimia, não entendem disso. Pois se soubessem me cegariam. Ou quebrariam minhas mãos. Talvez os dois... Bem, de qualquer forma logo estaremos livres, donzela.

Um grande barulho surgiu da cela. Poderiam tentar usar magia para fazer tudo de forma silenciosa e furtiva. Só que então se lembraram que seus vigias eram construtos. Imunes a ilusões.
Ainda assim magia era uma boa arma agora. Ela soltou uma faísca na direção do guardião. Isso o deixou extremamente lento. Ao menos uma vantagem contra estes seres.
Enquanto o outro, Nikolai atingiu com uma lança de pedra, ao qual usou parte da parede da prisão para criar. Atravessou a couraça atingindo o pentáculo. A armadura caiu e o jovem gritou de dor.
-Nikolai!
-Não foi nada. Usei o braço com meu ombro ferido. Vamos caçar nossos equipamentos. Adiante.
E os dois fizeram isso. O mais rápido que puderam, já que sabiam que logo seriam atacados.
Chegaram à câmara de espólios. Ali, naquele lugar, os servos de Sinestro depositavam seu butim. Ou seja, todo o ouro ou itens mágicos dos adversários caídos. Até de povoados indefesos.
Conseguiam enxergar onde estavam seus itens, inclusive Vampira de Almas e a besta. O alquimista pensou em legar parte do ouro – uma pequena fração – mas foi dissimulado pela jovem. Seria já muito perigoso sem o peso extra. Caso isso ocorresse o corpo ficaria lento como uma lesma. Realmente fazia sentido.
-Se for como diz... – falou um inconformado jovem.
Um detalhe é que ela encarou outra arma. Talvez seu maior símbolo de traição. Pois não feriu Daehim com ela, quando possuiu uma chance para tal. Tratava-se de um item que os Dragões obtiveram com justiça. Os mais antigos e sábios a chamavam de Silthar-Mor. Fim-de-Dragões.
Segurou-a com ambas as mãos observando bem seu brilho. E quantas lembranças ela conseguia trazer. Lembrou que foi um presente e de quando a pediu no Vale das Esmeraldas. Memórias de antes e depois dela. Por último, em como traiu os antigos colegas. Ela iria levar a espada, como oferta de paz.
-Será que me perdoariam? Eu...
-Donzela Halphy! Esta ouvindo? – disse o rapaz pedindo atenção. Um som de sino era claramente ouvido – Devem saber que estamos fugindo.
-Não é nada disso. O sino para fugas é outro. Fui instruída sobre isso por Kalic Benton. A construção esta sob ataque.

Eles corriam. O faziam por suas vidas. Para tal necessitavam cruzar a ponte. E mesmo estando longe do ataque ouviam vários sons. Alguns conhecidos, outros nem tanto. Grunhidos, barulhos de armaduras e poucos gritos que pareciam humanos. Jurariam até que ouviram o som de um urso.
E então uma idéia surgiu para Halphy: poderia ser que Brigid estivesse atacando a fortaleza de Sinestro. Ela com enxergaria aquele lugar. Em especial devido aos seus grandes poderes. Além disso, usando uma forma animal apropriada, era fácil rastrear qualquer um.
-Algo possível. Mas não é momento para nos preocuparmos com isso – soltou a moça, enquanto corriam. Precisavam sai vivos daquele lugar primeiro.
Passando por corredores iluminados só pelas chamas de tochas. E quando mais chegavam perto do lugar. Uma luz fraca surgia. Tratava-se da abertura para a ponte.
Enfim chegaram até o arco que concedia acesso ao lugar que queriam tanto chegar. O único problema é que havia sentinelas já ali. Alguns com espadas e outros com arcos.
-Revenants – disse Nikolai.
-São sei. Eu lido com eles.
-Donzela Halphy! – e antes que pudesse fazer ou falar qualquer coisa, ela partiu em investida. Não havia notado que tinha os ferimentos do ataque de Zacharias. Mesmo sendo entorpecida com as ervas raras, seu corpo não cicatrizou devido a um efeito colateral. Ainda que fisicamente continuasse forte, seu corpo tombaria diante alguns golpes. Ele só poderia ajudar naquele instante. O quanto pudesse e conseguisse.

Atacou um dos primeiros na frente. Não era uma combatente boa o suficiente para eliminar todos de uma só vez. Ao acabar com um pularia para o outro com Vampira ao seu lado.
Como uma boa ladina encontrou uma brecha na armadura. Conseguindo isso, com a lâmina rasgando o símbolo que mantinha aquele ser em pé. De certo modo foi até fácil. O problema eram os dois ao seu lado. Alguns ataques deles fizeram-na cambalear. Se Thror ainda estivesse com ela em combate. Poderia até ver a silhueta dele lidando com o outro oponente.
-Detesto admitir, mas eu sinto falta de uma retaguarda protegida – admitiu a si mesma.
-Não seja por isso donzela.
Eis que os inimigos são atingidos por energia bruta. Ainda assim, não de forma fatal. Pedaços de metal danificado caem das armaduras vivas. Um grande auxílio. Facilitando o ataque contras os símbolos de transmutação.
O que nenhum daqueles dois fugitivos notou foi que os revenants de trás levantaram finalmente seus arcos. Nunca haviam visto aquelas criaturas usando armas de longa distância. Cada um com três flechas preparadas. Foram então disparadas sem cerimônia.
Aqueles golpes não foram esperados. De modo algum. A primeira saraivada atingiu a área do estômago, o seio e o seu ombro do lado esquerdo. Isso a deixou atenta. Só que era tarde. A segunda leva atingiu o braço que segurava sua espada. Um grito pior que de um animal abatido surgia naquele lugar. E estranhamente, ele ecoava. O sangue escorria, jorrava. A quantidade do liquido escarlate era imensa. Tinha que se manter em pé. Trocou sua arma da mão hábil, assim usando-a como bengala. Abriu os olhos só para notar aquele que seria o último e fatídico golpe. Das três flechas, a única que atingiu foi mortal. No pescoço.
Seu corpo tremeu demais. Estática por enquanto e sem força, ela tombou finalmente. Ainda no chão se sentia leve. De repente estremeceu como um cão faminto. Gemeu como uma assombração. Era uma poça tão grande daquele líquido saindo do seu corpo que engolia facilmente sua saliva. O dia sumia em sua vista. E a vida também.
Nikolai chegou ao corpo desfalecido, daquela que sempre ele tratava por donzela.
-Halphy! Minha linda! Fala comigo! Vamos! Reage! Ofenda-me! Desistir agora não! Halphy! Não me abandone!
Enquanto ele falava, a jovem encarava aquele céu. Na verdade não sabia em que lugar sua visão deveria ver. Os sentidos sumiram e como dito, enxergava só a escuridão. Suas palavras, nem sentido faziam mais. Nada além de letras separadas e jogadas a esmo, sem conseguir obter uma forma. E tantas coisas, assim mesmo elas significavam. Em especial perdão. Pelo menos ao jovem Nikolai, ao qual nem imaginou causar tamanho mal. Seus atos canalhas ainda tinham motivos mais dignos em comparação e ela. Era um sujeito cheio de falhas, mas ainda assim, mais nobre.
Ela queria poder. Única, exclusivamente e simplesmente. Envergonhava-se disso agora. Pelo menos era sincera em sua mente. Nunca achou que aquilo era tão tolo.
Em seus instantes finais, lentamente se lembrou dos Dragões. E queria os contemplar uma última vez. Assim como Jean.
E Yo-Long a ouviu na sua própria mente. Atentamente.



[1] Antigo nome para o Japão.
[2] Outro nome para o Japão.
[3] Plano de

terça-feira, 8 de setembro de 2015

(Parte 40) O herói sem um nome


A lâmina do homem santo atravessou o peito de Lacktum. Ainda assim aquele anão continuava a segurar todos os Dragões da Justiça. Deveria ser louco como seu mestre. Ele queria seus companheiros – mais que isso, amigos – não fizessem nada enquanto aquele bêbado enlouquecido o matava diante de seus olhos. Era demais para Thror que devia sua vida e muito mais para aquele mago arrogante.
Enquanto isso, o Homem Santo falou:
-Você é só uma criança. Não sabe o que é dor. Esse golpe que sofreu não é nem metade da dor que senti em minha extensa vida. No dia em que sofrer tanto quanto eu... Então poderá dialogar comigo criança.
No momento em que esse homem iria retirar a espada, o mago segurou aquela lâmina com ambas às mãos. Havia levantado seus olhos com raiva e a boca expelindo sangue.
-Pensa que por ter perdido algo ou alguém sua dor é maior que a minha? – após falar isso soltou mais sangue ainda. Manteve-se firme assim mesmo – Sua imortalidade ou tempo nessa terra não o torna especial. Sua família deve ter morrido, como a minha que foi completamente destruída. Não importa como ou onde. O que significam para nós é o que importa. Só acha que sua dor vai se resolver isolando-se? Física e mentalmente sei que a resposta nunca será essa. Pois hoje... Eu tenho uma nova família.
Quando aquilo foi dito, era claro a felicidade nos rostos de Thror, Gustavo, Seton e Arctus. Até mesmo nos dos recentes novos aliados Ulfgar, Bahamunt, Siegfried e Tom. Valente quase chorou com aquelas palavras.
Ao notar aqueles rostos, o Homem Santo se espantou como as palavras do moribundo eram tão belas aos outros.
-Qual o seu nome abridor? Não sei se falou isso. Foram tantas tolices que proferiu...
-Lacktum... Van Kristen.
Em resposta a isso, finalmente tirou a espada, gritando:
-Por Kanglor, Senhor da Fúria, peço que esse tolo herói seja curado do mal que lhe causei! Eu lhe imploro Mestre da Ira!
Em seguida, o corte causado no peito de Lacktum simplesmente não existia mais. Nenhuma marca sequer.
Finalmente Deenar permitiu ais Dragões que se aproximassem do companheiro e líder. Thror o abraçava com força suficiente para partir um homem normal no meio. A maioria ria da situação, com exceção de Bahamunt, que nada entendeu.
Ainda assim, algo deixava Lacktum intrigado. Enquanto o Homem Santo se afastava ele fez uma pergunta:
-Por qual motivo me atacou? Não faz sentido.
Ele parou. Passou a mão pelo rosto como se estivesse limpando a barba.
-Queria ver se você era igual Kalidor. Pelos deuses, você não é. Pelos deuses, não é.
O Homem Santo saiu da caverna.
Deenar então disse que aquele era o modo dele falar sim ao pedido dos Dragões. Realmente, o homem deveria ter um grande ódio por Hein Hagen.

Passaram uma noite naquela caverna. Nela conversaram por um longo tempo. Primeiramente, os Dragões da Justiça falaram de sua união no Reino da França, devido a um mal que estava para ressurgir. Os amigos Ulfgar, Bahamunt e Siegfried também conversavam de modo engraçado, sobre a origem daquela estranha união. Deenar comentou que foi adotado e criado pelo Homem Santo. O que faz pela sua honra querer melhorar a vida do seu tutor. Por último, Tom falou que foi adotado e criado de modo a ser um clérigo de Zeus. Talvez o único que nada falava seu anfitrião ranzinza. Ele nem se aproximou da fogueira improvisado por aqueles homens.
Lacktum se levantou. Pegou um dos odres vazios e o encheu. Depois caminou até aquele homem oferecendo bebida. Foi aceito o gesto de gentileza.
-Ei! Lacktum, não desperdice bebida com esse chato! – soltou Thror.
-Não deveriam desperdiçar vinho é com você seu bêbado! – gritou Gustavo – Ele é nosso anfitrião.
-Ah! Cale a boca paladino medroso.
Quando o guerreiro grego disse aquilo parecia que houve uma reação do Homem Santo. Só que ninguém sabia se era um bom ou mau sinal.
-Tome – disse Lacktum ao homem.
-Eu não quero.
-Não é que seu hálito demonstra – ao disser isso o mago sentou-se ao seu lado oferecendo aquele odre ainda – Vamos. Deve-me uma. Devido aquela espada no peito lembra?
-Eu sinceramente não compreendo os jovens dessa época. Parece muito relaxado para alguém que possuiu uma lâmina dentro do peito. Ou alguém com uma missão tão importante.
-Na verdade, eu sempre faço isso para lidar com meus problemas. Ser triste não resolveria muito. Se bem que agir como eu era antes, também não era nada saudável. Igual a um tolo. Você viu um pouco desses modos.
-Deveria ser um arrogante e ignorante homem.
-Obrigado, mas não era bem assim.
-Era sim! – disse um Thror bem bêbado. Foi silenciado por Seton com sua mão.
-Muito grato meu amigo guerreiro. Continuando... Já agi de formas inapropriadas. Até pensei em trair meus atuais companheiros. Isso ocorreu por influência de um dos itens malditos. Um dos artefatos do Desalmado. O que não me redime dos meus pecados. E os erros de minha linhagem. Só que isso já me custou minha família. Todos que amei e conheci desde quando era criança pereceram diante de mim. Da pior forma possível.
-O que ocorreu contigo mago? Sinto um pouco de raiva nas suas palavras.
-De mim mesmo talvez.
-É um Van Kristen não é?
Bebeu um belo gole de seu próprio odre. Sua boca se encheu com o vinho. Parecia fazer algum bem para si. Como se precisasse muito mais daquilo para lhe deixar melhor.
-Sou do sangue Van Kristen.
-Uma maldição esta em seu sangue. Assim como no meu.
-Quer dizer em nossos nomes? Por isso você não utiliza seu nome verdadeiro. Nunca soube que entre os membros dos Imortais Esquecidos haveria um Homem Santo. E me lembro de todos. Esse termo me parece coisa de um cristão. Mas parece servir Kanglor.
-Leu o livro de Gibraltan pelo jeito.
-Sim.
-Não acredite muito naquele louco.
-Mas ele é um dos membros do Conselho Arcano de Avalon.
-Sim.
-E quer que acredite em você – disse isso olhando bem seu anfitrião – mais do que em um arquimago?
-Sim.
-Nem deveria ter lhe entregado o odre.
O estranho encarou Lacktum com um sorriso. Depois se ajeitou melhor contra a parede.
-Você não conhece aquele velho louco como eu rapaz, rapaz. Quando ele era mais novo... Digamos que ele gostava te saber como o mundo iria acabar. Nunca confie em um homem gordo que gosta de se vestir bem o tempo todo.
-Isso eu realmente não compreendi.
-Leia mais atentamente os textos rapaz. Leia. Pois mesmo nem tudo sendo verdade, alguns fatos têm certo sentido.
-Como alguns de vocês ressurgindo no ano mil pelo calendário dos cristãos?
-Exato!
Os homens, anões e o elfo, agora se voltavam para conversa entre aqueles dois. Uma afinidade entre o jovem e o suposto guerreiro era clara. Na verdade, alguns ali tinham certeza tratar-se de um paladino. Devido ao fato de ter curado o mago usando sua voz somente. Como se atendido pela divindade. Talvez até demais.
Lacktum perguntou:
-Por qual motivo se isolou nas terras do Norte? Em um lugar tão gélido...
E ele puxou pela memória, nos recantos dela, fragmentos de algo único. Uma batalha não registrada em nenhum livro. Óbvio. Todos os livros que possuem um final feliz, mesmo que fraco, nunca terminam naquele ponto. A personagem continua enfrentando os desafios impostos pela vida. E se o os fatos forem mesmo baseados na realidade, nem sempre conseguem a vitória. Muitas vezes os textos tratam somente da glória deles. Os transformando em invencíveis. Pobres tolos são os leitores que crêem nisso.
Todos que estavam na caverna pararam o que faziam para escutar. Apenas Thror estava no chão, bêbado e estirado pelo bom vinho tomado antes. Até a fogueira crepitava com menos força, ao que parecia. Tudo se silenciou para que o Homem Santo. Pudesse falar. E quando aqueles lábios se mexeram estava óbvio que muita dor ocorreu com eles. Pois muito amor também esteve com ele.
-Eu tinha uma família depois do último conflito contra Hades. Minha mulher Illyana, era uma elfa que servia Ixxanon. Um grande aliado naqueles conflitos e que ascendeu devido a mim e aos outros. Com a paz que obtivemos foi possível termos filhos. A eles nomeamos Kamui e Youko – riu rapidamente, mas ele voltou ao seu rosto seco – Eu pedi ajuda para Shizuko. Enfim, pensamos que não pegaríamos tão cedo em uma arma. Só que uma guerra estava para eclodir no horizonte. O papa Urbano II conseguiu convencer em especial a aristocracia dos francos, para partir em 1096 e chegar até Constantinopla. Inclusive, tropas saqueavam a fim de conseguir se alimentar sem pudor ou piedade. Assim foi a primeira Cruzada. Com o grande número de pessoas partindo para a Terra Santa, devido indulgências, aqueles que eram poderosos o suficiente se preparavam. Sim, pois todos notavam que algo foi tramado nas sombras. Os mais pobres não detinham conhecimento sobre a Bíblia. Nela matar ou comentar atos malignos. Não faria sentido então essa investida. Fazendo os mais humildes partirem nessa viagem sem sentido. De qualquer forma eu e os Imortais nos colocamos a disposição dos mais aflitos. Foi quando descobrimos quem tramava isso. Kalic Benton – respirou um pouco e deu um gole grande no odre. Todos observavam cada palavra proferida com muito cuidado – Havia um plano dele de dominar a cidade de York. Eu como um paladino, me prontifiquei a enfrentar o exército desse ser decadente. O problema é que minha amada me seguiu. Antes não tivesse feito isso. Até hoje tenho pesadelos com aquilo. Ao redor daquele feudo, nas sombras, ogros e mortos famintos nos atacavam. Parecido com aquilo que ocorre agora nas terras inglesas e outras. Muitos dos vivos eram bem treinados. Nada que cada um de nos não soubéssemos lidar. Só que de alguma forma, o miserável conhecido conseguiu se esconder entre os seus servos. Um cavaleiro sem honra é o que digo. Pois nenhum que conheci usaria tal subterfúgio. Não imaginando que havia um inimigo tão perigoso me afastei dela. Ela me convenceu me lembrando de uma história, um conto de uma fada que queria ser humana. Tratava-se da lenda de Karin. Falado isso, eu teria saído de perto dela. Essa parte me ficou vaga na memória. E foi quando... – entre soluços ele continuou – Ainda sinto o sangue de minha amada nessas mãos. Sem mais poder curativo eu gritei de raiva. O desgraçado se vangloriava disso! Então, eu fui um servo perfeito de Kanglor, pois minha ira nunca foi tanta. Pelos deuses... Como eu o odeio.
-Eu entendo como se sente... A sua sorte é que tem um modo de se vingar. Ou melhor, já o fez.
-Para eliminar um inimigo como Kalic, necessito de um pedaço de sua arma. Isso é a forma definitiva. Mas nunca a tive.
-Pedaço de sua arma? – questionou curioso o jovem Lacktum.
O imortal assentiu com a cabeça de forma bem devagar.
Enfim, ele levantou. O tal paladino mexeu nos cabelos e encarou todos os Dragões.
-Saibam que os irei treinar. Só que para isso partiremos para Avalon.
Todos ficaram espantados. Gustavo até gritou de satisfação:
-Seremos treinados por um verdadeiro herói!
Aquele homem riu da frase. Nunca acreditou naquela idéia. Não era um herói para si mesmo. Queria só ajudar os tolos jovens que vieram até ele. Só não disse isso, pois poderia diminuir a empolgação no coração de cada um.

Fora da caverna se encontravam Siegfried e Gustavo. Os dois aventureiros observavam ao longe a vila de que vieram. Parecia até que calma, especialmente depois de toda a neve caída. Lembraram do que viram ali.
-Você passou por aquela vila com Lacktum? – perguntou o paladino.
-Sim. Estava completamente devastada.
-Não é para tanto.
-Você não viu o medo que eles continham em seus olhos?
-Ah certo! Diz desse modo...
Os dois estavam apoiados em pedras contemplando toda aquela extensão de terras cobertas por neve. Mesmo na noite, o lugar possuía um tom mais azulado. Não que as terras de onde vieram possuíssem pouco ou nenhum gelo. É que aquele lugar parecia mágico.
Terras de invasores alguns diriam. Com aquele território notaram que uma sensação surgia. Lembrava sons de tambores. Recordavam-se dos textos sobre os antigos vikings e huskalars[1]que ouviram em histórias e lendas. Sobre como o corpo de alguns homens daquele local era protegido por Odin. Em alguns momentos sentiam que seu coração queimava com esses relatos das épocas passadas.
-Ei! Aceitam um pouco mais de bebida?
Quando ouviram isso, foi notável a aparição de tom ao lado deles. Carregava dois odres.
-Eu aceito um pouco – falou Siegfried tirando um dos itens da mão do clérigo de Zeus.
O paladino aproveitou e fez isso também. Parecia que não se tratava de vinho.
-O Deenar me entregou. Disse que é hidromel. Não sei do que é feito, mas é bom – completou Tom.
-Realmente. E onde Thror esta? – perguntou Gustavo temeroso.
-Ele esta dormindo. Sempre foi fraco para bebidas aquele sujeito?
-Desde que o conheço...
-Parece ser um rapaz bem engraçado – soltou Siegfried.
-Isso ele é! – falou rindo o paladino – E um ótimo combatente.
Os três começaram a rir. Talvez por conta do jeito como agia o bom Thror. Ou quem sabe foi efeito das bebidas. Tanto faz. Estavam alegres de verdade. Era o que importava.
Eles se voltaram para a entrada da caverna. Onde estava cravada na neve como se fosse uma bainha, aquela espada. Todos ali acreditam que deveria ser uma arma do Homem Santo.
Após um bom tempo dos três ficarem em silêncio, Gustavo quebrou:
-Não sei se já ouviram falar, mas acredito que aquilo é uma lâmina sagrada.
Tom se espantou. Já Siegfried, claramente ficou confuso e pediu respostas.
-Uma lâmina sagrada – disse Tom puxando um pouco de seus conhecimentos – é uma arma que uma divindade concede a um de seus servos mais fiel. Muitos confudem isso com um adorador poderoso. Esse item só é entregue quem realmente acredita nos preceitos antigos.
-Não é a toa que ele é tratado como Homem Santo! – disse um espantado Siegfried.
-Bem, não tenho certeza se é por isso que o tratam assim – falou Gustavo com a mão no queixo, de forma pensativa – Talvez seja por outro motivo. Lembre-se que muitos ainda acreditam nos deuses antigos aqui. O termo santo não seria usado por eles.
-E a tristeza que sentiu? Que maldito deve ser Kalic Benton. Vingança nunca funciona. Nem para lidar com quem feriu ou nos tirou quem amamos.
-Para falar assim, eu sinto que possui uma mulher no coração. Deve ser isso.
-Não exatamente – disse timidamente o guerreiro do norte – Eu tenho em minha cabeça uma jovem linda que conheci naquela vila.
Nesse instante, Tom bateu nas costas do homem com certa empolgação.
-Ora! Se não é Eros atuando sobre o nosso valoroso guerreiro. Como se chama a dama? – perguntou o sacerdote.
-Hilde.
-Ora, ora! Assim como eu também me enamorei por uma jovem curandeira. De lá também. Valquíria.
-E não é bom? E você paladino? Tem alguém em mente?
-Fiz voto de castidade – respondeu prontamente o guerreiro divino.
Tom e Siegfried se calaram. Era raro ouvir isso de uma pessoa tão jovem.
-Mas não lhe faz falta? Digo o calor de uma mulher?
-Nunca. Se acharem que é difícil para mim, conversem com Arctus. Ele nunca possuiu sequer uma família. É um irmão que nem tenho mais. Tento sempre fazer o bem com ele. E para ele.
-Não fale desse modo tão serio. Ou vamos parecer duas crianças em comparação a você – disse Siegfried com certo ar de infantilidade.
-Eu não me importo – falou rapidamente o clérigo com um sorriso malicioso e juvenil.
Siegfried o encarou com raiva. Gustavo riu do constrangimento do homem que sempre viveu no norte. E mais uma vez riram todos.
-Vamos dormir. Estamos muito bêbados ou cansados – pediu o paladino.
Concordaram depois de muito rirem dos fatos anteriores.
Cada um foi caminhando até entrada da caverna. Bem lentamente, de modo que não escorregassem ou batesse em algo alguém.
Primeiramente foi Tom. Falava bem alto até. Obviamente era o mais embriagado dos três. E ainda fez piada de Thror por seu sono forçado pela bebida.
Em seguida, Siegfried desceu. Bem mais calado e cheio de cuidado. Porém, como todo bom guerreiro, era barulhento. Mesmo quando tentava manter o silêncio. Além de pisar uma vez ou outra na mão – ou outra parte do corpo – de alguém.
Gustavo se demorou um pouco mais. Abaixou-se um pouco diante da entrada e olhou aquela lâmina.
Lhe fez lembrar-se dos combates até então. Pensou como ele seria digno de uma arma igual aquela. Lembrou de itens como a espada de Carlos Magno ou a de Arthur Pendragon. Dizem que elas concediam propriedades místicas ao usuário. Um dia seria ele o portador de tal honra. Outro detalhe é que não reconhecia aqueles símbolos. Era realmente material de fonte atlante.
-Kanglor... Não pode ser...
Eis que ouviu o som de um dos membros dos Dragões para que entrasse. Ele o fez deixando a misteriosa arma para trás.

Todos dormiam bem, até que logo cedo ouviram os gritos de Deenar. Parecia apavorado com algo.
-Pare de gritar anão louco! Não nota que estou dormindo? – disse um Thror com uma horrível ressaca.
Ignorou aquilo e foi aonde seu mestre dormia. Todos usavam cobertas, ele usava uma grande parcela.
-Acorde mestre! Acuda a vila! – ele gritava enquanto balançava o homem. Esse depois de alguns empurrões desperta com raiva. Questiona o motivo daquelas atitudes infantis.
-A vila meu senhor! Esta sendo atacada! Daqui vejo fogo. E temo ser visto a asa de um dragão.
-Como? – muitos soltaram. Despertando lentamente alguns. Ainda assim isso lhes fez levantar.
Todos, mesmo não conseguindo colocar suas roupas, chegaram até a saída da caverna. Transtornados e com medo que o lugar que pensavam estar a salvo fosse destruído. Algo que os mais antigos acreditavam não ser uma coincidência. Já eram calejados em fatos inusitados. Os Dragões acreditavam que isso poderia estar relacionado a eles.
O frio não foi problema, pois nem se importavam com esse fato. Só queriam confirmar o que Deenar falou.
Finalmente alcançaram a saída. E qual não foi à surpresa de todos quando nuvens da fumaça mais negra que já viram subiam. E era na direção da vila.
Com algum esforço Lacktum forçou a visão. Então notou um par de asas negras.
-Daehim! Seu maldito!

Hilde levantava a curandeira Valquíria. Estava ferida gravemente. Isso ocorreu, não devido aos ataques do monstro com força tremenda, ou por conta do dragão. Tratava-se de uma viga poderosa em cima da perna. A jovem, no entanto era resistente, pois agüentava aquela dor tremenda.
A vila estava sendo atacada só por duas criaturas. Ainda assim quebraram uma boa parte do templo. Suas armas eram só um machado poderoso, garras e o sopro maligno de um dragão. Era impensável, se não estivesse ocorrendo de verdade com elas. E com seu povo.
Sabiam que não poderiam lutar. Fugir também não seria uma opção que duraria.
Ficaram em um dos becos na cidade. Queriam ter um lugar para descansar. Já que em seguida teriam que fugir para algum lugar. Aonde, não imaginavam. Eram criaturas enormes, e que facilmente alcançariam qualquer ser vivo. Em especial o dragão. Ainda se mantinham escondidas de qualquer maneira.
A jovem pediu que a amiga ficasse parada. Levantou a saia e observou onde estava ferido. Estava feio o local do golpe.
-Puxe – pediu Valquíria para sua amiga. Hilde entendeu que era para puxar a perna ferida.
-Não prefere que façamos isso fora daqui?
-Faça! – exigiu a jovem.
Eis que Hilde olhou para aquele ponto ferido. Mesmo com pena da amiga faz seu pedido. O gritp só não foi maior, pois foi abafado pelos sons do ataque daqueles monstros.
Não só os golpes daquelas bestas malditas. Havia também os lamentos das mulheres, jovens e idosas. Vez ou outra, um homem tentava atacar aqueles seres. Só gritos de morte eram ouvidos em seguida. Pena os homens estarem em viagem. Assim como os aventureiros, que se prontificaram a salvar todos dos ogros. Deveriam estar mortos.
Valquíria pediu que corressem dali. Sua amiga deteve seu ímpeto. Teria que ir com calma aquela perna. Poderia ser forte, não imortal.
-Onde esta a velha Urda? – perguntou Valquíria querendo ignorar a dor.
-Eu não sei. Desapareceu. Antes mesmo do ataque. O que me faz crer que ela adivinhou que haveria um ataque.
-Bem coisa de Urda.
Respiravam bem. Tentavam se tranqüilizar com o mal em sua volta. Valquíria mais uma vez encarou a amiga.
-Será que aqueles aventureiros estão vivos? Digo como o tal Tom que me ajudou?
-Esta com saudades do tal sacerdote grego? – com um sorriso inapropriado para o momento.
-Lógico que não! Só imagino que poderia nos ajudar. Assim como os grupos que passaram aqui.
-Isso é verdade...
-Esta se lembrando do guerreiro de cabelos negros?
-Como sabe disso? – questionou Hilde extremamente tímida – Quer disser...
-A vila é pequena minha amiga. E você é filha do líder daqui...
Enquanto falavam só ouviram o golpe do machado, próximo de suas cabeças. Era o perigoso ogro que notou onde estavam as moças. Elas gritaram de pavor devido ao ataque mal sucedido.
-Ora essa. Matadouro encontrar presas com forma de mulheres. Vocês falar muito e cheirar a medo.
Hilde empurrou sua amiga gritando:
-Vai Valquíria!
A jovem ferida gritava e chorava. Tanto pela dor, como pelo desespero. Talvez por sua culpa Hilde morreria.
Contudo a fortuna de ambas era alta.
Quando o temível ogro tentou mais um ataque, foi travado pelo pouco espaço do beco. Isso concedeu tempo suficiente para as duas jovens escaparem. Obviamente deixando o inimigo irado, até demais.
Elas saíram do lugar fechado. Estavam em lugar aberto agora, o que poderia ser um grande problema. Já que quando aquele monstro saísse daquele ponto iria atacar com tudo. Tirando que o dragão poderia vir naquela direção.
A simples Valquíria tinha um plano, quando observou para certa direção. Lá havia itens para uma armadilha.

Matadouro havia chegado até o lugar aberto. Onde acreditava estarem suas presas. Pensou então que seria inútil, pois com certeza fugiram. Qual não foi sua surpresa quando notou uma delas no chão. Era o momento de aproveitar.
-Mulher humana deve ser apetitoso. Outra ser bem covarde. Covardia tem bom tempero.
O ogro não notou um plano contra ele. Havia uma grande quantidade de toras de madeira em uma esquina que descia até onde ele estava. E a filha do líder foi até lá para fazê-las rolar. Lógico, colocando antes sua amiga em uma área segura. Assim mesmo Valquíria pediu para ser uma isca. Se algo falhasse, ao menos uma sobreviveria.
Ao notar que o ogro estava no campo onde seria atingido começou a empurrar aquela madeira. Era um esforço tremendo. Nunca foi acostumada em mexer com tanto peso de uma vez. Suas mãos poderiam lhe ajudar, no entanto, já que sempre fazia o possível para trabalhar. Era esforçada.
Enquanto tentava fazer rolar aquelas coisas Matadouro se aproximava. Se Hilde não fizesse algo logo sua amiga seria devorada por um monstro. Amaldiçoou a si mesma por nascer mulher. Nascendo como homem teria um modo de combater. Ainda assim, ela sabia como lidar com sujeitos atrevidos. Não com monstros.
Finalmente, aqueles malditos pedaços de madeira estavam soltando-se. Notou isso pelos estalos. Tinha que tomar cuidado para não alertar aquele inimigo. Um milagre ocorreu então, pois as terras rolaram e Matadouro foi pego no truque.
Sem ter como se esquivar aquela imensa pilha de madeira o esmagou só se ouviu seu grunhido. Só se ouviu grunhido. Valquíria só torcia que não morresse como seu perseguidor. Sua sorte continuava ali.
O mais rápido que pode, Valquíria foi à direção de Hilde. Essa fez o mesmo, para auxiliar sua amiga que mancava.
-Esta bem Valquíria?
-Na medida do possível Hilde.
-Vamos. Se apóie em mim. Vamos conseguir ajuda.
Antes que saíssem daquele lugar a jovem curandeira notou algo estranho. Que não notasse aquilo.
-Espere... Onde esta o sangue?
-Do que esta falando? – a outra se sentiu confusa.
-Não há sangue. Nem pele. Ou sequer um osso. Eu já vi meu pai trazendo esses monstros até aqui. Pedaços deles. E eles têm um sangue verde. Por acaso viu alguma marca assim?
-Deve estar debaixo das toras. Esqueça.
-Não estar não – ouviram com temor atrás delas.
Quando se viraram não queriam acreditar naquilo. O escutaram poucas vezes, mas sabiam que era ele. Nem conseguiam fazer idéia de como, mas se tratava do ogro.
Finalmente encararam o fato que a voz tinha atrás delas. Compreenderam ao olhar para aquele lado que ele estava vivo.
Ao virara seus rostos, uma fumaça espessa surgia. Pior que isso, do tamanho de Matadouro. Era grande o bastante, para cobrir um ser humano comum. Isso já deixava ambas apavoradas, só que não era isso apenas. Além disso, vez ou outra pareciam surgir partes do corpo da mesma criatura que as seguiram.
Aquela fumaça, com certa lentidão, foi tomando uma forma humanóide. Enquanto isso ocorria as garotas subiam na área onde antes havia a pilha de madeira. Só que foram impedidos pelo imenso machado do perseguidor monstruoso.
Parecia que pelo menos o braço já estava em uma forma estável. Cada fração daquela fumaça começava a criar uma silhueta. Uma vez ou outra enxergavam brasas, como de uma fogueira. Era claro que uma grande habilidade mágica foi usada. Mesmo sabendo tão pouco sobre esse assunto. Enfim, o inimigo estava vivo, na frente dela.
Ele se abaixou de forma com que pegasse impulso para algo. Era um salto, pois no instante seguinte a ter feito isso, ele caiu próximo delas.
-Surpresa presas. Vocês terem gosto de galinha ou cavalo?
Ambas ficaram paralisadas pelo medo. Em um ato de extrema coragem, Valquíria lança Hilde para longe, com sua baixa força. De raiva o ogro golpeia-a. isso a faz se lançada em outra área aberta. Desacordada, no entanto.
-Valquíria! – gritou a desesperada moça notando que a amiga poderia estar morta.
O ogro tirou seu machado do chão com certo esforço. Caminhou de uma forma sinistra e arrastada até perto de Hilde. Levantou seu machado para trás.
Era notável que sua vítima chorava e soluçava. Ele antes que desferisse o golpe solta de forma pervertida:
-Lágrimas temperam as presas.
-Meça suas palavras criatura!
As palavras mal foram ouvidas quando ataque ocorreu. Contra Matadouro.
Um golpe surgiu do nada. Proveniente de um homem portando escudo. Na verdade, aquele homem usou aquela defesa como arma. Fazendo o monstro se afastar um pouco. Uma marca forte no rosto surgiu naquele ser.
-Quem ser você? – exigiu aquele ser.
Atrás do homem se encontravam os novos Dragões da Justiça. Era o suposto Homem Santo o defensor da jovem. Todos armados.
Ele levantou Valquíria a despertando. Quando o fez tomou muito cuidado.
-Esse tipo de criatura sente prazer com o medo – disse o homem a jovem.
-Obrigado Homem Santo.
-QUEM SER VOCÊ? – exigiu de forma furiosa.
Os olhos do homem voltaram para aquele ser. Dentro deles, Matadouro encarou muitas coisas que lhe deixaram apavorado. Era do mesmo modo quando se encara alguém com um passado terrível de difícil. E só pelo olhar, uma pessoa nota todo sofrimento no coração da outra. Essa sensação apavorante fez o ogro vacilar.
Abaixo do casaco de peles havia uma armadura poderosa. Com várias placas forjadas e encaixadas de modo a recobrir seu corpo todo. Havia manoplas cheias de detalhes, botas pesadas de couro cheias de barro e um cinto reforçado. Correias e fivelas distribuem o peso igualmente, sem atrapalhar seu movimento. Um grande escudo ficava em seu antebraço. Feito de metal, mas possuía um brasão com um símbolo em madeira. Um lobo branco. Não fosse pela barba mal cuidada, muitos diriam se tratar de um rei.
-O meu nome não lhe interessa. E mesmo que lhe contasse fera, de nada serviria. Eu não o concedo a ouvidos dos mortos.
Lacktum riu e gostou do que ouviu. Assim como Tom. Thror e Bahamunt nada entenderam. Já estavam se acostumando com tudo aquilo, inclusive em relação ao elfo louco.
-Vá para outro lugar minha jovem. Deenar esta auxiliando os mais feridos. Leve sua amiga.
E assim o fez. Despertou a colega e falou para fugirem. Logo depois tentaram correr.
Tanto Siegfried, quanto Tom haviam notado de quem se tratava. Só observaram e falaram rapidamente. Agradeceram na frente de ambas, aos deuses, por elas estarem vivas. O momento alegre foi interrompido. Já que as jovens tinham que se cuidar. E os aventureiros terminar um assunto.
-E vocês achar justo tantos contra um? – falou o grande ogro.
Houve um grito de fúria por parte daquele homem poderoso e perigoso.
-E acha justo atacar duas moças indefesas? Agora me deixe lhe mostrar o que é pânico.
Um silêncio sepulcral caiu entre o herói sem um nome o membro do bando de Sinestro.
Eis que surge entre eles um elfo negro. Ou ao menos era o que muitos ali pensavam.
-Desculpe interromper.
-Daehim! Praga dos infernos! – gritou o mago Lacktum.
-Calma meu amigo arcano! – soltou Ulfgar – Pelo que me falou esse é o tal dragão que enfrentou?
O jovem de cabelos vermelhos assentiu com a cabeça.
-Ora essa. Comentou do Vale das Esmeraldas e de nosso pequeno e primeiro encontro? E como os humilhei? Disso não deve ter falado.
Uma raiva tremenda surgiu naqueles que participaram daquele combate.
-Deixemos o passado de lado. Você deve ser o tal Homem Santo do norte. Prazer – e ao falar isso se curvou em referência – Nós temos algumas coisas para tratar com os Dragões. Poderia se afastar? Só um pouco?
O antigo membro dos Imortais Esquecidos ficou calado, impassível. Sua resposta, naquele momento, com certeza era não.
-Bem... Eu tentei ser educado. Vocês viram. Não viram? Nunca digam que Vento Gélido é um mal educado. Mesmo entre vocês mortais, minha palavra é perfeita. Esta vendo isso? – o dragão em forma de elfo levantou uma caixa de forma quadrada e com pequenos filamentos saindo da mesma – Sinestro mandou isso como lembrança. Disse-me que é a Caixa do Renascido Infernal ou Chave do Pandemônio. Você sabe do que isso se trata na realidade? Um detalhe: eu soltei o que estava aqui dentro.
O poderoso paladino se enfureceu mais uma vez. E dessa se conteve.
-Dragões. Terei que deixar esses dois para vocês. Mas creiam que voltarei quando for possível. Esses loucos soltaram um lorde infernal na vila.
-Hilde! – disse Siegfried atônito.
-E Valquíria falou apavorado Tom.
-Temos que ir até lá! – exigiu Lacktum.
-Não – falou o Homem Santo.
-Como não? – questionou Arctus – Estes seres estão aqui por nossa causa!
-Eu sei. Mas o que querem é nos dividir. Vocês enfrentam o ogro mago e o dragão. Lidarei com o demônio.
Quando decretou aquilo cruzou o caminho entre os jovens aventureiros. Levantou sua mão, um brilho dourado surgiu. Através dela era possível se sentir paz e confiança.
Então que enquanto sentiam aquela aura benigna afetando todo o lugar, a poderosa lâmina surgiu feito um fantasma. Ela zuniu feito uma flecha atirada pelo melhor arqueiro. Se qualquer outro tentasse segurar semelhante artefato talvez tivesse seus dedos decepados instantaneamente. Porém, isso não ocorreu com ele. Pois era um paladino poderoso, um campeão consagrado pelas forças do bem.
Ainda estava cheia dos pedaços de gelo onde foi depositada por tanto tempo. Só que agora, eram notáveis detalhes no corte da arma e seu cabo. Havia um rubi em sua guarda. A extremidade onde se segurava aquela arma tinha forma de um lobo branco e faminto. E a sua lâmina ficava mais bela devido a escritos. Era a língua dos dragões e da desaparecida Atlântida.
-Antes que eu parta devo me apresentar... Chamaram-me por vários títulos. Bons ou maus – ainda de costas aos Dragões da Justiça continuou sua fala – Paladino Covarde, Maneta, Aquele que Tombou, Espada Perdida, Lobo Sagrado, Cão Branco, Amigo de Ixxanon, Paladino da Ira... Meu irmão me tratava por Pequeno Pombo... Recebi esse nome de meu pai, Edward Gawain III. Sou o único paladino de Kanglor nessas terras, James Gawain.
Ao terminar te falar isso, o paladino correu para derrotar aquele mal.
Daehim riu.
-O mais forte entre vocês fugiu. Agora não terão mais chances.
Lacktum se virou com um rosto cheio de confiança.
-Você sabe que aquele homem nunca revelava seu nome. Só outros Imortais Esquecidos conheciam esse segredo. Ele revelou isso por saber que não morreremos como disse para Matadouro. Mas o fez, em especial por confiar em nós. Além disso, Gawain é um conhecido eliminador de demônios.
-Muito bem, vamos ver se terá a mesma confiança depois que farei. Matadouro! Se levante.
O ogro fez isso prontamente.
-Dragões preparem-se!

Cada um dos jovens heróis cercou os dois membros do Pacto de Guerra. Ao redor de Matadouro ficaram Tom, Siegfried e Ulfgar. Daehim tinha como seus adversários Gustavo, Bahamunt, Seton, Thror e Lacktum. Estavam motivados. O dragão assumiu sua forma verdadeira em instantes.
O ogro colocou seu machado na frente usando seu tamanho como vantagem. Criando uma linha imaginária na sua frente. Impedindo um ataque direto. Até que funcionaria se não fosse plano dos três.
Em um salto, Siegfried usando duas mãos na armas partiu para o ataque. Enquanto ele fazia isso, o anão corria por baixo com seu martelo. Um truque fatal, já que ambos poderiam acertar seu alvo. Só que um deles seria atingido.
O escolhido foi Siegfried.
Seu golpe tinha sido detido pelo machado do ogro. Ele acertou o guerreiro humano, mas não de um modo fatal. Deixando o caminho livre para Ulfgar, paladino de Thor. Ele teve uma surpresa, ao descobrir que seu inimigo girou o corpo todo com sua arma. O que significava um novo ataque logo.
Aquele monstro girou em torno de si mesmo com o item cortante. Assim lhe concedendo uma nova chance de golpe. Por um milagre, foi detido pelo martelo do servo de Thor.
Os dois se mantiveram em disputa entres armas. Ulfgar com um simples item de combate. Enquanto Matadouro carregava claramente uma força arcana. Não fosse pelo ataque com ímpeto do anão, talvez tivesse seu crânio partido. Uma disputa entre ambos.
Eis que a lâmina de Tom acertou o lado esquerdo daquele monstro.
-Ataque pelo flanco. Minha especialidade.
De um momento para o outro, aquele ser estava encurralado. E com um corte imenso.
Do outro lado, estava Daehim. Cercado por um número bem maior de inimigos, ele flutuou um pouco. Assim dificultava os ataques alguns como Gustavo.
-Não tenho nenhum arco – reclamou o paladino de Deus – Desde que combateram o kraken.
-Que pena, pois eu tenho! – soltou um feliz Thror atacando.
O guerreiro careca disparou sem sucesso no antigo inimigo. Ainda que fosse bom com arco, não acertou.
-Ninguém é tão bom quanto um elfo com arco.
Quando isso ocorreu, uma flecha cruzou o ar. Acompanhado de mais duas. A primeira não obteve o sucesso desejado. Diferente das outras, em que uma atingiu a pata inferior esquerda e outra, o que vagamente lembrava um ombro. A anatomia daqueles seres não era muito perfeita. Para padrões humanóides.
-É a minha vez! – falado isso, o mago esticou sua mão para trás. Ele formou um chicote de pura energia com calor. Sua magia predileta. A força arcana se tornou uma língua de chamas atingindo o oponente que voava.
Mesmo sendo um dragão, Daehim estava se sentindo muito acuado. Pois aquela magia que o mortal soltou era tremendamente poderosa. Ainda que para padrões tão baixo quanto o dos humanos. Aquele arcano aumentou seus poderes e bastante.
Seton aproveitou e bateu as mãos no chão levantando algumas plantas. Queriam aprisionar a monstruosidade alada. Só que os reflexos de Daehim ainda eram superiores. Não obteve sucesso nesse truque.
O dragão agora atacava. Inflou seu peito com grande força. Disparou de sua bocarra um jato de chamas negras poderosas e perigosas.
Todos fugiram do golpe daquele sopor, com exceção de Arctus. Este usou um poderoso encanto impedindo um ataque de chamas contra si. Mesmo as negras.
-Estava preparado para você. Por muito tempo! – gritou o sacerdote batendo o punho que estava com a arma no peito.
Desse jeito o dragão fez um golpe em rasante como resposta a bravata. As asas fizeram boa parte dos jovens serem lançados para longe. Com exceção de Lacktum e Thror.
Ainda assim, Bahamunt no chão disparou uma de suas flechas. Na verdade, como antes foram mais de uma. Todas juntas. Acertaram aquele enorme corpo de besta.
O mago levantou um dos seus pulsos, e quando o fez, uma esfera de chamas surgiu. Poderosa e grande o suficiente para cobrir uma pequena casa. E a iria lançar com toda a sua força remanescente.
-Da outra vez eu não usei isso, pois estávamos em lugar fechado – disse rindo aquele jovem – Só que dessa vez, nada me impede.
Houve o lançamento da grande bola de fogo. E enfim atingiu o monstro. Como um inimigo tão pequeno obteve um resultado tão grandioso, questionaria Daehim. Pois com isso, o dragão caiu nochão.
Ele se mantinha em pé com relativa dificuldade. Os jovens eram perigosos. Aquilo o forçava a usar mana. Nunca imaginou que necessitaria disso.
Com um simples agitar de sua garra uma magia atingiu vários de uma só vez. Era pura energia elétrica. Só atingiu os Dragões da Justiça. Eles de debatiam pela dor como se alguém forçasse a carne de cada um. Todos caíram.
Era possível ouvir o sorriso de Matadouro e sua voz cruel:
-Parece que estes Dragões parecer um bando de salamandras – e ao falar isso, o ogro chutou o corpo do clérigo de Zeus – Esse aqui parecia que iria trazer problema.
Ficou de costas para Tom. Sem perceber um movimento atrás de si, Matadouro foi atingido. Na perna esquerda para ser mais preciso.
-Argh! – gritou a criatura pela dor causada. Em seguida rolou para longe do seu inimigo.
Tom se regozijou:
-Acha mesmo que eu deixaria você impune depois do que causou aquelas jovens? Depois que eu terminar com você, eu mesmo pegarei as presas daquela serpente de asas.

Mais lentamente, os outros jovens foram levantando. Lacktum gritou para alertar.
-Vamos! Rápido! Vai demorar a ele atacar com o sopro de novo.
Enquanto faziam isso, o machado de Matadouro disputava contra a espada do jovem Tom. Esse último deslizou sua arma para baixo – sendo que seu inimigo mantinha a defesa na horizontal – e se afastou em um salto. E em outro voltou atacando com sua lâmina. Além de acertar o golpe no ombro, seu item estava com uma magia elétrica poderosa. Foi quando o monstro se afastou.
O ogro mago colocou umas das mãos no ombro ferido. Ele bufou de raiva e dor.
-Você é o que?
-Tom Drake Harem. E leve esse nome para o Tártaro. Pois é o que merece.
Ele nunca teria sido apenas um homem comum.
Um pouco mais afastado, o cerco contra Daehim continuava. Parecia fazer um sucesso considerável.
O dragão, mesmo sabendo que eles estavam feridos notou algo. Eram muito mais perigosos que anteriormente. Mesmo com os novos membros, não achou que seria tão difícil com humanóides. Dragões são naturalmente poderosos. Desde que nascem. Sem um ser igual a ele. Pelo menos ali, nunca existiria.
-Vermes imundos! Deveriam se render. E então estender suas cabeças com seus pescoços diante de nós. Para nos alimentar com suas carnes.
Estranhamente, o elfo arqueiro riu.
-E dizem que o louco sou eu!
De longe, Ulfgar gritou.
-Mas você é! Essa criatura é prepotente! É diferente!
-Como ousam? Fazer piadas de uma criatura divina como eu!
-Senhor divino! – gritou o guerreiro Thror – Que tal resistir a dois golpes de espadas?
Falado isso, ele correu como um touro sem freio por baixo das patas traseiras de Daehim. O grito de dor causado na criatura era percebido por todos dentro da vila, já que o combatente acertou ambas ao mesmo tempo. Eram realmente arcanas. Além do corte, o dragão sofreu com forças que lembravam um trovão e um relâmpago.
Lacktum meio atordoado olhou para o guerreiro e se apoiou nele.
-Trovoada e relampejar? – disse o mago.
-Trovoada e relampejar! – respondeu o amigo combatente.
O combate entre Tom e Matadouro chegava próximo de um fim. O clérigo rodeava aquele ogro como uma fera próxima do momento certo de um bote. Os papéis haviam se invertido.
Quem iniciasse o próximo golpe não importava. Mas quem o terminaria sim. Se bem que o sacerdote não estava tão ferido como o seu oponente.
E em um instante, quase tão rápido quanto uma gota de água caindo, a espada de Tom atravessou o peito de Matadouro. A fera com aspectos de homem se ajoelhou não agüentando aquela dor. Como golpe de misericórdia, o executor tirou a lâmina do monstro lentamente. E em um corte seco, o decapitou.
-Pronto! Eliminei. Agora só me falta o dragão.

Não era possível. O ser que havia unificado ogros e goblins jazia caído no chão. Aquele acontecimento era intolerável. Inimaginável para alguns. Ao contrário, Daehim encarava um monstro humanóide jogado naquela terra. Haviam derrotado Matadouro. Ou melhor, um único homem.
Sem notar seu próprio aspecto, Tom caminhava até o dragão. Quando sua lâmina obteve sucesso, uma grande quantidade de sangue o cobria.  E o seu sorrido lhe concedia um aspecto quase demoníaco. Por ultimo, a espada sendo arrastada fazia pequenas faíscas voarem com o atrito.
-Obrigado Lacktum. Se ele tivesse usado alguma habilidade arcana... – falou Tom.
-Com certeza ele teria fugido – completou Lacktum – Ainda bem que alterei alguns aspectos da realidade, não acha?
-Lógico.
Foi isso que ocorreu. Era uma das habilidades de um mestro do destino. Já ouviu rumores de uma feiticeira que usava só tons rubros em suas vestimentas. Ela controlava as chances de algo ocorrer. Talvez seu aliado até quisesse usar seus dons, mas foi detido pelo poder de controlar a realidade. Lacktum estava poderoso nesse caminho.
Recuar era preciso.
Quando se deram conta, o dragão ficou de costas. Sem mais nem menos. Parecia que ele fugia dos pequeninos humanos. Eis que Lacktum grita:
-Não o deixem escapar seus tolos!
Era possível ver Tom correr na direção do monstro. Sem sucesso.
-Pelas tarefas de Hércules! Quase que eu pego essa fera!
-Sem problemas, mortal. Eu o faço – soltou um Bahamunt arrogante – Minhas flechas o acertarão.
Falado isso, uma saraivada de projéteis foi lançada pelo elfo. Ainda assim, nenhuma delas alcançou o objetivo.
Antes que pudesse ficar longe da vista de qualquer um ali, o Vento Gélido soltou uma última magia. Pedaços de um metal negro brotaram em pleno ar. Semelhantes a lanças.
Cada um dos Dragões de protegeu como conseguia. Siegfried ficou atrás de uma parte das casas. Lacktum criou uma barreira de energia que quase falhou. Tom bloqueou uma lança com a própria arma, mas notou que outra atingiu sua perna. Seton e Arctus saltaram para direções opostas. Ainda assim foram feridos. O primeiro no braço e o segundo no pescoço levemente. O tolo Thror ficou só preso, pois sua roupa foi rasgada pela magia. Já o paladino Gustavo deve mais sorte. Não foi pego por nenhuma delas.
Onde estavam, no entanto, o anão e o elfo? Depois da confusão, onde quer que o dragão esteja talvez tenha vitimado aqueles jovens. Daehim, o Covarde seria um titulo mais apropriado para aquele lagarto com asas. Mas caso aqueles dois estivessem mortos, o líder dos Dragões nunca se perdoaria.
Eis que quando Gustavo se virou para um lugar, ele conseguiu notar uma cena. No mínimo épica. Ele chamou a atenção dos outros.
Lá estavam o paladino e o arqueiro. Ulfgar segurava um escudo atravessado pela lança arcana. Isso acontecia, pois, o elfo foi protegido do ataque pelo colega. Quando os outros se aproximaram dele notaram que não somente a defesa foi trespassada. O braço do anão também.
Todos correram para acudir o anão. Gustavo auxiliou. Fez isso o segurando. Ao mesmo tempo em que temiam pela vida do amigo, eles exaltavam seu amigo. Uma atitude heróica.
-Grato anão! – soltou Bahamunt pela atitude do companheiro.
-Não quero o agradecimento de um orelhudo... – fala Ulfgar tentando resistir a dor – Só me faça um favor: nunca mais precise de meu escudo.
-Farei muito mais que isso! Muito mais que isso!

Após o conflito tudo se pacificou finalmente. Com certeza Daehim fugiu. Para o Pacto de Guerra. Ele quis criar desespero entre os dragões. Obteve coragem e atitude heróicas.
O anão foi rapidamente tratado e curado por Gustavo e Arctus. As outras pessoas da vila também foram cuidadas, incluindo Hilde e Valquíria. Mesmo o ferido Ulfgar foi prontamente curado. A única coisa que sobrou foi uma marca no braço onde usava o escudo.
Depois que o padre fez suas preces e restaurou a saúde do anão eis que Lacktum se aproximou dele.
-Ulfgar, como se sente?
-Como se tivesse um braço novo!
Os dois riram. Arctus não poderia parar. Ainda havia muitos feridos. Estavam debaixo da cobertura de uma casa. Além dos três aventureiros, e alguns aldeões estava Tom.
-Alias o clérigo do trovão grego bem que poderia ter ajudado.
Lacktum virou o rosto diretamente para onde estava Tom. O mesmo estava de costas.
-Por qual motivo não fez nada?
Sem se virar ele lhe respondeu prontamente:
-Foi para que eu guardasse meus dons para uma emergência.
O mago estranhou aquele fato. Mas ignorou. Pois como combatente ele era ótimos nisso. Praticamente, o duelo dele com Matadouro decidido por sua lâmina. Um pouco maior que o normal, por sinal aquela arma usada pelo clérigo.
Ele saiu do lugar em seguida. Foi procurar o resto de seu grupo. E quem sabe o paladino de Kanglor que não era visto um bom tempo.

Encontrou Thror, Gustavo e Bahamunt. Todos unidos em uma espécie de comemoração. O grego sentou em cima do corpo do ogro derrotado.
-Venha mago! Tome uma dose de vinho.
-Grato – se aproximou o arcano pegando aquele vinho – Onde está Seton? E Siegfried? – pegou um belo gole da bebida.
-Seton foi ajudar Deenar. Siegfried foi ajudar a moça que se chama Hilde. Parece que a tal de velha Urda sumiu – falou Gustavo.
-Entendo. Não vejo onde esta a cabeça do ogro.
-Esta ali – indicou o guerreiro grego para o centro do lugar.
O jovem mago de cabelos ruivos notou uma estranha figura onde Thror apontou. Em três das lanças de ferro estava a cabeça de Matadouro. Cheio de moscas e com presas faltando. E um olho saltando da face.
-Belo rosto! – disse Lacktum notando a cabeça trespassada.
-Verdade. Como era maior que o normal precisou de três lanças. E a magia do dragão não se dissipa – enquanto falava isso, Bahamunt parecia carregar um odre invisível.
Lacktum olhou para aquilo e questionou:
-O que esta fazendo elfo?
Gustavo e Thror riram.
-Ele disse que esta bebendo vinho élfico – falou Gustavo segurando o riso com uma das mãos.
-Compreendo... – disse Lacktum com certo medo das ações do arqueiro.
-Isso mesmo. Tome mortal. Todos merecem um gole dessa bebida que nos revitaliza – e quando disse isso estendeu a mão vazia para Lacktum.
-Não. Muito grato amigo – ao falar isso notou as risadas dos outros dois.
Depois de certo tempo ali, logo ouviram o som pesado de uma armadura surgindo. Seus olhos notaram aquele a quem chamavam de Homem Santo anteriormente. O semblante carregava uma felicidade completamente diferente de um dia atrás. A espada sagrada brilhava como o Farol de Alexandria alguns diziam.
Ele carregava junto a si um saco de tom marrom. Na parte de baixo dele havia um liquido meio negro, ao qual aproximando um pouco mais notariam tratar-se de sangue.
-Vejo que como eu, vocês tem preferência por decapitações – o homem disse.
-Verdade – disse Thror – Pegou como troféu?
-Diferente de vocês, jovens, não necessito disso. Isso aqui irá servir para alertar Avalon, Midgard, Arcádia e Moredhel. Faça-me um favor e leve isso para um lugar seguro. Faria isso guerreiro.
-Lógico. Mas se você arrancaria um dente pelo menos. Eu e Tom fizemos isso. Se bem que ele pegou o pedaço maior.
Levantou-se e carregou o saco. Com certa dificuldade. Parecia mais pesado que a careta de Matadouro.
Lacktum se aproximou do homem com aura de rei.
-Então estávamos diante de James Gawain, um dos líderes dos Imortais Esquecidos?
O homem riu. Em seguida bateu no ombro do mago com certa força, mas de forma amistosa.
-Sim. E você e seus homens fizeram me revelar. Apesar de que gostava de ser tratado como um sem nome. Pois na verdade nunca me senti um heróis. Agora vamos. Tenho muito a lhe falar. O lorde infernal me confidenciou algumas coisas. E acredite... Ele não ousaria mentir para mim. Um cavaleiro eliminador demoníaco.



[1] Guerreiros profissionais eram poucos, chamados como huskalars. Viking era uma ocupação que teria o significado de pirata ou bandoleiro.