Estava em um lugar
escuro inicialmente, como uma consciência cheia de pecados. Sua vista não
conseguia enxergar nem a mão diante dos olhos. Acostumar-se com aquilo era difícil.
Primeiramente pensou ser um truque póstumo do Silencioso, alguma armadilha implantada.
Só que constatou não ser alguma magia que deixava cego, quando do meio daquela
escuridão surgiu um corpo conhecido dela. O arcano sombrio que se
autodenominava Kalic Benton II. Por de trás dele surgia uma luz branca que
contrastava com o aspecto do mago cheio de trevas. Enquanto ela surgia como se
um manto poderoso de veludo puro e alpino, tivesse coberto todo o tom negro do
local. Pois era única aquela região. Agora, que podia ver a si mesmo, notou que
abaixo não pisava em nada, ao mesmo tempo algo estava embaixo dos seus pés.
Controlou-se, pois sabia que aquilo era algo novo e poderoso. Talvez fosse
parte da magia da Chama Gélida. Só não compreendia em que o irmão bastardo de
Lacktum estava participando naquilo tudo. Talvez tentasse lhe roubar!
Quando tentou sacar sua
arma, Halphy notou que não havia o item. Nem Vampira de Almas, nem sua besta,
nem suas adagas extras. Nada.
-Calma Brown. Não vim
aqui atacar você. Vim lhe falar onde esta.
-Como assim? Que lugar
infernal é este? Você me tirou as armas?
-Qual parte não
entendeu? Eu não lhe farei mal algum! Juro que sair daqui se continuar a me
interromper terei o prazer te lhe virar do avesso!
-Esta bem, esta bem! –
falou abaixando a guarda – Onde estamos?
Ele parou o movimento.
Agiu como se tomasse fôlego. Não precisava, pensou Halphy. Era um morto sem
descanso.
Fitou a jovem e
enquanto andava em sua direção começou a explicação:
-Deve saber o que são
mestres ascensos. Pessoas que entraram em um nível de iluminação tão grande que
sua existência marcou toda a Gaya. Poucos o fizeram até hoje, menos ainda foram
registrados. Sua função é um mistério. A maioria dos sábios acredita que querem
elevar os homens para um novo patamar. Algo único e novo. Outros que descendem
dos atlantes ou dos lemurianos. Não importa. O símbolo maior deles de poder era
o Portão da Verdade. Uma fonte inesgotável de energia. Um lugar de
autocontemplação. Onde todas as verdades de sua vida são finalmente reveladas.
Coisas que surgiram até antes de nascer. Para ter uma idéia da sua importância,
a força que ele detém – ergueu a mão e apontou para trás da jovem – olhe para
trás de si. Verá que existe um item magnífico.
A marduk começou
pisando para o lado. Em seguida mexendo levemente seu corpo, junto com pernas e
braços bem soltos. Por fim, virou a cabeça na direção ao qual apontou o mago.
Seus olhos acostumados com o branco do lugar não acreditavam naquela imagem.
Tanto que abriam e fechavam não acreditando no que via a sua frente.
Flutuando, em pleno ar,
era notável um portão de cor bem escura. Nele, o desenho de uma árvore imensa,
assim, assim como o próprio portão era. Suas frutas não pareciam com alimento.
Eram círculos perfeitos, com letras irreconhecíveis, cheias de detalhes. Como
falado antes, seu tamanho era mínimo colossal. Maior que o castelo de Van
Sirian. Ou até onde era a sede do Pacto de Guerra. Já na horizontal, não era
tão grande. Parecia fechado, até mesmo lacrado. Acima de todos os detalhes
estava o de notar que não havia nada na frente ou atrás dele. Só a estrutura.
Como se levitasse no nada.
-Mas que...
Ele ficou do lado de
Halphy.
-Brown... Esse é o
Portão da Verdade.
-Verdade? Que verdade –
perguntou uma atônita e temerosa, meio dragão.
-Aquela que busca –
disse ele se aproximando da porta e apontando mais uma vez para ela – Basta
entrar.
Ela chegou perto
daquela porta enfim. Nunca se sentiu tão bem e mal ao mesmo tempo. Qual o
motivo para tudo aquilo? Não necessitava. Pensou que nem deveria ir naquela
direção. O passo já estava feito. Voltar atrás não funcionaria para nada. Ela
iria abrir o caminho para saber os seus segredos. Fossem os mais temíveis ou
não.
Quando tocou no portão,
levou uma advertência:
-Se você entrar nesse
portão saberá tudo aquilo que quer ou não saber. Prepara-se.
Ela aceitou aquilo com
um balançar de cabeça. Virou-se em definitivo para a estrutura flutuante.
Colocou sua mão nele para empurrá-la. O que conseguiu com relativa facilidade.
Ao fazer isso, viu que
naquele espaço dentro dele parecia com um céu cheio de nuvens. Depois, tinha
mais a forma noturna. Cheia de estrelas. Cada qual mais convidativa que a
outra. Até que foram sumindo uma por uma, como vaga-lumes em floresta tensa.
Sobrando só três luzes naquilo que deveria ser uma sala fora do tempo.
Formavam uma pirâmide.
Lembravam as típicas constelações das terras dos homens. Só que não eram. Mesmo
não conhecendo nada de astrologia, sabia que aquele não era o mesmo tipo de céu
de Gaya. Tratava-se de outro mundo, um novo plano, acreditava. No mínimo. Nem
se importava. Tocar naquela luz era a coisa mais valiosa no momento.
Pois flutuava naquela
direção como se imersa em um líquido quente e reconfortante. Sua maior
diferença era que poderia respirar sem nenhuma dificuldade ali.
Finalmente, depois de
muito flutuar, alcançou os três brilhos. Ficou no meio deles. Era lindo.
Parecia com quando um peregrino chegava ao fim de uma longa jornada.
Não sabia em qual
daqueles itens devia tocar. Sem nem pensar, tocou um e se sentiu puxada.
Parecia que a águia mais veloz, com maior impulso possível a arrancou e jogou
em uma direção completamente desconhecida. Que passava por todos os mundos
conhecidos ou não. Em um instante de vida ou com o sopro da alma. Nada parecia
mais rápido ou poderoso do que aquele destino onde estava sendo lançada.
E como um cavaleiro
forte e feroz, abruptamente parou.
Estava como um espectro
sem corpo. O lugar parecia cheio de lembranças. De alguém, ou algo... Não. Definitivamente
era de alguma coisa.
Começou a notar que
estava em uma arena. Ela via o passado de Thror. Ou melhor, de Fobos.
Não é necessário
descrever os textos a seguir, pois revelaria a você fatos repetidos nestas
linhas. O que deve saber é: o mostrado aqui não muda muito do que foi dito e
falado no Tribunal das Almas. Fobos querendo mais chances de combates elevados
e épicos participou de uma trama para obter o artefato Lanterna dos Eóns. Sendo
traído e condenado, foi mandado para Gaya como um mero homem mortal.
Despertaria muitos séculos depois, e o lugar onde caiu concederia origem aos
espartanos enquanto estava adormecido. Ao acordar sem memória, recebeu o nome
do tolo Thror Tzorv, por um pai adotivo. Ironicamente, esse último pedaço das
lembranças foi diminuído.
Sem aviso, voltou onde
estavam as três estrelas. Continuavam ali, fixas, imóveis e sem sinal algum de
mudança. Frias como o aço de uma lâmina. Fortes como o coração de um santo.
Seu mundo havia caído,
em partes. Thror, um semideus? Não era nada concebível aquela cena na sua mente
como uma comédia sem nenhuma boa explicação, só que com uma reviravolta digna de
um rei, no mínimo. Uma divindade. Mesmo vendo e ouvindo tudo aquilo que a
estrela lhe mostrou, sentiu-se incomodada. Iria ignorar tudo no momento.
Depois de refletir,
dirigiu-se para outra luz noturna. Flutuando pela escuridão daquele local
chegou próximo da força. Tocou o item com certo temor. Assim, mesmo o fez a
muito custo. Foi mais uma vez lançada para um tempo que não era o seu, em uma
vida que não era a sua. Mal sabia onde ela iria parar depois de tudo aquilo.
E tocando aquela
esfera, foi lançada em uma época em que não havia Sinestro. Tão antiga quando a
visão anterior. Só Brilho de Orvalho ainda estava lá. Era o passado do
ancestral de Halphy.
Dessa vez, nada de
novo. Constatou algo que já ouviu do próprio fundador e mestre do Pacto de
Guerra. O passado envolvendo Sinestro e sua avó, Iliana já havia sido revelado
pra ela. Somente com palavras. Agora eram com imagens.
Nada de mais, pensou a
mulher que um dia começou como ladina. Ela aprendeu feitiços antigos e no fim e
tornou-se uma excelente assassina. Seu passado também não era tão louvável
quanto o de outros. Só que com certeza era bem mais calmo se comparado ao de um
lorde dragão.
Com o término de mais
uma visão, seu corpo voltou para perto das três estrelas no firmamento. Só que
para ter companhia. Kalic Benton II enxergava tudo aquilo pairando como ela
também fazia.
-O que faz aqui? –
inquiriu Brown.
-Você não imagina? –
falando de modo sarcástico e em seguida flutuou até ela a encarando – O óbvio.
Eu também abri o Portal da Verdade.
-Você fez o que?
Ele riu de modo único.
Em questão de instantes o som cessou. Kalic Benton fitava Halphy em seguida a
isso.
-Há uma profecia –
continuou ele – nela é dito que um do sangue Van Kristen será a chave para
solucionar um terrível mal. Ou seja, ele pode impedir isso, se quiser. E quem
estiver ao seu lado, ou o controlar...
-Será tratado como um
deus – ela completou.
-Ora, não imaginava que
conseguiria pensar sozinha.
Ela fez uma de raiva
quando o mago disse aquilo, que congelaria um demônio de medo. Ele disse:
-Toque a última
estrela.
A jovem estranhou.
-Por que quer isso? Que
eu toque ela?
Virou de costas para a
assassina dizendo:
-Toque e veja. Toque e
saiba.
Ela voltou-se para o
brilho eterno daquele espaço. Uma luz única que nunca viu na vida. Nada parecido.
Com medo e certo receio, tocou aquele novo poder. Pois conhecimento era como
uma arma em sua mente. Que poderia ser algo ruim ou maravilhoso. Mostrar tantas
coisas bizarras, quanto simples. Não notou do que se tratava. Veria o passado
de Kalic Benton II, ou melhor, Lucian Van Kristen.
Estava em uma torre.
Grande, abarrotada de livros espalhados dos mais diversos tipos e tamanhos. Com
várias categorias. Tanto nos armários de madeira forte, quando esparramados.
Algumas coisas simples eram visíveis como brinquedos. Demonstrava que o lugar
teria pelo menos crianças, mesmo lembrando mais o refúgio de um mago pelos
títulos que encontrava.
Eram variados. Dirigidos
para abjuração, encantamentos, alquimia – que muitos magos consideravam um ramo
desvirtuado da Arte – criação de itens fantásticos, itens do povo judeu como
golem, conjuração, necromância, truques básicos, ilusão, livro de conhecimento
sobre montsros, criação de poções, locais de poder, uso das fontes de poder,
demonolgia, vampirismo, controle do tempo, um guia sobre artefatos perigosos,
manual sobre os planos exteriores e vários livro sobre o controle das sombras.
Observando melhor Halphy notaria pedras esculpidas em uma língua nunca vista
por toda a Gaya. Ela veria algo parecido um dia.
Halphy chegou ao
parapeito da torre vendo uma área bem aberta. Não havia casas próximas. Ao
longe, talvez fosse possível ver um feudo. Um que parecia conhecido dela.
Ignorou naquele momento, pois se concentrou nas três pessoas abaixo dela.
Viu o garoto e os
adultos. Tudo parecia calmo e feliz. Pois ali se via uma família.
Um garoto com cabelos
castanhos, quase vermelho, pendurado no pescoço de um homem forte. Pai e filho
com certeza, visto que seus semblantes eram parecidos. Incluindo os olhos.
Havia também uma mulher muito bela e possuía cabelos negros. Eram como ondas. E
olhos claros de um dom quase hipnotizador. Suas roupas eram simples, como as de
uma camponesa. Ainda assim, cheia de detalhes. Não era uma mera moça.
A dupla brincalhona
continuava até serem interrompidos.
-Meu amor... Posso
falar-lhe? Suas juvenis brincadeiras virão depois.
O homem com aura e
roupas de nobre cessou tudo dizendo que brincaria mais tarde. Foi então der com
a jovem.
-Quando deixarei de ser
sua segunda mulher? A outra dessa relação? Não passarei minha vida como um
pedaço de carne apetitoso que mantêm entre seus lençóis. Como se eu fosse outra
opção. E seu filho? Quando deixará de ser um bastardo?
-Não diga isso minha
amada! Você é quem amo. Não lhe trouxe textos de Alexandria? Palavras de poder
anterior ao povo da Terra Santa sequer existir. Por acaso medi esforços
construindo uma torre para você de alta feitiçaria? Um lugar onde pode lançar
magias e sortilégios como bem entender. Sem ter o incomodo de olhos mundanos
como vocês mesmo dizem. Você é mais bem tratada que qualquer pessoa em meu
feudo. O que mais deseja?
-Sua cama! – falou ela
segurando firmemente a roupa do nobre. Já ele, se desvencilhou de suas mãos com
gentileza, segurando-as entre as suas. Parecia haver amor naquele. Impressões
podem ser falsas.
-Samara, tudo ocorre
como o destino quer. Já temos um filho descendente de Guilherme. A lenda se
concretizará. Seremos pais do senhor de um novo mundo. Lucian será venerado
como um deus.
O garoto chamava-se
Lucian. Então aquele homem deve ser o pai dos magos Lacktum e Kalic. E por
ultimo, a tal Samara, a mãe do mago mascarado. Isso se tornava interessante.
-Já tem um filho varão.
Da mulher que lhe quer tanto. O que mais precisa?
O barão beijou sua boca
a abraçou e então se afastou indo na direção de um corcel.
-Eu lhe amo. E nunca
duvide disso.
A visão muda com Dwalin
cavalgando na direção de seu castelo e sendo interceptado por um de seus servos
mais fieis. Ele o avisava que sua mulher estava grávida. Seus olhos encheram-se
de algo, mas não era remorso nem dúvida.
-Acho que será um
problema – falou para si mesmo o homem que entrava em um dilema simples:
prometeu o mundo à Samara. O que teria que fazer agora? Isso seria mostrado em
mais um vislumbre do passado. E nada de bom seria mostrado de agora em diante.
Lá estava mais uma vez
a jovem Samara, totalmente amargurada. Ela mexia em um caldeirão típico para
feitiços. Nele surgia uma fumaça que demonstrava não ser de nenhum alimento.
Parecia que ela estava preparando um antigo feitiço.
Um lucian, pouco mais
velho que na visão anterior, surgiu atrás da bruxa. Parecia triste e abatido,
carregando um grimório abaixo de seu braço. Tentava começar um dialogo com a
mãe, mesmo notando que os olhos dela enchiam-se de obsessão.
-Mãe? Sente-se bem?
Ela usava uma capa
escura e negra, cheia de detalhes agora. Lembrava as bruxas dos contos aos
quais pais falavam. Próximos das camas, com a finalidade de fazer seus filhos
dormirem, diziam que elas devoravam criancinhas que não se comportavam. Seus
olhos vermelhos praticamente escondiam o resto de sua face. Escura e tão cruel.
-Fique calado Lucian!
Eu estou próximo te lhe entregar o mundo. Já que seu pai lhe trata como um
bastardo, te entregarei um novo.
Lucian estranhou aquela
frase.
-Um novo? Novo o que minha
mãe?
Ela se virou para o
filho com uma sombra no rosto, no lugar do sorriso.
-Eu falei com as trevas
para lhe concederem um novo pai. E elas disseram que sim. Seu pai chama-se
Kalic benton.
Foi assim que o mago
recebeu aquele titulo. O mago conheceu Kalic I em sua juventude. A cada nova
visão uma descoberta diferente. O passado é realmente um pequeno monstro,
alimentado por seus segredos. De qualquer modo, o que mais esse tempo antigo
lhe mostraria?
Certo dia Samara recebe
na sua porta um Kalic Benton bem apressado. Isso a espectadora notava pelo
brasão em sua armadura. O símbolo único de uma águia atravessada por uma
flecha. Tirou essa informação de um livro que leu em Avalon. Nele falava que o
barão que se tornou um morto sem descanso, deixou seu corpo ser penetrado com
necroplasma em um rito profano. Isso através de um tomo antigo e poderoso. E
isso todos sabemos.
O que importava naquele
momento era que ele estava diante da bruxa. Com seus longos cabelos castanhos,
cavanhaque mal feito e olhos sem orbita. Sem falar do seu corpo que
transbordava energia profana. Com a mais pura força necromântica.
A velha parecia se
rebaixar diante daquilo que já foi um homem.
-O que faz aqui meu
amor? – ao falar isso tentou tocar o rosto daquele homem. Foi interrompida
bruscamente com uma das mãos do morto.
-O que pensa estar
fazendo? - perguntou aquele ser com buracos no lugar dos olhos. Ainda assim,
era possível notar a expressão de raiva num rosto definhando.
-Só queria lhe
demonstrar meu carinho.
Kalic, que segurava
firmemente na mão esquerda de Samara a apertou com força. Machucando-a.
-Largue-me! Solte-me
seu bruto! Esta machucando minha mão!
-Cale sua boca mulher maldita. Ou pensa que
lhe aturei até hoje sem nenhum motivo? Estou aqui para controlar o mundo. E sua
semente me concederá poder para isso. Esta na hora te colher-la.
-Como assim? – ainda
não conseguia conceber o que estava para acontecer.
Aproximou-se da jovem
dizendo:
-Vim buscar Lucian sua
criatura ridícula.
Os olhos vermelhos de
Samara se arregalaram de raiva. Ela virou de costas para o cavaleiro
rapidamente. Antes que pudesse gritar qualquer coisa, sentiu uma pontada nas
costas. Kalic acertou mortalmente aquela mulher. Engano mortal disse baixo e
chorou em seguida.
Caiu no chão. Com o rosto
na parte de madeira do salão. Colocou a mão nas costas e quando notou estava
empapada no próprio sangue. Todo espalhado no chão de modo triste.
O sangue em sua mão
cheio de frustração e ódio. Sua raiva devia-se a traição de seu suposto amado.
Já sua decepção era que não teria o poder para mudar aquele mundo a seu bel
prazer. Todos os homens de sua vida haviam a enganado, com exceção do filho.
Só viu os pés de Lucian
se debatendo. Ele estava sendo levado por Kalic Benton. Os olhos fecharam
lentamente. Com isso terminado, a maga Samara havia falecido.
Alguns anos
passaram-se. Lucian lia um tomo quando foi interrompido por seu padrasto de
forma escandalosa. Mesmo para um morto seu corpo estava decrépito e destruído.
Com vários golpes de lança e espadas. O homem notou do que se tratava o
conteúdo do livro.
-Lucian! O que faz
lendo justamente este grimório?
O ainda jovial e mortal
filho bastardo de Dwalin virou-se para Kalic Benton. Com a mão estendida na
direção daquele que o tirou do seio materno.
-Primeiro tomei para
mim um encanto que manipula a morte. Tornarei-me um morto sem descanso. De um
tipo único, parecido com o do famoso Sinestro. Um rei dos mortos. E segundo sei
como destruir um cavaleiro como você... Necessito de um pedaço da arma que
usava em vida.
Ao falar isso, Lucian
começou a agitar sua mão de modo único. Estava preparando um encantamento
forte. E era mesmo de tamanho potencial.
Ele tirou um pedaço de
metal, de sua roupa mostrando-o ao cavaleiro sombrio. Era um pedaço da lâmina
de uma arma que pertenceu ao cruel Kalic Benton.
-Não! – disse aquele
que serviu como pai para o jovem – Posso ter lhe tirado a mãe... Só que
praticamente lhe servi como genitor. Mais que Dwalin jamais foi.
-Você esta certo. Foi
muito mais que meu pai nunca será. O problema é que sempre amei demasiadamente
minha mãe. Mesmo sendo uma mulher obsessiva, ela me protegeu e me ensinou.
Guiou-me pelos caminhos da magia. Sou um abridor. Com o poder que obtive, posso
conceder um corpo para Samara agora. Um invólucro para ela – enquanto soltava
essa frase, era notável que seu rosto se enchia de loucura – para que possa a
reencontrar. Não se preocupe meu amigo. Irei lhe honrar hoje também – falava
agachando com a mão estendida para o cavaleiro – pois assumirei o nome de Kalic
Benton. O segundo.
Aquele mal da loucura o
tomou também, assim como a mãe, ao que tudo indicava.
Nesse instante, um
brilho surgiu na casa onde residiam os dois.
Ela estava onde tudo
havia começado desde que obteve a Chama Gélida. Em um espaço escuro. Nesse
momento era visível muito bem o Portão da Verdade, no entanto. Além de seu
próprio corpo. O com a forma dracônica. E diante da construção estava o
portador daquelas memórias.
Um homem que portava
roupas negras e máscara. Cheios de raiva e ódio eram seus olhos. Kalic Benton
II, o bastante de Dwalin, antigo Lucian Van Kristen. Suas mãos estavam
decrépitas, o odor forte de um corpo decomposto a meses. Aproximava-se
lentamente.
Não sabia o que pensar
do morto vivo. Será ele uma vitima, ou acabou se tornando parte das cobras que
surgiram devido a Sinestro? Na verdade, nem queria saber. Só precisava desse
conhecimento para ter certeza se lidava com coelhinho assustado ou um grande e
feroz lobo. Preparando a defesa adequada para o seu companheiro do Pacto de
Guerra. Van Kristen tem a tendência de surpreender seus companheiros de viagem.
Nada mais se poderia
ouvir entre eles a não ser aquele silêncio ensurdecedor. Como um anjo surgindo entre
eles. Só que nunca haveria. Nunca haveria um ser celestial junto deles. Nunca.
Enfim, depois do
silêncio sepulcral, ele foi partido.
-Você viu.
-Sim – ela respondeu
com rapidez e medo.
Virou-se de costas para
a assassina.
-Saiba usar bem o
conhecimento que obteve.
-Ei! Espere! – gritou a
jovem com receio – Por qual motivo faz isso?
Ainda de costas, a
resposta foi outra pergunta:
-Faço o que?
-Torturar seu irmão!
Esta completa sua vingança! Por qual motivo continua com sua perseguição?
Ele olhou para Halphy
com só um dos olhos na máscara.
-Quero que o sangue Van
Kristen sofra. E o melhor para isso é atacar o filho predileto de Dwalin. Eu
não sou um dos filhos dele. Sou um Benton. O segundo.
Ela não ficou
satisfeita com aquilo. Era muito simples. E algo que ela acreditava é que nada
seria tão fácil quando o que as pessoas queriam normalmente fazer parecer.
-Se quer tanto saber,
tem outro motivo. Minha loucura atingiu um nível que... Nunca poderei deixar
isso... Até o que preciso para concretizar meus planos.
Falado isso ele
recomeçou a andar, falando:
-Quando quiser volte
aqui. É só pensar. E estará aqui.
Observava ele partir
com certo medo e pena do jovem. Já que ele nunca deve ter possuído uma vida
como a de qualquer outro garoto. O ódio por Lacktum estava marcado com aquela
máscara sombria. Uma infância horrível. Bem pior que a de Lacktum. Com toda a
certeza.
O esnobe mago de
cabelos vermelhos deve ter sido bem tratado toda a sua vida. Nada com que ser
preocupa. Com a única exceção que se devia em encontrar uma bela noiva, digna
aos olhos de seu pai. O que mais um nobre poderia querer?
Estava mais do que no
momento de voltar. E já sabia como. Pois notava que deixava aquela escuridão,
finalmente. Fosse lá onde seu corpo físico estivesse ainda deveria estar em
Gaya.
Os olhos se acostumavam com aquela imagem nova na sua frente.
Nela estava seu grupo. Nikolai, Raquel, Zacharias e o rastreador contratado
Jean estavam ao seu redor. Ali, tudo parecia fazer mais sentido que tudo
observado até então. Literalmente teria acordado de um sonho.
Colocou a mão na testa. Parecia aliviada, mesmo com a sombra do
clérigo a sua frente. O medo que tinha dele não era tanto quanto viver naquele
mundo, onde segredos eram revelados. Como se estivessem diante de uma chama
poderosa os extraindo da penumbra. Será que era bom eles virem à luz? Ou ainda
os manter nas sombras do esquecimento? Nem imaginava o que era certo mais.
Com dificuldade, ajeitou-se em cima de uma cama improvisada.
Cobertas caiam de cima dela, junto com peles. Parecia estar com muito calor.
Mesmo com o frio que sentia naquela época, preferiu empurrar boa parte de todos
aqueles tecidos. Isso até ter consciência que estava com muita pouca roupa. Na
verdade estava nua, debaixo de tudo aquilo.
Voltou a se cobrir rapidamente.
-Quem fez isso? – inquiriu ela antes que os outros pudessem
abrir suas bocas.
-Raquel! Eu juro – disse Jean se ausentando da culpa. Além de
salvar Nikolai, o mais assanhado do grupo. Pois era notável o olho de
desconfiança de Halphy para o alquimista.
A assassina pegou as cobertas como se elas houvessem lhe
concedido um vestido. Levantou-se em um só golpe. Como se fosse uma leoa gritou
aos homens que saíssem de sua tenda. Sem nem ter certeza se aquela lhe
pertencia. Ao fazer isso, só sobraram Raquel e a mestra daquela expedição no
lugar.
Uma maga introvertida como sempre ajudou Halphy a se trocar
até ser interrompida pela própria. Parecia que a assassina notou algo em seu
busto.
As garras de Halphy tocavam algo frio e quente mostrando um
contraste. Ainda assim não era morno. Que raio de sensação seria essa? Tinha
alguns detalhes que a faziam lembrar um medalhão ou colar. Diferente de
qualquer um desses itens, aquele estava atravessando as escamas de seu corpo.
Não havia dor naquele ponto.
Ela inclinou a cabeça para enfim olhar o item em sua pele.
Era a Chama Gélida.
-Finalmente, você é meu, Gaya...
-O que disse Halphy? – perguntou Raquel ajeitando a roupa na
cintura de sua colega. Aquilo aguçou sua curiosidade.
-Nada. Termine isso logo.
Estava pronta como a boa assassina que era. Se é que uma
mulher assim poderia ter essa qualidade a sua profissão. Vampira de Almas
estava embainhada, sua besta e adagas prontas para uma nova situação. Até seus
truques estavam preparados. Magia e venenos. Não poderosos, só que eficazes o
suficiente para causar o que ela queria. E assim obter sucesso.
Foi quando se lembrou dos acontecimentos diante do Portal da
Verdade. As revelações eram demais para sua curta idade. Thror era uma forma
para Fobos, um dos filhos de Ares. Sinestro foi causa de tudo que ocorreu até
hoje para si e seus antigos companheiros. E Lucian não era nem metade do ser
maligno que Dwalin poderia ser. O que mais lhe seria revelado? Era impossível
conceber algo desse nível.
Contudo, isso não importava tanto agora. O artefato cravado
em seu corpo faria que reis ajoelhassem ao seu comando. Elfos iriam lhe
satisfazer como quisesse. Até mesmo ludibriaria demônios para conseguir o que
queria. Gaya seria sua mesa de jantar. E ela aproveitaria de tudo, até fartar.
Mexeu os cabelos de forma sedutora, enquanto visava àquela
mestra do saber. Encarou-a dizendo:
-Raquel revele-me seus segredos.
E ao falar isso, e com um brilho surgindo do item recém
adquirido por ela, Raquel entrou em um transe. Qualquer pergunta seria
respondida sem haver resistência. Halphy precisava de um teste de seu novo
poder, e quem melhor que a pessoa mais introvertida daquela expedição? Deveria
conter muitos segredos.
Enquanto a Chama reluzia Raquel mostrava o que Sinestro
planejava para Halphy.
-Diga-me, por qual motivo Sinestro mandou você conosco? –
questionou a assassina.
-Eu fui colocada nessa comitiva como uma vigia e espiã.
Reportando tudo ao meu mestre Sinestro.
-Sempre achei estranha sua presença aqui.
Parecia que a jovem não tinha consciência de onde estava ou o
que fazia. Respondia a tudo sem nenhuma vontade verdadeira.
-E você sabe que tipo de poder provém desse item?
-É algo que surge da mente. Os mais sábios chamam de a Lei.
Completamente diferente da Arte, pois ela não cria nada. Só usa seu pensamento
como uma perigosa ferramenta.
Halphy se questionou. Pensamentos como ferramentas? Serviriam
como arma? Claro que deveriam servir. Já os estava usando assim. Talvez fosse
de outra forma usada aquela linha de poderes. Não criar? Como seria isso?
Também não importava se obtivesse o necessário.
-Diga-me o que reportou para Sinestro? Como o faz? Pois tenho
certeza que o fez.
-Sim, eu o fiz. Através de uma pedra. Essa.
Ao terminar Raquel sacou de suas coisas um invólucro. Ele
estava coberto por símbolos de origem arcana em um pano. Pelo pouco
conhecimento que tinha sobre o assunto, aqueles símbolos eram de proteção. Na
verdade impediam a localização exata daquilo. Ou até de saber que existia.
Quando finalmente retirou todas aquelas proteções, com o
devido cuidado vislumbrou um diamante. Nele havia uma escrita mágica. Ao notar
com cuidado aquele ideograma de mana agiu como se tivesse encontrado um enorme
tesouro. Ele o fazia comunicar-se diretamente com Sinestro.
Era a resposta para uma pergunta nunca feita: se Sinestro
confiava nela. Obvio pelo que estava na sua mão que não. Nunca havia feito
isso. Mas jogaria conforme as regras. Até que ela pudesse as alterar.
-Eu falei que você é uma jovem intrépida, audaz, perspicaz,
perigosa, maliciosa, talentosa, destrutiva e dissimulada. Tudo que vi de você
nesses dias – disse a moça introvertida.
-Bem, bem... Qualquer coisa nova você deve me avisar. E
esquecer-se dessa conversa.
-Sim Brown.
Falado isso, Halphy a mandou para fora da tenda. O próximo
seria Nikolai.
Não é necessário explicar com detalhes a conversa. Só seu
conteúdo em si.
Halphy sempre imaginou que Raquel fosse uma espiã. Mas como
Nikolai se encaixava naqueles planos? Essa duvida perturbava a mente daquela
mulher.
Uma das primeiras perguntas feitas foi sobre isso. Como o
jovem Laskov se uniu ao Pacto de Guerra. A resposta foi algo que não imaginava.
Amor.
Nikolai era um alquimista de talento, que um dia se apaixonou
verdadeiramente. Quem diria. O mais cafajeste dos membros daquele grupo, na
verdade era um dos mais românticos. Porém, o alvo de seu afeto teria que ser
sacrificado para uma fera marinha. Algum tipo de tradição pagã. Ele tentou
impedir esse ato enfrentando todo o vilarejo da jovem. Seus dons, no entanto
não eram suficientes na época. Desolado, por perder seu grande amor, Nikolai se
entregou as bebidas e ao vicio da carne. E em uma de suas noitadas encontrou um
frade. Um homem fora do comum, que sabia das habilidades de transmutação do
rapaz. Queria que o auxiliasse como espião para a Santa Sé, infiltrado no
Pacto.
Tecnicamente, o grupo de onde esse clérigo surgiu não existe.
É chamado Inquisição. Serviria para investigar os atos sobrenaturais que
ocorrem por toda a Gaya. Compostos por sacerdotes com fé verdadeira,
investigadores, espiões, alquimistas e toda sorte de arcanos. Não sabia com que
finalidade, mas deveria ser proteção. Foram eles que mandaram Arctus e Gustavo
atrás dos Dragões. E isso mostra que em pouco tempo sabiam onde estavam os seus
alvos. Um perigo, talvez até mesmo para Halphy.
A próxima pergunta referia-se ao que Nikolai acabou
descobrindo. O Pacto pretende obter um item em Roma, nas mãos da Igreja. Ao que
parece é de extrema importância para os planos de Sinestro. Um artefato que
seria o contrário dos criados pelo Desalmado e do Cavaleiro da Pele de Platina.
Parece que era chamada Rosa Negra.
Se o que ouviu for verdade, essa coisa abriria os Portões
Infernais. Como ou quando não imaginava. Só soube que Mallmor estava à frente
disso. Ele estava nessa busca desde que Halphy partiu. Levando seus melhores
homens consigo, sua meta é uma pequena igreja que poucos conheciam. Que os
deuses sejam piedosos de todos, caso tenha sucesso.
Ela queria mais informações sobre aquilo, mas Nikolai só
obteve informações confiáveis o suficiente para não arriscar sua própria vida.
O alquimista era sábio.
Após tudo isso, Halphy falou o mesmo que para Raquel. Laskov
saiu daquele lugar sem lembrar-se de nada. Foi quando notou que aquilo cansava
sua mente através da Lei proveniente de Chama Gélida. O item proveniente do
dragão que a fez do jeito que era agora.
O clérigo surgiu como uma sombra na tenda. Bem ameaçador,
como de costume. Pegava um símbolo sagrado de Hades em sua mão, como uma menina
que brinca com uma boneca. Olhava de canto para sua mestra. Só maldade surgia
na sua face
-Vejo que esta brincando com seu novo presente. Não há de que
– falou ele criando um sorriso maléfico e cruel.
-O que quer careca?
-Não é assim que se trata uma criatura superior.
-Você fala besteira de tantas formas.
-EU sou seu superior. Nunca se esqueça disso.
-Em que mundo?
-No Inferno e fora dele.
A garota pegou uma caneca com água derramou seu conteúdo em
um prato de madeira. Em seguida jogou o liquido em sua própria face. Parecia
ter ignorado o que foi dito, até a próxima frase:
-Eu não estou sendo irônico Brown. Eu vim do Inferno. Ou
melhor, de uma versão dele.
Halphy parou todas suas ações.
-Bem, imaginava que fosse um demônio... – falou com certo
receio, a antiga ladina.
Ele se aproximou de forma bem sinistra da jovem.
-Eu não disse que era um demônio minha cara. Deixe-me
explicar...
Ao começar as suas falas, o sacerdote demonstrava ser bem
mais velho. Séculos mais velho, literalmente. Visto que falava sobre uma época
em que Roma dominava o mundo conhecido. No qual a Guerra do Arco e do Machado
ainda não era nem cogitada. E os Imortais Esquecidos não passavam de um grupo
simplório de aventureiros inconseqüentes. Quase tão tolos como os Dragões da
Justiça.
Zacharias foi um clérigo. Não era mais. Na época, em que os
deuses antigos ainda mandavam nas terras dos povos celtas, um homem acreditava
em Hades. E por tanto, ainda servia ao Senhor do Submundo grego. Fugiu de sua
terra natal por algum motivo sombrio. De qualquer forma, o sacerdote era um
fiel e seu fanatismo foi recompensado. Literalmente era um mensageiro das
trevas, servindo ao demônio Syrus. Ele foi responsável por trazer Kayla Sabá
até esse plano de existência. Esteve nas sombras, servindo como um servo cruel.
Queria mesmo era poder, não mais abaixar a cabeça como um cordeiro apenas. E
então formulou o plano que faria sua vida mudar drasticamente. Absorver o poder
de um deus.
Naquele tempo, ele aprendeu um ritual ancestral. Algo
parecido com os antigos encantamentos dos atlantes, de onde se originaram
Kanglor, Lotar, Jade, Caliban e tantas outras divindades. E eles já foram
humanos. Se um homem mortal conseguiu tal poder, talvez obtivesse resultado
onde tantos outros falharam. Pois aquilo não seria fácil.
Seu ritual seria feito quando o Portal Infernal estivesse
abrindo. E foi o que ocorreu. Só que algo muito estranho frustrou seus planos.
O motivo que o fizera esperar que a passagem para o Hades
estivesse aberta era que o ritual necessitava absorver também as forças do
plano de origem da divindade. Só que isso não ocorreu. Na verdade, ele absorveu
a força de seu patrono e algo mais. Uma das esferas negras que parte de uma
trama muito maior.
Isso o fez ser mais um dos envolvidos na maldição dos
Imortais. Só que não era tudo. Ele, como Gor, Kalidor e Galtran, faleceu e
despertou séculos depois em uma das batalhas descritas no Livro das Vidas Esquecidas. Nessa época, os poderes se consolidaram
e algo mais. Como se fosse uma nova personalidade. Mal sabia o tolo Zacharias,
que dentro de si residia um fragmento da consciência do deus que serviu e
traiu. Foi feito isso, pois assim conseguiria se esconder. Especialmente
sabendo que existiam arcanos poderosos no grupo de aventureiros.
Em resumo, o clérigo tinha parte da mente de Hades.
Halphy se espantou.
Estava do lado de um deus.
Ou quase isso.
Não importava mais. Pois entendia que estava ao lado do ser
mais poderoso que já encontrou em sua vida. Ou queria assustar completamente a
moça, ou estava diante da maior verdade do mundo.
Os seus olhos se agitavam como vaga lumes.
-Você é...? – gaguejou a Halphy.
-Eu não sou. Eu tenho o poder de Hades. Uma parte. Uma
pequena parcela.
-Como assim? Quanto?
-Um quatorze avos.
-Como?
Ele riu de maneira sombria. Como só o sacerdote conseguia.
-Digamos... Que se um deus fosse um homem... E o ser humano
uma formiga... A ponta do dedo dele seria a representação de meu poder. Até
mesmo com uma parte disso, eu sou capaz de maravilhas dignas de um mago.
-Certo...
-Ou melhor, o mais poderoso arcano de Gaya, no mínimo.
Ela olhava com desconfiança e cinismo para Zacharias. Queria retomar o controle da situação. Porém,
aquela aura mantinha seu sangue congelando. Lembrava daquela vez com o homem na
Grécia.
O único detalhe é que como uma mortal sua determinação falava
alto. O sangue voltava a correr em suas veias. Lentamente, mas voltava.
-Por qual motivo fala isso? Que motivo possui em revelar tais
segredos?
-Uma tempestade se aproxima – disse o homem olhando para fora
da tenda. Nuvens negras e fortes cobriam um céu noturno. Correntes de energia
espremiam aquelas formações.
-Vejo mesmo. Pode ser só uma mudança pequena no tempo.
Enquanto saia do local, Zacharias falou misterioso:
-Não se trata daquela formação. Eu lhe falo o seguinte, vá
até aquela floresta a leste. Lá encontrará um velho conhecido.
Sentiu medo em seguir aquelas palavras. Era como seguir um
conselho do demônio, só que era pior. Estava ouvindo o deus de um demônio.
Caminhou um bom tempo entre aquelas árvores. Lembrou-se de
seu tempo de criança, passeando pelas terras do Reino da França. Quando queria
ficar sozinha, deixando sua mãe tão preocupada. Era uma sapeca desde cedo.
Cheia de vontades e desejos. Pouco se importava se alguém estava triste. Suas
aventuras eram mais importantes. Em todos os sentidos.
Era triste o lugar. As folhas recebiam a água gélida como
odres. Simples e comuns. Os galhos resistiam ao líquido, como se combatessem o
temporal que estava por vir. As aves e animais não se arriscavam a sair visto
que seu lar parecia cena de uma peça sinistra. Uma encenação de alguma bizarra
comédia. Se ela concentrasse sua vista veria serpentes arrastando-se por entre
galhos e folhas. Alguns falavam que estes seres eram de origem ctoniana. O que
explicaria muitas coisas, visto que Zacharias não deveria estar longe.
Seu coração temia. Quando Zacharias falou que havia um velho
conhecido lhe esperando, qualquer coisa poderia surgir. Desde um amigo, quando
um inimigo. Que os céus lhe fossem favoráveis.
Chegou a uma clareira muito mal cuidada. Haviam cortado
algumas árvores que concediam belos pedaços de madeira para queimar. Sabia
disso, pois usava exatamente aquele material nas noites de inverno, como
aquela.
Observava que no meio daquele lugar, sentado em um toco de
árvore, existia um homem. Com cabelos loiros, aspecto jovial e um grande toque
de magia. Como se tivesse nascido dela. Era um amigo do passado.
-Nico!
-A jovem Brown parece bem e saudável. Estava de passagem.
Então quis lhe visitar. Além disso, preciso de algumas peles nesse tempo louco
desse reino.
A assassina o abraçou como uma criança que nota seus pais
chegando de uma longa viagem.
-Mentiroso! Sei que é um dragão! E dourado.
Nico soltou um sorriso amarelo.
-Notou que era isso quando me revelei em minha forma
original...
-Forma verdadeira quer dizer?
-Forma verdadeira! No Portal de Ixxanon. Devem ter lhe
reportado tudo não é?
-Óbvio.
-Você não parece surpresa.
-Sabia que você era alguma coisa. Só que nunca imaginei que
fosse um dragão.
Nico riu de forma contida. Diferente do sacerdote, ele ria
com calma e sem ser cruel. Um alívio para os ouvidos.
-Esta certa. Meus dons são fortes. Já minha atuação... É
precária.
-Eu diria pífia. Mas precária resume melhor.
Agora era a antiga ladra que ria de um dragão. Nunca havia
notado, mas Nico concedia uma aura diferente do sacerdote. Até mesmo o oposto
de Daehim, dessa raça ancestral. Enquanto Zacharias fazia que seu coração fosse
pressionado até parar, aquele ser dracônico a sua frente concedia liberdade de
qualquer medo. Parecia um anjo, se acreditasse nessas tolices. Sabia que essas
coisas eram dos tolos cristãos, então com certeza era o que muitos chamavam de
fábulas. Já havia visto fadas, o que fazia acreditar nisso. Ainda por cima
tinha sangue de elfos. Era impossível não crer.
O dragão em forma de homem começou a cheirar e encarar
Halphy. Caçava algo na moça. A jovem nem imaginava o que era?
-Seu cheiro fede a uma ilusão. E ao seu ancestral, Sinestro.
Ela não se espantou. Apontou para os brincos que lhe
concediam aquela aparência. Temeu o que veio depois:
-O dragão que algo com isso.
-E o que seria? – falou mudando sua feição a descendente de
Sinestro.
-Não sei ainda, mas parece normal lhe conceder tanto poder,
de uma só vez?
-Sim, mas...
-E ainda, tanto sua mãe como você não nasceram marduks. Foi
necessário um ritual.
-Ei! Minha mãe não é uma meio dragão! – questionou Brown.
-Bem, se souber o mínimo sobre o Cavaleiro e o Desalmado, tem
consciência que eles impediram um ritual. Esse rito, pelo que pesquisei era
para torná-la uma marduk. Acredite. Existe muito mais envolvido nisso.
Isso deveria ser verdade.
Ouviram palmas. Procuraram o causador daquele som no chão.
Quando cansaram de fazer isso fitaram os galhos das árvores. Escuras e
sombrias, ótimas para uma emboscada. Como uma assombração, Zacharias estava em
um galho bem firme. Sentado e encostado em um velho carvalho.
-Bravo! Eloqüente! Tocante meu caro dragão! Ikkanon, não é?
Irmão de Ixxanon e Ixxamon?
Nico se virou de modo preocupado. Pensou que havia sido
denunciado.
-Não, ela não me falou nada. Ninguém quer suas escamas
douradas. Nem o seu coração, que, aliás, vale o resgate de um rei. Eu por outro
lado, tenho um valor bem maior. Mesmo não sendo irmão de uma parte da
constelação. Ou de um deus.
-Quem é você humano? Sabendo quem eu sou, deve ser mais
respeitoso comigo!
O clérigo saltou em um monte de neve e não o atravessou.
Ficou com os pés acima do gelo. Como se aquilo fosse uma pequena demonstração
de poder.
-Ele disse ter uma parcela do poder de Hades! – revelou
Halphy.
Com isso dito, Zacharias olhou com uma fúria cômica para a
marduk.
-Você é uma verdadeira boca aberta. Tudo bem.
Halphy pode notar o olho de Nico virando de um fundo branco,
para um dourado escuro. Parecia que queria tomar a forma de dragão, como já viu
isso antes.
-Um servo do mal! Halphy venha! Podemos fugir ao menos!
Surgiu um riso diabólico que preencheu todo o espaço da
clareira. Atingiu, literalmente, as árvores quebrando galhos, rochas ou
qualquer outra coisa dentro do alcance daquele som. Se uma banshee acabasse de
ser morta não faria tanto mal gritando suas lamúrias malditas.
-Fui eu que falei para a jovem sobre você estar aqui. Eu
sabia, pois vi o futuro. Eu sei muito sobre o que esta por vir. E Halphy não
irá com você – e antes que Nico falasse qualquer coisa, Zacharias explicou –
pois não quer abandonar o Pacto de Guerra.
-Espere como você...
-Poder de Hades, ou esqueceu-se do que falou a garota? Você
nunca presta atenção.
O jovem começou a se concentrar-se como estivesse pronto para
assumir a forma original.
-Eu também farei isso – falou Zacharias.
-Nico! Não faça isso! É isso que ele quer! E você quer que eu
vá embora? É isso?
Ele a afastou com a mão – ainda humana – com tremenda
velocidade.
-Mais tarde nos falamos Brown! Agora se afaste o mais rápido
que puder! – ao terminar a boca que soltou aquelas frases tornou-se a mandíbula
de uma criatura colossal. As asas surgiam como brilhos únicos de energia
lembrando até estrelas cadentes. Rasgaram o ar com tanto poder que afastou
Halphy. Ele ficou agachado como se fosse um animal selvagem. Suas pernas e
braços tornavam-se patas reptilianas poderosas que cresciam cada vez mais. De
suas costas era possível notar brotar uma cauda de onde antes era sua cintura.
Uma fileira de chifres surgindo em sua cabeça lembrava uma coroa magnífica. Ao
revelar tal forma, um rosnado poderoso surgia em sua bocarra. Era possível
escutar aquela verdadeira explosão em forma de som, até mesmo em outros reinos.
Alguns falaram que era uma tempestade, só que os mais sábios e entendidos sobre
o assunto escreveriam sobre o rugido de uma fera ancestral. Da Era Mitológica
talvez. Estes sim estavam certos, mesmo não sabendo do que se tratava.
Ao notar que havia assumido sua forma plena, Ikkanon começou
a voar. Alçou vôo em um só golpe de suas asas que cobriam até depois da
floresta. Ninguém compreenderia o que era aquilo, visto que em muitos séculos,
nenhum mortal viu um ser daquele nível ao ar livre. Uma luz radiante e dourada
em plena noite. Quase um ser celeste.
Era diferente do dia em que viu Daehim abrindo suas asas,
refletiu Halphy. Não tinha toda a força desse dragão dourado. Muito mais forte
e com uma aura boa. Algo dominante. Mesmo sendo lançada varias vezes contra as
árvores, devido ao salto da criatura. Parecia ter criado um pequeno tornado com
essa atitude tão natural.
A marduk não sabia se ficava com raiva, espanto, medo ou
arrependida. Só que no momento, aquilo não devia importar.
O que até alguns instantes tinha a forma do humano Nico abriu
seu peito de forma clara. Por dentro das escamas, era visível o brilho do fogo.
Era óbvio que um ataque de sopro estava para ocorrer. Aquela luz intensa
começou a subir até onde havia as presas. O jato de chamas explodiu de uma vez.
Lembrava uma enchente de tão forte. Trazia calor, ao invés de refrescar, no
entanto. Tanto poder, ao qual só uma lenda tem noção de sua verdadeira
extensão. E essa torrente estava apontada para o clérigo.
Nada ocorreu com Zacharias.
O fogo não havia nem tocado a floresta. Nem um mal ocorreu
naquelas terras. Nem um pouco do gelo derreteu, nem um incêndio surgiu, nem uma
pedra se partiu. Uma cúpula invisível e invencível lhe impedia de causar dano
ao sacerdote de Hades. Seria incrível, se não fosse extremamente sinistro vindo
dele.
Halphy, que foi lançada para um onde não seria atingida pela
força dos ataques, viu quando a proteção absorveu o fogo do dragão dourado. Não
sabia com o que se impressionava mais: com o poder do fogo de Nico ou a real
extensão das forças de Zacharias. Aquelas chamas eram fortes o bastante para
demolir um castelo sem deixar rastros. Até os olhos da assassina tinham
dificuldade em abrir. O que aconteceu em seguida do ataque era muita coisa para
assimilar mesmo assim. Deveria ser mesmo algo relativo ao poder do próprio
Hades.
Que os deuses a ajudassem. Foi o que pensou ela naquele
momento. Isso visto que não era uma pessoa muito religiosa.
-Zacharias o que... – antes que Halphy pudesse falar algo,
ouviu em resposta:
-Shh! – fez isso colocando o dedo indicador na frente da boca
– Essa é melhor parte. É a minha vez.
Correntes surgiram nos pulsos de Zacharias. Pareciam dois
braceletes, ou no mínimo, duas cobras poderosas. Não era possível ver nem o seu
começo ou fim. O traje cerimonial deixava espaço para uma vestimenta mais
simples. Usava botas, isso era visível agora. A roupa, na parte do peito,
estava aberta. Lembrava um manto, mas tinha mangas. Seu corpo rejuvenesceu dez
anos no mínimo. Era óbvio isso com o seu rosto juvenil, sem barba alguma e com
uma longa cabeleira. Quase parecia outro homem. Isso se não fosse mesmo outro.
Não sabia se aquilo era a forma verdadeira de Hades, ou uma
revitalização de Zacharias, mas Halphy sabia que nada de bom viria daquilo.
O clérigo saltou repentinamente no ar como se pudesse voar
também. Talvez conseguisse, mas preferiu não o fazer. Usou as correntes como
lanças, ou algo parecido com uma corda, ao qual se equilibrava de forma única.
Fazendo acrobacias que nenhum ser vivo conseguiria. Sendo voador ou não.
Aquelas correntes, mesmo parecendo enferrujadas eram firmes e
poderosas. Tinham um aspecto tão destrutivo, que poderiam acabar com uma
montanha. E Ikkanon era do tamanho de uma.
O dragão virou-se rapidamente para onde estava a jovem,
pedindo que ela o acompanhasse. Era poderoso suficiente para saber onde ela
estava mesmo sendo minúscula agora para ele. Ignorava por enquanto a investida
de Zacharias.
-Eu não vou partir! – gritava a antiga meio elfa – Preciso ir
à direção do meu destino! E nada me impedirá!
-Halphy eu sei que... – nesse mesmo instante, uma das pontas
atingiu seu imenso corpo. O sangue quente e fervente saltou dele.
-Nico! – gritou ela.
Aquela imensa criatura se viu forçada a encarar o pequeno ser
humano. Ou o que parecia com um.
Estava em pleno ar, assim como o próprio dragão. Com sua
visão superior e seus sentidos extremamente aguçados, conseguia enxergar o
sorriso sarcástico daquela figura, assim como o nível de magia inserido
naquelas correntes. Algo beirando a insanidade.
Ao ter o seu corpo atingido por pontas metálicas surgiu em
seu corpo, uma torrente de dores. De todos os tipos. Parecia que seu corpo
fosse perfurado por flechas, machados, espadas, lanças ou atingido por um
bastão, mangual, maça e qualquer outro tipo de armas, não alcançaria tal
magnitude. O atingido gritava como um torturado.
Usando uma das patas dianteiras apanhou aquela corrente
tentando medir forças contra o oponente. Cena sem sentido, visto que o clérigo
mantinha-se forte como as muralhas de Tróia. Quanto poder ele continha era um
mistério.
Era possível notar que a arma de Zacharias atingiu próxima a
asa esquerda. Talvez, com mais alguns golpes nas áreas certas, Nico perderia a
capacidade de voar. E precisava impedir aquilo.
Enquanto isso, abaixo Halphy gritava:
-Seu tolo! Eu disse que não deixarei o Pacto! Vá embora!
-Halphy, deixe-me cuidar desse ser e te convencerei.
-Quanta pretensão – falou Zacharias notando aquela cena.
Os dentes do dragão rangeram iguais a metal. Sua raiva seria
quase palpável. Olhos cheios de fúria surgiam.
Preparou uma forte magia.
Bolas de fogo brotavam do céu frio atingindo o chão. O calor
era tão intenso e supremo, que ao alcançar o solo, qualquer árvore nas
proximidades, tocada pelas esferas tornavam-se cinzas instantaneamente. Quase
como se jamais tivesse existido. Era uma batalha de deuses, e Halphy estava
abaixo de tudo aquilo. Ela se sentiu como se fosse à pessoa mais azarada e
afortunada do mundo ao mesmo tempo.
Aquele ataque mágico – que não precisou de nenhum componente
verbal ou gestual – atravessou o corpo daquele suposto clérigo. Ele não ligava
para aquilo. Nem um pouco.
-Como pode? Deuses antigos – falou um desolado Ikkanon.
-Nico, não se preocupe com os deuses. Já esta diante de
alguém com os dons de um deles – falou de forma tranqüila seu oponente.
Usando sua asa direita, Ikkanon atacou o clérigo. Cada golpe
que lançava mais parecia um fenômeno natural. Dessa vez lembrava mais um
deslizamento.
-Cale sua boca cobra! Além de tudo profana o significado de
divindade! Seu herege! Não vou permitir que corrompa essa jovem! Entendeu
criatura nefasta!
-Ele nunca me corrompeu! Entenda!
Zacharias, que pairava no ar, agora corria por ele. O pequeno
homem foi girando até o pescoço do dragão. Começou a fazer sua corrente se
enrolar lentamente, de maneira que o dragão teria como retira-la. Só que mesmo
possuindo força suficiente para arrebentar com itens como aqueles, a magia nela
era extremamente poderosa. Tinha que se libertar daquela coisa de qualquer
jeito. Sua vida era valiosa demais para terminar de forma tão tola.
Estralando cada parte de seu corpo draconiano, começou a
mover-se para enfim fugir do seu captor. Até o som de seus movimentos lembravam
mais uma grande quantidade de casas sendo esmagadas. Nenhum momento seria
desperdiçado. Cada fibra do seu ser procurava a liberdade. Estufou o peito e o
contraiu de forma a afrouxar suas amarras. Demorou mas o plano deu certo, mas
fazendo o sangue escorrer um pouco mais.
Mesmo sendo uma criatura quadrúpede, o dragão se ajoelhou,
tentando compreender a situação. Não entendia como aquilo funcionava. Sendo um
ser de tal classe como poderia causar dano a um dourado. Ficou cansado de
tentar achar uma resposta.
-Halphy! Venha comigo! Poderá se salvar!
A jovem fugiu até uma das árvores. Já sabia que Nico a
escutava, ainda assim, foi até o topo de um carvalho.
-Você não entende? – enquanto pronunciava aquelas palavras,
Halphy passava a mão em seu rosto. Parecia cansada e farta daquela situação –
Eu sei quem é Zacharias, sei o que Sinestro pretende... Em parte. Só que eu
quero continuar.
-Não haverá futuro se continuar aqui, com eles! Entenda!
-Olha o que diz faz muito sentido – interrompeu o clérigo,
como se estivesse alcançando muita diversão – Digamos que suas palavras cheias
de justiça fazem sentido.
O dragão virou-se. Notou a pequena figura. Petulante,
estufando o peito, achando que era superior. Talvez até fosse mesmo. Havia um
problema, no entanto, ele era um dos Brilhos de Isis. Seu status estava em
jogo, assim como a justiça, a força e todo o resto.
-Eu não vou me rebaixar! Não vou perder! – e ao falar isso,
batia no peito com força. Fazendo sons como se fosse autoridade.
-Você não se rebaixará. Disso pode ter certeza. Mas sobre
perder...
O golpe seguinte foi com a enorme garra dourada. A altura e o
tamanho daquela parte do corpo eram imensos. Uma vantagem o dragão pensou. O
triplo da medida de Zacharias, pelo menos. E assim mesmo o clérigo aparou com
uma só mão. Facilmente deteve o ataque. Isso, sem saber foi um truque.
Uma nova torrente de forças arcanas explodiu naquela garra.
Dessa se tratava do poder de criar objetos de metal. Criou milhares de armas.
Elas atravessaram de frente o corpo daquele homem, não deixando nem um pedaço
visível. Sobrou só uma mancha de sangue. Ao que parecia havia vencido,
momentaneamente pelo menos.
-Brown! Sei como se sente – falava ao ar, já que não sabia
mais onde a garota estava – Você crê que é invencível com o tal artefato
prometido. Saiba já agi assim. Você não esta sozinha!
Fale com ele, seu coração gritava. Mas a razão de Halphy, sua
maior amiga, falava mais alto. Ou seria sua ambição? Nada disso importava.
-Ela não irá. E mesmo que fosse eu impediria. Os planos que
tramei necessitam dela no Pacto de Guerra.
Olhando e ouvindo aquilo tudo, Halphy notava que se envolvia
em algo muito maior. Superior a qualquer coisa já feita. Primeiro caçou um
poderoso artefato que controlava as pessoas e seres conscientes. Depois, se
aliou a um espírito de dragão esmeralda. Por último estava em um grupo ao qual
participava aquele clérigo que supostamente absorveu o poder de Hades. Cada vez
mais sua vida emaranhava-se.
Ela pensou tudo isso devido ao notar de onde ouviam aquela
frase.
Da mancha de sangue começaram a surgir fios infinitos
vermelhos. Começaram a formar um círculo com cada trilha da forma escarlate,
com isso criando uma silhueta humana. Esses filamentos começaram a unir-se em
ossos. Estrutura para um corpo frágil, assim aterrador. Visto que se uniam em
um só. Após tudo isso, era a vez da carne, o envolvendo em algo próximo da
forma de Zacharias. Até que finalmente a pele e cabelos formavam um clérigo
renovado, como o que começou esse combate. As roupas surgiram em seguida com
mais rapidez. Nada tinha acontecido pelo que aparentava. Sequer sentia-se
incomodado com o que houve antes.
-Ai, ai... Nico é como gosta de ser chamado? É a minha vez
agora.
Em um salto único e seco, superou a altura do dragão mais rápido
que um pensamento. Sem contar com as pedras destruídas pela pressão de suas
pernas antes do ato. Estava preparando uma ação digna de um titã.
Sua corrente cresceu de tal maneira para o céu, que ele
poderia ferir a lua se quisesse. O que aconteceu, porém, foi diferente.
Zacharias pegou e puxou o item metálico no ar de forma que parecesse mais um
chicote. Porém, não era só uma. O item metálico dividiu-se em oito partes,
fazendo um som insuportável e poderoso.
Ao arrastar aqueles itens no ar os projetou com toda a força
que podia contra Nico. Enquanto falava isso, o homem que agora tinha cabelos
negros soltava gargalhadas histéricas, cheias de uma loucura poderosa. E o
golpe foi aparado por aquele ser magnífico. Só que algo estava errado.
O membro esquerdo que deteve aquele golpe parecia derreter ao
toque da corrente. Chama não era. Parecia ser algo mais forte, talvez algo que
Ikkanon nunca mais viu. Metamagia bruta.
Muitos falavam sobre isso. Quando um arcano alcançava um
grande nível, sua manipulação do mana era tamanha chegando a um ponto extremo.
Ele entende, controla e cria formas de poder bruto. Com isso, as magias
possuíam um efeito maior e mais devastador. Metamagia era uma energia
extremamente complicada, quase que explosiva, que poucos sabiam lidar. Um ser
que realmente mexesse com isso deveria alcançar um grau de iluminação tremenda.
Caso contrário, se arrependeria amargamente.
Parecia que o dragão não poderia vender. Jogava sempre o mais
forte feitiço contra aquele suposto corpo humano. As forças usadas até então,
nada faziam. Quando seu inimigo perde forças ele recuaria, é o que pensou. O
que acontecia ali era inconcebível. Aquela coisa, não importando o que fosse
mantinha-se firme e forte. De uma forma inconcebível, o rapaz ou monstro não
tombava. Era feito um ser único, raro no mínimo.
Novo golpe, mesma corrente. Dessa vez segurou o ataque com a
garra. Ela começou a arder. E o brilho arcano se intensificava. Parecia pronto
para explodir. Nico gritava pela dor. Contorcia-se até ajoelhar.
-EU NÃO SAIO DAQUI SEM BROWN!
Zacharias riu, mais uma vez. Uma gargalhada cruel. Como só
ele faria. Limparia o rosto de lágrimas por chorar tanto, se tivesse soltado ao
menos uma.
-Você é hilário Ikkanon – o homem parou e balançou a cabeça
baixa em negação – Eu estou tentando ser simplesmente sincero. Até agora não
entendeu. Ela não irá contigo, visto que nunca usaria a força para levá-la. A
justiça é seu fraco. Esta perdendo todo o seu tempo. Eu sei. Eu vi seu futuro.
Você irá perder a batalha. Seu destino estará selado. É engraçado, pois você
irá fazer um discurso... Aliás, comovente, tocante quase. Não vou detê-lo.
Longe de mim! Só gosto de me divertir falando que tudo que faz é inútil. Falar
que as minhas palavras são verdadeiras. Pois realmente são! Inútil de qualquer
forma, pois vai morrer. É o seu destino. Assim como o meu é tornar-me seu
executor. Sinceramente, falo só para que não vá ao outro mundo triste comigo.
Compreende-me, não é?
Nico soprou suas chamas ao céu.
Enfiou a garra que não estava ferida contra algumas árvores.
Aquilo não foi por querer ficar em uma posição quadrúpede. Longe disso. Era
pela dor causada no ataque anterior.
-Eu não quero saber. Você obteve o poder de um deus. O que
lhe concede o direito de agir como uma? Eu conheci divindades, e nenhuma delas
era tão egocêntrica. Assim mesmo prefiro a humanidade. Com todas as falhas
deles. E sabe o motivo para querer tanto o bem deles? É que enfrentam muitas
vezes, um inimigo muito maior que eu ou você. Este oponente misterioso e
perigoso é chamado de vida. Ela é suja e fria, derrubando o mais forte dos
homens. Acontece que não se trata de atacar – e ao falar isso, voltou a se
apoiar nas pastas traseiras – e sim de quanto consegue agüentar. É isso que
admiro neles. Lutam mesmo sem ter forças. Como eles, eu não irei desistir.
Quando terminou aquela frase, abriu a bocarra. O fogo surgiu
tornando-se uma torrente de calor. Sua força consumiria tudo, devastando o que
estivesse na sua frente.
O golpe foi absolvido mais uma vez pelo homem. E dessa vez
ele olhou com força e crueldade.
-É agora que eu te mato.
Dessa vez surgiu uma tempestade de correntes. Tantas e de
vários lugares que começaram a atingir o corpo colossal. Atravessaram as
escamas fazendo-o sangrar rios. Este golpe fez se curvar de forma humilhante.
Bufava e soprava com raiva e ódio. Sentindo-se injustiçado
com a situação.
-Enfrente-me! – fala se debatendo contra as ligas metálicas –
Você é um covarde.
Cada movimento era um osso ou membro machucado. Quando isso
ocorria els soltava fogo pelas narinas. Ainda conseguia lançar magia.
Na garra machucada e ferida surgia uma força invisível, uma
mão imensa que esmagava lentamente o clérigo. Concentrando sua força arcana
enxergava tudo com seu único olho bom. Já que o esquerdo foi perfurado por
dúzias de itens cheio da magia de Hades. Difícil era manter essa única magia.
-Sabe que isso não me fará nenhum efeito? – falou enquanto
Zacharias era esmagado por Nico.
E isso foi mais uma vez inútil. Como nas outras vezes.
Halphy, que a tudo observava calada, notou que as correntes
vinham de lugar algum. Não sabia com o que se impressionava. Com os poderes ali
mostrados isso ou com a força de vontade de Nico. Era um grande ser. Nem pelo
tamanho, mas por sua moral. Não era um hipócrita, feito Lacktum. Ele realmente
queria salvar a antiga meio elfa.
Ela caminhou por um bom tempo até chegar a um dos olhos de
Ikkanon. Era parecida com uma mosca próximo de um homem.
-Ah Nico... – disse ela acariciando aquilo que parecia uma
pálpebra.
-Halphy... Fuja...
-Não entendeu? Eu não quero ir.
-Ele compreendeu – falou Zacharias um tanto raivoso – Só não
quer admitir. Pois ficou com medo por você. Ele preocupa também com Lacktum e
todos os seus antigos amigos. Tem um apreço por aquele grupo.
Mais uma vez o dragão bufou, enlouquecido.
-Eu farei tudo isso de novo se preciso.
A mágica criatura fitou com seu olho enorme a assassina.
-Perdão – disse a mulher.
De algum lugar de sua enorme face uma lágrima foi derramada.
Encharcada em vermelho. Tão grande que mais parecia um rio. Então foi possível
ver que dragões podem chorar.
-Não me peça perdão. Lembre-se te pedir perdão a si jovem
ladina.
Em cima do corpo, Zacharias passeava. Uma pessoa que andava
por uma montanha que respirava era o que muitos diriam sobre aquela cena. Com uma
mão no formato de concha para baixo e a ponta da corrente mirando em direção de
se sua vitima, decretou.
-Eu errei. É agora que eu te mato.
Ao falar isso a corrente perfurou aquela formação. Estourou
aquelas costas cheias de escamas com força suficiente. Não era só um berro, era
um lamento. Para si mesmo. Não fosse pela imunidade de Halphy teria ficado
surda, pois Nico morreu como um cão, ao invés de um dragão.
A tempestade ficou mais forte. Parecia que o tempo chorava
pela perda do universo. Um coração nobre, cheio de poder, mas que se preocupava
com os mortais. Alguns poucos conheceram sua verdadeira face. Isto ocorria,
pois nunca havia se revelado plenamente aos homens. Suas ações eram sempre nas
sombras, assim como fez com os Dragões da Justiça. Ele agora perdeu a jovem
Brown. Era uma pena.
Ao último gemido, Ikkanon em um rápido movimento tomou sua
forma de humano. Estava boiando no sangue que derramou no chão ao ser
encurralado. Seu peito tinha a perfuração das correntes sombrias. Além de todas
as marcas de combate. Até mesmo suas túnicas estavam destroçadas. O pobre ser
amou mesmo a humanidade.
Os dois, ao lado do corpo, contemplavam o triste fim do
dragão. Ele merecia um enterro, mas Zacharias falou antes de Halphy:
-O deixe como esta.
-Como assim? Ele merece ao menos um enterro. Foi minha culpa.
-Vocês mortais se culpam pela morte dos outros, não é?
O rosto da jovem encheu-se de raiva. Mais uma vez o clérigo
interrompeu:
-Mesmo na morte ele tem um propósito. Deixe-o ai. Logo o
encontrarão. Acredite em mim.
-Que alternativa eu teria?
Ele passou perto da assassina.
-Não tem. E é por isso que eu digo a verdade.
Quando terminou aquela frase, em uma piscada de olhos, ele
tomou a forma do homem careca. Estava como antes de tudo aquilo.
Aquilo seria uma casca para Hades ou aquilo que viu antes era
Zacharias mais novo? Nunca saberia ao certo, só que pouco importava. Um antigo
amigo havia morrido.
Seus passos eram mais pesados. Cheios de raiva. De si mesma,
pois não salvou o dragão. Do clérigo, já que ele foi o causador daquela morte,
fisicamente falando. E de Sinestro e do Pacto de Guerra, os fazendo entrarem
nessa empreitada. Um sentimento de fúria contra tudo e todos.
Pensou que o Inferno, se acreditasse nesse tipo de coisa,
deveria ter um leito para si.
-Acalme-se Traidora de Dragões.
-Qual o motivo de me intitular assim? Nico já foi um aliado.
E um amigo. Mas não significa tanto hoje em dia. Só me comovi – disse ela com
olhar perfurante ao clérigo.
-Primeiro, sei muito bem que não é bem assim. Eu posso ver
seu coração como uma fogueira enorme. Quando eu matei o dragão, você segundo...
Quando falei que é uma traidora. Não especifiquei que seria relativo a Ikkanon.
Eles andavam na direção do acampamento. Parecia uma
eternidade chegar até lá. O peso no corpo surgia não era da tempestade
abrandando. Era de sua alma atormentada. Só que quando isso ocorria, tocava no
artefato. Já havia se acostumado com aquele peso. Tudo aquilo compensaria pelo
controle e o poder.
O vento que surgia com aquele clima era fraco, trazendo um
choro que lembrava e um terrível lamento. Era fraco trazendo uma brisa. Ainda
assim, cada floco de neve tocava nas feridas. Mesmo aquelas que cicatrizaram
bem. As dores do silêncio naquele lugar traziam medo.
As tendas mal agüentavam o vento e a neve. Os panos dobravam
e se retorciam. As cordas ainda se mantinham fracas, mas quase por um milagre.
Enfim, depois te observarem o estado de seu acampamento provisório, eles
entraram no lugar.
Lá estavam Raquel e Nikolai. Jean dormia, mas foi despertado com
entrada dos dois.
-Onde estiveram? – perguntou Nikolai, de modo ciumento – Eu
fiquei preocupado.
-Não é da sua conta! – falou em resposta a moça.
-Esta bem.
Todos olharam assustados para a assassina. Ela abriu a boca
para falar de modo sombrio. Achariam que ela iria pedir desculpas, mas não o
fez. Fraqueza jamais seria tolerada.
-Peguem suas coisas. Partimos agora – falou Zacharias
autoritário.
Halphy virou a cabeça na direção dele, repentinamente. Os
outros dois membros daquela expedição olharam com espanto. Sempre souberam que
Zacharias era um ser demoníaco. Até então, ninguém nunca afrontou a autoridade
da assassina e líder. A jovem trazia consigo uma fúria em seu semblante.
-Como ousa...
-Cara Halphy... Seus poderes não estão em plena totalidade.
Precisa de algo. Terá que confiar em mim quando digo que devemos ir ao norte,
até uma vila. Assim, Chama Gélida lhe fará ascender.
Tinha acendido mais uma vez a chama da ambição em Brown. Ela
gostava de poder, e esse desgraçado sabia. E muito bem por sinal. Teria que
saber se isso era verdade pelo menos.
-Do que fala? Explique-se – exigiu Brown.
-Venha comigo. Ai saberá.
-Fará isso? – questionou Jean esfregando com sua mão o rosto.
Ela colocou a mão na nuca, pensando de forma confusa sobre
tudo aquilo. E agora, a única coisa que sobrou foi manter-se naquela linha de
raciocínio. Antes pediu um tempo para Zacharias. Precisava debater com alguém.
Encontrou uma caverna. Isolada e longe o bastante para
escutar qualquer movimento estranho. O que estava para fazer era inédito. Nunca
pensou que precisaria fazer aquilo.
Vez ou outra recebia mensagens de uma pessoa já conhecida.
Nunca quis lhe responder. Dessa vez, precisava comunicar-se com o sujeito.
Mesmo odiando ele.
Sentou-se em uma pedra na caverna. Cheia de limo, ao que tudo
indicava. Tirou de sua mochila uma forma esférica, que a muito não tocava, nem
via.
-Revele a mim onde Lacktum Van Kristen esta, ao meu sinal
cristal.
Uma luz forte preencheu aquele espaço, com clareza o bastante
para ver na escuridão dentro do cristal, pois lá era noite. Onde enxergava pelo
menos era.
Deve um pouco de tonteira. Isso aconteceu, já que enquanto
olhava o alvo de sua futura conversa, este observava ela através de um espelho!
Uma infinita formação de reflexos brotava daquela visão. Até que estranhamente
a imagem estabilizou-se. Havia se fixado no rosto da cabeça de chama.
-Halphy! Há quanto tempo.
Esta por sua vez olhou para fora temendo ter sido perseguida.
Não foi. E notou com mais cuidado, que na verdade estava em uma gruta
congelada.
-Realmente, Van Kristen.
Sorriu de uma forma que só ele conseguia. Fazia tempo que não
escutava aquilo. Risadas com sinceridade. Ao menos queria acreditar que fosse.
-Pode tratar-me por Lacktum.
-Prefiro Van Kristen.
-Esta bem. Onde esta?
-Isso não importa.
-Suave como uma invasão de castelo. Esta nervosa.
-Digamos... Um pouco.
Lacktum encarou Halphy com força. Sentia um ar de cansaço na
voz da jovem.
-O que houve? Parece exausto mago.
-Ah! Sim. Estamos em terras do norte. Adentramos uma caverna
perigosa. Onde sabemos que há um demônio.
-Interessante. Tenho uma notícia que o deixará espantado.
-Não sei como. Esse último mês foi... Bem único.
-Digamos que estou andando junto a um homem que absorveu uma
parte do poder de Hades.
Falado isso, Lacktum engoliu em seco olhando de forma
espantada para o espelho. O rosto de satisfação dela era notável.
-Bem... Assim... Falando desse modo... Ah! Tenho que lhe
comentar sobre Thror.
-Eu sei que Thror era o semideus Fobos.
Lacktum levantou a mão e abriu a boca de uma forma quase
cômica. Ele queria contradizer a meio elfa. O argumento era forte, no entanto.
Pensou no caso e deu de ombros. Voltou a falar.
-Bem... Compreendo isso... Quem é esse sujeito? O tal que
obteve o poder de Hades?
-Seu nome é Zacharias. Ele esta vivo desde que os imortais
surgiram.
-Isso sim é algo preocupante. Mas que nome é esse?
Zacharias... Nome feio... Parece de goblin.
-Olha quem fala! O mago Lacktum.
-Meu nome é lindo! Só que o desse sujeito é uma coisa
horrível. Uma afronta.
-Devo concordar com isso. Quem lhe concedeu esse nome o
odiava.
-Realmente.
Tirando Jean, Lacktum era mais uma das poucas pessoas que ela
conversou ultimamente de modo agradável. Após refletir nisso, a assassina se
pegou em um dilema. Se iria mesmo falar sobre a morte do dragão dourado que
conheceram como Nico.
-Eu tenho que lhe contar algo.
-Relativo ao que?
As palavras fugiam de sua boca. Antes parecia que seria
fácil. O que aconteceu era completamente diferente do que havia lhe acontecido
até então.
-Olhe Halphy, compreendo caso esteja arrependida.
-Arrependida? – ridicularizou a garota com uma risada digna
de Zacharias – Eu tenho muito mais poder do que jamais imaginaria. E você se
arrastando por masmorras...
-Catacumbas! Isso aqui esta mais para uma catacumba... Acho
eu.
-Que seja... Só deixe-me falar. Um conhecido nosso faleceu
hoje.
O mago embranqueceu. Temeu pelo pior. Assim mesmo, exigiu da
antiga colega aquele nome.
-Nico ou Ikkanon, faleceu pelas mãos de Zacharias.
Aquilo foi um golpe poderoso em sua mente. Como alguém
poderia ter causado mal a Nico? Não era só pelo poder inerente que um dragão
possui e sim, referia-se a sua bondade e vontade. O próprio Lacktum sentia-se
próximo dele, mesmo em sua fase mais rebelde.
-Como isso ocorreu?
-Ele quis combater Zacharias.
-Praga.
-Você por acaso esta bem com tudo isso?
-O que quer dizer? – questionou uma irritada Halphy.
-Nada só queria saber mesmo.
-Seus comentários parecem conter malícia.
-Não! Falo sem nenhuma maldade. Mas até que me senti bem
agora...
-Certo – ela então o fitou ainda com certa desconfiança
devido à última frase.
Os dois fizeram uma pausa. Pareciam um pouco constrangidos.
-Halphy, eu estou indo na direção de um homem santo.
-Por qual motivo?
-Nem eu sei.
-Mais um daqueles destinos misteriosos, não é?
Ele afirmou com fortes movimentos da cabeça. Em seguida
soltou como uma flecha;
-E obteve o que tanto desejava?
Então ela pensou em um plano. Talvez, através do espelho,
pudesse dominar o mago. Que genial seria ter ele como um escudo e espada
arcanos. Se ainda estava vivo, seu poder aumentou de forma considerável até.
Agora queria usá-lo, como fez com Nikolai e Raquel. Até mais.
Ativou a Chama Gélida. Instantaneamente notou que o item
falhou pela primeira vez. Sorte de Halphy ele não ter notado aquilo. Parece que
os efeitos da Lei podem ser mais brutos, só que menos perceptíveis também.
-Não, mas estou no caminho certo.
-Que bom! Seja lá qual for.
-Devo ir embora. Só queria mesmo lhe avisar sobre a morte de
Nico, assim poderá tomar cuidado com esse Zacharias. Ele pode ser uma ameaça
poderosa demais.
-Compreendo. Ainda preocupa-se conosco.
Aquela frase a fez ficar indignada.
-Coloque uma rolha nessa boca que solta besteiras iguais a de
um bêbado!
-Acalme-se! Simplesmente falei o que achava.
-Ache menos, certifique-se mais.
-Certo.
-Adeus Van Kristen.
-Adeus... – E antes que ele pudesse falar qualquer outra
coisa, Halphy quebrou a conexão entres os itens. Fez isso movendo a palma da
mão sobre a esfera e fechando logo em seguida.
Qual não foi sua surpresa quando levantou seus olhos e notou
que havia um homem ali. Ele refletia segredos em seus olhos.
-Quem é você?
Ao soltar aquelas palavras, a assassina caçou uma arma. Havia
deixado sua principal lâmina assim como sua besta e virotes no acampamento.
Ainda tinha uma adaga. O maior problema constituía-se na região em que estava.
Só sabia estar no reino da França. Não sabia mais nada da localidade. Além
disso, teria que contar com a sorte se o grupo não viesse a tempo. Pois se
isolou exatamente para isso. Quem poderia ser ele? Maldito.
-Não se aflija Halphy. Vim em paz.
-Pode até mesmo ter vindo em paz com uma pedra preciosa para
me entregar. Não quero saber. Eu quero saber quem é você. E como sabe meu nome?
-Chamo-me Thomas na sua língua.
-Esse nome não é élfico. É humano.
-E você? Nem uma elfa é mais.
Ela o olhou com raiva. Será que aqueles malditos brincos
serviam para algo, além de adorno? Ninguém parecia ser enganado por aquilo.
Enganava os mundanos e os mais fracos, mas qualquer outro parecia ver sua forma
verdadeira.
-Quero lhe conceder um aviso: tudo que fez ou faz tem seu
preço. E o dia para isso aproxima-se. Quando isso acontecer tenha mais de uma
opção em mãos. Analise isso, com extrema cautela. Já que seu tempo em Gaya não
será longo.
Com um piscar de olhos, da mesma forma que veio, Thomas
sumiu. Do nada.
-Praga! Só me envolvo com gente esquisita...
Após os acontecimentos na gruta, Halphy chegou até o
acampamento. Havia cavalos, todos preparados para levar os membros daquele
bando até o destino proposto por Zacharias. As montarias também haviam surgido
graças ao poder do mesmo.
A tempestade tornava-se forte, visto que mal era possível ver
o caminho. O clérigo falava que era só seguir em frente. Aqueles corcéis os
guiariam aonde quer que fossem pela magia sombria que controlava.
Cada um estava em sua respectiva montaria. Cavalgavam na
tempestade que chegava cobrindo os campos que antes tinham um tom castanho.
Todos com seus pesos nas consciências. Alguns mais que outros, sendo que havia
aqueles sem nenhum. Traziam consigo segredos e batalhas internas.
Halphy trazia em sua mente o que ocorreu desde que obteve
Chama Gélida. Soube do amor perdido de Nikolai, o que Raquel pensava de verdade
sobre ela, a extensão dos poderes do sacerdote Zacharias, os segredos de Kalic
e Lacktum, além de ter mais um estranho surgindo em sua vida. Tudo isso e a
morte de Nico. Ao que tudo indicava a única coisa que se mantinha normal era o
rastreador, o mais simples dos membros. Não admitiria em anos, mas gostava que
ele estivesse ali. Pois a trazia um ar de paz para si.
A neve continuava a cair e ficou mais poderosa. Apagando os
rastros naquele gelo grosso e alto. Seria bom se aquela tempestade sumisse com
as lembranças sombrias dos últimos dias também. Parecia em alguns pontos que
era até purificadora. Trazendo um pouco de paz, junto com o silêncio. Lembrava
uma mentira branca. Ou algo que enganava o coração.
No meio de toda aquela neve, grevas pesadas de um aço negro
muito raro atravessavam um campo devastado. Não existia sinal de árvores, ou
qualquer animal nas proximidades. Havia, além do gelo, uma grande e imensa poça
de sangue de algum ser colossal. Com a armadura, demorou a alcançar o centro do
lugar e alcançar seu objetivo principal. O rosto dele espantou-se com aquele
corpo no lugar. Assim mesmo, o colocou em seus braços.
Encarou o morto dizendo:
-Ainda devo muito aos seus irmãos. Especialmente o mais
velho. Vou te levar pra casa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário