Haviam chegado a um morro pequeno, com vegetação baixa.
Apesar de possuir uma estrada, eles atravessaram uma área onde ela ainda estava
viva e verdejante. Na verdade, eles usaram pedras grandes e enormes como um
posto de observação. Isso servia aos humanos, mais do que para Halphy e
Zacharias.
Na sua frente, havia uma fortificação de madeira protegendo
uma vila. Essa região parecia ser vigiada por elfos e homens. Uma murada feita
com enormes estacas de madeira pontudas e perigosas como defesas. O lugar ainda
usava muitos materiais naturais em sua estrutura. Também se utilizavam de
aparelhos com corda para manter todo aquele lugar funcionando de maneira
perfeita. Diminuindo qualquer esforço físico na construção que ainda estava
continuando. Ao que parecia eram melhorias na proteção ou aumento da murada.
Halphy notava que conseguia compreender como funcionavam aqueles mecanismos
todos.
Mesmo os homens ali portavam arcos longos, muito bem
trabalhados e com cotas de malha. E esse primeiro item era usado também pelos
elfos, além de corseletes de couro batido. Todos portavam espadas longas de
origem sidhe na cintura. Isso era notável por suas bainhas com imagens de fadas
e faunos. Havia também escrito nelas Brigid Loghan no idioma élfico e humano,
dependendo do portador.
O engraçado mesmo ficava nas pequenas casas e suas
estruturas. Simples e humildes todas traziam algo de familiar para Halphy.
Então usando sua visão ampliada pelos dons draconianos, notou flores e plantas
por todas as casas. Assim lembrando Avalon.
Era isso. O lugar possuía elfos, com certeza deveriam ser
descendentes da Ilha das Brumas.
A líder do grupo começou a imaginar como tudo aquilo se
entrelaçava. O mausoléu tinha toques de Arcádia. Aquela vila parecia uma versão
mais humilde de Avalon. Além de notar um padrão, ela também ficou espantada por
existirem tantos lugares com origem élfica naquele reino em que se encontravam.
Fazia até sentido, pelo que sabia da região. E explicava o motivo de existir
atrás de todas aquelas casas uma vasta floresta em pleno inverno.
Os poderes ali são no máximo de origem de algum druida.
Nenhum clérigo conseguiria tamanho poder, para fazer florescer aquele lugar. Na
verdade, nem os ventos da neve surtiam efeitos poderosos ali. Como se houvesse
uma pequena, mas importante barreira contra o frio.
Estavam todos empoleirados nas pedras. Vigiavam com cuidado
cada movimento daquela guarda. As sentinelas eram bem preparadas e suas aljavas
recheadas traziam grande apreensão a Jean. Só que dessa vez, não era o único
assim.
Nikolai ficava tentando flertar com Raquel. Enquanto isso,
Zacharias tramava um plano para Halphy. Independente do que fosse, era obvio
que não seria fácil mesmo com seus talentos.
-Agora explique o motivo de estarmos aqui – inquiriu Halphy
cruzando os braços.
-Na verdade, deve saber onde estamos. Essa é uma vila que tem
como líderes dois elfos: Brigid Loghan e Furion.
-O nome dela estava incrustado nas bainhas das sentinelas.
-Exatamente. Aquelas bainhas devem ser itens mágicos.
-Interessante. Prossiga. Os nomes dos líderes eram...
-Brigid e Furion. São casados e poderosos na Arte da
natureza. Unem seus dons de forma única. Até parece que o matrimônio os havia
deixado poderosos. Enfim... A eles foi entregue um poderoso ritual forte e
perigoso. Algo que poderia frustrar os planos de você e Sinestro.
-Pensei que nossos planos fossem para aumentar os dons da
Chama Gélida?
-Digamos que isso sirva para manter o dom – parecia até que
havia se enganado, algo estranho para ele – Os dois druidas possuem um meio de
selar um artefato.
-Selar? Significa que podem impedir-me de usar esse item?
-Sim.
Ela ficou pensativa.
-Como então não fizeram isso antes?
-O item precisa estar sendo usado para isso.
-Ei! Eles sabem que estou com a Chama Gélida?
-Sim. Com certeza há um sigilo no artefato. Ou alguma
sentinela sobreviveu ao Mausoléu do Silêncio. Não sei.
Isso deixava a assassina com medo. Como havia dúvida na mente
daquele homem? Com poder de deus ctoniano? Isso era estranho, vindo dele.
Talvez fosse a parcela do espírito do verdadeiro Zacharias. Acreditava que
seres com poderes das divindades nunca ficava em dúvida. Pensaria nisso com
mais calma depois.
O que importava era que ele falhou. Existia algo que poderia
ser usado como ponto fraco. Já que era assim, depois que terminasse a missão na
vila, tentaria extrair do clérigo qualquer informação. Assim, estaria pronta
para o que estivesse por vir.
-E como quer que eu impeça isso? – perguntou à assassina.
-Teremos que usar um dos seus antigos dons de invasão. Como
uma ladra.
Todos olharam com estranhamento para o clérigo. O que esse
homem bizarro queria?
-Diga-me o que devo fazer.
-Há um templo no meio da vila. Consegue ver?
Os olhos dela concentraram-se naquele ponto indicado pela mão
do sacerdote. Um templo que parecia misturar tanto os aspectos cristãos e
célticos. Para não disser élficos. Era um lugar divino com certeza.
-É lá onde estão os druidas?
-Sim. É de lá que lideram essa vila. Para alcançar aquele
ponto passará por cinco casas.
-Além da murada de madeira. Não se esqueça disso. É o
primeiro obstáculo, ou esqueceu? – lembrou Jean de modo a precaver.
-Claro. Mas ela é superior a isso.
-E onde nos encaixamos nisso? – falou o alquimista, seguido
de um olhar firme de Raquel – Ou acham que vamos ficar de fora dessa festinha?
-Você será bem mais que uma distração. Saiba disso.
-Como assim?
Nesse instante, o sacerdote soltou um sorriso cruel. Seu
plano teria algum teor maligno.
Saiu da companhia dos quatros de modo furtivo. Havia se
esquecido como era fazer aquilo.
Como teria que subir um morro usava suas únicas coberturas:
algumas pedras espalhadas pelo território. Não eram muito grandes, mas para seu
baixo tamanho, serviam perfeitamente como coberturas. Seria um problema caso
outros estivessem com ela. Porém, graças ao seu andar leve – originário dos
elfos – e sua visão aguçada – proveniente de um dragão – chegou rapidamente a
murada.
As toras eram todas afiadas, com a clara finalidade de
impedir um avanço inimigo. Só que com sua acrobacia estava em um ponto cego
daquela estrutura. O problema agora era como subir aquela murada. Esfregou as
mãos preparando duas magias.
A primeira tornava-a invisível aos olhos sem energia arcana.
Já a segunda tornava seus pés e mãos preparados para escalar qualquer parede ou
teto. Como patas de aranhas.
E mesmo falando em tom baixo, suas magias de feiticeira
mantinham seu efeito. Acontecia assim, pois a magia sempre funcionaria não
importasse o tom de voz do conjurador. Importaria se o mesmo fez cada um dos
requisitos do encanto de forma correta. E apesar de não ser uma magnífica feiticeira
mantinha sua memória afiada como suas lâminas.
Começou a tocar aquela madeira, de modo que alcançasse o
topo. Subiu a estrutura, sem apoio ou escada. Sua magia fazia com que ela
grudasse na parede, assim chegando até o seu objetivo.
Saltou de uma vez no lugar onde ficavam os guardas. Só deve
noção disso quando notou que dois deles olhavam o espaço onde ela estava.
Obviamente, não o enxergaram. O som havia os deixados precavidos, no entanto.
Sorte Halphy tinha de sobra. Caiu próxima de uma grande
quantidade de caixas. A primeira vista deveria conter alimentos para os homens
e elfos na muralha. Pensou em uma estratégia: pegou uma maçã e arremessou em
uma direção contraria a dela. Rápida o suficiente, a fruta seria útil para
fingir um animal como rato. Ou qualquer outro ser diminuto.
Só faltava ver se aquilo os enganaria. E foi o que houve na
mente deles.
-Mais um rato – disse o primeiro homem.
-Outro? – perguntou o segundo – Esse monte de caixas atrai
essas coisas.
-Verdade. Devíamos nos livrar disso agora.
Isso fez o coração de Halphy gelar. Cheio de medo, pois eles
poderiam notar que algo estava errado. Ela tornou-se invisível, não intangível.
Seus dons poderiam não ser suficientes contra uma guarda élfica.
-Isso não é nosso serviço. Depois mandamos alguém levar essas
coisas.
Halphy quase assopiou aliviada. Não o fez por medo que
escutassem. Sua lâmina estava pronta, só que o perigo era demais para ela. A
quantidade de sentinelas que havia visto ali era algo que nunca poderia lidar.
Ignorou aquilo e continuou seu caminho.
Devidamente preparada, ela contorceu-se enquanto passava para
o outro lado da construção. Queria continuar com plena percepção de tudo ao seu
redor. Com seu giro corpóreo ficou pendurada contra a murada, porém, dentro da
cidade praticamente. Uma parte de seus planos conseguiu obter.
Negava-se a usar seu par de asas. Aquelas coisas chamariam
atenção demais, já que quando usasse outras magias se dissipariam.
Observou que conseguiria subir na primeira com facilidade.
Saltou sem nenhuma dificuldade em cima dela evitando qualquer som ou problema
logo em seguida caminhou com leveza. Passos de uma gatuna. Normalmente eram
preparados para nunca quebrar o silêncio. Não fazia isso há muito tempo. Ainda
sabia assim mesmo.
Andou por cima da casa rapidamente, com cautela, obviamente.
Atravessou aquele teto e preparou-se para um novo salto. Dessa vez, a
construção era grande. Impossível passar por cima dela. Então teria que
atravessá-la por dentro.
Viu uma janela e saltou de uma só vez, rolando até um quarto
vazio. Era o que notou de imediato. A casa deveria ter alguém naquele momento.
O quarto em que estava deveria ser uma espécie de deposito.
Notava isso graças a migalhas de grãos e frutas. Conseguiu notar que o lugar
era fértil, já que os alimentos eram bem diferentes. Nunca viu aquelas cores
antes.
Ao levantar-se, chegou à porta do quarto com poucos passos.
Viu um corredor que dava em uma escada pelo canto das dobradiças. Além lógico
de três quartos. Conseguia ouvir sons na parte baixa daquela construção.
Parecia ser a conversa entre alguns familiares naquele lugar.
Verificou cada uma das portas. Queria entrar naqueles
aposentos, já que poderiam ter janelas com acesso para outra casa. E nem pensar
em abrir as portas com suas habilidades, visto que demoraria muito. Tempo era
algo que não possuía naquele momento.
Uma coisa que já havia aprendido da pior forma, era tudo é
obtido sempre na última porta. E não seria diferente com aquela casa. Todas
trancadas, com exceção de uma.
Abriu rapidamente aquela porta notou a janela aberta e sons
surgindo da escadaria. Parecia que estavam subindo. Tinham que deixar de lado
aquilo e entrar de uma vez no quarto. Com a janela aberta e sem ninguém
atravessou de uma vez. Parecia ser de uma menina, pois eram notáveis algumas
bonecas e brinquedos espalhados por todo o lugar. De um só golpe saltou por
aquela pequena abertura.
Com o salto caiu em cima da casa. Ajoelhada. Ela havia rolado
para diminuir seu impacto, algumas telhas caíram quando isso ocorreu. Ficou
quieta para passar despercebida. Queria evitar qualquer atenção desnecessária,
mas sua pressa a deixava descuidada. Segurou o fôlego, enquanto notava que
alguns olhos concentravam-se em sua direção.
Mentalmente ouvia sua própria voz cheia de raiva, lembrando a
ela como era cheia de vontades. Só que estabanada. Sempre querendo obter as
coisas, sem se preocupar com seus custos. Sua vida não seria um preço que ela
estaria disposta a pagar. Apesar de o perigo lhe chamar a atenção.
Só que não foi o que houve, já que nem os elfos haviam
reparado naquilo. Tinha muita sorte, igual a um demônio alguém diria. Após
notar que aqueles que estranharam a queda das telhas dispersaram-se a jovem
ladina inexperiente levantou-se. Viu que deveria cruzar o telhado com certo
cuidado, pois não deveria chamar mais atenção do que já havia feito. A
velocidade deixou lugar para sua calma e cautela.
Chegou à outra ponta da casa. Examinou com cuidado. Era
possível chegar até mais um telhado, um salto preciso e sem barulho.
Concentrou-se bem mais que o habitual. Se alguém pudesse a ver fazendo aquele
movimento no ar, talvez a confundisse com uma águia.
Finalmente. Faltava pouco para alcançar a praça diante do
templo só mais um salto. O problema era distância. Além disso, parecia um pouco
mais alto. Tentaria mesmo podendo falhar.
Concentrou-se e pulou. Alcançou a casa, mas não como queria.
Só da cintura para cima estava no telhado. Suas pernas debatiam-se com medo de
uma queda. O peso de seus equipamentos poderia estar a atrapalhando.
Reparou que, dessa vez, não havia causado nenhum barulho
estrondoso. Em compensação, nunca poderia subir no telhado. Estava em duvida.
Sem pensar mais soltou os braços que a sustentavam naquele lugar e girou seu
corpo em pleno ar. Ao fazer essa acrobacia, ela alcançou o chão de uma só vez.
A fortuna dela estava em que seus itens carregados não
pesarem demais, ou suas pernas poderiam ter quebrado. Sua fortuna poderia ser
perdida se alguém notasse que algo invisível caiu naquele beco. A deusa da
sorte deve ter sorrido com toda a sua força na direção de Halphy, visto que não
havia ninguém nas ruas ao seu lado. A sua respiração mostrava o quão cansado se
sentia. Só que isso não a impediria. Era óbvio. Seu sangue estava ávido poder e
só alcançaria paz, ao obter toda a extensão de Chama Gélida. Nem que para isso
precisasse matar Brigid e Furion.
A invisibilidade iria continuar enquanto não agisse de modo
drástico. O que incluía uso das asas ou ataque de qualquer gênero. Parece que
magia tem parâmetros bem estranhos, muitas vezes.
Havia chegado à praça. Onde poucos homens e mulheres
encontravam-se. A maioria crianças, até mesmo élficas. Ela nunca viu isso em
nenhum outro lugar. Nem em Avalon. Cada grupo de meninos e meninas tinha entre
si, um representante das duas raças.
Mais uma vez, depois de um logo tempo, sua mente vagava em
lembranças. Queria ter crescido assim, em uma aldeia como essa. Onde os males
de um tratamento cruel nunca tivessem tratado ela e todos de sua raça como
párias, talvez nunca chegasse a esse ponto. O problema não era ser tratada como
uma poderosa sidhe ou mundana humana. Estava em ser tratada bem, de uma forma
digna. Poderia ter começado sua aventura roubando e enganando, mas importava-se
com a vida. Assim era, tanto que salvou Van Kristen em seu primeiro o confronto
com mortos famintos.
Que diabos esta pensando Halphy, quis falar a assassina.
Era mais uma vez em que teria ignorado seus próprios
pensamentos. Necessário por enquanto. Seu coração queria falar coisas que
traiam sua mente.
Chegou até a porta do templo, enfim notando como ele era por
dentro. Lá notou bancos de madeira simples, com poucos enfeites. O templo era
bonito mesmo sem iluminação. Parecia uma mistura entre os cristãos e os povos
antigos. Havia alguns homens próximos ao altar principal. Pareciam todos ali
sacerdotes. Alguns humanos e elfos, que discutiam com o líder do lugar. Deveria
se Furion.
Sem camisa, era possível ver sua pele alva. Além de possuir
cabelos loiros esvoaçantes. Forte como um homem que trabalha toda sua vida em
serviços altamente pesados. Seu cinto possuía um pequeno saco que deveria ter
consigo itens do mundo natural. Usava um saiote verde, com bordados dourados. E
nada mais. Parecia bem confiante, ao que tudo indicava.
-Mestre, o que faremos? – perguntou um deles que era humano.
-Nada. Por enquanto, só eu e Brigid precisaremos fazer os
procedimentos. Quando for o momento pedirei seu auxílio, meus companheiros.
-Ao seu comando mestre.
Deveriam ser todos discípulos de Furion, já que o tratavam
como mestre. Eram bem mais velhos que Richard e Seton. Era óbvio que os antigos
companheiros haviam aprendido muito cedo sobre os segredos da natureza e
rapidamente. Isso era claro, pois sabia que para preparem-se ficavam vinte anos
sendo ensinados. Dedicados, isso tinha que admitir. Seria um problema se
enfrentasse a todos
Tinha que tomar cuidado ao andar naquele corredor. Nele havia
folhas e galhos como se dentro daquele lugar fosse primavera pura. Um passo em
falso, e uma cimitarra, proveniente de Furion poderia ser usada contra ela.
Chegaram a um grande salão, já que acompanhava o elfo.
Existia um símbolo de selamento assim como Zacharias falou. Pela primeira vez,
acreditar naquele miserável valeu à pena. Que isso não se tornasse rotineiro.
Havia um crânio no meio do lugar, mas não um comum. Era de dragão. Um pentáculo
no lugar carregava a energia para algum uso de abjuração poderosa.
Grandes ritos envolviam preparações por dias, meses e anos.
Queriam prender a Chama Gélida de todos os modos possíveis. Para isso fizeram
um ritual, que só para obter os componentes demoraria muito tempo e nunca
seriam obtidos com relativa facilidade. Vindos de diversos lugares do mundo
havia plantas. Seu ofício como assassina a ensinou sobre ervas. Seja para seu
trabalho, cura ou uso místico.
Aquelas impediam o usuário de uma magia a lançar ela. Ou algo
parecido. No caso deveria referir-se a segunda opção, já que imaginava que
aquilo se referia ao seu artefato. Visto que era mau agouro destruir um item de
tamanha importância. Não era como um mero item mágico. Existem lendas, que
contam sobre divindades interferindo depois da Era Mitológica, pessoalmente por
um elmo sendo partido ao meio, ou uma espada sendo despedaçada. E entre eles
havia muitas outras armas, passando por partes de copos – como olhos ou mãos –
cheios do poder de heróis e vilões.
O selamento da Chama Gélida estava para começar.
Quando se aproximava do druida que seguiu até então, ouviu um
som proveniente de um canto da sala. Lembrava muito um som que era conhecido
dela, mas que não escutava faz muito tempo. De uma fera da natureza. Grande,
maior que um homem alto. Na verdade, o dobro disso. Extremamente territoriais
estes animais eram perigoso mesmo quando solitários. Era clara a força de um
deles em combate, mesmo usando arco e flechas. Um enorme urso havia notado a
presença da intrusa no lugar sagrado.
Quis correr, mas ao fazer isso poderia alerta ao druida que
estava ali. Agachada e ainda fora da visão de qualquer mortal, ela andava com
muita calma. Não causou nem um som, mesmo cruzando a trilha de folhas de antes.
-O que foi Amora? Sua dona chegou? – perguntou Furion ao
urso.
Amora? Nome com aparência feminina. Aquilo era uma fêmea? E
quem em sã consciência chamaria um urso com tal nome? Foi então que ela notou
que no túnel atrás de si, surgiu uma figura feminina.
Loira, cabelos presos de uma forma quase divina. Vestimentas
que combinavam peles de lobos gordos. Era nítido. Na cintura um sabre refinado,
fazendo companhia com um pequeno saco com seus componentes mágicos. O saiote
lembrava uma pequena fada. Completando a vestimenta, ela possuía uma capa e
capuz com tons escuros.
-Brigid! – o grito de felicidade do druida demonstrava quem
era a jovem. Era o momento chave para Halphy.
A mulher anda na direção de seu amado. Com isso, ela pausa e
nota a inquietação do animal. Ela para e grita ao elfo:
-Qual o motivo de minha Amora estar inquieta?
-Acho que foi pela sua chegada!
-Furion, Amora nunca agiria assim nessas condições! Deve ter
percebido algo...
-Como assim? – questionou ele.
Halphy ainda escondida começava a temer aquele rumo da
conversa.
-Eu usei uma magia de adivinhação e vi que algo horrível esta
para acontecer. E isso deve ter haver com o nosso selamento. Com certeza minha quase
prima Halphy deve estar por perto.
Olhos arregalados seriam vistos, se assassina fosse visível
naquele momento. Sua respiração parou. Quase prima? Como assim? Sua mãe era
filha única. Até onde sabia ao menos. Que diabo era isso? Talvez um truque. Um
encanto maldito ou um blefe. Nada demais. Só que isso foi o bastante para uma
distração da antiga meio elfa. Havia quebrado com a ponta do pé.
Aquilo ecoou como os sinos da maior igreja que já surgiu.
Também, com a estrutura daquele túnel, jamais teria como não escutar um som
daqueles. Estabanada, tola e patética pensou a garota invisível. Só que ainda
estava bem. Sim, lógico. Continuava com as magias sobre si.
Sua certeza e presunção tornaram-se desgraça e desespero
agora. Ao notar que Furion estava usando um dom dos druidas. Utilizava a forma
animal.
Os druidas, verdadeiros sacerdotes da natureza, criaram
habilidades únicas. Como defensores de toda a vida animal e qualquer floresta
ou região selvagem, eles ganharam magias. E aqueles com experiência, conseguiam
atravessar pântanos, matas altas ou outros obstáculos, como um ladino que foge
dentro de uma multidão. Isso tudo de forma mais natural possível. Assim como os
sentidos de animais. Aqueles dons eram a preparação para algo maior. Já que com
plenos conhecimentos sobre a Arte do Mundo Verde, eles conseguiam se transformar.
Desde um corvo, que era quase um símbolo da deusa Morrigan, a um urso forte,
símbolo de força e tradição dos povos antigos.
O rosto de Furion tornou-se igual a uma fera. Na verdade, um
urso.
-Brigid – falou ao cheirar o ar, e em seguida mudar o tom
aquele druida – fuja! Existe mesmo alguém aqui! Escondido nas sombras!
Quando falou isso, a assassina sacou como um relâmpago
Vampira de Almas. Quebrou o encantamento, mas pensou que seria bem sucedida com
a lâmina. Algo que não contava era que o sabre flutuaria da cintura de Brigid.
-Ah! Mas que filha de uma mulher da vida! De onde surgiu
isso?
-De onde surgiu você? – gritou uma espantada elfa. Isso a fez
ficar em posição defensiva.
Ao notar isso, Furion começou a usar o dom que muitos
chamavam de trocar pele. Rápido como uma praga, seu corpo cresceu na mesma
proporção de Amora – talvez até mais – e surgiam pelos. As mãos eram patas
agora, assim como os pés. Seu rosto concedeu lugar a uma bocarra perigosa.
Seria uma transformação completa em urso. O problema era que ele mantinha-se de
pé como um homem e gritou:
-Brigid! Saia daqui!
-Furion, eu não posso... – antes que terminasse seu amado
gritou mais uma vez.
-Meu coração é seu coração.
Com as palavras de Furion proferidos ela resignou-se a
atendê-las. Prova disso é que foi a vez dela se transformar em uma águia.
Se ele pediu que fugisse aquela druida deveria conter a chave
para o selamento. Era ela que deveria perecer inicialmente. Até tentou
acertá-la enquanto tomava a forma da grande ave, mas sua lâmina errou. Parecia
que Loghan era envolvida com uma sorte tão grande quanto Brown. O que faria
sentido, caso fossem mesmo parentes.
O espaço era curto, e as asas de uma marduk eram bem maiores
que de um pássaro. Voar estava fora de cogitação para a Brown. Pior que isso
era notar a águia Brigid fugindo para longe enquanto o urso Furion caminhava
ferozmente.
Dentese serrilhados que a lembravam de um conjunto de adagas
bem afiadas se aproximavam. Seu temor tornou-se imenso, pois o druida que
estava como fera havia ficado em quatro patas. A velocidade dessas criaturas poderia
não ser uma das maiores, seu tamanho, porém, lhe era suficiente para alcançar a
antiga ladina. Umas bocadas de diferença alguns diriam.
Maldito seja, era melhor fugir. Ainda por cima que estaria
acompanhada da ursa Amora. Parecia bem feroz, mesmo com o nome encantador.
Como sair daquela situação? Um druida furioso e uma ursa
perigosa queriam fazer de Halphy seu almoço. O que ela teria que fazer para
sobreviver? Bem, algo simples, calmo e sem nenhuma maneira de criar alarde.
Mexeu a mão de modo a preparar uma magia.
-Vamos fazer um pouco de barulho. ???
Nesse ato de poder,
Halphy soterrou o druida. Já sabia ao que tudo indicava que aquele desgraçado
estava vivo. Ela fez isso, pois não era momento para combate. Ou não
conseguiria vencer agora. Ou outro motivo que até ela desconhecia.
Caminhou um pouco até onde era o templo principal. Notou que
a águia passava até um buraco no teto para a passagem de um animal voador. Era
uma caça agora.
Correu e pegou impulso. Fazia isso para abrir as asas. Era
óbvio que não conseguiria entrar pela mesma passagem. O vôo seria pela entrada
principal do templo. Já tinha sido vista e era uma questão de tempo paras os
guardas chegarem ali. Seriam avisados dos truques dela. Mesmo que usasse mais
um, teria uma dificuldade superior.
Ao fazer isso ouviu um deslizamento das pedras no túnel atrás
do altar. Era Furion com certeza. E não olharia para trás.
Abriu como um vendaval a porta. Não era tão pesada quanto
imaginava. Algumas pessoas a olhavam espantadas. Sem tempo nem para alguma
piada ou brincadeira. Só olhou para o céu, encontrando a águia. A presa estava
indo para leste. Maravilha! Uma druida estava indo na direção de uma floresta.
Perfeito! Era como se Halphy visse os fios da armadilha enrolando em seu corpo.
Só que não havia outra opção naquele momento. Caçadora viraria presa agora.
Finalmente, abriu as asas. Saltou no ar com força, e ao fazer
tinha dificuldade. Queria superar a altura do templo. E não alcançou velocidade
o bastante para tal impulso. Sua força de vôo era pequena.
Ouviu o som animal de um urso que sabia ser Furion. Foi
quando forçou ainda mais as partes de seu corpo usadas para vôo. Era medo, ela
sabia. Que o druida lhe fizesse mal.
Não sabia quais habilidades o esposo de Brigid tinha. O que
esperar?
Havia alcançado altura segura, longe de flechas. A assassina
torcia para que o sacerdote da natureza não assumisse uma forma animal voadora.
Tinha sorte, pois não enxergou nada no ar a seguindo. Respirou aliviada. Em
seguida mergulhou na direção em que estava seu grupo. Zacharias e Nikolai a
esperavam.
-Esperavam-me? – questionou a assassina alada.
-Na verdade não. Halphy parta na direção em que Brigid foi.
Ela continua sendo perigosa. – falou o sinistro clérigo.
-Se você diz isso, é por que realmente deve haver um grande
perigo.
-Não faça brincadeira donzela Brown. Ele parece bem
impaciente desde que se foi – revelou Nikolai.
-Saudades? – olhou a jovem brincando mais uma vez.
O sacerdote ignorou a moça.
-Sabe que deve deter ela? O selamento ainda pode ser útil aos
inimigos. O druida é perigoso e sua mulher fugiu por algum motivo. Não abaixe a
guarda.
-Esta bem! O que pretende fazer?
-Enfrentar seus perseguidores. Logo virão aqui. Então voe
moça!
Estava muito contente o sacerdote. Aquilo deixava a líder do
grupo com certo receio. O clérigo planejava algo. Exatamente o que seria era
impossível definiri. Contudo, sua face demonstrava uma tara pela crueldade sem
motivo. Uma calamidade estava para ocorrer.
Jean aproximou-se da jovem dizendo.
-Bem, eu e Raquel tentaremos lhe alcançar a pé. Não se
preocupe. Sou bom em rastrear. Não lhe perderei tão cedo.
Ao falar isso, o grupo dividiu-se em três partes: diante da
murada ficaram o alquimista e o clérigo sem deus; correndo pela floresta
estariam o rastreador e a mestra do saber; a assassina voava na caça de Loghan.
Pouco se sabe sobre a vila depois de tudo aquilo que foi
feito. Halphy havia visto nuvens escarlates horríveis naquela direção, com um
ar de perdição. Ninguém nunca mais ouviria falar daquele local. Antes de
alcançar a floresta Brown viu surgir um paredão impedindo qualquer um da cidade
de fugir. Nikolai nunca revelou nada sobre o dia que virou noite.
Cada um fazia o seu caminho, foi o que a consolou.
A mulher alada disparava como uma ventania veloz. Ainda
conseguia enxergar algo no céu. Sabia se tratar de Brigid, único ser alado
naquela condição além dela superando aquele espaço. Só poderia ser ela.
Suas asas tornaram-se seus membros mais importantes. Eram
maravilhosas aquelas preciosidades, como as chamava, pois pareciam ter nascido
nela. Um membro de seu corpo. Seria tão bom ter aquilo desde que era pequena,
lembrando de um filhote de ave. Ou nesse caso, imaginou um de dragão.
Quando chegava próximo da águia, a assassina sentiu algo
novo. Abaixo dela, um movimento ocorria. Era muito veloz e passava pelos
galhos, o que fez pensar em Jean. Ainda assim, algo estava errado. O rastreador
não conseguiria acompanhar a garota na atual velocidade.
Eis que algo acertou a asa reptiliana de Halphy. E não
atravessou, mas se prendeu aquela parte do corpo. Como uma sanguessuga. Seu vôo
interrompido a fez cair lembrando uma fruta madura. Só torcia para que não
terminasse espatifada como uma.
Caindo rapidamente, ela tentava evitar a dor e a morte na sua
queda. Por sorte, ou não, havia uma floresta abaixo de si. Os galhos conseguiam
diminuir o impacto. Cada som que fazia ao cruzar as árvores era uma contusão a
mais em sua pele. Mesmo sendo dura e rígida, era possível sentir aqueles
golpes. Ao cair, um grande som foi escutado ecoando pelo local e levantou um
grande manto de folhas no ar.
Levantou-se com uma velocidade tremenda. Agradeceu a Sinestro
por possuir escamas ao invés de pele. Se fosse como antes teria perdido um membro
talvez. Agora estava intacta, com uma ou duas escoriações.
Era ma parte densa e escura da floresta. Até mesmo sua visão
tinha dificuldade te encontrar um caminho ao redor. Um estalo em sua mente
surgiu. Aquilo não era devido às trevas, mas algo que havia. Ainda que o céu
estivesse completamente fechado, não teria como seus olhos deixarem ela em maus
lençóis. Deveria ser magia. Nenhuma árvore existia ali naquela área.
Com seu pouco conhecimento, finalmente entendeu o que a
estava seguindo. Não se tratava do vulto de um homem, mas uma sombra. Estava
viva.
De sua frente, saindo do espaço sem luz, uma forma surgiu
dele.
Cabelos que pareciam castanhos escuros cobriam seu rosto. Uma
pele clara que a fazia lembrar um morto faminto. E um vestido que era generoso
com seu corpo branco. A roupa era longa, só que não atrapalhava seus
movimentos.
Ela mexeu em seus cabelos e fez com que a assassina se
sentisse confusa. O rosto trazia similaridade com alguém, enquanto a vestimenta
parecia vir de outro lugar. Dois contrastes.
Ajeitando suas roupas Halphy a encarou com fúria. E sarcasmo.
-Devo agradecer a você por perder meu alvo? – disse a
assassina batendo na poeira de sua roupa.
-Sim. Chamo-me Samara. Creio ter notado o que sou.
-Uma manipuladora de sombras. E esse nome parece ser
conhecido... De algum lugar.
-Se meu filho lhe contou, não tenho problema te falar – um
sorriso sombrio a alcançou – Sou a mãe de Kalic Benton II, ou Lucian. Esse
segundo eu prefiro mais.
Sua mente encontrou confusão. Viu a mão do mago mascarado no
passado. A aparência destoava da visão. Um pensamento lhe assombrou como nunca
antes. Recordou-se do que o filho dela falou para o pai de criação. Iria
arrumar um modo de ressuscitar a mãe. Foi possível depositar almas em
armaduras. Conseguir o mesmo com um corpo seria mais fácil. O que não respondia
a questão sobre seu receptáculo.
O confronto era iminente, ao que tudo indicava. Por algum
motivo, aquela mulher lhe queria morta. Mas qual seria não fazia idéia. Apesar
de que tentar descobrir razão nas ações daqueles que se envolvem com um Van
Kristen, era tolice.
Antes de voar essa vontade sumiu subitamente. Isso por olhar
para uma das asas. Uma delas parecia estar coberta por trevas. Literalmente uma
massa de energia sombria. Era uma das habilidades de um manipulador. Teria que
eliminar a conjuradora daquele poder.
Nem em seus pensamentos mais azarados imaginou isso. Perder
as asas seria um problema. Um que deveria lidar imediatamente.
Correu para trás. Não era um bom dia para ter acordado. Isso
pensou ao notar que estava cercada por sombras. Uma parede daquilo.
-Você não sai daqui enquanto estiver viva! – decretou Samara.
De costas para a manipuladora, Halphy colocou a mão na testa.
Em seguida riu.
-Eu posso estar encurralada, mas sabe que ainda sou perigosa,
não é?
-Se fosse mesmo assim, não tentaria fgir.
Halphy virou com Vampira de Almas para frente. Era um desafio
para Samara.
-E por qual motivo prendeu-me? Sou uma assassina e ladina. É
natural de minha índole o medo. Assim, fugir é o meu maior recurso. Só que com
meus conhecimentos sei que essa barreira, e a massa de energia em minhas asas
são poderosas. Magias de alto nível.
Viu os dentes da mãe do arcano que serve ao Pacto, quase
partindo ao meio. Era raiva com certeza.
-Tem haver com o tal Portal da Verdade. É uma afirmação isso
mulher.
Os olhos daquela mulher se encheram de uma fúria jamais
vista. Como se Halphy tivesse invocado o nome de um deus profano.
Inicialmente, a invocadora de trevas lança uma saraivada de
facas formadas por sombras. Não possuíam uma forma definida, mas lembravam a
letra C distorcida em tons negros. Halphy conseguiu desviar com acrobacias
aqueles golpes fracos.
A assassina afastou-se e preparou sua besta com sua mira e
visão privilegiada, disparou um de seus virotes. Ajoelhada e preparando seu
ataque a distância, o projétil alcançou seu intento. Atingiu o braço da morta.
Ainda assim, Samara não gritou pelo óbvio motivo de ser imune a dor.
Halphy levantou-se. Com o primeiro tiro, sua confiança
cresceu. Fazia tempo em que não conseguia ferir um inimigo com sua arma. Não se
gabou muito desse fato afastando-se até perto de uma das paredes de penumbra.
Sabia que manter um bom alcance ao atacar seria necessário. E a distância era
adequada, mesmo estando presa.
Das costas da ladra surgiria sua possível ruína. Visto que
dois braços de um tom mais escuro que ébano a capturou. Deixando-a indefesa. E
então se lembrou de um fato maldito sobre uma manipuladora de sombras. Ela
conseguiria conjurar um criado das trevas, um aliado. Fato esse que poderia lhe
custar sua vida.
O inimigo prendia Halphy pelos braços impossibilitando uma
fuga através da força. Surgia um desespero na mente dela. Que não pudesse
conseguir suas intenções. E nenhuma vadia, mãe de mascarado infernal, iria
atrapalhar. Só que ainda não sabia como lidar com aquele problema.
Mais uma vez lançou o conjunto de pequenas armas de energia
escura. A adversária deveria ser menos versada no combate que Halphy. Visto que
só duas das três a alcançaram. Não possuía uma mira tão boa quanto uma
assassina.
A dor nem era tanta, mas se continuasse assim, um golpe
certeiro traria sua morte. Samara parecia convencida da vitória ao ponto de
tagarelar besteiras que sua oponente ignorou. Deveria falar sobre o futuro e
grandes poderes.
Então Halphy deve uma idéia genial: se a força não servia
para livrar-se, sua habilidade o faria. Como não havia pensado em tal plano de
ação ante, nem imaginava.
Seu corpo esguio e magro serviria para fugir do golpe.
Mexeu-se rapidamente de forma a se soltar daqueles braços de ébano. Então o
inimigo sombrio avançou na direção da oponente de sua mestra. Eram dois contra
uma.
Agora tinha uma noção maior de como era a forma da criatura.
Tinha o corpo de um homem. Mas toda sua massa era formada por pura escuridão.
Instável, mas mantinha um aspecto humano. Seu tamanho era um pouco maior que
Halphy. O monstro era ameaçador pela sua aura e a falta de órbitas e uma boca,
além de várias outras coisas.
Nenhuma ameaça a deteria. Sua função seria eliminar Brigid
Loghan.
Mantendo a besta como sua arma principal afastou-se. Agora
estava atenta com mais alguma sombra perigosa. Os golpes daquela arma teriam
que ser precisos. Isso com o devido cuidado. Era uma desvantagem numérica ao
qual conseguiria superar.
Foi possível notar que Samara possuía uma massa de energia
negra na sua mão direita. Ela lançou essa estranha forma igual a uma fruta
podre. Ao cair no chão àquela escuridão toda tomou uma forma bizarra. Parecia
que era as patas de uma aranha grande o bastante para atravessar um corpo
humano. Só que aquilo não tinha uma forma definida. Lembrava mais braços sem
muita estrutura. Ou tentáculos.
Se os pés de Halphy não fossem um pouco mais rápidos, teria
morrido. Isso, pois aqueles tentáculos estouraram o chão onde estavam antes. Em
golpes poderosos demais.
Assim como surgiram eles desapareceram.
O golpe seguinte foi de Halphy. Vendo que o monstro de
sombras era um atacante e não um defensor, ela concentrou dois bons tiros no
peito da suposta Samara. E novamente, não parecia afetada, mas já havia
aprendido muito sobre os mortos sem descanso. Aquilo não significava muito.
Talvez a oponente estivesse morrendo.
-Então, nem imagina de onde tirei esse corpo? – soltou Samara
de modo sinistro, semelhante a uma víbora.
-E isso lá me importa? – respondeu Halphy desviando do golpe
da sombra monstruosa. Era uma praga aquele ser.
-Nunca soube sobre o resto da família Van Kristen?
Aquilo que foi dito fez a cabeça de Halphy refletir. Nunca
houve nenhum interesse dela em saber sobre a família do mago e líder dos
Dragões da Justiça. Que motivo teria? Estão todos mortos. Dwalin e a sua esposa
foram mortos por Lucian. Não haveria nenhum parente daquele insuportável vivo.
Deveria ser mais algum truque.
-Cale essa boca!
Quando falou isso, aquela besta zuniu atingindo seu virote na
perna de Samara.
A manipuladora de sombras gritou, mas não de dor, e sim de
raiva. Com tudo que havia planejado não obteve resultados contra a jovem marduk
esmeralda. Como aquela magia toda ainda não a feriu ao ponto de rasgá-la. Era o
momento de atrair seu alvo.
Os golpes da sombra atravessaram o ar mais uma vez. Não
pareciam em nada punhos. Eram mais garras. Golpes de mãos fechadas eram
extremamente fracos, mas os dele não. Lembravam o membro de um urso ou leão.
Não haveria como saber, pois a antiga meio elfa jamais havia sido atacada por
essas feras. Somente por ogros e mortos famintos, ainda mais perigosos.
Vários e tantos ataques que eram quase invisíveis e
imperceptíveis devido ao seu corpo.
-Preciso me livrar dessa coisa!
Talvez, atacar com sua besta não concederia muita vantagem
contra ele. Deixou aquela arma de lado, desembainhando Vampira de Almas, sua
lâmina perigosa. Já sabia que ela não afetaria o monstro tanto quanto um
humanóide. Porém, passaria pela resistência daquele corpo arcano. Sua fortitude
parecia menor.
Dessa vez, colocava sua espada como uma defesa. Qualquer
golpe que a sombra fizesse seria repelido pela antiga ladra. Era uma técnica de
proteção em combate. Eficaz para cortar alguns dedos pelo que lembrava. Pena
não poder fazer exatamente isso com seu recém encontrado inimigo silencioso e
negro.
A criatura não soltava nenhum som ou ruído mais forte.
Parecia que os seus golpes surgiam literalmente da escuridão. Cheios de
malícia, como se não fosse à perícia de batalha surgindo ali. Era como se as
sombras no corpo de Halphy tivessem se mesclado com o corpo na sua frente. E
assim, o adversário achava brechas no combate. Ou melhor, na defesa da inimiga
de sua mestra.
A atual e poderosa dona da Chama Gélida sentia-se
completamente acuado. A sombra sabia como golpear ela em seus pontos fracos.
Samara estava longe de ser derrotada, ao que tudo indicava. E ela não conseguia
se concentrar o bastante para um disparo de sua arma de longa distância. Eis
que uma idéia lhe surgiu. Dominar Samara.
Usou a Lei na Chama Gélida, para tentar controlar o corpo da
aparente jovem Samara. Seu artefato brilhou com um forte dom esmeralda. Parecia
que a manipuladora de sombras seria mais um brinquedo da assassina. Ela iria
quebrar em dois a mãe de Kalic Benton II se possível. Quando fez isso, o poder
inerente nela não obteve efeito algum. Esqueceu de um pequeno detalhe: mortos
sem descanso não tem mentes para serem afetados.
-Posso lhe contar um segredo? – disse Samara contente com a
boca cheia de dentes.
-Cale a boca! – gritou a furiosa Halphy.
Após o grito de ira proveniente da assassina, sua inimiga
saltou pelas sombras. Literalmente. Utilizando as trevas como extensão de seu
corpo. Na verdade, usava aquela falta de luz como um caminho. Um abridor que
controle a escuridão parece sumir e desaparecer. Na verdade ele trilha pela
penumbra, alcançando o seu desejo através do poder e não de sua velocidade.
O que importa é que em um momento estava longe. E no outro,
com uma das facas sombrias, ameaçava Halphy Brown. Um sorriso sádico estava
naquela face e um corte no pescoço surgiu.
A nova e suposta líder do Pacto de Guerra saltou quase
batendo na murada criada. Com isso, sua mente se sentia mais forçada. Que todos
os monstros de sua vida consumissem aquele obstáculo. Perderia Brigid e com
isso seus dons. Um selamento lhe tiraria todo o poder que tanto demorou a
obter. E ninguém poderia fazer isso agora. Foi longe demais para não ser assim.
Enfim tocou seu pescoço notando o sangue que escorria. Pouco
e brilhante.
Brilho. Luz. O contrário de uma sombra. Uma arma contra o
oponente. Um simples truque a salvaria dessa situação.
Ela abaixou seu braço de forma a preparar um encanto. Em
volta de seus dedos começava a criar uma aura brilhante. Nem um pouco poderosa
ou perigosa. De certa forma reconfortante. Ao menos para quem tinha um corpo
físico.
-Não sou tão boa feiticeira. Uso as sombras como uma capa.
Isso ocorria tanto na época de ladina como agora usando os dons de assassina.
Mas sei um truque arcano bem útil. De criar uma luz forte como o sol.
E ao falar isso, uma esfera brilhante brotou da palma de sua
mão. Agitando-se como as asas de uma fada. Criou uma defesa para enfim expulsar
a criatura formada de sombras. Não conseguiu quebrar a prisão em que estava,
mas ao menos diminuiu parte dos ataques de forma drástica.
De forma sarcástica, ao fim da magia ela encarou a morta sem
descanso. Parecia que a cor voltava ao seu corpo. Apontou Vampira de Almas de
um modo extremamente desafiador.
-Agora somo só eu e você. Diga-me como Kalic obteve esse
corpo.
Os olhos de Samara arregalavam cada vez mais. Realmente, a
desgraçada deveria ser descendente de Sinestro. Só isso explicaria essa vontade
de sobreviver que fazia criar planos tão rapidamente. Uma verdadeira contra-mágica.
Esse tipo de magia anula um determinado poder arcano. Não importa
se um dos dois abridores é mais perigoso o golpe certo elimina a energia. Nem o
nível da Arte que manipula faz diferença, desde que seja usado do modo e no
momento certo. Era uma defesa rara entre os magos mais ainda entre os
feiticeiros. O fato de Halphy ter feito aquilo é que possuiu um bom tutor.
-Grato Azerov – disse bem baixo antes de correr na direção de
Samara.
Isso Fe a maga se assustar. Porém, não a fez desistir por isso.
Ao contrário, vistp que quando o golpe de Vampira de Almas aproximou-se ela
sumiu em pleno ar e sombras.
Deveria estar nas sombras. Um detalhe superficial para quem
imaginou com tanto poder até agora.
-Nada adianta! Esconder-se diante de uma ladra é tão tolo
quando tentar cortar os chifres de um minotauro! Um vivo ao menos...
Era possível ouvir um silvo. Em seguida, Halphy notava de
onde esse som surgia o que lhe fez saltar. Uma flecha atingiu onde estava. Era
de origem arcana, pois se desfez ali.
-Então qual o motivo de ainda não me encontrar? – falou
rapidamente enquanto surgia e desaparecia na escuridão. O mesmo truque que usou
no monstro sombrio, não teria efeito contra Samara.
A maldita estava certa. Não valeria nada lutar se não a
encontrasse. E de alguma forma, as deter. Pois como já estava morta, não
perderia nenhum pouco de sua energia física.
Começou a ouvir através de uma forma mágica, sua intensa e
enfadonha fala.
-Ora essa. Bem. Já que quer saber tanto sobre esse novo
corpo, irei lhe contar. Lucian, a quem conhece como Kalic benton, tem um senso
tão distorcido quando o meu de justiça. Digo isso, pois como imagina, Lacktum
perdeu toda sua família. Pai, mãe, noiva e todos os servos de Van Sirian.
Talvez... Só talvez, não saiba que exista uma pessoa nem tão citada. Seu nome é
Sophia. Com o título de Van Kristen. Não imagina quem seria.
Halphy, que a tudo escutava se sentia extremamente confusa.
-Dwalin queria um varão, que eu lhe concedi. Só que quando o
bastardo Lacktum nasceu eu fui dispensada. Como um pacote podre de baratas. E
ele então tinha dois filhos e uma filha. Pois, antes de Lucian e Lacktum havia
a jovem Sophia. O primeiro filho dele, não foi um homem e por isso se propôs a
deixar sua infernal mulher.
Quando ouviu essa última revelação, a marduk ouviu um novo
silvo. Outro salto com outra flecha.
Novamente com origem arcana. Isso ficava mais claro, graças ao efeito
que projétil. O Lugar que tinha atingido parecia afetado por um ácido ou
líquido corrosivo.
-Acha que isso me desestabilizaria Samara? Eu traí os
supostos Dragões da Justiça. Entreguei-os nas mãos de Kalic Benton. Roubei a
Fim-dos-Dragões e mostrei ser digna de Sinestro. E no final, obtive a Chama
Gélida. Item criado a partir do líder desse Pacto de Guerra. Você não tem poder
nenhum aqui!
E ao terminar, ela abriu a boca de forma grotesca. Seus olhos
ficaram mais dourados que o próprio sol. Assim, mostrava seus traços
reptilianos com tanta força, que nem a ilusão funcionava mais. Usou o sopro de
um dragão de esmeraldas. De ar, ou melhor, puro som.
Aos fazer uso dessa arma, puramente draconiana, um jato desse
elemento surgiu. Se for possível ver essa forma no golpe. Só era notável mesmo,
o efeito devastador daquilo.
Só que começou a girar ao redor com sua cabeça. Esse ato
conseguiu afetar uma área muito maior. Enorme. O melhor é que seu plano
funcionou. Samara foi atingida na penumbra. Ela não utilizava sombras só como
meio de locomoção, mas como proteção.
Ao afetar fisicamente Samara, Halphy a fez quebrar sua
concentração. Assim, sua magia partiu-se. Trazendo a tona aquela manipuladora.
A assassina literalmente voou para cima da bruxa das trevas.
Quando próximo do corpo de sua inimiga levantou o joelho. Para que com isso
atingisse a boca do estômago. E foi feito.
E ainda que não sentisse dor alguma, a expressão de espanto
substituía isso perfeitamente naquela arcana.
Em pleno ar, girou seu corpo. Assim era possível chutar de
forma devastadora na altura do rosto de Samara. Lançando aquela morta sem
descanso contra o trono de uma árvore. Já que até a murada se dissipou.
Quando iria levantar seu rosto, Samara sentia o frio e
maldito aço da Vampira de Almas. A espada atravessou seu corpo de tal forma,
que atingiu a árvore. Parecia até um prego. Começou a se debater diante de
Halphy igual a um animal em agonia. Não com a dor, mas com a maior das
frustrações.
-Achou mesmo que usar o corpo da irmã mais velha de Lacktum
me impediria? Zacharias me intitulou de Traidora de Dragões. E isso esta certo.
E voltar atrás nesse ato seria fraqueza. Algo que não posso me dar ao luxo em
nenhum instante.
Samara rangeu seus dentes mais uma vez, tamanha sua raiva.
Agora Halphy não segurava aquela espada. Só se deliciava
vendo a miserável que quase frustrou seus planos fazendo o possível para
livrar-se da lâmina. Começou a questionar o ataque com uma fala venenosa.
-Bem... Por acaso você veio até mim, pois, assim como seu
filho, eu posso alcançar o Portal da Verdade?
O espanto uniu-se a uma expressão de extremo ódio. Aquela
pergunta atingiu na ferida, de modo único. Sua resposta era um óbvio sim.
-Muito bem. Só mais uma coisa – e falava isso, se
aproximando. Pegou no cabo de sua arma, pressionando-a contra aquela árvore –
por acaso conhece a expressão, meu coração é seu coração?
-Mas que motivo...?
Halphy levantou um pouco a lâmina. Causando mais dano para
aquele corpo.
-Só responda. E lhe serei piedosa.
Não havia opções.
-É uma frase usada por druidas. Quando alguém desse grupo,
com descendência élfica se casa faz um rito sagrado. Usando o sangue de ambos em
um prato de bronze, eles proferem meu coração é seu coração.
Agora havia entendido a estranha frase soltada por Furion.
Era um modo de lembrar seu amor com os votos. E assim salva-la. Bem nobre até,
por sinal.
Ao termino daquela frase arrancou Vampira da bruxa e árvore por
conseqüência. Pena Smara não ter notado que no outra mão havia uma faca. E com
uma volta da jovem fazendo seu cabelo esvoaçar aquela arma passou aquela arma
passou pela garganta da mãe de Lucian. E isso fez sua cabeça cair.
Enfim, se livrou daquela criatura. Tinha até certa pena
daquela mulher. Traída e transportada para um corpo que nem era o seu. Uma
pobre e miserável cobra, como tantas outras a serviço de Sinestro, abandonada
na estrada da vida. Isso era plausível se fossemos pensar que ninguém iria
saber sua atual localização, a não ser o dragão e Zacharias – o onipotente.
Só que aquilo não importava. Precisava voltar à caça de
Brigid. O que faria então. Seguir rastros não era como ela. Teria que criar um
plano.