sexta-feira, 17 de julho de 2015

(Parte 38) "Meu coração é seu coração"


Haviam chegado a um morro pequeno, com vegetação baixa. Apesar de possuir uma estrada, eles atravessaram uma área onde ela ainda estava viva e verdejante. Na verdade, eles usaram pedras grandes e enormes como um posto de observação. Isso servia aos humanos, mais do que para Halphy e Zacharias.
Na sua frente, havia uma fortificação de madeira protegendo uma vila. Essa região parecia ser vigiada por elfos e homens. Uma murada feita com enormes estacas de madeira pontudas e perigosas como defesas. O lugar ainda usava muitos materiais naturais em sua estrutura. Também se utilizavam de aparelhos com corda para manter todo aquele lugar funcionando de maneira perfeita. Diminuindo qualquer esforço físico na construção que ainda estava continuando. Ao que parecia eram melhorias na proteção ou aumento da murada. Halphy notava que conseguia compreender como funcionavam aqueles mecanismos todos.
Mesmo os homens ali portavam arcos longos, muito bem trabalhados e com cotas de malha. E esse primeiro item era usado também pelos elfos, além de corseletes de couro batido. Todos portavam espadas longas de origem sidhe na cintura. Isso era notável por suas bainhas com imagens de fadas e faunos. Havia também escrito nelas Brigid Loghan no idioma élfico e humano, dependendo do portador.
O engraçado mesmo ficava nas pequenas casas e suas estruturas. Simples e humildes todas traziam algo de familiar para Halphy. Então usando sua visão ampliada pelos dons draconianos, notou flores e plantas por todas as casas. Assim lembrando Avalon.
Era isso. O lugar possuía elfos, com certeza deveriam ser descendentes da Ilha das Brumas.
A líder do grupo começou a imaginar como tudo aquilo se entrelaçava. O mausoléu tinha toques de Arcádia. Aquela vila parecia uma versão mais humilde de Avalon. Além de notar um padrão, ela também ficou espantada por existirem tantos lugares com origem élfica naquele reino em que se encontravam. Fazia até sentido, pelo que sabia da região. E explicava o motivo de existir atrás de todas aquelas casas uma vasta floresta em pleno inverno.
Os poderes ali são no máximo de origem de algum druida. Nenhum clérigo conseguiria tamanho poder, para fazer florescer aquele lugar. Na verdade, nem os ventos da neve surtiam efeitos poderosos ali. Como se houvesse uma pequena, mas importante barreira contra o frio.
Estavam todos empoleirados nas pedras. Vigiavam com cuidado cada movimento daquela guarda. As sentinelas eram bem preparadas e suas aljavas recheadas traziam grande apreensão a Jean. Só que dessa vez, não era o único assim.
Nikolai ficava tentando flertar com Raquel. Enquanto isso, Zacharias tramava um plano para Halphy. Independente do que fosse, era obvio que não seria fácil mesmo com seus talentos.
-Agora explique o motivo de estarmos aqui – inquiriu Halphy cruzando os braços.
-Na verdade, deve saber onde estamos. Essa é uma vila que tem como líderes dois elfos: Brigid Loghan e Furion.
-O nome dela estava incrustado nas bainhas das sentinelas.
-Exatamente. Aquelas bainhas devem ser itens mágicos.
-Interessante. Prossiga. Os nomes dos líderes eram...
-Brigid e Furion. São casados e poderosos na Arte da natureza. Unem seus dons de forma única. Até parece que o matrimônio os havia deixado poderosos. Enfim... A eles foi entregue um poderoso ritual forte e perigoso. Algo que poderia frustrar os planos de você e Sinestro.
-Pensei que nossos planos fossem para aumentar os dons da Chama Gélida?
-Digamos que isso sirva para manter o dom – parecia até que havia se enganado, algo estranho para ele – Os dois druidas possuem um meio de selar um artefato.
-Selar? Significa que podem impedir-me de usar esse item?
-Sim.
Ela ficou pensativa.
-Como então não fizeram isso antes?
-O item precisa estar sendo usado para isso.
-Ei! Eles sabem que estou com a Chama Gélida?
-Sim. Com certeza há um sigilo no artefato. Ou alguma sentinela sobreviveu ao Mausoléu do Silêncio. Não sei.
Isso deixava a assassina com medo. Como havia dúvida na mente daquele homem? Com poder de deus ctoniano? Isso era estranho, vindo dele. Talvez fosse a parcela do espírito do verdadeiro Zacharias. Acreditava que seres com poderes das divindades nunca ficava em dúvida. Pensaria nisso com mais calma depois.
O que importava era que ele falhou. Existia algo que poderia ser usado como ponto fraco. Já que era assim, depois que terminasse a missão na vila, tentaria extrair do clérigo qualquer informação. Assim, estaria pronta para o que estivesse por vir.
-E como quer que eu impeça isso? – perguntou à assassina.
-Teremos que usar um dos seus antigos dons de invasão. Como uma ladra.
Todos olharam com estranhamento para o clérigo. O que esse homem bizarro queria?
-Diga-me o que devo fazer.
-Há um templo no meio da vila. Consegue ver?
Os olhos dela concentraram-se naquele ponto indicado pela mão do sacerdote. Um templo que parecia misturar tanto os aspectos cristãos e célticos. Para não disser élficos. Era um lugar divino com certeza.
-É lá onde estão os druidas?
-Sim. É de lá que lideram essa vila. Para alcançar aquele ponto passará por cinco casas.
-Além da murada de madeira. Não se esqueça disso. É o primeiro obstáculo, ou esqueceu? – lembrou Jean de modo a precaver.
-Claro. Mas ela é superior a isso.
-E onde nos encaixamos nisso? – falou o alquimista, seguido de um olhar firme de Raquel – Ou acham que vamos ficar de fora dessa festinha?
-Você será bem mais que uma distração. Saiba disso.
-Como assim?
Nesse instante, o sacerdote soltou um sorriso cruel. Seu plano teria algum teor maligno.

Saiu da companhia dos quatros de modo furtivo. Havia se esquecido como era fazer aquilo.
Como teria que subir um morro usava suas únicas coberturas: algumas pedras espalhadas pelo território. Não eram muito grandes, mas para seu baixo tamanho, serviam perfeitamente como coberturas. Seria um problema caso outros estivessem com ela. Porém, graças ao seu andar leve – originário dos elfos – e sua visão aguçada – proveniente de um dragão – chegou rapidamente a murada.
As toras eram todas afiadas, com a clara finalidade de impedir um avanço inimigo. Só que com sua acrobacia estava em um ponto cego daquela estrutura. O problema agora era como subir aquela murada. Esfregou as mãos preparando duas magias.
A primeira tornava-a invisível aos olhos sem energia arcana. Já a segunda tornava seus pés e mãos preparados para escalar qualquer parede ou teto. Como patas de aranhas.
E mesmo falando em tom baixo, suas magias de feiticeira mantinham seu efeito. Acontecia assim, pois a magia sempre funcionaria não importasse o tom de voz do conjurador. Importaria se o mesmo fez cada um dos requisitos do encanto de forma correta. E apesar de não ser uma magnífica feiticeira mantinha sua memória afiada como suas lâminas.
Começou a tocar aquela madeira, de modo que alcançasse o topo. Subiu a estrutura, sem apoio ou escada. Sua magia fazia com que ela grudasse na parede, assim chegando até o seu objetivo.
Saltou de uma vez no lugar onde ficavam os guardas. Só deve noção disso quando notou que dois deles olhavam o espaço onde ela estava. Obviamente, não o enxergaram. O som havia os deixados precavidos, no entanto.
Sorte Halphy tinha de sobra. Caiu próxima de uma grande quantidade de caixas. A primeira vista deveria conter alimentos para os homens e elfos na muralha. Pensou em uma estratégia: pegou uma maçã e arremessou em uma direção contraria a dela. Rápida o suficiente, a fruta seria útil para fingir um animal como rato. Ou qualquer outro ser diminuto.
Só faltava ver se aquilo os enganaria. E foi o que houve na mente deles.
-Mais um rato – disse o primeiro homem.
-Outro? – perguntou o segundo – Esse monte de caixas atrai essas coisas.
-Verdade. Devíamos nos livrar disso agora.
Isso fez o coração de Halphy gelar. Cheio de medo, pois eles poderiam notar que algo estava errado. Ela tornou-se invisível, não intangível. Seus dons poderiam não ser suficientes contra uma guarda élfica.
-Isso não é nosso serviço. Depois mandamos alguém levar essas coisas.
Halphy quase assopiou aliviada. Não o fez por medo que escutassem. Sua lâmina estava pronta, só que o perigo era demais para ela. A quantidade de sentinelas que havia visto ali era algo que nunca poderia lidar.
Ignorou aquilo e continuou seu caminho.
Devidamente preparada, ela contorceu-se enquanto passava para o outro lado da construção. Queria continuar com plena percepção de tudo ao seu redor. Com seu giro corpóreo ficou pendurada contra a murada, porém, dentro da cidade praticamente. Uma parte de seus planos conseguiu obter.
Negava-se a usar seu par de asas. Aquelas coisas chamariam atenção demais, já que quando usasse outras magias se dissipariam.
Observou que conseguiria subir na primeira com facilidade. Saltou sem nenhuma dificuldade em cima dela evitando qualquer som ou problema logo em seguida caminhou com leveza. Passos de uma gatuna. Normalmente eram preparados para nunca quebrar o silêncio. Não fazia isso há muito tempo. Ainda sabia assim mesmo.
Andou por cima da casa rapidamente, com cautela, obviamente. Atravessou aquele teto e preparou-se para um novo salto. Dessa vez, a construção era grande. Impossível passar por cima dela. Então teria que atravessá-la por dentro.
Viu uma janela e saltou de uma só vez, rolando até um quarto vazio. Era o que notou de imediato. A casa deveria ter alguém naquele momento.
O quarto em que estava deveria ser uma espécie de deposito. Notava isso graças a migalhas de grãos e frutas. Conseguiu notar que o lugar era fértil, já que os alimentos eram bem diferentes. Nunca viu aquelas cores antes.
Ao levantar-se, chegou à porta do quarto com poucos passos. Viu um corredor que dava em uma escada pelo canto das dobradiças. Além lógico de três quartos. Conseguia ouvir sons na parte baixa daquela construção. Parecia ser a conversa entre alguns familiares naquele lugar.
Verificou cada uma das portas. Queria entrar naqueles aposentos, já que poderiam ter janelas com acesso para outra casa. E nem pensar em abrir as portas com suas habilidades, visto que demoraria muito. Tempo era algo que não possuía naquele momento.
Uma coisa que já havia aprendido da pior forma, era tudo é obtido sempre na última porta. E não seria diferente com aquela casa. Todas trancadas, com exceção de uma.
Abriu rapidamente aquela porta notou a janela aberta e sons surgindo da escadaria. Parecia que estavam subindo. Tinham que deixar de lado aquilo e entrar de uma vez no quarto. Com a janela aberta e sem ninguém atravessou de uma vez. Parecia ser de uma menina, pois eram notáveis algumas bonecas e brinquedos espalhados por todo o lugar. De um só golpe saltou por aquela pequena abertura.
Com o salto caiu em cima da casa. Ajoelhada. Ela havia rolado para diminuir seu impacto, algumas telhas caíram quando isso ocorreu. Ficou quieta para passar despercebida. Queria evitar qualquer atenção desnecessária, mas sua pressa a deixava descuidada. Segurou o fôlego, enquanto notava que alguns olhos concentravam-se em sua direção.
Mentalmente ouvia sua própria voz cheia de raiva, lembrando a ela como era cheia de vontades. Só que estabanada. Sempre querendo obter as coisas, sem se preocupar com seus custos. Sua vida não seria um preço que ela estaria disposta a pagar. Apesar de o perigo lhe chamar a atenção.
Só que não foi o que houve, já que nem os elfos haviam reparado naquilo. Tinha muita sorte, igual a um demônio alguém diria. Após notar que aqueles que estranharam a queda das telhas dispersaram-se a jovem ladina inexperiente levantou-se. Viu que deveria cruzar o telhado com certo cuidado, pois não deveria chamar mais atenção do que já havia feito. A velocidade deixou lugar para sua calma e cautela.
Chegou à outra ponta da casa. Examinou com cuidado. Era possível chegar até mais um telhado, um salto preciso e sem barulho. Concentrou-se bem mais que o habitual. Se alguém pudesse a ver fazendo aquele movimento no ar, talvez a confundisse com uma águia.
Finalmente. Faltava pouco para alcançar a praça diante do templo só mais um salto. O problema era distância. Além disso, parecia um pouco mais alto. Tentaria mesmo podendo falhar.
Concentrou-se e pulou. Alcançou a casa, mas não como queria. Só da cintura para cima estava no telhado. Suas pernas debatiam-se com medo de uma queda. O peso de seus equipamentos poderia estar a atrapalhando.
Reparou que, dessa vez, não havia causado nenhum barulho estrondoso. Em compensação, nunca poderia subir no telhado. Estava em duvida. Sem pensar mais soltou os braços que a sustentavam naquele lugar e girou seu corpo em pleno ar. Ao fazer essa acrobacia, ela alcançou o chão de uma só vez.
A fortuna dela estava em que seus itens carregados não pesarem demais, ou suas pernas poderiam ter quebrado. Sua fortuna poderia ser perdida se alguém notasse que algo invisível caiu naquele beco. A deusa da sorte deve ter sorrido com toda a sua força na direção de Halphy, visto que não havia ninguém nas ruas ao seu lado. A sua respiração mostrava o quão cansado se sentia. Só que isso não a impediria. Era óbvio. Seu sangue estava ávido poder e só alcançaria paz, ao obter toda a extensão de Chama Gélida. Nem que para isso precisasse matar Brigid e Furion.

A invisibilidade iria continuar enquanto não agisse de modo drástico. O que incluía uso das asas ou ataque de qualquer gênero. Parece que magia tem parâmetros bem estranhos, muitas vezes.
Havia chegado à praça. Onde poucos homens e mulheres encontravam-se. A maioria crianças, até mesmo élficas. Ela nunca viu isso em nenhum outro lugar. Nem em Avalon. Cada grupo de meninos e meninas tinha entre si, um representante das duas raças.
Mais uma vez, depois de um logo tempo, sua mente vagava em lembranças. Queria ter crescido assim, em uma aldeia como essa. Onde os males de um tratamento cruel nunca tivessem tratado ela e todos de sua raça como párias, talvez nunca chegasse a esse ponto. O problema não era ser tratada como uma poderosa sidhe ou mundana humana. Estava em ser tratada bem, de uma forma digna. Poderia ter começado sua aventura roubando e enganando, mas importava-se com a vida. Assim era, tanto que salvou Van Kristen em seu primeiro o confronto com mortos famintos.
Que diabos esta pensando Halphy, quis falar a assassina.
Era mais uma vez em que teria ignorado seus próprios pensamentos. Necessário por enquanto. Seu coração queria falar coisas que traiam sua mente.
Chegou até a porta do templo, enfim notando como ele era por dentro. Lá notou bancos de madeira simples, com poucos enfeites. O templo era bonito mesmo sem iluminação. Parecia uma mistura entre os cristãos e os povos antigos. Havia alguns homens próximos ao altar principal. Pareciam todos ali sacerdotes. Alguns humanos e elfos, que discutiam com o líder do lugar. Deveria se Furion.
Sem camisa, era possível ver sua pele alva. Além de possuir cabelos loiros esvoaçantes. Forte como um homem que trabalha toda sua vida em serviços altamente pesados. Seu cinto possuía um pequeno saco que deveria ter consigo itens do mundo natural. Usava um saiote verde, com bordados dourados. E nada mais. Parecia bem confiante, ao que tudo indicava.
-Mestre, o que faremos? – perguntou um deles que era humano.
-Nada. Por enquanto, só eu e Brigid precisaremos fazer os procedimentos. Quando for o momento pedirei seu auxílio, meus companheiros.
-Ao seu comando mestre.
Deveriam ser todos discípulos de Furion, já que o tratavam como mestre. Eram bem mais velhos que Richard e Seton. Era óbvio que os antigos companheiros haviam aprendido muito cedo sobre os segredos da natureza e rapidamente. Isso era claro, pois sabia que para preparem-se ficavam vinte anos sendo ensinados. Dedicados, isso tinha que admitir. Seria um problema se enfrentasse a todos
Tinha que tomar cuidado ao andar naquele corredor. Nele havia folhas e galhos como se dentro daquele lugar fosse primavera pura. Um passo em falso, e uma cimitarra, proveniente de Furion poderia ser usada contra ela.
Chegaram a um grande salão, já que acompanhava o elfo. Existia um símbolo de selamento assim como Zacharias falou. Pela primeira vez, acreditar naquele miserável valeu à pena. Que isso não se tornasse rotineiro. Havia um crânio no meio do lugar, mas não um comum. Era de dragão. Um pentáculo no lugar carregava a energia para algum uso de abjuração poderosa.
Grandes ritos envolviam preparações por dias, meses e anos. Queriam prender a Chama Gélida de todos os modos possíveis. Para isso fizeram um ritual, que só para obter os componentes demoraria muito tempo e nunca seriam obtidos com relativa facilidade. Vindos de diversos lugares do mundo havia plantas. Seu ofício como assassina a ensinou sobre ervas. Seja para seu trabalho, cura ou uso místico.
Aquelas impediam o usuário de uma magia a lançar ela. Ou algo parecido. No caso deveria referir-se a segunda opção, já que imaginava que aquilo se referia ao seu artefato. Visto que era mau agouro destruir um item de tamanha importância. Não era como um mero item mágico. Existem lendas, que contam sobre divindades interferindo depois da Era Mitológica, pessoalmente por um elmo sendo partido ao meio, ou uma espada sendo despedaçada. E entre eles havia muitas outras armas, passando por partes de copos – como olhos ou mãos – cheios do poder de heróis e vilões.
O selamento da Chama Gélida estava para começar.
Quando se aproximava do druida que seguiu até então, ouviu um som proveniente de um canto da sala. Lembrava muito um som que era conhecido dela, mas que não escutava faz muito tempo. De uma fera da natureza. Grande, maior que um homem alto. Na verdade, o dobro disso. Extremamente territoriais estes animais eram perigoso mesmo quando solitários. Era clara a força de um deles em combate, mesmo usando arco e flechas. Um enorme urso havia notado a presença da intrusa no lugar sagrado.

Quis correr, mas ao fazer isso poderia alerta ao druida que estava ali. Agachada e ainda fora da visão de qualquer mortal, ela andava com muita calma. Não causou nem um som, mesmo cruzando a trilha de folhas de antes.
-O que foi Amora? Sua dona chegou? – perguntou Furion ao urso.
Amora? Nome com aparência feminina. Aquilo era uma fêmea? E quem em sã consciência chamaria um urso com tal nome? Foi então que ela notou que no túnel atrás de si, surgiu uma figura feminina.
Loira, cabelos presos de uma forma quase divina. Vestimentas que combinavam peles de lobos gordos. Era nítido. Na cintura um sabre refinado, fazendo companhia com um pequeno saco com seus componentes mágicos. O saiote lembrava uma pequena fada. Completando a vestimenta, ela possuía uma capa e capuz com tons escuros.
-Brigid! – o grito de felicidade do druida demonstrava quem era a jovem. Era o momento chave para Halphy.
A mulher anda na direção de seu amado. Com isso, ela pausa e nota a inquietação do animal. Ela para e grita ao elfo:
-Qual o motivo de minha Amora estar inquieta?
-Acho que foi pela sua chegada!
-Furion, Amora nunca agiria assim nessas condições! Deve ter percebido algo...
-Como assim? – questionou ele.
Halphy ainda escondida começava a temer aquele rumo da conversa.
-Eu usei uma magia de adivinhação e vi que algo horrível esta para acontecer. E isso deve ter haver com o nosso selamento. Com certeza minha quase prima Halphy deve estar por perto.
Olhos arregalados seriam vistos, se assassina fosse visível naquele momento. Sua respiração parou. Quase prima? Como assim? Sua mãe era filha única. Até onde sabia ao menos. Que diabo era isso? Talvez um truque. Um encanto maldito ou um blefe. Nada demais. Só que isso foi o bastante para uma distração da antiga meio elfa. Havia quebrado com a ponta do pé.
Aquilo ecoou como os sinos da maior igreja que já surgiu. Também, com a estrutura daquele túnel, jamais teria como não escutar um som daqueles. Estabanada, tola e patética pensou a garota invisível. Só que ainda estava bem. Sim, lógico. Continuava com as magias sobre si.
Sua certeza e presunção tornaram-se desgraça e desespero agora. Ao notar que Furion estava usando um dom dos druidas. Utilizava a forma animal.
Os druidas, verdadeiros sacerdotes da natureza, criaram habilidades únicas. Como defensores de toda a vida animal e qualquer floresta ou região selvagem, eles ganharam magias. E aqueles com experiência, conseguiam atravessar pântanos, matas altas ou outros obstáculos, como um ladino que foge dentro de uma multidão. Isso tudo de forma mais natural possível. Assim como os sentidos de animais. Aqueles dons eram a preparação para algo maior. Já que com plenos conhecimentos sobre a Arte do Mundo Verde, eles conseguiam se transformar. Desde um corvo, que era quase um símbolo da deusa Morrigan, a um urso forte, símbolo de força e tradição dos povos antigos.
O rosto de Furion tornou-se igual a uma fera. Na verdade, um urso.
-Brigid – falou ao cheirar o ar, e em seguida mudar o tom aquele druida – fuja! Existe mesmo alguém aqui! Escondido nas sombras!
Quando falou isso, a assassina sacou como um relâmpago Vampira de Almas. Quebrou o encantamento, mas pensou que seria bem sucedida com a lâmina. Algo que não contava era que o sabre flutuaria da cintura de Brigid.
-Ah! Mas que filha de uma mulher da vida! De onde surgiu isso?
-De onde surgiu você? – gritou uma espantada elfa. Isso a fez ficar em posição defensiva.
Ao notar isso, Furion começou a usar o dom que muitos chamavam de trocar pele. Rápido como uma praga, seu corpo cresceu na mesma proporção de Amora – talvez até mais – e surgiam pelos. As mãos eram patas agora, assim como os pés. Seu rosto concedeu lugar a uma bocarra perigosa. Seria uma transformação completa em urso. O problema era que ele mantinha-se de pé como um homem e gritou:
-Brigid! Saia daqui!
-Furion, eu não posso... – antes que terminasse seu amado gritou mais uma vez.
-Meu coração é seu coração.
Com as palavras de Furion proferidos ela resignou-se a atendê-las. Prova disso é que foi a vez dela se transformar em uma águia.
Se ele pediu que fugisse aquela druida deveria conter a chave para o selamento. Era ela que deveria perecer inicialmente. Até tentou acertá-la enquanto tomava a forma da grande ave, mas sua lâmina errou. Parecia que Loghan era envolvida com uma sorte tão grande quanto Brown. O que faria sentido, caso fossem mesmo parentes.
O espaço era curto, e as asas de uma marduk eram bem maiores que de um pássaro. Voar estava fora de cogitação para a Brown. Pior que isso era notar a águia Brigid fugindo para longe enquanto o urso Furion caminhava ferozmente.
Dentese serrilhados que a lembravam de um conjunto de adagas bem afiadas se aproximavam. Seu temor tornou-se imenso, pois o druida que estava como fera havia ficado em quatro patas. A velocidade dessas criaturas poderia não ser uma das maiores, seu tamanho, porém, lhe era suficiente para alcançar a antiga ladina. Umas bocadas de diferença alguns diriam.
Maldito seja, era melhor fugir. Ainda por cima que estaria acompanhada da ursa Amora. Parecia bem feroz, mesmo com o nome encantador.

Como sair daquela situação? Um druida furioso e uma ursa perigosa queriam fazer de Halphy seu almoço. O que ela teria que fazer para sobreviver? Bem, algo simples, calmo e sem nenhuma maneira de criar alarde. Mexeu a mão de modo a preparar uma magia.
-Vamos fazer um pouco de barulho. ???
 Nesse ato de poder, Halphy soterrou o druida. Já sabia ao que tudo indicava que aquele desgraçado estava vivo. Ela fez isso, pois não era momento para combate. Ou não conseguiria vencer agora. Ou outro motivo que até ela desconhecia.
Caminhou um pouco até onde era o templo principal. Notou que a águia passava até um buraco no teto para a passagem de um animal voador. Era uma caça agora.
Correu e pegou impulso. Fazia isso para abrir as asas. Era óbvio que não conseguiria entrar pela mesma passagem. O vôo seria pela entrada principal do templo. Já tinha sido vista e era uma questão de tempo paras os guardas chegarem ali. Seriam avisados dos truques dela. Mesmo que usasse mais um, teria uma dificuldade superior.
Ao fazer isso ouviu um deslizamento das pedras no túnel atrás do altar. Era Furion com certeza. E não olharia para trás.
Abriu como um vendaval a porta. Não era tão pesada quanto imaginava. Algumas pessoas a olhavam espantadas. Sem tempo nem para alguma piada ou brincadeira. Só olhou para o céu, encontrando a águia. A presa estava indo para leste. Maravilha! Uma druida estava indo na direção de uma floresta. Perfeito! Era como se Halphy visse os fios da armadilha enrolando em seu corpo. Só que não havia outra opção naquele momento. Caçadora viraria presa agora.
Finalmente, abriu as asas. Saltou no ar com força, e ao fazer tinha dificuldade. Queria superar a altura do templo. E não alcançou velocidade o bastante para tal impulso. Sua força de vôo era pequena.
Ouviu o som animal de um urso que sabia ser Furion. Foi quando forçou ainda mais as partes de seu corpo usadas para vôo. Era medo, ela sabia. Que o druida lhe fizesse mal.
Não sabia quais habilidades o esposo de Brigid tinha. O que esperar?
Havia alcançado altura segura, longe de flechas. A assassina torcia para que o sacerdote da natureza não assumisse uma forma animal voadora. Tinha sorte, pois não enxergou nada no ar a seguindo. Respirou aliviada. Em seguida mergulhou na direção em que estava seu grupo. Zacharias e Nikolai a esperavam.
-Esperavam-me? – questionou a assassina alada.
-Na verdade não. Halphy parta na direção em que Brigid foi. Ela continua sendo perigosa. – falou o sinistro clérigo.
-Se você diz isso, é por que realmente deve haver um grande perigo.
-Não faça brincadeira donzela Brown. Ele parece bem impaciente desde que se foi – revelou Nikolai.
-Saudades? – olhou a jovem brincando mais uma vez.
O sacerdote ignorou a moça.
-Sabe que deve deter ela? O selamento ainda pode ser útil aos inimigos. O druida é perigoso e sua mulher fugiu por algum motivo. Não abaixe a guarda.
-Esta bem! O que pretende fazer?
-Enfrentar seus perseguidores. Logo virão aqui. Então voe moça!
Estava muito contente o sacerdote. Aquilo deixava a líder do grupo com certo receio. O clérigo planejava algo. Exatamente o que seria era impossível definiri. Contudo, sua face demonstrava uma tara pela crueldade sem motivo. Uma calamidade estava para ocorrer.
Jean aproximou-se da jovem dizendo.
-Bem, eu e Raquel tentaremos lhe alcançar a pé. Não se preocupe. Sou bom em rastrear. Não lhe perderei tão cedo.
Ao falar isso, o grupo dividiu-se em três partes: diante da murada ficaram o alquimista e o clérigo sem deus; correndo pela floresta estariam o rastreador e a mestra do saber; a assassina voava na caça de Loghan.
Pouco se sabe sobre a vila depois de tudo aquilo que foi feito. Halphy havia visto nuvens escarlates horríveis naquela direção, com um ar de perdição. Ninguém nunca mais ouviria falar daquele local. Antes de alcançar a floresta Brown viu surgir um paredão impedindo qualquer um da cidade de fugir. Nikolai nunca revelou nada sobre o dia que virou noite.
Cada um fazia o seu caminho, foi o que a consolou.

A mulher alada disparava como uma ventania veloz. Ainda conseguia enxergar algo no céu. Sabia se tratar de Brigid, único ser alado naquela condição além dela superando aquele espaço. Só poderia ser ela.
Suas asas tornaram-se seus membros mais importantes. Eram maravilhosas aquelas preciosidades, como as chamava, pois pareciam ter nascido nela. Um membro de seu corpo. Seria tão bom ter aquilo desde que era pequena, lembrando de um filhote de ave. Ou nesse caso, imaginou um de dragão.
Quando chegava próximo da águia, a assassina sentiu algo novo. Abaixo dela, um movimento ocorria. Era muito veloz e passava pelos galhos, o que fez pensar em Jean. Ainda assim, algo estava errado. O rastreador não conseguiria acompanhar a garota na atual velocidade.
Eis que algo acertou a asa reptiliana de Halphy. E não atravessou, mas se prendeu aquela parte do corpo. Como uma sanguessuga. Seu vôo interrompido a fez cair lembrando uma fruta madura. Só torcia para que não terminasse espatifada como uma.
Caindo rapidamente, ela tentava evitar a dor e a morte na sua queda. Por sorte, ou não, havia uma floresta abaixo de si. Os galhos conseguiam diminuir o impacto. Cada som que fazia ao cruzar as árvores era uma contusão a mais em sua pele. Mesmo sendo dura e rígida, era possível sentir aqueles golpes. Ao cair, um grande som foi escutado ecoando pelo local e levantou um grande manto de folhas no ar.
Levantou-se com uma velocidade tremenda. Agradeceu a Sinestro por possuir escamas ao invés de pele. Se fosse como antes teria perdido um membro talvez. Agora estava intacta, com uma ou duas escoriações.
Era ma parte densa e escura da floresta. Até mesmo sua visão tinha dificuldade te encontrar um caminho ao redor. Um estalo em sua mente surgiu. Aquilo não era devido às trevas, mas algo que havia. Ainda que o céu estivesse completamente fechado, não teria como seus olhos deixarem ela em maus lençóis. Deveria ser magia. Nenhuma árvore existia ali naquela área.
Com seu pouco conhecimento, finalmente entendeu o que a estava seguindo. Não se tratava do vulto de um homem, mas uma sombra. Estava viva.
De sua frente, saindo do espaço sem luz, uma forma surgiu dele.
Cabelos que pareciam castanhos escuros cobriam seu rosto. Uma pele clara que a fazia lembrar um morto faminto. E um vestido que era generoso com seu corpo branco. A roupa era longa, só que não atrapalhava seus movimentos.
Ela mexeu em seus cabelos e fez com que a assassina se sentisse confusa. O rosto trazia similaridade com alguém, enquanto a vestimenta parecia vir de outro lugar. Dois contrastes.
Ajeitando suas roupas Halphy a encarou com fúria. E sarcasmo.
-Devo agradecer a você por perder meu alvo? – disse a assassina batendo na poeira de sua roupa.
-Sim. Chamo-me Samara. Creio ter notado o que sou.
-Uma manipuladora de sombras. E esse nome parece ser conhecido... De algum lugar.
-Se meu filho lhe contou, não tenho problema te falar – um sorriso sombrio a alcançou – Sou a mãe de Kalic Benton II, ou Lucian. Esse segundo eu prefiro mais.
Sua mente encontrou confusão. Viu a mão do mago mascarado no passado. A aparência destoava da visão. Um pensamento lhe assombrou como nunca antes. Recordou-se do que o filho dela falou para o pai de criação. Iria arrumar um modo de ressuscitar a mãe. Foi possível depositar almas em armaduras. Conseguir o mesmo com um corpo seria mais fácil. O que não respondia a questão sobre seu receptáculo.

O confronto era iminente, ao que tudo indicava. Por algum motivo, aquela mulher lhe queria morta. Mas qual seria não fazia idéia. Apesar de que tentar descobrir razão nas ações daqueles que se envolvem com um Van Kristen, era tolice.
Antes de voar essa vontade sumiu subitamente. Isso por olhar para uma das asas. Uma delas parecia estar coberta por trevas. Literalmente uma massa de energia sombria. Era uma das habilidades de um manipulador. Teria que eliminar a conjuradora daquele poder.
Nem em seus pensamentos mais azarados imaginou isso. Perder as asas seria um problema. Um que deveria lidar imediatamente.
Correu para trás. Não era um bom dia para ter acordado. Isso pensou ao notar que estava cercada por sombras. Uma parede daquilo.
-Você não sai daqui enquanto estiver viva! – decretou Samara.
De costas para a manipuladora, Halphy colocou a mão na testa. Em seguida riu.
-Eu posso estar encurralada, mas sabe que ainda sou perigosa, não é?
-Se fosse mesmo assim, não tentaria fgir.
Halphy virou com Vampira de Almas para frente. Era um desafio para Samara.
-E por qual motivo prendeu-me? Sou uma assassina e ladina. É natural de minha índole o medo. Assim, fugir é o meu maior recurso. Só que com meus conhecimentos sei que essa barreira, e a massa de energia em minhas asas são poderosas. Magias de alto nível.
Viu os dentes da mãe do arcano que serve ao Pacto, quase partindo ao meio. Era raiva com certeza.
-Tem haver com o tal Portal da Verdade. É uma afirmação isso mulher.
Os olhos daquela mulher se encheram de uma fúria jamais vista. Como se Halphy tivesse invocado o nome de um deus profano.
Inicialmente, a invocadora de trevas lança uma saraivada de facas formadas por sombras. Não possuíam uma forma definida, mas lembravam a letra C distorcida em tons negros. Halphy conseguiu desviar com acrobacias aqueles golpes fracos.
A assassina afastou-se e preparou sua besta com sua mira e visão privilegiada, disparou um de seus virotes. Ajoelhada e preparando seu ataque a distância, o projétil alcançou seu intento. Atingiu o braço da morta. Ainda assim, Samara não gritou pelo óbvio motivo de ser imune a dor.
Halphy levantou-se. Com o primeiro tiro, sua confiança cresceu. Fazia tempo em que não conseguia ferir um inimigo com sua arma. Não se gabou muito desse fato afastando-se até perto de uma das paredes de penumbra. Sabia que manter um bom alcance ao atacar seria necessário. E a distância era adequada, mesmo estando presa.
Das costas da ladra surgiria sua possível ruína. Visto que dois braços de um tom mais escuro que ébano a capturou. Deixando-a indefesa. E então se lembrou de um fato maldito sobre uma manipuladora de sombras. Ela conseguiria conjurar um criado das trevas, um aliado. Fato esse que poderia lhe custar sua vida.

O inimigo prendia Halphy pelos braços impossibilitando uma fuga através da força. Surgia um desespero na mente dela. Que não pudesse conseguir suas intenções. E nenhuma vadia, mãe de mascarado infernal, iria atrapalhar. Só que ainda não sabia como lidar com aquele problema.
Mais uma vez lançou o conjunto de pequenas armas de energia escura. A adversária deveria ser menos versada no combate que Halphy. Visto que só duas das três a alcançaram. Não possuía uma mira tão boa quanto uma assassina.
A dor nem era tanta, mas se continuasse assim, um golpe certeiro traria sua morte. Samara parecia convencida da vitória ao ponto de tagarelar besteiras que sua oponente ignorou. Deveria falar sobre o futuro e grandes poderes.
Então Halphy deve uma idéia genial: se a força não servia para livrar-se, sua habilidade o faria. Como não havia pensado em tal plano de ação ante, nem imaginava.
Seu corpo esguio e magro serviria para fugir do golpe. Mexeu-se rapidamente de forma a se soltar daqueles braços de ébano. Então o inimigo sombrio avançou na direção da oponente de sua mestra. Eram dois contra uma.
Agora tinha uma noção maior de como era a forma da criatura. Tinha o corpo de um homem. Mas toda sua massa era formada por pura escuridão. Instável, mas mantinha um aspecto humano. Seu tamanho era um pouco maior que Halphy. O monstro era ameaçador pela sua aura e a falta de órbitas e uma boca, além de várias outras coisas.
Nenhuma ameaça a deteria. Sua função seria eliminar Brigid Loghan.
Mantendo a besta como sua arma principal afastou-se. Agora estava atenta com mais alguma sombra perigosa. Os golpes daquela arma teriam que ser precisos. Isso com o devido cuidado. Era uma desvantagem numérica ao qual conseguiria superar.
Foi possível notar que Samara possuía uma massa de energia negra na sua mão direita. Ela lançou essa estranha forma igual a uma fruta podre. Ao cair no chão àquela escuridão toda tomou uma forma bizarra. Parecia que era as patas de uma aranha grande o bastante para atravessar um corpo humano. Só que aquilo não tinha uma forma definida. Lembrava mais braços sem muita estrutura. Ou tentáculos.
Se os pés de Halphy não fossem um pouco mais rápidos, teria morrido. Isso, pois aqueles tentáculos estouraram o chão onde estavam antes. Em golpes poderosos demais.
Assim como surgiram eles desapareceram.
O golpe seguinte foi de Halphy. Vendo que o monstro de sombras era um atacante e não um defensor, ela concentrou dois bons tiros no peito da suposta Samara. E novamente, não parecia afetada, mas já havia aprendido muito sobre os mortos sem descanso. Aquilo não significava muito. Talvez a oponente estivesse morrendo.
-Então, nem imagina de onde tirei esse corpo? – soltou Samara de modo sinistro, semelhante a uma víbora.
-E isso lá me importa? – respondeu Halphy desviando do golpe da sombra monstruosa. Era uma praga aquele ser.
-Nunca soube sobre o resto da família Van Kristen?
Aquilo que foi dito fez a cabeça de Halphy refletir. Nunca houve nenhum interesse dela em saber sobre a família do mago e líder dos Dragões da Justiça. Que motivo teria? Estão todos mortos. Dwalin e a sua esposa foram mortos por Lucian. Não haveria nenhum parente daquele insuportável vivo. Deveria ser mais algum truque.
-Cale essa boca!
Quando falou isso, aquela besta zuniu atingindo seu virote na perna de Samara.
A manipuladora de sombras gritou, mas não de dor, e sim de raiva. Com tudo que havia planejado não obteve resultados contra a jovem marduk esmeralda. Como aquela magia toda ainda não a feriu ao ponto de rasgá-la. Era o momento de atrair seu alvo.
Os golpes da sombra atravessaram o ar mais uma vez. Não pareciam em nada punhos. Eram mais garras. Golpes de mãos fechadas eram extremamente fracos, mas os dele não. Lembravam o membro de um urso ou leão. Não haveria como saber, pois a antiga meio elfa jamais havia sido atacada por essas feras. Somente por ogros e mortos famintos, ainda mais perigosos.
Vários e tantos ataques que eram quase invisíveis e imperceptíveis devido ao seu corpo.
-Preciso me livrar dessa coisa!
Talvez, atacar com sua besta não concederia muita vantagem contra ele. Deixou aquela arma de lado, desembainhando Vampira de Almas, sua lâmina perigosa. Já sabia que ela não afetaria o monstro tanto quanto um humanóide. Porém, passaria pela resistência daquele corpo arcano. Sua fortitude parecia menor.
Dessa vez, colocava sua espada como uma defesa. Qualquer golpe que a sombra fizesse seria repelido pela antiga ladra. Era uma técnica de proteção em combate. Eficaz para cortar alguns dedos pelo que lembrava. Pena não poder fazer exatamente isso com seu recém encontrado inimigo silencioso e negro.
A criatura não soltava nenhum som ou ruído mais forte. Parecia que os seus golpes surgiam literalmente da escuridão. Cheios de malícia, como se não fosse à perícia de batalha surgindo ali. Era como se as sombras no corpo de Halphy tivessem se mesclado com o corpo na sua frente. E assim, o adversário achava brechas no combate. Ou melhor, na defesa da inimiga de sua mestra.
A atual e poderosa dona da Chama Gélida sentia-se completamente acuado. A sombra sabia como golpear ela em seus pontos fracos. Samara estava longe de ser derrotada, ao que tudo indicava. E ela não conseguia se concentrar o bastante para um disparo de sua arma de longa distância. Eis que uma idéia lhe surgiu. Dominar Samara.
Usou a Lei na Chama Gélida, para tentar controlar o corpo da aparente jovem Samara. Seu artefato brilhou com um forte dom esmeralda. Parecia que a manipuladora de sombras seria mais um brinquedo da assassina. Ela iria quebrar em dois a mãe de Kalic Benton II se possível. Quando fez isso, o poder inerente nela não obteve efeito algum. Esqueceu de um pequeno detalhe: mortos sem descanso não tem mentes para serem afetados.
-Posso lhe contar um segredo? – disse Samara contente com a boca cheia de dentes.
-Cale a boca! – gritou a furiosa Halphy.
Após o grito de ira proveniente da assassina, sua inimiga saltou pelas sombras. Literalmente. Utilizando as trevas como extensão de seu corpo. Na verdade, usava aquela falta de luz como um caminho. Um abridor que controle a escuridão parece sumir e desaparecer. Na verdade ele trilha pela penumbra, alcançando o seu desejo através do poder e não de sua velocidade.
O que importa é que em um momento estava longe. E no outro, com uma das facas sombrias, ameaçava Halphy Brown. Um sorriso sádico estava naquela face e um corte no pescoço surgiu.
A nova e suposta líder do Pacto de Guerra saltou quase batendo na murada criada. Com isso, sua mente se sentia mais forçada. Que todos os monstros de sua vida consumissem aquele obstáculo. Perderia Brigid e com isso seus dons. Um selamento lhe tiraria todo o poder que tanto demorou a obter. E ninguém poderia fazer isso agora. Foi longe demais para não ser assim.
Enfim tocou seu pescoço notando o sangue que escorria. Pouco e brilhante.
Brilho. Luz. O contrário de uma sombra. Uma arma contra o oponente. Um simples truque a salvaria dessa situação.
Ela abaixou seu braço de forma a preparar um encanto. Em volta de seus dedos começava a criar uma aura brilhante. Nem um pouco poderosa ou perigosa. De certa forma reconfortante. Ao menos para quem tinha um corpo físico.
-Não sou tão boa feiticeira. Uso as sombras como uma capa. Isso ocorria tanto na época de ladina como agora usando os dons de assassina. Mas sei um truque arcano bem útil. De criar uma luz forte como o sol.
E ao falar isso, uma esfera brilhante brotou da palma de sua mão. Agitando-se como as asas de uma fada. Criou uma defesa para enfim expulsar a criatura formada de sombras. Não conseguiu quebrar a prisão em que estava, mas ao menos diminuiu parte dos ataques de forma drástica.
De forma sarcástica, ao fim da magia ela encarou a morta sem descanso. Parecia que a cor voltava ao seu corpo. Apontou Vampira de Almas de um modo extremamente desafiador.
-Agora somo só eu e você. Diga-me como Kalic obteve esse corpo.

Os olhos de Samara arregalavam cada vez mais. Realmente, a desgraçada deveria ser descendente de Sinestro. Só isso explicaria essa vontade de sobreviver que fazia criar planos tão rapidamente. Uma verdadeira contra-mágica.
Esse tipo de magia anula um determinado poder arcano. Não importa se um dos dois abridores é mais perigoso o golpe certo elimina a energia. Nem o nível da Arte que manipula faz diferença, desde que seja usado do modo e no momento certo. Era uma defesa rara entre os magos mais ainda entre os feiticeiros. O fato de Halphy ter feito aquilo é que possuiu um bom tutor.
-Grato Azerov – disse bem baixo antes de correr na direção de Samara.
Isso Fe a maga se assustar. Porém, não a fez desistir por isso. Ao contrário, vistp que quando o golpe de Vampira de Almas aproximou-se ela sumiu em pleno ar e sombras.
Deveria estar nas sombras. Um detalhe superficial para quem imaginou com tanto poder até agora.
-Nada adianta! Esconder-se diante de uma ladra é tão tolo quando tentar cortar os chifres de um minotauro! Um vivo ao menos...
Era possível ouvir um silvo. Em seguida, Halphy notava de onde esse som surgia o que lhe fez saltar. Uma flecha atingiu onde estava. Era de origem arcana, pois se desfez ali.
-Então qual o motivo de ainda não me encontrar? – falou rapidamente enquanto surgia e desaparecia na escuridão. O mesmo truque que usou no monstro sombrio, não teria efeito contra Samara.
A maldita estava certa. Não valeria nada lutar se não a encontrasse. E de alguma forma, as deter. Pois como já estava morta, não perderia nenhum pouco de sua energia física.
Começou a ouvir através de uma forma mágica, sua intensa e enfadonha fala.
-Ora essa. Bem. Já que quer saber tanto sobre esse novo corpo, irei lhe contar. Lucian, a quem conhece como Kalic benton, tem um senso tão distorcido quando o meu de justiça. Digo isso, pois como imagina, Lacktum perdeu toda sua família. Pai, mãe, noiva e todos os servos de Van Sirian. Talvez... Só talvez, não saiba que exista uma pessoa nem tão citada. Seu nome é Sophia. Com o título de Van Kristen. Não imagina quem seria.
Halphy, que a tudo escutava se sentia extremamente confusa.
-Dwalin queria um varão, que eu lhe concedi. Só que quando o bastardo Lacktum nasceu eu fui dispensada. Como um pacote podre de baratas. E ele então tinha dois filhos e uma filha. Pois, antes de Lucian e Lacktum havia a jovem Sophia. O primeiro filho dele, não foi um homem e por isso se propôs a deixar sua infernal mulher.
Quando ouviu essa última revelação, a marduk ouviu um novo silvo. Outro salto com outra flecha.  Novamente com origem arcana. Isso ficava mais claro, graças ao efeito que projétil. O Lugar que tinha atingido parecia afetado por um ácido ou líquido corrosivo.
-Acha que isso me desestabilizaria Samara? Eu traí os supostos Dragões da Justiça. Entreguei-os nas mãos de Kalic Benton. Roubei a Fim-dos-Dragões e mostrei ser digna de Sinestro. E no final, obtive a Chama Gélida. Item criado a partir do líder desse Pacto de Guerra. Você não tem poder nenhum aqui!
E ao terminar, ela abriu a boca de forma grotesca. Seus olhos ficaram mais dourados que o próprio sol. Assim, mostrava seus traços reptilianos com tanta força, que nem a ilusão funcionava mais. Usou o sopro de um dragão de esmeraldas. De ar, ou melhor, puro som.
Aos fazer uso dessa arma, puramente draconiana, um jato desse elemento surgiu. Se for possível ver essa forma no golpe. Só era notável mesmo, o efeito devastador daquilo.
Só que começou a girar ao redor com sua cabeça. Esse ato conseguiu afetar uma área muito maior. Enorme. O melhor é que seu plano funcionou. Samara foi atingida na penumbra. Ela não utilizava sombras só como meio de locomoção, mas como proteção.

Ao afetar fisicamente Samara, Halphy a fez quebrar sua concentração. Assim, sua magia partiu-se. Trazendo a tona aquela manipuladora.
A assassina literalmente voou para cima da bruxa das trevas. Quando próximo do corpo de sua inimiga levantou o joelho. Para que com isso atingisse a boca do estômago. E foi feito.
E ainda que não sentisse dor alguma, a expressão de espanto substituía isso perfeitamente naquela arcana.
Em pleno ar, girou seu corpo. Assim era possível chutar de forma devastadora na altura do rosto de Samara. Lançando aquela morta sem descanso contra o trono de uma árvore. Já que até a murada se dissipou.
Quando iria levantar seu rosto, Samara sentia o frio e maldito aço da Vampira de Almas. A espada atravessou seu corpo de tal forma, que atingiu a árvore. Parecia até um prego. Começou a se debater diante de Halphy igual a um animal em agonia. Não com a dor, mas com a maior das frustrações.
-Achou mesmo que usar o corpo da irmã mais velha de Lacktum me impediria? Zacharias me intitulou de Traidora de Dragões. E isso esta certo. E voltar atrás nesse ato seria fraqueza. Algo que não posso me dar ao luxo em nenhum instante.
Samara rangeu seus dentes mais uma vez, tamanha sua raiva.
Agora Halphy não segurava aquela espada. Só se deliciava vendo a miserável que quase frustrou seus planos fazendo o possível para livrar-se da lâmina. Começou a questionar o ataque com uma fala venenosa.
-Bem... Por acaso você veio até mim, pois, assim como seu filho, eu posso alcançar o Portal da Verdade?
O espanto uniu-se a uma expressão de extremo ódio. Aquela pergunta atingiu na ferida, de modo único. Sua resposta era um óbvio sim.
-Muito bem. Só mais uma coisa – e falava isso, se aproximando. Pegou no cabo de sua arma, pressionando-a contra aquela árvore – por acaso conhece a expressão, meu coração é seu coração?
-Mas que motivo...?
Halphy levantou um pouco a lâmina. Causando mais dano para aquele corpo.
-Só responda. E lhe serei piedosa.
Não havia opções.
-É uma frase usada por druidas. Quando alguém desse grupo, com descendência élfica se casa faz um rito sagrado. Usando o sangue de ambos em um prato de bronze, eles proferem meu coração é seu coração.
Agora havia entendido a estranha frase soltada por Furion. Era um modo de lembrar seu amor com os votos. E assim salva-la. Bem nobre até, por sinal.
Ao termino daquela frase arrancou Vampira da bruxa e árvore por conseqüência. Pena Smara não ter notado que no outra mão havia uma faca. E com uma volta da jovem fazendo seu cabelo esvoaçar aquela arma passou aquela arma passou pela garganta da mãe de Lucian. E isso fez sua cabeça cair.
Enfim, se livrou daquela criatura. Tinha até certa pena daquela mulher. Traída e transportada para um corpo que nem era o seu. Uma pobre e miserável cobra, como tantas outras a serviço de Sinestro, abandonada na estrada da vida. Isso era plausível se fossemos pensar que ninguém iria saber sua atual localização, a não ser o dragão e Zacharias – o onipotente.

Só que aquilo não importava. Precisava voltar à caça de Brigid. O que faria então. Seguir rastros não era como ela. Teria que criar um plano.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

(Parte 37) Cavaleiros na tempestade

Estava em um lugar escuro inicialmente, como uma consciência cheia de pecados. Sua vista não conseguia enxergar nem a mão diante dos olhos. Acostumar-se com aquilo era difícil. Primeiramente pensou ser um truque póstumo do Silencioso, alguma armadilha implantada. Só que constatou não ser alguma magia que deixava cego, quando do meio daquela escuridão surgiu um corpo conhecido dela. O arcano sombrio que se autodenominava Kalic Benton II. Por de trás dele surgia uma luz branca que contrastava com o aspecto do mago cheio de trevas. Enquanto ela surgia como se um manto poderoso de veludo puro e alpino, tivesse coberto todo o tom negro do local. Pois era única aquela região. Agora, que podia ver a si mesmo, notou que abaixo não pisava em nada, ao mesmo tempo algo estava embaixo dos seus pés. Controlou-se, pois sabia que aquilo era algo novo e poderoso. Talvez fosse parte da magia da Chama Gélida. Só não compreendia em que o irmão bastardo de Lacktum estava participando naquilo tudo. Talvez tentasse lhe roubar!
Quando tentou sacar sua arma, Halphy notou que não havia o item. Nem Vampira de Almas, nem sua besta, nem suas adagas extras. Nada.
-Calma Brown. Não vim aqui atacar você. Vim lhe falar onde esta.
-Como assim? Que lugar infernal é este? Você me tirou as armas?
-Qual parte não entendeu? Eu não lhe farei mal algum! Juro que sair daqui se continuar a me interromper terei o prazer te lhe virar do avesso!
-Esta bem, esta bem! – falou abaixando a guarda – Onde estamos?
Ele parou o movimento. Agiu como se tomasse fôlego. Não precisava, pensou Halphy. Era um morto sem descanso.
Fitou a jovem e enquanto andava em sua direção começou a explicação:
-Deve saber o que são mestres ascensos. Pessoas que entraram em um nível de iluminação tão grande que sua existência marcou toda a Gaya. Poucos o fizeram até hoje, menos ainda foram registrados. Sua função é um mistério. A maioria dos sábios acredita que querem elevar os homens para um novo patamar. Algo único e novo. Outros que descendem dos atlantes ou dos lemurianos. Não importa. O símbolo maior deles de poder era o Portão da Verdade. Uma fonte inesgotável de energia. Um lugar de autocontemplação. Onde todas as verdades de sua vida são finalmente reveladas. Coisas que surgiram até antes de nascer. Para ter uma idéia da sua importância, a força que ele detém – ergueu a mão e apontou para trás da jovem – olhe para trás de si. Verá que existe um item magnífico.
A marduk começou pisando para o lado. Em seguida mexendo levemente seu corpo, junto com pernas e braços bem soltos. Por fim, virou a cabeça na direção ao qual apontou o mago. Seus olhos acostumados com o branco do lugar não acreditavam naquela imagem. Tanto que abriam e fechavam não acreditando no que via a sua frente.
Flutuando, em pleno ar, era notável um portão de cor bem escura. Nele, o desenho de uma árvore imensa, assim, assim como o próprio portão era. Suas frutas não pareciam com alimento. Eram círculos perfeitos, com letras irreconhecíveis, cheias de detalhes. Como falado antes, seu tamanho era mínimo colossal. Maior que o castelo de Van Sirian. Ou até onde era a sede do Pacto de Guerra. Já na horizontal, não era tão grande. Parecia fechado, até mesmo lacrado. Acima de todos os detalhes estava o de notar que não havia nada na frente ou atrás dele. Só a estrutura. Como se levitasse no nada.
-Mas que...
Ele ficou do lado de Halphy.
-Brown... Esse é o Portão da Verdade.

-Verdade? Que verdade – perguntou uma atônita e temerosa, meio dragão.
-Aquela que busca – disse ele se aproximando da porta e apontando mais uma vez para ela – Basta entrar.
Ela chegou perto daquela porta enfim. Nunca se sentiu tão bem e mal ao mesmo tempo. Qual o motivo para tudo aquilo? Não necessitava. Pensou que nem deveria ir naquela direção. O passo já estava feito. Voltar atrás não funcionaria para nada. Ela iria abrir o caminho para saber os seus segredos. Fossem os mais temíveis ou não.
Quando tocou no portão, levou uma advertência:
-Se você entrar nesse portão saberá tudo aquilo que quer ou não saber. Prepara-se.
Ela aceitou aquilo com um balançar de cabeça. Virou-se em definitivo para a estrutura flutuante. Colocou sua mão nele para empurrá-la. O que conseguiu com relativa facilidade.
Ao fazer isso, viu que naquele espaço dentro dele parecia com um céu cheio de nuvens. Depois, tinha mais a forma noturna. Cheia de estrelas. Cada qual mais convidativa que a outra. Até que foram sumindo uma por uma, como vaga-lumes em floresta tensa. Sobrando só três luzes naquilo que deveria ser uma sala fora do tempo.
Formavam uma pirâmide. Lembravam as típicas constelações das terras dos homens. Só que não eram. Mesmo não conhecendo nada de astrologia, sabia que aquele não era o mesmo tipo de céu de Gaya. Tratava-se de outro mundo, um novo plano, acreditava. No mínimo. Nem se importava. Tocar naquela luz era a coisa mais valiosa no momento.
Pois flutuava naquela direção como se imersa em um líquido quente e reconfortante. Sua maior diferença era que poderia respirar sem nenhuma dificuldade ali.
Finalmente, depois de muito flutuar, alcançou os três brilhos. Ficou no meio deles. Era lindo. Parecia com quando um peregrino chegava ao fim de uma longa jornada.
Não sabia em qual daqueles itens devia tocar. Sem nem pensar, tocou um e se sentiu puxada. Parecia que a águia mais veloz, com maior impulso possível a arrancou e jogou em uma direção completamente desconhecida. Que passava por todos os mundos conhecidos ou não. Em um instante de vida ou com o sopro da alma. Nada parecia mais rápido ou poderoso do que aquele destino onde estava sendo lançada.
E como um cavaleiro forte e feroz, abruptamente parou.
Estava como um espectro sem corpo. O lugar parecia cheio de lembranças. De alguém, ou algo... Não. Definitivamente era de alguma coisa.
Começou a notar que estava em uma arena. Ela via o passado de Thror. Ou melhor, de Fobos.

Não é necessário descrever os textos a seguir, pois revelaria a você fatos repetidos nestas linhas. O que deve saber é: o mostrado aqui não muda muito do que foi dito e falado no Tribunal das Almas. Fobos querendo mais chances de combates elevados e épicos participou de uma trama para obter o artefato Lanterna dos Eóns. Sendo traído e condenado, foi mandado para Gaya como um mero homem mortal. Despertaria muitos séculos depois, e o lugar onde caiu concederia origem aos espartanos enquanto estava adormecido. Ao acordar sem memória, recebeu o nome do tolo Thror Tzorv, por um pai adotivo. Ironicamente, esse último pedaço das lembranças foi diminuído.
Sem aviso, voltou onde estavam as três estrelas. Continuavam ali, fixas, imóveis e sem sinal algum de mudança. Frias como o aço de uma lâmina. Fortes como o coração de um santo.
Seu mundo havia caído, em partes. Thror, um semideus? Não era nada concebível aquela cena na sua mente como uma comédia sem nenhuma boa explicação, só que com uma reviravolta digna de um rei, no mínimo. Uma divindade. Mesmo vendo e ouvindo tudo aquilo que a estrela lhe mostrou, sentiu-se incomodada. Iria ignorar tudo no momento.
Depois de refletir, dirigiu-se para outra luz noturna. Flutuando pela escuridão daquele local chegou próximo da força. Tocou o item com certo temor. Assim, mesmo o fez a muito custo. Foi mais uma vez lançada para um tempo que não era o seu, em uma vida que não era a sua. Mal sabia onde ela iria parar depois de tudo aquilo.
E tocando aquela esfera, foi lançada em uma época em que não havia Sinestro. Tão antiga quando a visão anterior. Só Brilho de Orvalho ainda estava lá. Era o passado do ancestral de Halphy.

Dessa vez, nada de novo. Constatou algo que já ouviu do próprio fundador e mestre do Pacto de Guerra. O passado envolvendo Sinestro e sua avó, Iliana já havia sido revelado pra ela. Somente com palavras. Agora eram com imagens.
Nada de mais, pensou a mulher que um dia começou como ladina. Ela aprendeu feitiços antigos e no fim e tornou-se uma excelente assassina. Seu passado também não era tão louvável quanto o de outros. Só que com certeza era bem mais calmo se comparado ao de um lorde dragão.
Com o término de mais uma visão, seu corpo voltou para perto das três estrelas no firmamento. Só que para ter companhia. Kalic Benton II enxergava tudo aquilo pairando como ela também fazia.
-O que faz aqui? – inquiriu Brown.
-Você não imagina? – falando de modo sarcástico e em seguida flutuou até ela a encarando – O óbvio. Eu também abri o Portal da Verdade.
-Você fez o que?
Ele riu de modo único. Em questão de instantes o som cessou. Kalic Benton fitava Halphy em seguida a isso.
-Há uma profecia – continuou ele – nela é dito que um do sangue Van Kristen será a chave para solucionar um terrível mal. Ou seja, ele pode impedir isso, se quiser. E quem estiver ao seu lado, ou o controlar...
-Será tratado como um deus – ela completou.
-Ora, não imaginava que conseguiria pensar sozinha.
Ela fez uma de raiva quando o mago disse aquilo, que congelaria um demônio de medo. Ele disse:
-Toque a última estrela.
A jovem estranhou.
-Por que quer isso? Que eu toque ela?
Virou de costas para a assassina dizendo:
-Toque e veja. Toque e saiba.
Ela voltou-se para o brilho eterno daquele espaço. Uma luz única que nunca viu na vida. Nada parecido. Com medo e certo receio, tocou aquele novo poder. Pois conhecimento era como uma arma em sua mente. Que poderia ser algo ruim ou maravilhoso. Mostrar tantas coisas bizarras, quanto simples. Não notou do que se tratava. Veria o passado de Kalic Benton II, ou melhor, Lucian Van Kristen.

Estava em uma torre. Grande, abarrotada de livros espalhados dos mais diversos tipos e tamanhos. Com várias categorias. Tanto nos armários de madeira forte, quando esparramados. Algumas coisas simples eram visíveis como brinquedos. Demonstrava que o lugar teria pelo menos crianças, mesmo lembrando mais o refúgio de um mago pelos títulos que encontrava.
Eram variados. Dirigidos para abjuração, encantamentos, alquimia – que muitos magos consideravam um ramo desvirtuado da Arte – criação de itens fantásticos, itens do povo judeu como golem, conjuração, necromância, truques básicos, ilusão, livro de conhecimento sobre montsros, criação de poções, locais de poder, uso das fontes de poder, demonolgia, vampirismo, controle do tempo, um guia sobre artefatos perigosos, manual sobre os planos exteriores e vários livro sobre o controle das sombras. Observando melhor Halphy notaria pedras esculpidas em uma língua nunca vista por toda a Gaya. Ela veria algo parecido um dia.
Halphy chegou ao parapeito da torre vendo uma área bem aberta. Não havia casas próximas. Ao longe, talvez fosse possível ver um feudo. Um que parecia conhecido dela. Ignorou naquele momento, pois se concentrou nas três pessoas abaixo dela.
Viu o garoto e os adultos. Tudo parecia calmo e feliz. Pois ali se via uma família.
Um garoto com cabelos castanhos, quase vermelho, pendurado no pescoço de um homem forte. Pai e filho com certeza, visto que seus semblantes eram parecidos. Incluindo os olhos. Havia também uma mulher muito bela e possuía cabelos negros. Eram como ondas. E olhos claros de um dom quase hipnotizador. Suas roupas eram simples, como as de uma camponesa. Ainda assim, cheia de detalhes. Não era uma mera moça.
A dupla brincalhona continuava até serem interrompidos.
-Meu amor... Posso falar-lhe? Suas juvenis brincadeiras virão depois.
O homem com aura e roupas de nobre cessou tudo dizendo que brincaria mais tarde. Foi então der com a jovem.
-Quando deixarei de ser sua segunda mulher? A outra dessa relação? Não passarei minha vida como um pedaço de carne apetitoso que mantêm entre seus lençóis. Como se eu fosse outra opção. E seu filho? Quando deixará de ser um bastardo?
-Não diga isso minha amada! Você é quem amo. Não lhe trouxe textos de Alexandria? Palavras de poder anterior ao povo da Terra Santa sequer existir. Por acaso medi esforços construindo uma torre para você de alta feitiçaria? Um lugar onde pode lançar magias e sortilégios como bem entender. Sem ter o incomodo de olhos mundanos como vocês mesmo dizem. Você é mais bem tratada que qualquer pessoa em meu feudo. O que mais deseja?
-Sua cama! – falou ela segurando firmemente a roupa do nobre. Já ele, se desvencilhou de suas mãos com gentileza, segurando-as entre as suas. Parecia haver amor naquele. Impressões podem ser falsas.
-Samara, tudo ocorre como o destino quer. Já temos um filho descendente de Guilherme. A lenda se concretizará. Seremos pais do senhor de um novo mundo. Lucian será venerado como um deus.
O garoto chamava-se Lucian. Então aquele homem deve ser o pai dos magos Lacktum e Kalic. E por ultimo, a tal Samara, a mãe do mago mascarado. Isso se tornava interessante.
-Já tem um filho varão. Da mulher que lhe quer tanto. O que mais precisa?
O barão beijou sua boca a abraçou e então se afastou indo na direção de um corcel.
-Eu lhe amo. E nunca duvide disso.
A visão muda com Dwalin cavalgando na direção de seu castelo e sendo interceptado por um de seus servos mais fieis. Ele o avisava que sua mulher estava grávida. Seus olhos encheram-se de algo, mas não era remorso nem dúvida.
-Acho que será um problema – falou para si mesmo o homem que entrava em um dilema simples: prometeu o mundo à Samara. O que teria que fazer agora? Isso seria mostrado em mais um vislumbre do passado. E nada de bom seria mostrado de agora em diante.

Lá estava mais uma vez a jovem Samara, totalmente amargurada. Ela mexia em um caldeirão típico para feitiços. Nele surgia uma fumaça que demonstrava não ser de nenhum alimento. Parecia que ela estava preparando um antigo feitiço.
Um lucian, pouco mais velho que na visão anterior, surgiu atrás da bruxa. Parecia triste e abatido, carregando um grimório abaixo de seu braço. Tentava começar um dialogo com a mãe, mesmo notando que os olhos dela enchiam-se de obsessão.
-Mãe? Sente-se bem?
Ela usava uma capa escura e negra, cheia de detalhes agora. Lembrava as bruxas dos contos aos quais pais falavam. Próximos das camas, com a finalidade de fazer seus filhos dormirem, diziam que elas devoravam criancinhas que não se comportavam. Seus olhos vermelhos praticamente escondiam o resto de sua face. Escura e tão cruel.
-Fique calado Lucian! Eu estou próximo te lhe entregar o mundo. Já que seu pai lhe trata como um bastardo, te entregarei um novo.
Lucian estranhou aquela frase.
-Um novo? Novo o que minha mãe?
Ela se virou para o filho com uma sombra no rosto, no lugar do sorriso.
-Eu falei com as trevas para lhe concederem um novo pai. E elas disseram que sim. Seu pai chama-se Kalic benton.
Foi assim que o mago recebeu aquele titulo. O mago conheceu Kalic I em sua juventude. A cada nova visão uma descoberta diferente. O passado é realmente um pequeno monstro, alimentado por seus segredos. De qualquer modo, o que mais esse tempo antigo lhe mostraria?

Certo dia Samara recebe na sua porta um Kalic Benton bem apressado. Isso a espectadora notava pelo brasão em sua armadura. O símbolo único de uma águia atravessada por uma flecha. Tirou essa informação de um livro que leu em Avalon. Nele falava que o barão que se tornou um morto sem descanso, deixou seu corpo ser penetrado com necroplasma em um rito profano. Isso através de um tomo antigo e poderoso. E isso todos sabemos.
O que importava naquele momento era que ele estava diante da bruxa. Com seus longos cabelos castanhos, cavanhaque mal feito e olhos sem orbita. Sem falar do seu corpo que transbordava energia profana. Com a mais pura força necromântica.
A velha parecia se rebaixar diante daquilo que já foi um homem.
-O que faz aqui meu amor? – ao falar isso tentou tocar o rosto daquele homem. Foi interrompida bruscamente com uma das mãos do morto.
-O que pensa estar fazendo? - perguntou aquele ser com buracos no lugar dos olhos. Ainda assim, era possível notar a expressão de raiva num rosto definhando.
-Só queria lhe demonstrar meu carinho.
Kalic, que segurava firmemente na mão esquerda de Samara a apertou com força. Machucando-a.
-Largue-me! Solte-me seu bruto! Esta machucando minha mão!
 -Cale sua boca mulher maldita. Ou pensa que lhe aturei até hoje sem nenhum motivo? Estou aqui para controlar o mundo. E sua semente me concederá poder para isso. Esta na hora te colher-la.
-Como assim? – ainda não conseguia conceber o que estava para acontecer.
Aproximou-se da jovem dizendo:
-Vim buscar Lucian sua criatura ridícula.
Os olhos vermelhos de Samara se arregalaram de raiva. Ela virou de costas para o cavaleiro rapidamente. Antes que pudesse gritar qualquer coisa, sentiu uma pontada nas costas. Kalic acertou mortalmente aquela mulher. Engano mortal disse baixo e chorou em seguida.
Caiu no chão. Com o rosto na parte de madeira do salão. Colocou a mão nas costas e quando notou estava empapada no próprio sangue. Todo espalhado no chão de modo triste.
O sangue em sua mão cheio de frustração e ódio. Sua raiva devia-se a traição de seu suposto amado. Já sua decepção era que não teria o poder para mudar aquele mundo a seu bel prazer. Todos os homens de sua vida haviam a enganado, com exceção do filho.
Só viu os pés de Lucian se debatendo. Ele estava sendo levado por Kalic Benton. Os olhos fecharam lentamente. Com isso terminado, a maga Samara havia falecido.
Alguns anos passaram-se. Lucian lia um tomo quando foi interrompido por seu padrasto de forma escandalosa. Mesmo para um morto seu corpo estava decrépito e destruído. Com vários golpes de lança e espadas. O homem notou do que se tratava o conteúdo do livro.
-Lucian! O que faz lendo justamente este grimório?
O ainda jovial e mortal filho bastardo de Dwalin virou-se para Kalic Benton. Com a mão estendida na direção daquele que o tirou do seio materno.
-Primeiro tomei para mim um encanto que manipula a morte. Tornarei-me um morto sem descanso. De um tipo único, parecido com o do famoso Sinestro. Um rei dos mortos. E segundo sei como destruir um cavaleiro como você... Necessito de um pedaço da arma que usava em vida.
Ao falar isso, Lucian começou a agitar sua mão de modo único. Estava preparando um encantamento forte. E era mesmo de tamanho potencial.
Ele tirou um pedaço de metal, de sua roupa mostrando-o ao cavaleiro sombrio. Era um pedaço da lâmina de uma arma que pertenceu ao cruel Kalic Benton.
-Não! – disse aquele que serviu como pai para o jovem – Posso ter lhe tirado a mãe... Só que praticamente lhe servi como genitor. Mais que Dwalin jamais foi.
-Você esta certo. Foi muito mais que meu pai nunca será. O problema é que sempre amei demasiadamente minha mãe. Mesmo sendo uma mulher obsessiva, ela me protegeu e me ensinou. Guiou-me pelos caminhos da magia. Sou um abridor. Com o poder que obtive, posso conceder um corpo para Samara agora. Um invólucro para ela – enquanto soltava essa frase, era notável que seu rosto se enchia de loucura – para que possa a reencontrar. Não se preocupe meu amigo. Irei lhe honrar hoje também – falava agachando com a mão estendida para o cavaleiro – pois assumirei o nome de Kalic Benton. O segundo.
Aquele mal da loucura o tomou também, assim como a mãe, ao que tudo indicava.
Nesse instante, um brilho surgiu na casa onde residiam os dois.

Ela estava onde tudo havia começado desde que obteve a Chama Gélida. Em um espaço escuro. Nesse momento era visível muito bem o Portão da Verdade, no entanto. Além de seu próprio corpo. O com a forma dracônica. E diante da construção estava o portador daquelas memórias.
Um homem que portava roupas negras e máscara. Cheios de raiva e ódio eram seus olhos. Kalic Benton II, o bastante de Dwalin, antigo Lucian Van Kristen. Suas mãos estavam decrépitas, o odor forte de um corpo decomposto a meses. Aproximava-se lentamente.
Não sabia o que pensar do morto vivo. Será ele uma vitima, ou acabou se tornando parte das cobras que surgiram devido a Sinestro? Na verdade, nem queria saber. Só precisava desse conhecimento para ter certeza se lidava com coelhinho assustado ou um grande e feroz lobo. Preparando a defesa adequada para o seu companheiro do Pacto de Guerra. Van Kristen tem a tendência de surpreender seus companheiros de viagem.
Nada mais se poderia ouvir entre eles a não ser aquele silêncio ensurdecedor. Como um anjo surgindo entre eles. Só que nunca haveria. Nunca haveria um ser celestial junto deles. Nunca.
Enfim, depois do silêncio sepulcral, ele foi partido.
-Você viu.
-Sim – ela respondeu com rapidez e medo.
Virou-se de costas para a assassina.
-Saiba usar bem o conhecimento que obteve.
-Ei! Espere! – gritou a jovem com receio – Por qual motivo faz isso?
Ainda de costas, a resposta foi outra pergunta:
-Faço o que?
-Torturar seu irmão! Esta completa sua vingança! Por qual motivo continua com sua perseguição?
Ele olhou para Halphy com só um dos olhos na máscara.
-Quero que o sangue Van Kristen sofra. E o melhor para isso é atacar o filho predileto de Dwalin. Eu não sou um dos filhos dele. Sou um Benton. O segundo.
Ela não ficou satisfeita com aquilo. Era muito simples. E algo que ela acreditava é que nada seria tão fácil quando o que as pessoas queriam normalmente fazer parecer.
-Se quer tanto saber, tem outro motivo. Minha loucura atingiu um nível que... Nunca poderei deixar isso... Até o que preciso para concretizar meus planos.
Falado isso ele recomeçou a andar, falando:
-Quando quiser volte aqui. É só pensar. E estará aqui.
Observava ele partir com certo medo e pena do jovem. Já que ele nunca deve ter possuído uma vida como a de qualquer outro garoto. O ódio por Lacktum estava marcado com aquela máscara sombria. Uma infância horrível. Bem pior que a de Lacktum. Com toda a certeza.
O esnobe mago de cabelos vermelhos deve ter sido bem tratado toda a sua vida. Nada com que ser preocupa. Com a única exceção que se devia em encontrar uma bela noiva, digna aos olhos de seu pai. O que mais um nobre poderia querer?
Estava mais do que no momento de voltar. E já sabia como. Pois notava que deixava aquela escuridão, finalmente. Fosse lá onde seu corpo físico estivesse ainda deveria estar em Gaya.

Os olhos se acostumavam com aquela imagem nova na sua frente. Nela estava seu grupo. Nikolai, Raquel, Zacharias e o rastreador contratado Jean estavam ao seu redor. Ali, tudo parecia fazer mais sentido que tudo observado até então. Literalmente teria acordado de um sonho.
Colocou a mão na testa. Parecia aliviada, mesmo com a sombra do clérigo a sua frente. O medo que tinha dele não era tanto quanto viver naquele mundo, onde segredos eram revelados. Como se estivessem diante de uma chama poderosa os extraindo da penumbra. Será que era bom eles virem à luz? Ou ainda os manter nas sombras do esquecimento? Nem imaginava o que era certo mais.
Com dificuldade, ajeitou-se em cima de uma cama improvisada. Cobertas caiam de cima dela, junto com peles. Parecia estar com muito calor. Mesmo com o frio que sentia naquela época, preferiu empurrar boa parte de todos aqueles tecidos. Isso até ter consciência que estava com muita pouca roupa. Na verdade estava nua, debaixo de tudo aquilo.
Voltou a se cobrir rapidamente.
-Quem fez isso? – inquiriu ela antes que os outros pudessem abrir suas bocas.
-Raquel! Eu juro – disse Jean se ausentando da culpa. Além de salvar Nikolai, o mais assanhado do grupo. Pois era notável o olho de desconfiança de Halphy para o alquimista.
A assassina pegou as cobertas como se elas houvessem lhe concedido um vestido. Levantou-se em um só golpe. Como se fosse uma leoa gritou aos homens que saíssem de sua tenda. Sem nem ter certeza se aquela lhe pertencia. Ao fazer isso, só sobraram Raquel e a mestra daquela expedição no lugar.
Uma maga introvertida como sempre ajudou Halphy a se trocar até ser interrompida pela própria. Parecia que a assassina notou algo em seu busto.
As garras de Halphy tocavam algo frio e quente mostrando um contraste. Ainda assim não era morno. Que raio de sensação seria essa? Tinha alguns detalhes que a faziam lembrar um medalhão ou colar. Diferente de qualquer um desses itens, aquele estava atravessando as escamas de seu corpo. Não havia dor naquele ponto.
Ela inclinou a cabeça para enfim olhar o item em sua pele. Era a Chama Gélida.
-Finalmente, você é meu, Gaya...
-O que disse Halphy? – perguntou Raquel ajeitando a roupa na cintura de sua colega. Aquilo aguçou sua curiosidade.
-Nada. Termine isso logo.
Estava pronta como a boa assassina que era. Se é que uma mulher assim poderia ter essa qualidade a sua profissão. Vampira de Almas estava embainhada, sua besta e adagas prontas para uma nova situação. Até seus truques estavam preparados. Magia e venenos. Não poderosos, só que eficazes o suficiente para causar o que ela queria. E assim obter sucesso.
Foi quando se lembrou dos acontecimentos diante do Portal da Verdade. As revelações eram demais para sua curta idade. Thror era uma forma para Fobos, um dos filhos de Ares. Sinestro foi causa de tudo que ocorreu até hoje para si e seus antigos companheiros. E Lucian não era nem metade do ser maligno que Dwalin poderia ser. O que mais lhe seria revelado? Era impossível conceber algo desse nível.
Contudo, isso não importava tanto agora. O artefato cravado em seu corpo faria que reis ajoelhassem ao seu comando. Elfos iriam lhe satisfazer como quisesse. Até mesmo ludibriaria demônios para conseguir o que queria. Gaya seria sua mesa de jantar. E ela aproveitaria de tudo, até fartar.
Mexeu os cabelos de forma sedutora, enquanto visava àquela mestra do saber. Encarou-a dizendo:
-Raquel revele-me seus segredos.
E ao falar isso, e com um brilho surgindo do item recém adquirido por ela, Raquel entrou em um transe. Qualquer pergunta seria respondida sem haver resistência. Halphy precisava de um teste de seu novo poder, e quem melhor que a pessoa mais introvertida daquela expedição? Deveria conter muitos segredos.

Enquanto a Chama reluzia Raquel mostrava o que Sinestro planejava para Halphy.
-Diga-me, por qual motivo Sinestro mandou você conosco? – questionou a assassina.
-Eu fui colocada nessa comitiva como uma vigia e espiã. Reportando tudo ao meu mestre Sinestro.
-Sempre achei estranha sua presença aqui.
Parecia que a jovem não tinha consciência de onde estava ou o que fazia. Respondia a tudo sem nenhuma vontade verdadeira.
-E você sabe que tipo de poder provém desse item?
-É algo que surge da mente. Os mais sábios chamam de a Lei. Completamente diferente da Arte, pois ela não cria nada. Só usa seu pensamento como uma perigosa ferramenta.
Halphy se questionou. Pensamentos como ferramentas? Serviriam como arma? Claro que deveriam servir. Já os estava usando assim. Talvez fosse de outra forma usada aquela linha de poderes. Não criar? Como seria isso? Também não importava se obtivesse o necessário.
-Diga-me o que reportou para Sinestro? Como o faz? Pois tenho certeza que o fez.
-Sim, eu o fiz. Através de uma pedra. Essa.
Ao terminar Raquel sacou de suas coisas um invólucro. Ele estava coberto por símbolos de origem arcana em um pano. Pelo pouco conhecimento que tinha sobre o assunto, aqueles símbolos eram de proteção. Na verdade impediam a localização exata daquilo. Ou até de saber que existia.
Quando finalmente retirou todas aquelas proteções, com o devido cuidado vislumbrou um diamante. Nele havia uma escrita mágica. Ao notar com cuidado aquele ideograma de mana agiu como se tivesse encontrado um enorme tesouro. Ele o fazia comunicar-se diretamente com Sinestro.
Era a resposta para uma pergunta nunca feita: se Sinestro confiava nela. Obvio pelo que estava na sua mão que não. Nunca havia feito isso. Mas jogaria conforme as regras. Até que ela pudesse as alterar.
-Eu falei que você é uma jovem intrépida, audaz, perspicaz, perigosa, maliciosa, talentosa, destrutiva e dissimulada. Tudo que vi de você nesses dias – disse a moça introvertida.
-Bem, bem... Qualquer coisa nova você deve me avisar. E esquecer-se dessa conversa.
-Sim Brown.
Falado isso, Halphy a mandou para fora da tenda. O próximo seria Nikolai.

Não é necessário explicar com detalhes a conversa. Só seu conteúdo em si.
Halphy sempre imaginou que Raquel fosse uma espiã. Mas como Nikolai se encaixava naqueles planos? Essa duvida perturbava a mente daquela mulher.
Uma das primeiras perguntas feitas foi sobre isso. Como o jovem Laskov se uniu ao Pacto de Guerra. A resposta foi algo que não imaginava. Amor.
Nikolai era um alquimista de talento, que um dia se apaixonou verdadeiramente. Quem diria. O mais cafajeste dos membros daquele grupo, na verdade era um dos mais românticos. Porém, o alvo de seu afeto teria que ser sacrificado para uma fera marinha. Algum tipo de tradição pagã. Ele tentou impedir esse ato enfrentando todo o vilarejo da jovem. Seus dons, no entanto não eram suficientes na época. Desolado, por perder seu grande amor, Nikolai se entregou as bebidas e ao vicio da carne. E em uma de suas noitadas encontrou um frade. Um homem fora do comum, que sabia das habilidades de transmutação do rapaz. Queria que o auxiliasse como espião para a Santa Sé, infiltrado no Pacto.
Tecnicamente, o grupo de onde esse clérigo surgiu não existe. É chamado Inquisição. Serviria para investigar os atos sobrenaturais que ocorrem por toda a Gaya. Compostos por sacerdotes com fé verdadeira, investigadores, espiões, alquimistas e toda sorte de arcanos. Não sabia com que finalidade, mas deveria ser proteção. Foram eles que mandaram Arctus e Gustavo atrás dos Dragões. E isso mostra que em pouco tempo sabiam onde estavam os seus alvos. Um perigo, talvez até mesmo para Halphy.
A próxima pergunta referia-se ao que Nikolai acabou descobrindo. O Pacto pretende obter um item em Roma, nas mãos da Igreja. Ao que parece é de extrema importância para os planos de Sinestro. Um artefato que seria o contrário dos criados pelo Desalmado e do Cavaleiro da Pele de Platina. Parece que era chamada Rosa Negra.
Se o que ouviu for verdade, essa coisa abriria os Portões Infernais. Como ou quando não imaginava. Só soube que Mallmor estava à frente disso. Ele estava nessa busca desde que Halphy partiu. Levando seus melhores homens consigo, sua meta é uma pequena igreja que poucos conheciam. Que os deuses sejam piedosos de todos, caso tenha sucesso.
Ela queria mais informações sobre aquilo, mas Nikolai só obteve informações confiáveis o suficiente para não arriscar sua própria vida. O alquimista era sábio.
Após tudo isso, Halphy falou o mesmo que para Raquel. Laskov saiu daquele lugar sem lembrar-se de nada. Foi quando notou que aquilo cansava sua mente através da Lei proveniente de Chama Gélida. O item proveniente do dragão que a fez do jeito que era agora.

O clérigo surgiu como uma sombra na tenda. Bem ameaçador, como de costume. Pegava um símbolo sagrado de Hades em sua mão, como uma menina que brinca com uma boneca. Olhava de canto para sua mestra. Só maldade surgia na sua face
-Vejo que esta brincando com seu novo presente. Não há de que – falou ele criando um sorriso maléfico e cruel.
-O que quer careca?
-Não é assim que se trata uma criatura superior.
-Você fala besteira de tantas formas.
-EU sou seu superior. Nunca se esqueça disso.
-Em que mundo?
-No Inferno e fora dele.
A garota pegou uma caneca com água derramou seu conteúdo em um prato de madeira. Em seguida jogou o liquido em sua própria face. Parecia ter ignorado o que foi dito, até a próxima frase:
-Eu não estou sendo irônico Brown. Eu vim do Inferno. Ou melhor, de uma versão dele.
Halphy parou todas suas ações.
-Bem, imaginava que fosse um demônio... – falou com certo receio, a antiga ladina.
Ele se aproximou de forma bem sinistra da jovem.
-Eu não disse que era um demônio minha cara. Deixe-me explicar...
Ao começar as suas falas, o sacerdote demonstrava ser bem mais velho. Séculos mais velho, literalmente. Visto que falava sobre uma época em que Roma dominava o mundo conhecido. No qual a Guerra do Arco e do Machado ainda não era nem cogitada. E os Imortais Esquecidos não passavam de um grupo simplório de aventureiros inconseqüentes. Quase tão tolos como os Dragões da Justiça.

Zacharias foi um clérigo. Não era mais. Na época, em que os deuses antigos ainda mandavam nas terras dos povos celtas, um homem acreditava em Hades. E por tanto, ainda servia ao Senhor do Submundo grego. Fugiu de sua terra natal por algum motivo sombrio. De qualquer forma, o sacerdote era um fiel e seu fanatismo foi recompensado. Literalmente era um mensageiro das trevas, servindo ao demônio Syrus. Ele foi responsável por trazer Kayla Sabá até esse plano de existência. Esteve nas sombras, servindo como um servo cruel. Queria mesmo era poder, não mais abaixar a cabeça como um cordeiro apenas. E então formulou o plano que faria sua vida mudar drasticamente. Absorver o poder de um deus.
Naquele tempo, ele aprendeu um ritual ancestral. Algo parecido com os antigos encantamentos dos atlantes, de onde se originaram Kanglor, Lotar, Jade, Caliban e tantas outras divindades. E eles já foram humanos. Se um homem mortal conseguiu tal poder, talvez obtivesse resultado onde tantos outros falharam. Pois aquilo não seria fácil.
Seu ritual seria feito quando o Portal Infernal estivesse abrindo. E foi o que ocorreu. Só que algo muito estranho frustrou seus planos.
O motivo que o fizera esperar que a passagem para o Hades estivesse aberta era que o ritual necessitava absorver também as forças do plano de origem da divindade. Só que isso não ocorreu. Na verdade, ele absorveu a força de seu patrono e algo mais. Uma das esferas negras que parte de uma trama muito maior.
Isso o fez ser mais um dos envolvidos na maldição dos Imortais. Só que não era tudo. Ele, como Gor, Kalidor e Galtran, faleceu e despertou séculos depois em uma das batalhas descritas no Livro das Vidas Esquecidas. Nessa época, os poderes se consolidaram e algo mais. Como se fosse uma nova personalidade. Mal sabia o tolo Zacharias, que dentro de si residia um fragmento da consciência do deus que serviu e traiu. Foi feito isso, pois assim conseguiria se esconder. Especialmente sabendo que existiam arcanos poderosos no grupo de aventureiros.
Em resumo, o clérigo tinha parte da mente de Hades.

Halphy se espantou.
Estava do lado de um deus.
Ou quase isso.
Não importava mais. Pois entendia que estava ao lado do ser mais poderoso que já encontrou em sua vida. Ou queria assustar completamente a moça, ou estava diante da maior verdade do mundo.
Os seus olhos se agitavam como vaga lumes.
-Você é...? – gaguejou a Halphy.
-Eu não sou. Eu tenho o poder de Hades. Uma parte. Uma pequena parcela.
-Como assim? Quanto?
-Um quatorze avos.
-Como?
Ele riu de maneira sombria. Como só o sacerdote conseguia.
-Digamos... Que se um deus fosse um homem... E o ser humano uma formiga... A ponta do dedo dele seria a representação de meu poder. Até mesmo com uma parte disso, eu sou capaz de maravilhas dignas de um mago.
-Certo...
-Ou melhor, o mais poderoso arcano de Gaya, no mínimo.
Ela olhava com desconfiança e cinismo para Zacharias.  Queria retomar o controle da situação. Porém, aquela aura mantinha seu sangue congelando. Lembrava daquela vez com o homem na Grécia.
O único detalhe é que como uma mortal sua determinação falava alto. O sangue voltava a correr em suas veias. Lentamente, mas voltava.
-Por qual motivo fala isso? Que motivo possui em revelar tais segredos?
-Uma tempestade se aproxima – disse o homem olhando para fora da tenda. Nuvens negras e fortes cobriam um céu noturno. Correntes de energia espremiam aquelas formações.
-Vejo mesmo. Pode ser só uma mudança pequena no tempo.
Enquanto saia do local, Zacharias falou misterioso:
-Não se trata daquela formação. Eu lhe falo o seguinte, vá até aquela floresta a leste. Lá encontrará um velho conhecido.

Sentiu medo em seguir aquelas palavras. Era como seguir um conselho do demônio, só que era pior. Estava ouvindo o deus de um demônio.
Caminhou um bom tempo entre aquelas árvores. Lembrou-se de seu tempo de criança, passeando pelas terras do Reino da França. Quando queria ficar sozinha, deixando sua mãe tão preocupada. Era uma sapeca desde cedo. Cheia de vontades e desejos. Pouco se importava se alguém estava triste. Suas aventuras eram mais importantes. Em todos os sentidos.
Era triste o lugar. As folhas recebiam a água gélida como odres. Simples e comuns. Os galhos resistiam ao líquido, como se combatessem o temporal que estava por vir. As aves e animais não se arriscavam a sair visto que seu lar parecia cena de uma peça sinistra. Uma encenação de alguma bizarra comédia. Se ela concentrasse sua vista veria serpentes arrastando-se por entre galhos e folhas. Alguns falavam que estes seres eram de origem ctoniana. O que explicaria muitas coisas, visto que Zacharias não deveria estar longe.
Seu coração temia. Quando Zacharias falou que havia um velho conhecido lhe esperando, qualquer coisa poderia surgir. Desde um amigo, quando um inimigo. Que os céus lhe fossem favoráveis.
Chegou a uma clareira muito mal cuidada. Haviam cortado algumas árvores que concediam belos pedaços de madeira para queimar. Sabia disso, pois usava exatamente aquele material nas noites de inverno, como aquela.
Observava que no meio daquele lugar, sentado em um toco de árvore, existia um homem. Com cabelos loiros, aspecto jovial e um grande toque de magia. Como se tivesse nascido dela. Era um amigo do passado.
-Nico!

-A jovem Brown parece bem e saudável. Estava de passagem. Então quis lhe visitar. Além disso, preciso de algumas peles nesse tempo louco desse reino.
A assassina o abraçou como uma criança que nota seus pais chegando de uma longa viagem.
-Mentiroso! Sei que é um dragão! E dourado.
Nico soltou um sorriso amarelo.
-Notou que era isso quando me revelei em minha forma original...
-Forma verdadeira quer dizer?
-Forma verdadeira! No Portal de Ixxanon. Devem ter lhe reportado tudo não é?
-Óbvio.
-Você não parece surpresa.
-Sabia que você era alguma coisa. Só que nunca imaginei que fosse um dragão.
Nico riu de forma contida. Diferente do sacerdote, ele ria com calma e sem ser cruel. Um alívio para os ouvidos.
-Esta certa. Meus dons são fortes. Já minha atuação... É precária.
-Eu diria pífia. Mas precária resume melhor.
Agora era a antiga ladra que ria de um dragão. Nunca havia notado, mas Nico concedia uma aura diferente do sacerdote. Até mesmo o oposto de Daehim, dessa raça ancestral. Enquanto Zacharias fazia que seu coração fosse pressionado até parar, aquele ser dracônico a sua frente concedia liberdade de qualquer medo. Parecia um anjo, se acreditasse nessas tolices. Sabia que essas coisas eram dos tolos cristãos, então com certeza era o que muitos chamavam de fábulas. Já havia visto fadas, o que fazia acreditar nisso. Ainda por cima tinha sangue de elfos. Era impossível não crer.
O dragão em forma de homem começou a cheirar e encarar Halphy. Caçava algo na moça. A jovem nem imaginava o que era?
-Seu cheiro fede a uma ilusão. E ao seu ancestral, Sinestro.
Ela não se espantou. Apontou para os brincos que lhe concediam aquela aparência. Temeu o que veio depois:
-O dragão que algo com isso.
-E o que seria? – falou mudando sua feição a descendente de Sinestro.
-Não sei ainda, mas parece normal lhe conceder tanto poder, de uma só vez?
-Sim, mas...
-E ainda, tanto sua mãe como você não nasceram marduks. Foi necessário um ritual.
-Ei! Minha mãe não é uma meio dragão! – questionou Brown.
-Bem, se souber o mínimo sobre o Cavaleiro e o Desalmado, tem consciência que eles impediram um ritual. Esse rito, pelo que pesquisei era para torná-la uma marduk. Acredite. Existe muito mais envolvido nisso.
Isso deveria ser verdade.
Ouviram palmas. Procuraram o causador daquele som no chão. Quando cansaram de fazer isso fitaram os galhos das árvores. Escuras e sombrias, ótimas para uma emboscada. Como uma assombração, Zacharias estava em um galho bem firme. Sentado e encostado em um velho carvalho.

-Bravo! Eloqüente! Tocante meu caro dragão! Ikkanon, não é? Irmão de Ixxanon e Ixxamon?
Nico se virou de modo preocupado. Pensou que havia sido denunciado.
-Não, ela não me falou nada. Ninguém quer suas escamas douradas. Nem o seu coração, que, aliás, vale o resgate de um rei. Eu por outro lado, tenho um valor bem maior. Mesmo não sendo irmão de uma parte da constelação. Ou de um deus.
-Quem é você humano? Sabendo quem eu sou, deve ser mais respeitoso comigo!
O clérigo saltou em um monte de neve e não o atravessou. Ficou com os pés acima do gelo. Como se aquilo fosse uma pequena demonstração de poder.
-Ele disse ter uma parcela do poder de Hades! – revelou Halphy.
Com isso dito, Zacharias olhou com uma fúria cômica para a marduk.
-Você é uma verdadeira boca aberta. Tudo bem.
Halphy pode notar o olho de Nico virando de um fundo branco, para um dourado escuro. Parecia que queria tomar a forma de dragão, como já viu isso antes.
-Um servo do mal! Halphy venha! Podemos fugir ao menos!
Surgiu um riso diabólico que preencheu todo o espaço da clareira. Atingiu, literalmente, as árvores quebrando galhos, rochas ou qualquer outra coisa dentro do alcance daquele som. Se uma banshee acabasse de ser morta não faria tanto mal gritando suas lamúrias malditas.
-Fui eu que falei para a jovem sobre você estar aqui. Eu sabia, pois vi o futuro. Eu sei muito sobre o que esta por vir. E Halphy não irá com você – e antes que Nico falasse qualquer coisa, Zacharias explicou – pois não quer abandonar o Pacto de Guerra.
-Espere como você...
-Poder de Hades, ou esqueceu-se do que falou a garota? Você nunca presta atenção.
O jovem começou a se concentrar-se como estivesse pronto para assumir a forma original.
-Eu também farei isso – falou Zacharias.

-Nico! Não faça isso! É isso que ele quer! E você quer que eu vá embora? É isso?
Ele a afastou com a mão – ainda humana – com tremenda velocidade.
-Mais tarde nos falamos Brown! Agora se afaste o mais rápido que puder! – ao terminar a boca que soltou aquelas frases tornou-se a mandíbula de uma criatura colossal. As asas surgiam como brilhos únicos de energia lembrando até estrelas cadentes. Rasgaram o ar com tanto poder que afastou Halphy. Ele ficou agachado como se fosse um animal selvagem. Suas pernas e braços tornavam-se patas reptilianas poderosas que cresciam cada vez mais. De suas costas era possível notar brotar uma cauda de onde antes era sua cintura. Uma fileira de chifres surgindo em sua cabeça lembrava uma coroa magnífica. Ao revelar tal forma, um rosnado poderoso surgia em sua bocarra. Era possível escutar aquela verdadeira explosão em forma de som, até mesmo em outros reinos. Alguns falaram que era uma tempestade, só que os mais sábios e entendidos sobre o assunto escreveriam sobre o rugido de uma fera ancestral. Da Era Mitológica talvez. Estes sim estavam certos, mesmo não sabendo do que se tratava.
Ao notar que havia assumido sua forma plena, Ikkanon começou a voar. Alçou vôo em um só golpe de suas asas que cobriam até depois da floresta. Ninguém compreenderia o que era aquilo, visto que em muitos séculos, nenhum mortal viu um ser daquele nível ao ar livre. Uma luz radiante e dourada em plena noite. Quase um ser celeste.
Era diferente do dia em que viu Daehim abrindo suas asas, refletiu Halphy. Não tinha toda a força desse dragão dourado. Muito mais forte e com uma aura boa. Algo dominante. Mesmo sendo lançada varias vezes contra as árvores, devido ao salto da criatura. Parecia ter criado um pequeno tornado com essa atitude tão natural.
A marduk não sabia se ficava com raiva, espanto, medo ou arrependida. Só que no momento, aquilo não devia importar.
O que até alguns instantes tinha a forma do humano Nico abriu seu peito de forma clara. Por dentro das escamas, era visível o brilho do fogo. Era óbvio que um ataque de sopro estava para ocorrer. Aquela luz intensa começou a subir até onde havia as presas. O jato de chamas explodiu de uma vez. Lembrava uma enchente de tão forte. Trazia calor, ao invés de refrescar, no entanto. Tanto poder, ao qual só uma lenda tem noção de sua verdadeira extensão. E essa torrente estava apontada para o clérigo.
Nada ocorreu com Zacharias.
O fogo não havia nem tocado a floresta. Nem um mal ocorreu naquelas terras. Nem um pouco do gelo derreteu, nem um incêndio surgiu, nem uma pedra se partiu. Uma cúpula invisível e invencível lhe impedia de causar dano ao sacerdote de Hades. Seria incrível, se não fosse extremamente sinistro vindo dele.
Halphy, que foi lançada para um onde não seria atingida pela força dos ataques, viu quando a proteção absorveu o fogo do dragão dourado. Não sabia com o que se impressionava mais: com o poder do fogo de Nico ou a real extensão das forças de Zacharias. Aquelas chamas eram fortes o bastante para demolir um castelo sem deixar rastros. Até os olhos da assassina tinham dificuldade em abrir. O que aconteceu em seguida do ataque era muita coisa para assimilar mesmo assim. Deveria ser mesmo algo relativo ao poder do próprio Hades.
Que os deuses a ajudassem. Foi o que pensou ela naquele momento. Isso visto que não era uma pessoa muito religiosa.
-Zacharias o que... – antes que Halphy pudesse falar algo, ouviu em resposta:
-Shh! – fez isso colocando o dedo indicador na frente da boca – Essa é melhor parte. É a minha vez.
Correntes surgiram nos pulsos de Zacharias. Pareciam dois braceletes, ou no mínimo, duas cobras poderosas. Não era possível ver nem o seu começo ou fim. O traje cerimonial deixava espaço para uma vestimenta mais simples. Usava botas, isso era visível agora. A roupa, na parte do peito, estava aberta. Lembrava um manto, mas tinha mangas. Seu corpo rejuvenesceu dez anos no mínimo. Era óbvio isso com o seu rosto juvenil, sem barba alguma e com uma longa cabeleira. Quase parecia outro homem. Isso se não fosse mesmo outro.
Não sabia se aquilo era a forma verdadeira de Hades, ou uma revitalização de Zacharias, mas Halphy sabia que nada de bom viria daquilo.
O clérigo saltou repentinamente no ar como se pudesse voar também. Talvez conseguisse, mas preferiu não o fazer. Usou as correntes como lanças, ou algo parecido com uma corda, ao qual se equilibrava de forma única. Fazendo acrobacias que nenhum ser vivo conseguiria. Sendo voador ou não.
Aquelas correntes, mesmo parecendo enferrujadas eram firmes e poderosas. Tinham um aspecto tão destrutivo, que poderiam acabar com uma montanha. E Ikkanon era do tamanho de uma.
O dragão virou-se rapidamente para onde estava a jovem, pedindo que ela o acompanhasse. Era poderoso suficiente para saber onde ela estava mesmo sendo minúscula agora para ele. Ignorava por enquanto a investida de Zacharias.
-Eu não vou partir! – gritava a antiga meio elfa – Preciso ir à direção do meu destino! E nada me impedirá!
-Halphy eu sei que... – nesse mesmo instante, uma das pontas atingiu seu imenso corpo. O sangue quente e fervente saltou dele.
-Nico! – gritou ela.
Aquela imensa criatura se viu forçada a encarar o pequeno ser humano. Ou o que parecia com um.
Estava em pleno ar, assim como o próprio dragão. Com sua visão superior e seus sentidos extremamente aguçados, conseguia enxergar o sorriso sarcástico daquela figura, assim como o nível de magia inserido naquelas correntes. Algo beirando a insanidade.
Ao ter o seu corpo atingido por pontas metálicas surgiu em seu corpo, uma torrente de dores. De todos os tipos. Parecia que seu corpo fosse perfurado por flechas, machados, espadas, lanças ou atingido por um bastão, mangual, maça e qualquer outro tipo de armas, não alcançaria tal magnitude. O atingido gritava como um torturado.
Usando uma das patas dianteiras apanhou aquela corrente tentando medir forças contra o oponente. Cena sem sentido, visto que o clérigo mantinha-se forte como as muralhas de Tróia. Quanto poder ele continha era um mistério.
Era possível notar que a arma de Zacharias atingiu próxima a asa esquerda. Talvez, com mais alguns golpes nas áreas certas, Nico perderia a capacidade de voar. E precisava impedir aquilo.
Enquanto isso, abaixo Halphy gritava:
-Seu tolo! Eu disse que não deixarei o Pacto! Vá embora!
-Halphy, deixe-me cuidar desse ser e te convencerei.
-Quanta pretensão – falou Zacharias notando aquela cena.
Os dentes do dragão rangeram iguais a metal. Sua raiva seria quase palpável. Olhos cheios de fúria surgiam.
Preparou uma forte magia.
Bolas de fogo brotavam do céu frio atingindo o chão. O calor era tão intenso e supremo, que ao alcançar o solo, qualquer árvore nas proximidades, tocada pelas esferas tornavam-se cinzas instantaneamente. Quase como se jamais tivesse existido. Era uma batalha de deuses, e Halphy estava abaixo de tudo aquilo. Ela se sentiu como se fosse à pessoa mais azarada e afortunada do mundo ao mesmo tempo.
Aquele ataque mágico – que não precisou de nenhum componente verbal ou gestual – atravessou o corpo daquele suposto clérigo. Ele não ligava para aquilo. Nem um pouco.
-Como pode? Deuses antigos – falou um desolado Ikkanon.
-Nico, não se preocupe com os deuses. Já esta diante de alguém com os dons de um deles – falou de forma tranqüila seu oponente.
Usando sua asa direita, Ikkanon atacou o clérigo. Cada golpe que lançava mais parecia um fenômeno natural. Dessa vez lembrava mais um deslizamento.
-Cale sua boca cobra! Além de tudo profana o significado de divindade! Seu herege! Não vou permitir que corrompa essa jovem! Entendeu criatura nefasta!
-Ele nunca me corrompeu! Entenda!
Zacharias, que pairava no ar, agora corria por ele. O pequeno homem foi girando até o pescoço do dragão. Começou a fazer sua corrente se enrolar lentamente, de maneira que o dragão teria como retira-la. Só que mesmo possuindo força suficiente para arrebentar com itens como aqueles, a magia nela era extremamente poderosa. Tinha que se libertar daquela coisa de qualquer jeito. Sua vida era valiosa demais para terminar de forma tão tola.
Estralando cada parte de seu corpo draconiano, começou a mover-se para enfim fugir do seu captor. Até o som de seus movimentos lembravam mais uma grande quantidade de casas sendo esmagadas. Nenhum momento seria desperdiçado. Cada fibra do seu ser procurava a liberdade. Estufou o peito e o contraiu de forma a afrouxar suas amarras. Demorou mas o plano deu certo, mas fazendo o sangue escorrer um pouco mais.
Mesmo sendo uma criatura quadrúpede, o dragão se ajoelhou, tentando compreender a situação. Não entendia como aquilo funcionava. Sendo um ser de tal classe como poderia causar dano a um dourado. Ficou cansado de tentar achar uma resposta.
-Halphy! Venha comigo! Poderá se salvar!
A jovem fugiu até uma das árvores. Já sabia que Nico a escutava, ainda assim, foi até o topo de um carvalho.
-Você não entende? – enquanto pronunciava aquelas palavras, Halphy passava a mão em seu rosto. Parecia cansada e farta daquela situação – Eu sei quem é Zacharias, sei o que Sinestro pretende... Em parte. Só que eu quero continuar.
-Não haverá futuro se continuar aqui, com eles! Entenda!
-Olha o que diz faz muito sentido – interrompeu o clérigo, como se estivesse alcançando muita diversão – Digamos que suas palavras cheias de justiça fazem sentido.
O dragão virou-se. Notou a pequena figura. Petulante, estufando o peito, achando que era superior. Talvez até fosse mesmo. Havia um problema, no entanto, ele era um dos Brilhos de Isis. Seu status estava em jogo, assim como a justiça, a força e todo o resto.
-Eu não vou me rebaixar! Não vou perder! – e ao falar isso, batia no peito com força. Fazendo sons como se fosse autoridade.
-Você não se rebaixará. Disso pode ter certeza. Mas sobre perder...

O golpe seguinte foi com a enorme garra dourada. A altura e o tamanho daquela parte do corpo eram imensos. Uma vantagem o dragão pensou. O triplo da medida de Zacharias, pelo menos. E assim mesmo o clérigo aparou com uma só mão. Facilmente deteve o ataque. Isso, sem saber foi um truque.
Uma nova torrente de forças arcanas explodiu naquela garra. Dessa se tratava do poder de criar objetos de metal. Criou milhares de armas. Elas atravessaram de frente o corpo daquele homem, não deixando nem um pedaço visível. Sobrou só uma mancha de sangue. Ao que parecia havia vencido, momentaneamente pelo menos.
-Brown! Sei como se sente – falava ao ar, já que não sabia mais onde a garota estava – Você crê que é invencível com o tal artefato prometido. Saiba já agi assim. Você não esta sozinha!
Fale com ele, seu coração gritava. Mas a razão de Halphy, sua maior amiga, falava mais alto. Ou seria sua ambição? Nada disso importava.
-Ela não irá. E mesmo que fosse eu impediria. Os planos que tramei necessitam dela no Pacto de Guerra.
Olhando e ouvindo aquilo tudo, Halphy notava que se envolvia em algo muito maior. Superior a qualquer coisa já feita. Primeiro caçou um poderoso artefato que controlava as pessoas e seres conscientes. Depois, se aliou a um espírito de dragão esmeralda. Por último estava em um grupo ao qual participava aquele clérigo que supostamente absorveu o poder de Hades. Cada vez mais sua vida emaranhava-se.
Ela pensou tudo isso devido ao notar de onde ouviam aquela frase.
Da mancha de sangue começaram a surgir fios infinitos vermelhos. Começaram a formar um círculo com cada trilha da forma escarlate, com isso criando uma silhueta humana. Esses filamentos começaram a unir-se em ossos. Estrutura para um corpo frágil, assim aterrador. Visto que se uniam em um só. Após tudo isso, era a vez da carne, o envolvendo em algo próximo da forma de Zacharias. Até que finalmente a pele e cabelos formavam um clérigo renovado, como o que começou esse combate. As roupas surgiram em seguida com mais rapidez. Nada tinha acontecido pelo que aparentava. Sequer sentia-se incomodado com o que houve antes.
-Ai, ai... Nico é como gosta de ser chamado? É a minha vez agora.
Em um salto único e seco, superou a altura do dragão mais rápido que um pensamento. Sem contar com as pedras destruídas pela pressão de suas pernas antes do ato. Estava preparando uma ação digna de um titã.
Sua corrente cresceu de tal maneira para o céu, que ele poderia ferir a lua se quisesse. O que aconteceu, porém, foi diferente. Zacharias pegou e puxou o item metálico no ar de forma que parecesse mais um chicote. Porém, não era só uma. O item metálico dividiu-se em oito partes, fazendo um som insuportável e poderoso.
Ao arrastar aqueles itens no ar os projetou com toda a força que podia contra Nico. Enquanto falava isso, o homem que agora tinha cabelos negros soltava gargalhadas histéricas, cheias de uma loucura poderosa. E o golpe foi aparado por aquele ser magnífico. Só que algo estava errado.
O membro esquerdo que deteve aquele golpe parecia derreter ao toque da corrente. Chama não era. Parecia ser algo mais forte, talvez algo que Ikkanon nunca mais viu. Metamagia bruta.
Muitos falavam sobre isso. Quando um arcano alcançava um grande nível, sua manipulação do mana era tamanha chegando a um ponto extremo. Ele entende, controla e cria formas de poder bruto. Com isso, as magias possuíam um efeito maior e mais devastador. Metamagia era uma energia extremamente complicada, quase que explosiva, que poucos sabiam lidar. Um ser que realmente mexesse com isso deveria alcançar um grau de iluminação tremenda. Caso contrário, se arrependeria amargamente.
Parecia que o dragão não poderia vender. Jogava sempre o mais forte feitiço contra aquele suposto corpo humano. As forças usadas até então, nada faziam. Quando seu inimigo perde forças ele recuaria, é o que pensou. O que acontecia ali era inconcebível. Aquela coisa, não importando o que fosse mantinha-se firme e forte. De uma forma inconcebível, o rapaz ou monstro não tombava. Era feito um ser único, raro no mínimo.
Novo golpe, mesma corrente. Dessa vez segurou o ataque com a garra. Ela começou a arder. E o brilho arcano se intensificava. Parecia pronto para explodir. Nico gritava pela dor. Contorcia-se até ajoelhar.
-EU NÃO SAIO DAQUI SEM BROWN!
Zacharias riu, mais uma vez. Uma gargalhada cruel. Como só ele faria. Limparia o rosto de lágrimas por chorar tanto, se tivesse soltado ao menos uma.
-Você é hilário Ikkanon – o homem parou e balançou a cabeça baixa em negação – Eu estou tentando ser simplesmente sincero. Até agora não entendeu. Ela não irá contigo, visto que nunca usaria a força para levá-la. A justiça é seu fraco. Esta perdendo todo o seu tempo. Eu sei. Eu vi seu futuro. Você irá perder a batalha. Seu destino estará selado. É engraçado, pois você irá fazer um discurso... Aliás, comovente, tocante quase. Não vou detê-lo. Longe de mim! Só gosto de me divertir falando que tudo que faz é inútil. Falar que as minhas palavras são verdadeiras. Pois realmente são! Inútil de qualquer forma, pois vai morrer. É o seu destino. Assim como o meu é tornar-me seu executor. Sinceramente, falo só para que não vá ao outro mundo triste comigo. Compreende-me, não é?
Nico soprou suas chamas ao céu.
Enfiou a garra que não estava ferida contra algumas árvores. Aquilo não foi por querer ficar em uma posição quadrúpede. Longe disso. Era pela dor causada no ataque anterior.
-Eu não quero saber. Você obteve o poder de um deus. O que lhe concede o direito de agir como uma? Eu conheci divindades, e nenhuma delas era tão egocêntrica. Assim mesmo prefiro a humanidade. Com todas as falhas deles. E sabe o motivo para querer tanto o bem deles? É que enfrentam muitas vezes, um inimigo muito maior que eu ou você. Este oponente misterioso e perigoso é chamado de vida. Ela é suja e fria, derrubando o mais forte dos homens. Acontece que não se trata de atacar – e ao falar isso, voltou a se apoiar nas pastas traseiras – e sim de quanto consegue agüentar. É isso que admiro neles. Lutam mesmo sem ter forças. Como eles, eu não irei desistir.
Quando terminou aquela frase, abriu a bocarra. O fogo surgiu tornando-se uma torrente de calor. Sua força consumiria tudo, devastando o que estivesse na sua frente.
O golpe foi absolvido mais uma vez pelo homem. E dessa vez ele olhou com força e crueldade.
-É agora que eu te mato.
Dessa vez surgiu uma tempestade de correntes. Tantas e de vários lugares que começaram a atingir o corpo colossal. Atravessaram as escamas fazendo-o sangrar rios. Este golpe fez se curvar de forma humilhante.
Bufava e soprava com raiva e ódio. Sentindo-se injustiçado com a situação.
-Enfrente-me! – fala se debatendo contra as ligas metálicas – Você é um covarde.
Cada movimento era um osso ou membro machucado. Quando isso ocorria els soltava fogo pelas narinas. Ainda conseguia lançar magia.
Na garra machucada e ferida surgia uma força invisível, uma mão imensa que esmagava lentamente o clérigo. Concentrando sua força arcana enxergava tudo com seu único olho bom. Já que o esquerdo foi perfurado por dúzias de itens cheio da magia de Hades. Difícil era manter essa única magia.
-Sabe que isso não me fará nenhum efeito? – falou enquanto Zacharias era esmagado por Nico.
E isso foi mais uma vez inútil. Como nas outras vezes.
Halphy, que a tudo observava calada, notou que as correntes vinham de lugar algum. Não sabia com o que se impressionava. Com os poderes ali mostrados isso ou com a força de vontade de Nico. Era um grande ser. Nem pelo tamanho, mas por sua moral. Não era um hipócrita, feito Lacktum. Ele realmente queria salvar a antiga meio elfa.
Ela caminhou por um bom tempo até chegar a um dos olhos de Ikkanon. Era parecida com uma mosca próximo de um homem.
-Ah Nico... – disse ela acariciando aquilo que parecia uma pálpebra.
-Halphy... Fuja...
-Não entendeu? Eu não quero ir.
-Ele compreendeu – falou Zacharias um tanto raivoso – Só não quer admitir. Pois ficou com medo por você. Ele preocupa também com Lacktum e todos os seus antigos amigos. Tem um apreço por aquele grupo.
Mais uma vez o dragão bufou, enlouquecido.
-Eu farei tudo isso de novo se preciso.
A mágica criatura fitou com seu olho enorme a assassina.
-Perdão – disse a mulher.
De algum lugar de sua enorme face uma lágrima foi derramada. Encharcada em vermelho. Tão grande que mais parecia um rio. Então foi possível ver que dragões podem chorar.
-Não me peça perdão. Lembre-se te pedir perdão a si jovem ladina.
Em cima do corpo, Zacharias passeava. Uma pessoa que andava por uma montanha que respirava era o que muitos diriam sobre aquela cena. Com uma mão no formato de concha para baixo e a ponta da corrente mirando em direção de se sua vitima, decretou.
-Eu errei. É agora que eu te mato.
Ao falar isso a corrente perfurou aquela formação. Estourou aquelas costas cheias de escamas com força suficiente. Não era só um berro, era um lamento. Para si mesmo. Não fosse pela imunidade de Halphy teria ficado surda, pois Nico morreu como um cão, ao invés de um dragão.

A tempestade ficou mais forte. Parecia que o tempo chorava pela perda do universo. Um coração nobre, cheio de poder, mas que se preocupava com os mortais. Alguns poucos conheceram sua verdadeira face. Isto ocorria, pois nunca havia se revelado plenamente aos homens. Suas ações eram sempre nas sombras, assim como fez com os Dragões da Justiça. Ele agora perdeu a jovem Brown. Era uma pena.
Ao último gemido, Ikkanon em um rápido movimento tomou sua forma de humano. Estava boiando no sangue que derramou no chão ao ser encurralado. Seu peito tinha a perfuração das correntes sombrias. Além de todas as marcas de combate. Até mesmo suas túnicas estavam destroçadas. O pobre ser amou mesmo a humanidade.
Os dois, ao lado do corpo, contemplavam o triste fim do dragão. Ele merecia um enterro, mas Zacharias falou antes de Halphy:
-O deixe como esta.
-Como assim? Ele merece ao menos um enterro. Foi minha culpa.
-Vocês mortais se culpam pela morte dos outros, não é?
O rosto da jovem encheu-se de raiva. Mais uma vez o clérigo interrompeu:
-Mesmo na morte ele tem um propósito. Deixe-o ai. Logo o encontrarão. Acredite em mim.
-Que alternativa eu teria?
Ele passou perto da assassina.
-Não tem. E é por isso que eu digo a verdade.
Quando terminou aquela frase, em uma piscada de olhos, ele tomou a forma do homem careca. Estava como antes de tudo aquilo.
Aquilo seria uma casca para Hades ou aquilo que viu antes era Zacharias mais novo? Nunca saberia ao certo, só que pouco importava. Um antigo amigo havia morrido.
Seus passos eram mais pesados. Cheios de raiva. De si mesma, pois não salvou o dragão. Do clérigo, já que ele foi o causador daquela morte, fisicamente falando. E de Sinestro e do Pacto de Guerra, os fazendo entrarem nessa empreitada. Um sentimento de fúria contra tudo e todos.
Pensou que o Inferno, se acreditasse nesse tipo de coisa, deveria ter um leito para si.

-Acalme-se Traidora de Dragões.
-Qual o motivo de me intitular assim? Nico já foi um aliado. E um amigo. Mas não significa tanto hoje em dia. Só me comovi – disse ela com olhar perfurante ao clérigo.
-Primeiro, sei muito bem que não é bem assim. Eu posso ver seu coração como uma fogueira enorme. Quando eu matei o dragão, você segundo... Quando falei que é uma traidora. Não especifiquei que seria relativo a Ikkanon.
Eles andavam na direção do acampamento. Parecia uma eternidade chegar até lá. O peso no corpo surgia não era da tempestade abrandando. Era de sua alma atormentada. Só que quando isso ocorria, tocava no artefato. Já havia se acostumado com aquele peso. Tudo aquilo compensaria pelo controle e o poder.
O vento que surgia com aquele clima era fraco, trazendo um choro que lembrava e um terrível lamento. Era fraco trazendo uma brisa. Ainda assim, cada floco de neve tocava nas feridas. Mesmo aquelas que cicatrizaram bem. As dores do silêncio naquele lugar traziam medo.
As tendas mal agüentavam o vento e a neve. Os panos dobravam e se retorciam. As cordas ainda se mantinham fracas, mas quase por um milagre. Enfim, depois te observarem o estado de seu acampamento provisório, eles entraram no lugar.
Lá estavam Raquel e Nikolai. Jean dormia, mas foi despertado com entrada dos dois.
-Onde estiveram? – perguntou Nikolai, de modo ciumento – Eu fiquei preocupado.
-Não é da sua conta! – falou em resposta a moça.
-Esta bem.
Todos olharam assustados para a assassina. Ela abriu a boca para falar de modo sombrio. Achariam que ela iria pedir desculpas, mas não o fez. Fraqueza jamais seria tolerada.
-Peguem suas coisas. Partimos agora – falou Zacharias autoritário.
Halphy virou a cabeça na direção dele, repentinamente. Os outros dois membros daquela expedição olharam com espanto. Sempre souberam que Zacharias era um ser demoníaco. Até então, ninguém nunca afrontou a autoridade da assassina e líder. A jovem trazia consigo uma fúria em seu semblante.
-Como ousa...
-Cara Halphy... Seus poderes não estão em plena totalidade. Precisa de algo. Terá que confiar em mim quando digo que devemos ir ao norte, até uma vila. Assim, Chama Gélida lhe fará ascender.
Tinha acendido mais uma vez a chama da ambição em Brown. Ela gostava de poder, e esse desgraçado sabia. E muito bem por sinal. Teria que saber se isso era verdade pelo menos.
-Do que fala? Explique-se – exigiu Brown.
-Venha comigo. Ai saberá.
-Fará isso? – questionou Jean esfregando com sua mão o rosto.
Ela colocou a mão na nuca, pensando de forma confusa sobre tudo aquilo. E agora, a única coisa que sobrou foi manter-se naquela linha de raciocínio. Antes pediu um tempo para Zacharias. Precisava debater com alguém.

Encontrou uma caverna. Isolada e longe o bastante para escutar qualquer movimento estranho. O que estava para fazer era inédito. Nunca pensou que precisaria fazer aquilo.
Vez ou outra recebia mensagens de uma pessoa já conhecida. Nunca quis lhe responder. Dessa vez, precisava comunicar-se com o sujeito. Mesmo odiando ele.
Sentou-se em uma pedra na caverna. Cheia de limo, ao que tudo indicava. Tirou de sua mochila uma forma esférica, que a muito não tocava, nem via.
-Revele a mim onde Lacktum Van Kristen esta, ao meu sinal cristal.
Uma luz forte preencheu aquele espaço, com clareza o bastante para ver na escuridão dentro do cristal, pois lá era noite. Onde enxergava pelo menos era.
Deve um pouco de tonteira. Isso aconteceu, já que enquanto olhava o alvo de sua futura conversa, este observava ela através de um espelho! Uma infinita formação de reflexos brotava daquela visão. Até que estranhamente a imagem estabilizou-se. Havia se fixado no rosto da cabeça de chama.
-Halphy! Há quanto tempo.
Esta por sua vez olhou para fora temendo ter sido perseguida. Não foi. E notou com mais cuidado, que na verdade estava em uma gruta congelada.
-Realmente, Van Kristen.
Sorriu de uma forma que só ele conseguia. Fazia tempo que não escutava aquilo. Risadas com sinceridade. Ao menos queria acreditar que fosse.
-Pode tratar-me por Lacktum.
-Prefiro Van Kristen.
-Esta bem. Onde esta?
-Isso não importa.
-Suave como uma invasão de castelo. Esta nervosa.
-Digamos... Um pouco.
Lacktum encarou Halphy com força. Sentia um ar de cansaço na voz da jovem.
-O que houve? Parece exausto mago.
-Ah! Sim. Estamos em terras do norte. Adentramos uma caverna perigosa. Onde sabemos que há um demônio.
-Interessante. Tenho uma notícia que o deixará espantado.
-Não sei como. Esse último mês foi... Bem único.
-Digamos que estou andando junto a um homem que absorveu uma parte do poder de Hades.
Falado isso, Lacktum engoliu em seco olhando de forma espantada para o espelho. O rosto de satisfação dela era notável.
-Bem... Assim... Falando desse modo... Ah! Tenho que lhe comentar sobre Thror.
-Eu sei que Thror era o semideus Fobos.
Lacktum levantou a mão e abriu a boca de uma forma quase cômica. Ele queria contradizer a meio elfa. O argumento era forte, no entanto. Pensou no caso e deu de ombros. Voltou a falar.
-Bem... Compreendo isso... Quem é esse sujeito? O tal que obteve o poder de Hades?
-Seu nome é Zacharias. Ele esta vivo desde que os imortais surgiram.
-Isso sim é algo preocupante. Mas que nome é esse? Zacharias... Nome feio... Parece de goblin.
-Olha quem fala! O mago Lacktum.
-Meu nome é lindo! Só que o desse sujeito é uma coisa horrível. Uma afronta.
-Devo concordar com isso. Quem lhe concedeu esse nome o odiava.
-Realmente.
Tirando Jean, Lacktum era mais uma das poucas pessoas que ela conversou ultimamente de modo agradável. Após refletir nisso, a assassina se pegou em um dilema. Se iria mesmo falar sobre a morte do dragão dourado que conheceram como Nico.
-Eu tenho que lhe contar algo.
-Relativo ao que?
As palavras fugiam de sua boca. Antes parecia que seria fácil. O que aconteceu era completamente diferente do que havia lhe acontecido até então.
-Olhe Halphy, compreendo caso esteja arrependida.
-Arrependida? – ridicularizou a garota com uma risada digna de Zacharias – Eu tenho muito mais poder do que jamais imaginaria. E você se arrastando por masmorras...
-Catacumbas! Isso aqui esta mais para uma catacumba... Acho eu.
-Que seja... Só deixe-me falar. Um conhecido nosso faleceu hoje.
O mago embranqueceu. Temeu pelo pior. Assim mesmo, exigiu da antiga colega aquele nome.
-Nico ou Ikkanon, faleceu pelas mãos de Zacharias.
Aquilo foi um golpe poderoso em sua mente. Como alguém poderia ter causado mal a Nico? Não era só pelo poder inerente que um dragão possui e sim, referia-se a sua bondade e vontade. O próprio Lacktum sentia-se próximo dele, mesmo em sua fase mais rebelde.
-Como isso ocorreu?
-Ele quis combater Zacharias.
-Praga.
-Você por acaso esta bem com tudo isso?
-O que quer dizer? – questionou uma irritada Halphy.
-Nada só queria saber mesmo.
-Seus comentários parecem conter malícia.
-Não! Falo sem nenhuma maldade. Mas até que me senti bem agora...
-Certo – ela então o fitou ainda com certa desconfiança devido à última frase.
Os dois fizeram uma pausa. Pareciam um pouco constrangidos.
-Halphy, eu estou indo na direção de um homem santo.
-Por qual motivo?
-Nem eu sei.
-Mais um daqueles destinos misteriosos, não é?
Ele afirmou com fortes movimentos da cabeça. Em seguida soltou como uma flecha;
-E obteve o que tanto desejava?
Então ela pensou em um plano. Talvez, através do espelho, pudesse dominar o mago. Que genial seria ter ele como um escudo e espada arcanos. Se ainda estava vivo, seu poder aumentou de forma considerável até. Agora queria usá-lo, como fez com Nikolai e Raquel. Até mais.
Ativou a Chama Gélida. Instantaneamente notou que o item falhou pela primeira vez. Sorte de Halphy ele não ter notado aquilo. Parece que os efeitos da Lei podem ser mais brutos, só que menos perceptíveis também.
-Não, mas estou no caminho certo.
-Que bom! Seja lá qual for.
-Devo ir embora. Só queria mesmo lhe avisar sobre a morte de Nico, assim poderá tomar cuidado com esse Zacharias. Ele pode ser uma ameaça poderosa demais.
-Compreendo. Ainda preocupa-se conosco.
Aquela frase a fez ficar indignada.
-Coloque uma rolha nessa boca que solta besteiras iguais a de um bêbado!
-Acalme-se! Simplesmente falei o que achava.
-Ache menos, certifique-se mais.
-Certo.
-Adeus Van Kristen.
-Adeus... – E antes que ele pudesse falar qualquer outra coisa, Halphy quebrou a conexão entres os itens. Fez isso movendo a palma da mão sobre a esfera e fechando logo em seguida.
Qual não foi sua surpresa quando levantou seus olhos e notou que havia um homem ali. Ele refletia segredos em seus olhos.

-Quem é você?
Ao soltar aquelas palavras, a assassina caçou uma arma. Havia deixado sua principal lâmina assim como sua besta e virotes no acampamento. Ainda tinha uma adaga. O maior problema constituía-se na região em que estava. Só sabia estar no reino da França. Não sabia mais nada da localidade. Além disso, teria que contar com a sorte se o grupo não viesse a tempo. Pois se isolou exatamente para isso. Quem poderia ser ele? Maldito.
-Não se aflija Halphy. Vim em paz.
-Pode até mesmo ter vindo em paz com uma pedra preciosa para me entregar. Não quero saber. Eu quero saber quem é você. E como sabe meu nome?
-Chamo-me Thomas na sua língua.
-Esse nome não é élfico. É humano.
-E você? Nem uma elfa é mais.
Ela o olhou com raiva. Será que aqueles malditos brincos serviam para algo, além de adorno? Ninguém parecia ser enganado por aquilo. Enganava os mundanos e os mais fracos, mas qualquer outro parecia ver sua forma verdadeira.
-Quero lhe conceder um aviso: tudo que fez ou faz tem seu preço. E o dia para isso aproxima-se. Quando isso acontecer tenha mais de uma opção em mãos. Analise isso, com extrema cautela. Já que seu tempo em Gaya não será longo.
Com um piscar de olhos, da mesma forma que veio, Thomas sumiu. Do nada.
-Praga! Só me envolvo com gente esquisita...

Após os acontecimentos na gruta, Halphy chegou até o acampamento. Havia cavalos, todos preparados para levar os membros daquele bando até o destino proposto por Zacharias. As montarias também haviam surgido graças ao poder do mesmo.
A tempestade tornava-se forte, visto que mal era possível ver o caminho. O clérigo falava que era só seguir em frente. Aqueles corcéis os guiariam aonde quer que fossem pela magia sombria que controlava.
Cada um estava em sua respectiva montaria. Cavalgavam na tempestade que chegava cobrindo os campos que antes tinham um tom castanho. Todos com seus pesos nas consciências. Alguns mais que outros, sendo que havia aqueles sem nenhum. Traziam consigo segredos e batalhas internas.
Halphy trazia em sua mente o que ocorreu desde que obteve Chama Gélida. Soube do amor perdido de Nikolai, o que Raquel pensava de verdade sobre ela, a extensão dos poderes do sacerdote Zacharias, os segredos de Kalic e Lacktum, além de ter mais um estranho surgindo em sua vida. Tudo isso e a morte de Nico. Ao que tudo indicava a única coisa que se mantinha normal era o rastreador, o mais simples dos membros. Não admitiria em anos, mas gostava que ele estivesse ali. Pois a trazia um ar de paz para si.
A neve continuava a cair e ficou mais poderosa. Apagando os rastros naquele gelo grosso e alto. Seria bom se aquela tempestade sumisse com as lembranças sombrias dos últimos dias também. Parecia em alguns pontos que era até purificadora. Trazendo um pouco de paz, junto com o silêncio. Lembrava uma mentira branca. Ou algo que enganava o coração.

No meio de toda aquela neve, grevas pesadas de um aço negro muito raro atravessavam um campo devastado. Não existia sinal de árvores, ou qualquer animal nas proximidades. Havia, além do gelo, uma grande e imensa poça de sangue de algum ser colossal. Com a armadura, demorou a alcançar o centro do lugar e alcançar seu objetivo principal. O rosto dele espantou-se com aquele corpo no lugar. Assim mesmo, o colocou em seus braços.
Encarou o morto dizendo:

-Ainda devo muito aos seus irmãos. Especialmente o mais velho. Vou te levar pra casa.