sábado, 11 de abril de 2015

(Parte 34) "Não toque a chama"



Os quatro aventureiros rezavam aos seus respectivos deuses. Lacktum, mesmo sendo um descrente pedia ao líder das divindades asgardianas seu auxílio. Ulfgar, um paladino de Thor, fazia com que sua coragem crescesse a cada vez que pronunciava o seu nome. Siegfried acreditava muito em Tyr, deus da coragem e da estratégia. Agora Bahamunt era outro caso. Falava sobre uma deidade que criou do nada. Nem lembrava qual o nome dele ou dela.
Talvez fosse por terem que enfrentar um demônio. Nenhum deles tinha encarado essas criaturas em combate. Mesmo Lacktum, só uma vez encarou o Cavaleiro Infernal Syrus.
Você sofrerá mais uma vez, todos sofrerão... E tudo se deverá a Thror! Preste atenção, arcano ele será a ruína de tudo que ama. Como de tudo que existe.
Aquelas palavras voltaram a sua mente como um corpo que surge nas trevas. Onde Thror estivesse, poderia ser realmente uma ameaça aos amigos? Ou pior. As profecias se fossem verdadeiras, poderiam ser relacionados a algo mais grave. Afinal, o que seria? Se algo ocorresse não se perdoaria. Não era momento para isso pensou.
A caverna possuía muito lodo. O que dificultava a movimentação naquele poço de energias negativas. Pois cada pedra, cada gota de água, trazia um pedaço do mal que existia ali. Inerente? Perigoso? Não. Mortal.
Desciam pouco a pouco aquele lugar perigoso, com cheiro de morte. Poderes arcanos exerciam influência ali. As rochas pareciam facas afiadas. Aqueles com pele mais sensível se mostravam muito fáceis de ferir. Os únicos que não reclamavam eram o paladino e o guerreiro. Pobres do mago e do arqueiro.
Que sinistro inimigo estaria naquele lugar? Como seria o monstro? Teria forma de um homem? Ou algo pior? Forças das trevas agiam ali, era certeza?
Finalmente chegaram de frente a um salão. Era estranho notar que aquele é um dos poucos lugares com chance de estar relativamente limpo. Como se alguém estivesse preparando o terreno.
Mais um corpo de ogro estava ali fedendo como animal morto no caminho. Mesmo um javali ou urso não teria um odor tão forte quanto aquele. O anão Ulfgar e Lacktum concordarão com essa afirmação. O segundo já sentiu hálitos de certo homem grego, piores que uma tumba recém aberta.
No centro do salão, um círculo surgia. Cheio de detalhes, poderes inerentes, forças ocultas e emanava pouca energia.
E de repente, Ulfgar notou o improvável. Gritou com toda a força de seu peito.
-Siegfried! O ogro ainda vive!

O golpe daquele monstro surgiu como um relâmpago no meio daquele lugar. Aquele machado acertou as costas da armadura do guerreiro humano. Ataque que não deixou Siegfried se manter de pé, com a enchente de sangue que soltou. Tanto que cobriu o rosto de Bahamunt.
Após o golpe, a criatura começou a se levantar com dificuldade. Usou aquela arma como cajado, o usando como apoio. O corpo truculento, pesado e forte parecia se erguer com muita dificuldade. Ele compensava isso com os dentes protuberantes e grandes como os de uma fera antiga. Os olhos estavam fundos, sem expressão de vida. Na verdade, completamente mortos. Mais um morto faminto.
Aqueles aventureiros começaram sua tática. Tanto Ulfgar como Siegfried começaram atacando, mesmo que o segundo estivesse quase morrendo. O anão golpeou as pernas daquele morto. Em seguida, gritando de dor, o humano ergueu a espada com toda força possível e imaginável.
Bahamunt pegou as flechas. Duas ficam com a mão que segurava o arco. A terceira estava preparada para ser disparada. Mirava-a na perna do oponente, o que talvez não fizesse grande efeito. Já que se tratava de um morto faminto, um ser que não sentia dor.
O projétil foi preciso. O osso teria partido. Se sentisse algo.
A cria do outro mundo gritava. Talvez não por dor, visto que não sentia isso. Era uma lamento ou raiva. Era como quisesse fazer todo aquele caos sem sentimento algum. Como quando se corta uma árvore só por cortar. Ou se deixa a mente ficar vazia. E algo estoura dentro de si. No caso, não há nada lá. E esse era o problema.
O som emitido pela monstruosidade fazia os corações gelarem. Talvez os do guerreiro humano ferido e do elfo arqueiro sim, porém, os de Lacktum e Ulfgar não. O mago estava concentrado em um feitiço, forte o bastante para romper a pele morta. Com Ulfgar era diferente: sentia que a força do seu coração, e a fé em seu deus, impedia que ele fosse preenchido com algum mal.
Após o grito sombrio, Lacktum estalou os dedos na direção do inimigo.
-Thats break this by my command.
Em um piscar de olhos o oponente estourou em milhares de pedaços com sua carne já podre. Vários restos mortais caíram sobre Siegfried, Ulfgar e Bahamunt. Nenhum em Lacktum, entretanto. Tudo se devia a um pequeno truque que aprendeu como um mestre do destino. Finalmente estava conseguindo driblar a realidade.
O paladino correu em direção ao ferido Siegfried. O golpe havia sido suficientemente forte para causar uma dor alucinante ao jovem. Com a pequenina mão estendida sobre a profunda ferida, Ulfgar rogou a Thor que fosse feita uma cura. E ela ocorreu.
Seguido a isso, com os pedaços do ogro sobre seu corpo, a força do Filho Predileto de Odin agiu sobre ele, como uma chuva purificadora. Onde antes havia uma ferida, que poderia infeccionar devido aos pedaços sobre si da carcaça podre, não havia mais nada. Com a exceção da marca de uma cicatriz.
Era engraçado imaginar sobre certas funções dos poderes divinos. Se fossem usadas durante uma guerra salvariam muitas vidas. Só que naqueles dias era raro ver homens com fé verdadeira. A mesma que movia montanhas, muitas vezes não conseguia comover corações gélidos. Corações tristes.
Mais uma vez não era momento para devaneios. Ali estava um problema a ser resolvido e solucionado, um mal a ser eliminado. Com espada, martelo e flechas. Já que não poderia contar com os Dragões ao menos tinha novos aliados. Pensou assim Lacktum.
Como em resposta aos seus pensamentos, do corredor superior, surgiam passos. Inicialmente pensou se tratar de mais um ogro, ou quem sabe até do demônio que residia ali. Afinal, se esgueirava lentamente com certeza.
Quando notou uma tocha surgia daquele lugar. Ogros, assim como demônios tinham uma visão que atravessava a noite. Visão noturna. Visão do mal. Eis o motivo de mães impedirem crianças de fazer reinações a noite. Para que não se tornassem alimento, ou algo ainda pior.
Então o que seria? Pergunta errada. Quem seria mais apropriado.
Surgia daquele túnel, luz nos dois sentidos. Iluminação e espiritual. Pois de lá estariam Thror, Seton, Gustavo, Valente e Arctus. Os Dragões estavam mais uma vez naquele velho e antigo mundo.

Após uma confraternização, abraços afetuosos, descoberta do falecimento de amigos, entre outras coisas, Lacktum apresentou os novos companheiros.
-Este é Siegfried. Guerreiro dessas terras, mas que possui os trejeitos dos ingleses. Muito bom rastreador também. O outro – apontando para o elfo – se chama Bahamunt. Do povo belo[1], como podem imaginar. Suas idéias não batem tão bem, se me perdoa a palavra...
-Perdoo. Afinal, deve estar falando de outro Bahamunt – respondeu o grande Elemental do ar.
Alguns membros olharam com estranhamento o jovem elfo. Só Thror ignorava a tudo e todos em relação a alguém tão simples.
-Por último, mas não menos importante, Ulfgar. Anão, líder dessa comitiva, poderoso com o martelo, assim como é com as palavras contra elfos. Paladino de Thror.
Foi quando pensou nas tolices que falou. Quantas vezes Arctus e Gustavo mostraram que odiavam qualquer religião, fora sua suposta crença no Deus. Além de que o mago tratava aqueles dois como se fossem seres humanos. O que para Arctus, nunca seriam.
Sem que notasse, o clérigo se aproximou dos novos colegas de Lacktum. E ironicamente, Arctus cumprimentou cada um deles. O mago até sorriu devido a isso. Parecia até que o padre havia mudado.
-Até o fim dessa jornada irei os converter a fé de nosso bom Senhor Jesus Cristo.
Os três se entreolharam. Estranharam o comportamento daquele homem. Já os membros dos Dragões tinham expressões diferentes. Thror colocava a mão na barriga e ria. Seton escondia o rosto de vergonha. Gustavo conteve o riso, enquanto Valente ficava virando pela cena cômica. Lacktum notou que certos homens não mudam. Nunca. Mesmo.
 
 Finalmente, depois de tudo bem explicado, Lacktum tocou em alguns assuntos mais sérios.
Primeiro o que haviam descoberto até então. Ao que parece, Dragar serviu fielmente Loki por séculos. Sendo o único que nunca traiu sua confiança, ganhou muitos poderes do deus. Porém, foi traído, jogado no plano de Gaya e aprisionado por magos rúnicos. Homens que ainda adoravam os deuses antigos do Norte. Com força muito maior que imaginavam alguns arcanos e sábios. Poderes concedidos a eles na época em que os deuses andavam sobre a terra. Talvez os feitiços para aprisioná-lo nem exista mais.
Segundo, se entre os espolio havia um item arcano. Thror descobriu duas lâminas com o estilo dos vikings antigos. Armas com runas. Poderes antigos. Na língua escrita naquele metal, a espada curta mostrava dizia trovão. A outra tinha escrito trovão. Foi o que mais próximo conseguiram traduzir.
Thror segurou as lâminas e então com ambas, começou a brincar com elas, girando-as. Quando virava as duas via que efeitos surgiam delas. De uma delas – a menor – soltava faíscas douradas. Enquanto a outra – bem maior – fazia zunidos perturbadores e incômodos. Quase ensurdecedores.
O grego deu então de chamar as espadas como Trovoada e Relampejar. Pois elas lembravam os trovões e relâmpagos que enfrentaram na tempestade. A mesma que ceifou a vida de Joseph.
            -Aonde esta Yuri e o resto da tripulação de Salva Ventos? – questionou o mago.
Thror olhou o amigo pesaroso.
-Yuri esta no templo, desde que alcançamos a vila. Parece mais retraído que o normal. Tentamos tirar ele desse estado, mas nada ocorreu...
A perda do amigo deve ter sido demais para o imediato arcano. Bufou um pouco o ruivo e falou:
-Se já viu o que devia grego, vamos em frente.
No mesmo instante, Valente subiu seu corpo até o ombro do mago. Lacktum tirou do seu manto surrado Rec. O escondia entre um pequeno truque arcano, já que se tratava de um familiar, um animal espiritual. O enviou na frente pelo corredor, na falta de um batedor competente. Ele seria seus olhos.

Depois de certo tempo, chegaram ao final daquela armadilha gigantesca. Isso, sem não antes, enfrentar perigos terríveis. Que no caso se demonstravam nas formas de ogros bem treinados. Com todo o conhecimento que Lacktum obteve sobre demonologia, mesmo os mais restritos, Dragar deveria estar querendo deixar escassos os poderes dos aventureiros. Tática básica, até mesmo entre arcanos.
Era o momento de descansarem.
-Dormiremos aqui – falou o líder dos Dragões, notando que era melhor recuperarem as forças, antes de encontrar o tal Venenoso. Era certeza que não venceriam nas atuais condições. Ou até mesmo se estivessem bem.
Cada qual fazia o que é necessário para um improviso de acampamento. Além de algo para deitar. Em pouco tempo tentaram já que a noite finalmente caia lá fora.

Aqui, mais uma vez dividiremos em duas partes os textos sobre os Dragões da Justiça. Uma que se refere à Lacktum e o uso de um instrumento mágico, não usado até então e um sonho de Ulfgar. Comecemos pelo mundo onírico anão.
Este, deitado sobre uma pedra, dormia perfeitamente. Ainda usava a armadura como travesseiro. É fato conhecido, que devido ao seu corpo duro e voltado para magias sobre rochas. O que tornava um pedregulho em algo quase agradável.
Só que sua mente, diferente de seu corpo, caminharia por um trajeto perigoso. Ao qual Dragar fazia para ele.
O paladino estava em um lugar afastado, como uma torre. Negra e feita de ônix. Nunca ouviu ou viu sobre uma formação daquele tamanho. Tão grandiosa e poderosa, com força para derrubar impérios. Erguida pelas mãos de algum anão artesão dos deuses de sua raça ou até mesmo o próprio Thor em pessoa. Era sombria, mas imponência e majestade ela tinha. Como se a enorme construção tivesse vida.
Ulfgar estava na beirada daquela fortificação, quando teria ouvido de suas costas as palavras de um ser sombrio. O estranho era alto, até mesmo para os padrões dos homens mortais. Perigo foi o que sentiu Ulfgar ao confrontá-lo.
 -Gostou desse lugar? Desse forte?
Fitou finalmente o estranho. Quando notou, olhos vermelhos o encaravam.
-Qual o motivo de me mostrar essa torre? O que quer com isso?
-Uma oferta de paz.
-Por qual motivo?
-Ora... Pelo fato que poderá me libertar. Você esta, bem próximo de alcançar minha cela, minha prisão. E com tudo que vi até então é possível que me liberte. Com uma mera menção de uma palavra. Uma palavra que eu conheço e você também.
Ele, o anão, levantou uma de suas grossas sobrancelhas. Estava curioso com aquilo tudo. Estranhou aquele mundo que era lhe dado com tanta facilidade. O demônio continuou.
-Eu posso lhe conceder um exército, um império, um mundo. Só falar a palavra mais poderosa dos mitos asgardianos: Ragnarok.
Nesse instante, Ulfgar virou de costas, abaixou a cabeça. Também colocou as mãos para trás. Quase que como se estivesse refletindo. Pensou e arquitetou sua resposta com a sabedoria e a rigidez dos anões. Mesmo sendo conhecido por sua brutalidade, este povo tem certa delicadeza para lidar com os mais finos e poderosos metais. Conhecidos ou não pelo homem. Os anões poderiam ser perigosos por serem desvalorizados pelos mortais, pensou por alguns momentos o paladino.
As palavras não eram, de todo, uma mentira. Ulfgar já sentiu as tentações de controlar e não ser controlado. Liderar seu povo para um futuro mais especial. Perfeito. Sem as dores dos fracos.
Nunca mais depender dos humanos como Siegfried. Nunca ouvir tolices como as de Bahamunt. Nem tão pouco aturar os Dragões, liderados por Lacktum, o que surgiu do mar. Ar de confiança, aura de magia, superioridade típica dos ingleses. Ridículo. Como o filho de um nobre humano mundano liderava um grupo de heróis? Heróis?Aventureiro estava mais correto?E foi ai que sua mente deve um estalo.
-Concederá? Vai me entregar isso tudo? Só para te libertar
-Sim. Liberdade é algo que até um verme como eu merece.
-E mais nada me pedirá?
-Nada. Mais nada.
-Só um tolo recusaria tal oferta...
Em seguida, pegando o símbolo de Thor como uma arma o levantou de maneira única. De seus símbolos incrustados, uma luz poderosa surgiu como o relâmpago e o trovão, o golpe e o som, o machado e a espada. Era divina a imagem. Poderosa.
-E um tolo eu serei, até os fins dos meus dias nessa terra gélida e Arida! Pois se os mais fracos humanos, sem uma fagulha do poder divino de Valhalla não se vangloriam ou buscam força, não serei eu que aceitarei fonte mais podre e profana! Meu coração se encherá com o poder de Thor! E ele irá cumprir a minha vontade! Você nunca irá cumprir minha vontade ser tão baixo!
-Tolo! Tolo! Não sabe do que posso lhe conceder. Prazeres e luxúrias sonhadas pelos deuses.
-EU não sou um deus! Sou um anão. E sua oferta eu recuso, Dragar, o Venenoso! Assim como você em si, demônio!
O vulto foi sumindo em um turbilhão de fumaça escura e horrível. Negra, cheia de trevas, como o coração do homem mais cruel. Nem ele seria tão difícil de enxergar quanto aquele pequeno cone de ar formado pelo mal de Dragar, o Falso.
Ulfgar não sabia, mas renegou algo que já merecia. E que teria a chance de obter poder como jamais sonhou.

Lacktum demorou a dormir. Estava pensativo. Reflexivo. O que deveriam estar fazendo ali afinal? Quem encontraria.
Esse trecho do livro será colocado mais para frente, pois através de um item arcano, o mago entrou em contato com alguém com quem sempre contou nos momentos mais escuros de sua vida nos últimos setes meses: Halphy, a agora assassina de Sinestro.

A manhã seguinte veio, com um sopro fraco do vento gélido. Todos acordaram com certa dor, apesar de estarem acostumados com acampamentos improvisados. Era ruim o despertar de alguns. Outros nem tanto. O que importava era voltar para a realidade.
Todos despertavam com o cheiro de comida feita por Thror. Salsichas, queijo e algumas frutas que ainda guardava de Avalon. Era bom saber que seu bom gosto permanecia apesar de tudo pelo que já passou. Resquícios da época em que permaneceram na Ilha das Brumas.
Conseguiram esquentar tudo com gravetos achados por Valente e rec. Os dois poderiam ser até pequenos, mas carregavam muito peso quando preciso. O corvo teria descoberto que a última câmara daquele túnel não estava tão longe. Foi isso que Lacktum conseguiu entender.
Todos pareciam bem, apesar do desconfortável leito. Com exceção de Ulfgar. Siegfried, que conhecia bem o anão o questionou sobre seu estado.
-Não sei se devo. Mas se não... Se não falar será algo que o inimigo que. Eu sinto que algo me tentou ontem à noite com presentes e tesouros. Acredito que foi Dragar. E até pronunciou uma palavra a qual exigiram de mim sua pronuncia para libertá-lo de sua prisão arcana. Ragnarok.
Todos se entreolharam quando aquilo foi pronunciado. Temeram quando imaginaram que o demônio usava os sonhos para controlar as vontades dos homens. Lacktum tranqüilizou a todos. Se Dragar tivesse controlado o anão, ele nem teria falado nada do sonho. Arctus comentou se não poderia ser um truque. O mago repudiou a idéia. Demônios são bem mais perigosos do que se imagina, mas previsíveis, ele disse.
Era até engraçado ver que um arcano sabia mais sobre seres das trevas do que um padre. Desde que ele estivesse mesmo certo disso.
-Então, a palavra Ragnarok o libertaria? – disse Lacktum passando a mão no queixo.
-Sim.
Lacktum saltou, arrumou seu manto, finalmente notou que estava sem seu cetro e bufou. Mesmo assim, fechou o punho dizendo:
-Vamos. Tive uma de minhas maravilhosas idéias. E como bem sabe Thror, elas mudam vidas.
Alguns temeram por suas vidas ao ouvirem aquilo.

Desceram por mais um corredor, nele surgiam tantos corpos e teias de aranha que o grupo imaginou estar em um conto de terror. Mas não, aquela era a realidade. Não importava o quanto tentassem fugir daquela bizarra situação.
Seton segurava sua foice, mas com mãos trêmulas. Gustavo e Ulfgar, não demonstravam medo. Já Bahamunt, o elfo ficava brincando com as teias. Thror estava apreensivo. Siegfried ia mais a frente, seguindo o caminho. Lacktum olhava com ares de sagacidade. Já Arctus estava desconfiado, demais com o suposto plano do mago.
-O que pretende mago? O que quer fazer? – perguntou um temeroso clérigo.
-O que mais seria? Se existe uma palavra para libertá-lo, deve existir uma para aprisioná-lo. Ou até enfraquecer ele.
-E qual seria?
-Bem, a palavra chave para libertá-lo se refere ao Crepúsculo dos Deuses, certo? Não é bom pronunciar aquele nome, pois pode ser perigoso. De qualquer forma, o contrário deve fazer o inverso...
Ao falar isso, Siegfried voltou avisando que encontrou uma pedra grande mais a frente. O mago passou o polegar sobre os lábios de forma rápida, enquanto alargava o sorriso.
Passou na frente de Siegfried, tocando a pedra. O guerreiro do norte segurava a única tocha daquele grupo. Lacktum tocava a pedra como se fosse o mais lindo grimório antigo. Ele viu e traduziu mentalmente e pronunciou.
-Abra em nome de Wotan, Wodan e Woden. Os nomes do pai Odin.
Foi quando a pedra se moveu sozinha para o lado. Arctus iria pegar pelo pescoço o mago. Lacktum o deteve.
-Calma meu caro sacerdote. Não o libertei, mas retirei boa parte de seus poderes pelo escrito na pedra.
-Explique! – pediu o sacerdote.
-Acertou – falou Ulfgar – Aqui fala que para se libertar o que esta aqui com o selo, deve ser pronunciar o nome do Crepúsculo dos Deuses. Mas se quiser só se encontrar com o ser que aqui dorme fale os nomes do Pai. E nos usamos esse termo para...
-Odin – disse Lacktum, olhando com ar de sagacidade para Arctus.
O líder dos Dragões pegou rapidamente a tocha nas mãos de Siegfried. Entrou no covil do monstro sem nem piscar. Todos os novos membros daquele grupo estranharam a atitude dele. Como se desejasse a morte. Não era. Muitos dos que o conheciam, inclusive Thror, sabiam que ele nunca a temeu. Nem se entregaria facilmente ao seu abraço. Para um mago, muitas vezes agia com a força de um guerreiro, e a perspicácia de um ladino.

Desciam pelo único local em toda aquela caverna que não possuía teias, nem sujeira, nem crânios, nem ossos. Nada além de uma luz branca, bem tímida. Sem mais nada.
Ao centro, de um salão oval, existia um círculo mágico de contenção. Pelo menos era isso que os voltados às artes místicas notavam. Cheias de marcas antigas. Algumas escritas até mesmo em latim. O que fez os mais sábios questionarem a quanto tempo aquele ser estava trancafiado. Séculos, milênios ou anos? Nunca pensaram nisso.
Foi então, como uma assombração, perceberam que no centro daquele circulo havia um ser único. Em posição que lembrava um feto, ele dormia. Forma humanóide, mas claramente monstruoso. Exalava medo, mesmo sendo pálido como um cadáver. Na verdade, isso causava uma sensação de insegurança maior ainda. Um brilho branco maligno, cruel e horrível irradiava dele. Sem nenhum movimento, nenhuma reação. Como um corpo, petrificado e para sempre inerte.
Porém, Dragar estava vivo. Mais vivo que a serpente com veneno letal. Seja de onde fosse. Sabiam que ele vivia, pois ele se levantou.
Ergueu-se lentamente, como um pedaço de tronco velho no pântano. Ainda assim, com a leveza de uma folha no ar. Naturalmente e de forma quase mística, seu corpo estava ereto. A cabeça – ou algo que mais lembrava um crânio exposto – fitou o grupo de jovens e aventureiros. Na verdade, toda a extensão de suas formas lembrava vagamente um corpo mumificado, um esqueleto, um ser morto. Era possível ver costela, braço, dedo, tudo parecia osso com uma pele quase translúcida por cima de tudo. Onde deveria haver um olho ou dois, existia um par de brilhos vermelhos. Entre eles uma crista formada por chifres protuberantes e todos fora de uma fileira ordenada. Atrás, surgindo da espinha, brotava uma imensa cauda unindo aspectos de serpente e escorpião. Cena macabra, mas que não afugentou nenhum daqueles pequenos Dragões.
Eram fortes no espírito. Eram só fracos no corpo. E acima de tudo eram guerreiros e magos, sacerdotes e druidas, batizados e pagãos. Armas em punhos, palavras arcanas decoradas. Era o momento de derrotar o demônio.

Dragar fitava tudo com os pontos cor de rubi. Fazia muito tempo que não enxergava alguma coisa que se movimentasse naquele lugar. Vez ou outra surgia um animal e insetos. Devorados pelo demônio sumiram do lugar. Assim como antes, ele considerava os homens como alimentos. Como antes, haveria morte
Foi ele quem começou a falar, já que todos estavam com suas armas em mão. Prontos para lutar.
-Ora essa... Meus caros mortais, que tal pararmos por aqui? Esquecermos que existe algum problema entre nós? Pois se refletirem, não existe! Pensem nisso...
Todos se entreolharam. Muitos deixaram suas expressões mudarem, ficarem calmas. Começaram a pensar de forma lógica, já que Dragar nunca foi realmente um problema deles. Era da vila. Que os habitantes daquele lugar sofressem sozinhos lidando com ele. Incluindo Hilde e a velha Urda. Algo que deixaria satisfeitos todos ali.
Nem todos, entretanto, pensavam assim.
Ulfgar, Bahamunt e Gustavo notavam que havia algo estranho entre eles. Uma porção de energia arcana. Um encantamento, ou melhor, dizendo um sortilégio alguns diriam. O guerreiro que servia a Thor notou que aquilo lembrava, quando foi tentado pelo demônio. Os elfos tinham um dom natural para com a magia, o que protegia Bahamunt dos efeitos. Por ultimo, Gustavo já não era atacado daquela maneira pela primeira vez. No reino da França, havia certo tempo, enfrentou harpias que com suas vozes conquistavam os homens. Seu Deus o protegeu nas duas vezes.
Esses três se colocaram mais a frente, com dentes serrados, corpos preparados, mentes nem tanto e uma ponta de desespero. Eles ergueram as armas, com força e determinação.
-Eles podem ter sido ludibriados, mas nós nos mantemos firmes e fortes! Não irá nos vencer, nem acabar com a vila. Pois nossos deuses são fortes – disse Gustavo.
Ulfgar olhou com um rosto de surpresa para Gustavo. Mesmo sendo um homem que serve a Deus, o humano tratou aquele assunto com respeito. Em vez de um único deus falava em deuses. O cristão tratou ao aliado com devido respeito. Algo novo para ele.
Dragar regozijava-se por algum estranho motivo. Ele apontou na direção dos Dragões ainda em transe, com seu dedo flácido e disse:
-Todos os outros, ataquem seus antigos aliados.
Nesse mesmo instante, o grupo dos aventureiros se virou para os três únicos livres do encanto. Lacktum acumulava mana, Thror erguia as duas lâminas, Seton colocava a foice de lado, Valente mostrava os dentes e Arctus retirava o símbolo sagrado, Então Gustavo viu uma grande esperança. O clérigo não conseguiria causar nenhum mal a seres humanos com aquele signo. Sorrisos poderiam ser vistos.
-Agora! Dio salvi le nostre anime! E libraci da ogni incantesimo! Amen!
No mesmo instante, o fogo da justiça preencheu aquele item e uma luz atravessou todo o recinto. Em especial os membros daquele grupo. O demônio se contorceu.
-Maldito sacerdote!
-Mas do que esta falan... – e antes que pudesse terminar a frase, Gustavo olhou com espanto na direção dos amigos que antes estavam sendo controlados pelo ser infernal. Seu palpite estava certo.
Não pareciam estar mais em transe. Era tudo que os amigos necessitavam. O padre havia fingido estar dominado para enganar o monstro.

Os aventureiros, não mais controlados, começavam a ofensiva. Para Dragar não era algo cômodo, mas tudo bem.
Os que começaram a batalha eram os guerreiros sagrados. Suas lâminas já estavam sedentas pelo corpo do demônio. Cada golpe seria mais poderoso que o primeiro. Com a finalidade de derrotar aquele oponente. O martelo abriu caminho por baixo, enquanto a espada subia rapidamente. Parecia que Ulfgar e Gustavo formavam uma boa dupla em combate. Seria útil naquele momento.
Quando o demônio iria contra atacar, recebeu duas flechas no peito. Tinham sido disparadas por Bahamunt. Certeiro como sempre, o elfo louco pulava e gritava como um animal selvagem no cio. Estava extremamente eufórico.
Na mente daquele ser diabólico, surgia uma maneira de afligir a todos. Para tanto, apontou na direção do grupo sem pronunciar uma única palavra – já que estes têm forças arcanas inerentes aos seus corpos – lançou um raio vermelho que mais parecia o caule cheio de espinhos de uma rosa.
O projétil arcano se dividiu entre cada membro do grupo, inclusive o animal Valente. Quando tocava cada corpo, se inundavam com uma onda de dor tão grande que os fazia gritar em agonia. Nada parecia tão cruel e maligno quanto à magia lançada sobre eles. Pense em um sofrimento dilacerante. Agora, imagine ele multiplicado pelo maior número que conheça. Era o que sentiam alguns deles.
Thror se lembrou de quando enfrentou Daehim e os golpes que sofreu do dragão. Lacktum se recordou dos golpes que sofreu dos soldados de Kalic Benton, que mais tarde se provou sendo seu irmão bastardo, Lucian. Seton notava que aquela magia o lembrava dos pedaços de madeira que o atingiram no confronto contra o kraken. Siegfried notava que parecia um maciço de pedra que caiu em sua perna e o fez mancar durante meses. Ulfgar sentiu como um golpe de machado ogro em suas costas, que havia levado no dia que perdeu seu pai. O elfo, Bahamunt, tirou da memória um momento em que teria levado uma flecha na coxa, ainda com trinta anos.
Cada um com seu sofrimento.
E quando parecia que Lacktum seria atingido pela cauda fatal do demônio – que se aproximava lentamente, deliciando-se do sofrimento dos aventureiros – uma espada foi lançada contra o peito da criatura. Ela foi literalmente jogada.
A magia cessou. Eis que da entrada da câmara surge um homem que misturava as peles típicas dos homens do norte, com tecidos finos dos gregos. Completando com uma armadura e um símbolo sagrado relativo a Zeus.
-Raios! Era mais para cima...
E assim, introduzimos Tom Drake Harem aos Dragões da Justiça. Que os deuses já haviam ligado muito antes desses fatos.

-Quem é você, mortal desgraçado? – gritou o demônio.
-Sou chamado em minhas terras como Tom Drake, servo do deus do trovão e futuro ira de Zeus! Mas pode me chamar de Tom Drake Harem. Gosto dessa palavra Harem.
-Pois então pereçam você e seu deus, estrangeiro imundo.
Dragar esticou o braço, com a palma na direção de Tom. Quando o fez, um jato de gelo brotou de sua mão, junto com ar resfriado poderoso. No final, a magia veio com tamanha velocidade, que o clérigo só deve tempo de colocar seu escudo na frente.
Congelados, braço e escudo, seu lado esquerdo do corpo estava praticamente inutilizado. Com a mão direita, levantou uma faca de modo desafiador.
-Por qual motivo esta parada criatura maldita? Eu ainda tenho o braço direito. E se não tivesse os braços usaria a perna direita, e depois, esquerda. Por último usaria os dentes, ou quem sabe uma cabeçada. Pois já estive pior. Um mero arranhão. Isso é um simples ferimento de guerras. Eu...
-Cale-se inseto humano! Mesmo com minha magia cessando os outros ainda sentem as dores da minha magia! E eu posso lançar elas sem nem proferir palavras mágicas.
O sacerdote olhou para trás do demônio. Notou uma sombra disse:
-Cuidado! Atrás de você!
O demônio riu e debochou de seu adversário. Seu erro fatal.
Literalmente, das sombras, um punho atravessou o peito do inimigo. As trevas foram tomando forma humana. Seu pulso, mesmo sujo devido aos órgãos bizarros atravessados, ressaltava um bracelete cheio de magia e poder. Os Dragões olhavam tudo aquilo, cheios de admiração.
-Isso não foi você estranho? – falou um mais aliviado da dor Lacktum, mas ainda cauteloso. As tormentas físicas e mentais o abandonaram. Assim como deixavam os seus companheiros de viagem.
-Gostaria de falar te falar que fui eu...
O punho se contrai, fazendo o corpo demoníaco cair ao chão. O pobre diabo não falou, nem soltou qualquer expressão. Só olhava atônito para o seu algoz do chão. Finalmente se revelava o assassino. Um manto clerical o cobria com detalhes negros, verdes e dourados. Além disso, no pescoço carregava o símbolo de Loki.
-Deveria acreditar mais nos homens. Vez ou outra falam a verdade. Poderiam ter salvado sua vida.
Os cabelos daquele homem eram arrepiados como os pelos de um ouriço. E seu sorriso malicioso como o bote de uma cobra.
Ele se abaixou sobre o pobre demônio, arrancando a ponta de sua cauda. Guardou dentro do seu manto aquele item único.
Olhou para todos calmamente. O grupo fitou tudo, ainda confusos pelos golpes arcanos até então. Riu com o canto da boca, olhando friamente os jovens naquela cena. Parecia que havia se passado trinta verões em seu rosto sacerdotal.
Cheio de maldade ele falou:
-Não se preocupem. Não vou acabar com vocês. Não hoje, não desse modo.
Os mais poderosos, os mais fortes tentaram se levantar. Inutilmente. Com o vento e sombras, ele sumiu. Desapareceu nas mesmas trevas que o fizeram surgir.
Tom começou a ajudar cada um dos Dragões. Utilizando magias de cura, conseguiu tratar os ferimentos daqueles homens. Todos exaustos cansados e sentindo dores por todo o corpo como se acabassem te sair de uma guerra. Haviam terminado aquela missão pelo menos.

-Qual é o seu nome mesmo homem? – disse Lacktum erguendo-se contra a parede. Ainda sentia as dores dos efeitos arcanos de Dragar, o Venenoso.
-Meu nome é Tom Drake Harem. Clérigo de Zeus, que surgiu nessas terras como uma luz nesse lugar devastado.
-Muito... Modesto... Zeus? É um grego?
-Sim.
-Veja Thror! – se virou para o companheiro guerreiro – Um compatriota... Mais ou menos.
Thror olhou bem para o sacerdote. Diferente do combatente, esse homem tinha sim traços de um grego. O tom de pele, os cabelos, os olhos e até mesmo o nariz, demonstravam que ele tinha uma descendência helenística.
-Prazer, Thror Tzorv – e estendeu o braço.
-Tom. Mas seu nome não parece nome de grego esse seu.
-O seu também. Nem nunca será. Nunca será.
Tom olhou para o homem com cicatriz e começou a rir. O guerreiro Thror também começou a fazer o mesmo. Foi hilário ver os dois rindo. Talvez fosse coisa de gregos. Ou não. Quem saberia?
O grupo todo saiu daquela caverna. Uma tempestade começava lá fora. Cheios de cansaço e dor. Usando armas como bengalas, tentando se apoiar o quanto podiam. Fixar as pernas era quase uma tortura.
Ao chegarem lá, viram uma coisa estranha. Um anão de cabelos loiros. Portava um escudo retangular com runas anãs poderosas, armadura dourada não deixando nenhum espaço desprotegido do corpo diminuto, elmo com forma de dragão e um martelo tão grande que sua ponta era maior que seu crânio. Ele estava ali impassível e imóvel. Como uma rocha.
Antes de falarem ou até mesmo atacarem o anão, ele falou:
-Se acalmem jovens. Vim aqui ajudar todos. Há muitos feridos. Deitem-nos. Sou clérigo.
Todos ali olharam com certo temor. Logo ignoraram isso já que as palavras proferidas pareciam conter verdade. Com todo o cuidado Tom ajudou cada um dos membros daquele grupo. Deitou aqueles homens com o auxilio do pequeno elemental da terra. Sempre mostrando o devido cuidado.
Em seguida, com as palmas de suas pequenas mãos, surgiam luzes em formas esféricas e linhas divinas. Todas surgindo devido às palavras proferidas na língua anã.
O anão Ulfgar notando isso olhou para o seu compatriota. Notava que ele usva um símbolo do deus dos anões[2].
-Quem é você irmão? – perguntou o furioso anão paladino.
-Chamo-me Deenar, clérigo e uma chama da forja. Estou aqui a mando do amigo de meu mestre. O que se chama Kalidor.
-O conhecemos – disse Lacktum – Mestre você disse? Aonde ele esta? E quem é?
-Sim, o meu mestre permitiu que eu os buscasse. Ele fica a meio dia de viagem aqui a pé. Tenho ótimas montarias que nos farão chegar à metade desse tempo. O que posso falar sobre meu mestre e senhor... Digamos que todos o chamam por Homem Santo.
Seton olhou com raiva para Deenar.
-Que raios de nome estranho! Homem Santo?
-É um titulo que ele assumiu depois de certos eventos. Seu nome verdadeiro ninguém sabe. Os poucos que sabem, preferiram aceitar seu voto. Ele é o que chamaríamos de um herói sem nome.

Deenar tratou cada um dos heróis como pode. Contudo, entre eles havia uma dor tão grande em seus corpos que continuava a atormentá-los. Não paravam de se queixar. O clérigo anão disse que seu mestre poderia cuidar melhor de todos.
Foi perguntado se ele viu algum homem com roupas sacerdotais. Ele não cruzou com ninguém assim.
Ao deixarem finalmente a caverna, depararam com um bando de lobos grande. Eram fortes e, aparentemente, dóceis. Isso não acalmou os Dragões, até o servo do herói sem nome falar que eram suas montarias.
-Faz sentido! – falou Lacktum e concluiu – Quem usaria cavalos na neve!
-Então, subam neles. São filhos da montaria de meu mestre.
-Não seria mais correto chamá-los de crias? – perguntou Gustavo.
-Animais possuem almas. Não importava o que reis e sacerdotes digam nesses tempos conturbados. Portanto, trato eles como faria com outros anões.
Após isso, Gustavo ficou reflexivo.
Cada um dos aventureiros subiu em seu lobo montaria. Fortes e resistentes eles eram, além de um pouco maiores que um homem adulto grande.
Havia dez deles. O número preciso de homens ali.
Deenar olhou diretamente para Ulfgar. Fitou seus olhos como se procurasse algo. Por fim, falou:
-Você parece estar sendo afetado por um feitiço. Ou pelo menos teria sido?
-Acredito que eu fui alvo de uma magia ontem à noite. Dragar, o demônio que enfrentamos, soltou em mim um sortilégio. Consegui resistir...
-Não toque a chama – cortou Deenar.
-Como?
-Uma velha frase anã. Uma chama nos aquece, mas também pode nos ferir. Nunca devemos abandoná-la, visto que pode perder o controle. E em hipótese alguma devemos tocá-la. Usar ela contra os inimigos, nunca a utilizar contra os aliados e amigos. Acima de tudo mantenha isso em sua mente: nunca toque a chama.
-Entendo...
Enfim, eles montaram e começaram a se dirigir as colinas. Os corpos cheios de dor, mas com corações inundados de satisfação. O grupo havia salvado aquelas terras de Dragar. Só que com isso, um novo oponente surgiu no horizonte. Mal os heróis sabiam que aquele sacerdote era só o primeiro deles. Seu nome era Undor, sumo sacerdote de Loki.

Acima das ondas frias e sombrias do mar norte, surge duas figuras. Uma alada, poderosa e a outra diminuta em comparação ao seu aliado.
Um dragão com escamas negras. O outro um ogro com seu machado único. Daehim e Matadouro foram enviados até aquele território por Sinestro. Iriam eliminar os Dragões da Justiça. Sem nenhum impedimento.

Alcançaram as cavernas gélidas onde estaria o tal Homem Santo. Havia uma em especial ao qual Deenar pediu que entrasse após desmontar.
O lugar parecia não estar habitado por muito tempo. Só que o anão confirmava que o antigo membro dos Imortais Esquecidos estava lá. E a neve começava a atacar aquelas terras. Viram-se forçados a encarar um lugar completamente desconhecido.
Começaram a entrar cada vez mais naquele território. Parecia um pouco sinistro. Antes de entrar, notaram no chão uma espada mágica congelada, como se seu brilho ainda a mantivesse. Isso tudo, visto que ainda havia uma pequena aura arcana nela.
Algo que superava as magias antigas que conheciam.
O mago caminhava na frente junto ao sacerdote. Viu que o lugar havia sido moldado pelas mãos de um anão. Quase parecia a entrada de um castelo.
Nem pareciam estar em uma caverna com grandes pedaços de gelo no chão e no teto. O lugar era iluminado pelas luzes de magias antigas, mais simples. Brilhava com intensidade e poder por todo o lugar. Era possível ver tonéis de vinhos que respingavam nas pedras polidas. O odor de bebedeira ficava mais forte enquanto alcançavam o centro do salão.
Era possível notar um amontoado de peles. Todas de ursos. Abaixo delas cabelos negros juntos a uma barba grande e espessa. Forte, porém cheio de fúria por ser acordado, um homem se levantou daquele lugar.
Ali estava um Homem Santo.

O homem que usava pele de ursos se aproximou lenta e friamente de Deenar. Parecia furioso. Como quando seu coração é traído por uma pessoa amada. Quando um filho engana o pai em relação a algo que deixou te fazer. Era assim que o Homem  Santo parecia se sentir.
-O que traz até mim? Foi isso que Kalidor pediu que treinasse? Deixasse que morressem sob a neve.
Seton sentiu hálito de algo podre vindo da boca daquele homem. Foi então que perguntou:
-Bêbado assim como vai querer treinar alguém?
Virou-se para o rapaz cheio de fúria na voz, o tal bêbado.
-Cale a boca druida! Ou te mato partindo seu crânio com minhas mãos! Ou arrumando veneno de hidra! No sangue mata em pouco tempo. Quem sabe esfaquear... E retirar lentamente o seu coração...
Falava isso enquanto olhava sarcasticamente para o homem da foice. Lacktum tomou a frente.
-Não viemos confrontar o senhor Homem Santo. Pedimos somente que nos treine, já que Kalidor quer isso.
O bêbado quis matar o jovem de cabelos ruivos imediatamente. Ao invés isso, só caminhou na direção dos tonéis de vinho. Nesse mesmo instante, pegou uma caneca e a encheu com conteúdo fresco que passou das bordas. Ele havia lambido a mão cheia daquele doce líquido. Orgulho e honra, estavam distantes de seus modos. Pobre citado; alguns pensaram.
Lacktum enfureceu-se. Ele não estava realmente ligando para o mago ou qualquer um dos amigos de seu grupo. Como alguém assim poderia sido membro dos Imortais Esquecidos? Ele já conheceu o misterioso Kalidor Hein Hagen, o arcano louco – como alguns chamavam – Gibraltan D’asgard, o miltar Gor e o orgulhoso e selvagem, Galtran Coração Prateado. Mesmo aqueles seres imortais sendo considerados mais que um mito, aquele que estava na sua frente não parecia nada com um cavaleiro nobre, cheio de forças do passado. Alguém de renome ou famoso. Muito menos guardião de alguma riqueza ou tesouros. Era um amontoado de coisas ridículas e sem sentidos, mas um herói não era mais. Com suas atitudes iguais a de um derrotado, sua única amiga aparente era a bebida. De certo modo o arcano se sentiu como vendo um reflexo seu. Visto que o lembrava de si mesmo no começo daquelas viagens. Deveria ter sido só sua impressão. O teor de força e raiva que possuía lembrava um jovem Van Kristen de pelo menos oito meses atrás. O mesmo que atacou uma cruz usando uma magia de ataque.
E isso era algo que ele odiava com todas as forças.
-O que você quer? Esta triste por qual motivo? Acredita que o seu treino é indispensável para nós? Não sei o que Kalidor viu em você, mas pode ter certeza que ele deve ser cego! Há um mal lá fora crescendo como o bater de asas de um dragão. E eu seu do que falo. Sinestro esta para renascer e precisamos de todas as forças que combateram esse mal antigo. Se isso inclui você suposto Homem Santo, farei tudo que eu posso sem o seu auxilio. Isso mesmo homem imortal, cheio de força antiga – falava isso com sarcasmo – Não sei o que é você, mas juro que o adversário logo irá morrer. Aquele ser dracônico cairá pelas mãos de Van Kristem. Isso não vira de um covarde que nem nome possui.
O Homem Santo absorveu uma bela golada daquele vinho. Parecia ser delicioso. Enxugou a barba, que se encheu com aquela deliciosa bebida. Jogou a caneca de lado e confrontou o mago ruivo cheio de atitude.
-Você sabe quem eu sou? O que eu sou? Qual o meu verdadeiro nome? Ou o que aquela espada na entrada faz ali? Ou pior, quem foi que feriu a face por assim dizer, de Sinestro? Então não me provoque...
Lacktum acreditou que conseguiu seu intento. Ledo engano.
Uma espada sem aviso atravessou o peito do jovem Van Kristen. Cortou o manto, peles e carne. Jorrou sangue ainda mais que havia atingido o coração. Sua boca soltou mais do líquido vermelho o fazendo desfalecer diante da lâmina do suposto Homem Santo.
Todos os membros dos Dragões ficaram atônitos diante de tal ação. Foi quando o herói sem um nome disse:
-Fui eu que marquei o dragão enquanto ele ainda tinha pele de esmeralda. Eu e Galtran. Se pensar que me importo com as atitudes de um mero mortal, saiba estar completamente enganado. E me importo menos ainda com sua vida, mago cheio de prestidigitação. Agora, definhe sob a lâmina de minha espada.



[1] Mais um termo para elfo.
[2] Angaheru, deus das forjas e dos combates. Portador da Rosa dos Ventos e criador de toda a raça anã.

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