quinta-feira, 19 de março de 2015

(Parte 32) Heróis de areia


A cada movimento do navio as almas que ali estavam, gritavam. Seus temores não eram somente relacionados embarcação. Seus medos se fixavam em não encontrar mais seus amores - ou encontrar algum – não ver seus parentes mais queridos e odiados, a não enxergar mais terras, qualquer torre, casebre ou um feudo que jamais seria visto mais uma vez. Nem aqueles mais destemidos mantinham a calma. Pois achavam que um demônio estava para surgir. Só um se mantinha firme, corajoso, intrépido e eloqüente. Seu líder.
 Ele gritava com autoridade. Com sua força e pulso firme igual à de um rei no campo de batalha. O pirata praguejava contra as nuvens, com a força de vários homens, como se discutisse com a tempestade. Para ele, a mudança climática era mais que isso: era um passeio refrescante que lhe levava aos dias bons de sua vida. Seria ele louco? Ensandecido? Oh não! Era são e normal. Só queria sentir o mar forte em seu corpo. Respingos de água salgada no rosto concediam uma sensação única como o êxtase. Talvez até como o beijo e o abraço de uma mulher.
-Vamos seu bando de crias infernais, arremedos de seres pensantes! Façam o que for possível para manter esse navio!
-Ele é tão bondoso... – soltou Seton irônico.
-Mas certo ele esta em fazer isso! – advertiu Gustavo – Precisamos nos concentrar no que esta a nossa frente agora!
Os Dragões auxiliavam no que podiam. A tormenta parecia estar vencendo com todo o seu caos. Os momentos daquela situação pareciam trazer tanto medo e pânico, mas nenhum dos homens se renderia. O sangue dos piratas era a água do mar e suas vontades estavam acima de tudo aquilo. Acima de qualquer música do mundo estava o som do oceano. Eram as ondas que se quebravam como o som das trombetas de Jericó. Com uma força divina, elas engoliam e soltavam a embarcação. Como o brinquedo de uma criança travessa no meio de um lago. Um lago enorme.
-O que é esse gira e gira ai fora? – grita Valente com receio da resposta. Ele deveria ter ficado calado, mas não o fez. O que causaria um problema.
-Uma besta falante! – exclamou um homem, que por isso não consegui manter a força nos braços. Quando viu Valente, soltou a corda, aterrorizado. Era melhor se reunir a seus novos colegas: os ratos do navio. Caso contrário seria morto pelos sapatos, botas, sabres, adagas ou espadas de algum pirata.

As nuvens gritavam. O som do trovão batia como tambores de guerra. Enquanto o navio cruzava as ondas, os deuses gritavam perguntando como aquela embarcação permanecia inteira. Ou quase. Até os próprios homens que estavam nele perguntavam-se sobre como esse milagre ocorreu.
Seria tão bom se magia e espada resolvessem tudo. Mas a lâmina de Thror ou os encantamentos de Lacktum não seriam fortes o suficiente para aquela situação. E falando em certo mago inglês, ele despertou do sono induzido.
Cambaleava como um bêbado que levanta uma forte noitada de boemia. Só que por algum motivo, preferiria sair de uma ressaca a entrar nessa situação delicada e perigosa. Sua cabeça estava tão perdida, que mal sentia os seus famosos enjôos. Seriam bem vindos para ele agora. Isto já que preferiria estar soltando o desjejum da manhã do que enfrentando o perigoso clima.
E foi então que o mago notou algo que deixou assombrado. Talvez até preferisse não notar isso antes. Havia magia no ar.
Lacktum correu até o convés. Ele gritou com extremo medo.
-Dragões, preparem-se! Sinto uma magia no mar! Alguém esta fazendo uma conjuração!
O capitão Joseph gritava com o recém desperto Lacktum. Ainda o considerava um louco mais que um arcano. Assim mesmo, o jovem inglês ruivo soltava palavras de ordem.
-Rapaz, continua dominado por algum espírito do mar?
-Não senhor! – falou isso, fitando o comandante com olhos compenetrados. Cheio de fúria. Mas não contra Joseph – Há magia aqui! Eu sei!
Gritando isso, uma grande força cruzou o ar. Ela atingiu a água como a mais imensa rocha jogada em um pequeno rio. Não fosse por pura sorte – e dessa vez, só contaram com essa dama – teriam sido completamente tragados pelas ondas colossais do oceano. Não havia como medir aquela força tão poderosa. Magias ainda teriam dificuldade de obter um tamanho próximo da realidade daquelas forças marítimas que se elevavam próximo do navio. A Arte estava ali. Era acima do normal, o que demonstrava que aquilo era parte uma magia ancestral.
As ondas do mar rodopiavam. Não mais em um sentido só, porém com mais força. O rodopio começou a se tornar um círculo concentrado, quase que em forma de espirais. Gigantescas ondas cruzavam as bordas daquele movimento marítimo, como se fossem nada menos que insetos. Um redemoinho, um verdadeiro funil surgiu naquelas águas no ponto exato onde a força havia surgido. E mesmo assim parecia tão magnífica e tão maligna aquelas linhas marítimas em forma de demônio.
Foi quando os Dragões perceberam que algo se agitava dentro da água. Era de um tamanho imenso que causava arrepios aos mais cautelosos. Thror notava algo no ar. Como quando ele tinha seus momentos de brilhantismo. E agora causaria o temor nos corações dos tripulantes.
-É um kraken!!!

Na era mitológica, Perseu encontrou junto às rochas do mar da Etiópia, uma mulher. Seu nome era Andrômeda, filha do rei Cefeu e da rainha Cassiopeia. Ela estava ali presa a correntes poderosas, pois um oráculo havia falado que só depois entregarem sua própria filha ao monstro que assolava aquelas terras, a fera seria aplacada. Um monstro marítimo tão grande e poderoso que devorava navios e devastava todo o litoral.
Após isso, as águas borbulhavam com força. A cauda e os seus tentáculos rasgavam os mares. Havia um dorso, coberto de escamas afiadas e aguçadas. Destruía navios com suas mandíbulas. Sabendo que não derrotaria a abominação saltou no peito da criatura, cobriu os olhos com o braço esquerdo, abriu um alforje e ergueu a cabeça da Medusa, uma das três Górgonas. Tal fera afundou no oceano transformado em pedra pela maldição da mulher com cabelos serpenteantes.
Nunca existiu somente um kraken, porém. Poucos sobraram da era mitológica. Sua força estava a serviço dos deuses olímpicos, mais precisamente, aqueles relacionados aos mares. E ainda assim, poucos com a força daquele que Perseu derrotou. Agora havia um deles do lado esquerdo do navio.
A parte de baixo era semelhante à de um ser marinho imenso. Uma imensa massa de tentáculos brotava da água. Os músculos rígidos surgiam por entre as escamas e seu dorso monstruoso. Finos, aqueles membros, mas ainda assim poderosos agitavam a água. Cruéis e dilaceradores se acertassem o navio.
Thror empunhava sua espada com a ponta para baixo, enquanto segurava o escudo na frente. Seus dentes rangiam. Era medo ou excitação? Nem ele sabia.
-Por todo o Olimpo! Nós iremos passar!
Foi quando Lacktum alertou o grupo do óbvio:
-Ele irá atacar agora.
De repente um dos tentáculos desceu com a fúria de um furacão. O navio balançou para o lado. Farpas de madeira foram lançadas pelo ar.
Todos se seguravam e se mantiveram no navio por enquanto. Pelo menos por enquanto. Era a hora de revidar.

No momento em que um golpe acertou o navio, Seton se prendeu ao chão com a foice, já que ele inclinou muito para o lado esquerdo. Gustavo tinha sido mais rápido prendendo uma corda na sua cintura, e a outra ponta, em um mastro. O mago e o guerreiro deslizaram até a beirada do navio. Um escorregão os levaria a cair no mar. Thror riu.
-Do que esta rindo? – gritava e perguntava o mago ao guerreiro.
-Não sabia se era medo ou excitação! Mas agora sei que é excitação, pois quero algo bem forte para beber!
-Isso não significa muito! Quando se esta com medo de chegar a uma bela dama, o melhor amigo nesse momento pode ser um bom gole de vinho!
-Ou um bom copo de rum! – gritou e sorrindo com cara de louco o grego. O inglês retribuiu com um riso tão ensandecido. Gustavo gritou de raiva, olhando para eles.
-Se vocês continuarem assim vamos virar esse navio! Graças às conversinhas sobre bebidas! Tem uma fera mitológica nos atacando – falando isso, envergou o arco.
Com os pés fixados na madeira ele conseguia o apoio necessário para tentar disparar. Tiro de sorte qualquer um diria. O barco voltava a posição inicial, mas continuava balançando. Isso dificultava a soltar o projétil. Sem pensar nisso, o paladino colocava duas flechas no arco e segurava a corda com toda a sua força. O disparo tinha que ser bom. E foi!
As flechas foram disparadas bem alto. Seu intento era que mantivessem a força, fixando sua ponta nas escamas, flutuando como borboletas cruzando em tempestade. E isso ocorreu para espanto de todos. Isso causou uma reação da criatura. Era um rugido de raiva.
Ela se no navio em si. Devastando mais um pedaço dele. E a embarcação era forte. Pois se outro navio teria afundado. Golpes como aqueles pareciam pequenos tornados quebrando as ondas. Graças aos tentáculos potentes. Era uma monstruosidade.
Agora o navio estava sendo tragado pelo redemoinho. A força das águas se tornava maior como um potente furacão. Eles permaneciam na borda do fenômeno. Não iriam se mantiver ali para sempre.
Com os Dragões de pé, - já que não ficava mais inclinado de forma forçada – Joseph se mantinha no leme. E havia se mantido ali, desde o começo. Parecia uma torre forte e solida que não desmoronaria tão facilmente. Com a força de um batalhão.
-Praga! Trovões! Espadas infernais! Homens se mexam, tenham força e mantenham suas cabeças frias! O navio não deve tombar! Pois se o fizer, arrancarei suas línguas e olhos para permanecerem perdido por todo o Hades, caindo no Tártaro ou no Estige!
Só que mesmo com os pedidos gentis de Joseph, os homens temiam aquela criatura. E que outros modos deveriam agir? Aquele monstro parecia brincar em uma bacia de água, enquanto o Salva Ventos era engolido pelas ondas do mar. Seus espíritos quebrados, partidos. Não sabiam o que fazer.
Os únicos loucos, desvairados e inconseqüentes naquele navio eram denominados Dragões da Justiça.
Suas lâminas estavam prontas para o novo ataque que ocorreu em seguida. O tentáculo parecia formar um imenso punho cerrado, quebrando pedaços de madeira avulso próximo do leme. Parecia melhorar a cada golpe. A precisão e a destruição pioravam.
Thror ergueu seu corpo no ar. A espada para trás do homem, com a finalidade de cortar o vento com um golpe preciso. Terminando o salto em direção ao membro do kraken, o corte atingiu aquela parte do corpo monstruoso.
-Vamos por partes! – gritava o guerreiro.
Lacktum preparava as mãos com correntes de pura energia. Empurrava as luzes com dificuldade no ar, afinal, além do mar poderoso que os traziam a um redemoinho, as gotas da chuva atrapalhavam mais ainda a conjuração. O peso de seu corpo aumentava ainda mais com a força da água. De qualquer forma ele a lançou, com extrema dificuldade. Acertando o tentáculo atingindo anteriormente pelo grego.
Aquele tentáculo ficou inutilizado e o corpo sofreu o impacto.
Gustavo novamente soltou uma flecha em direção ao que seria o peito. Dessa vez ela não surtiu o efeito esperado. O paladino preparava novo projétil.
-Onde arranjou o arco? – gritou, perguntando o mago.
-Compre na vila próxima da cabana de Iliana!
Van Kristen mostrou um ar de surpresa que guardou até aquele momento.
-Jurava que preferiria espadas do arco!
-Sim! Mas a oportunidade se mostra melhor agora para um arqueiro! E pare de falar! – falou ele repreendendo a si e ao colega.
Havia também o druida com sua foice, ironicamente, calado, braços estendidos ao alto. Por qual motivo ninguém sabia. Estava assim desde o primeiro momento em que aberração começou.
-Pare de fazer bobagens Seton! – soltou de forma quase gutural o guerreiro chutando o membro do monstro.
-Você ainda vai me agradecer! Agora, deixe-me concentrar.

Novo ataque da besta de origem marítima.
O tentáculo devastou todo o mastro principal. Não que ele fizesse a diferença naquela atual situação. Porém, se sobrevivessem, seria necessário.
Com um segundo chicote em forma de parte do corpo da monstruosidade, surgiu um golpe. Ele foi rechaçado.
A lâmina de Thror estava ali, como um relâmpago. Prendendo o avanço daquele membro com sua espada pequena, com um encanto pelo menos. A dor era palpável na criatura. Não era só raiva nela agora. Até aquele momento, o kraken tinha cinco tentáculos – e só um deles foi inutilizado. Com o navio sendo arrastado cada vez mais para o redemoinho.
Aquele momento parecia crítico. Isso ocorria, já que sua lâmina não suportava mais o peso do membro. Mesmo com a força ao máximo do guerreiro ou a arma mágica que possuía. Seus músculos enfraqueciam, o corpo pesado pela água da chuva e do mar também. As sandálias já desprendiam. Ele estava chegando a exaustão. Por pouco, seu corpo marcado não seria lançado no oceano.
Um rugido de trovão foi escutado, estourando o céu com sua luz. Era Seton manipulando os raios como serpentes. Com o devido cuidado, mas desafiador.
-Era isso que fazia! Rwy'n rheoli mellt fel seirff i lawr! Ers i mi yn trin beth sy'n mynd a beth yn llawer uwch ein pennau!
O golpe de serpentes voadoras e luminosas percorreu o ar com a força da própria tempestade. Havia atingido o membro que Thror segurava. Com isso, por alguns momentos, o ser foi lançado para trás, mas não longe o suficiente.
-Nunca mais zombarei de sua fé! – gritou um mago ruivo satisfeito – Mas voc~e continua parecendo um louco de foice!
-Um louco de foice e com relâmpagos que controla em suas mãos!

Mais um golpe e o membro atingido por Seton tombaria. Assim como o anterior. Nesse mesmo momento, a fileira de dentes perigosos do monstro se aproximou do navio. E como uma serpente, seus dentes afetaram a estrutura, Partiam boa parte da embarcação. O som da madeira se partindo junto aos gritos da tripulação. Era a dor unida ao desespero.
Um pouco mais e a perna de Lacktum seria esmagada junto ao monte de carne que antes eram alguns dos piratas. Eis que o mago age de forma ousada: pula em direção ao monstro.
Seu salto quase foi interceptado por um dos tentáculos monstruosos do ser marinho. Mas com o corpo esguio que possuía – e a sorte de um animal em fuga – nenhum dos imensos membros lhe fez qualquer mal. Então, caindo entre os turbilhões, o arcano prepara a magia com dificuldade.
Enquanto isso, os aventureiros do grupo lidavam com mais um dos membros daquela massa bruta imensa de força. Ela, a criatura, estava começando um golpe constritivo contra a embarcação. Lembrando uma serpente poderosa envolvendo uma lebre, o navio era a sua presa. Seu abraço profano fazia estalar com força. Cada barulho, cada rangido, fazia a esperança sumir, como uma vela ao vento forte. A água se esgueirava mais e mais nos orifícios do navio. Daquele ponto em diante, o Salva Ventos estava para sempre perdido. Os homens ignoravam isso, preferiam enfrentar o oponente que surgiu das águas, antes que o dano fosse maior. O navio era importante, mas mais ainda as lembranças que compartilharam nele.
O guerreiro Thror esbravejava como iria decepar cada parte daquele imenso, mas nem ele acreditava na vitória com força. Foi quando golpes bem sucedidos naquele membro bizarro foram notados pelo grego. Deveriam ser os ataques de Seton pelo estado em que se encontrava aquele pedaço. Era a chance do guerreiro.
A espada se levantou com a velocidade de um demônio fugindo do Inferno. O corte não foi certeiro, mas forte o bastante para aquela gelatinosa aberração perder mais um membro. O tentáculo caia com força no mar, mas mal se escutava o som da queda devido ao som ensurdecedor dos trovões.
Os poucos, homens que sobreviviam aos golpes do monstro marinho, depositavam suas esperanças nos Dragões da Justiça. Eles eram jovens em comparação aos piratas, mas em seus peitos corria o calor de verdadeiros de heróis, mesmo que não admitissem. Aqueles homens do mar se inspiravam com atitudes dos rapazes. Parecia que eles lutariam até o amargo fim. Parecia que os deuses dos mares o testariam com toda a força.
-Ergam essas cabeças cheias de estrume!
Um xingamento, e os golpes precisos dos valorosos Dragões. Era tudo que precisavam os homens de Joseph.
-Thror! Onde esta o mago? – soltou o paladino.
O grego balançou a cabeça em negativa
-Ele sumiu... Eu acho que ele...
E antes que terminasse a frase ouviu um grito de glória, como se alguém tivesse conquistado o topo do mundo. Lacktum havia cravado sua faca no corpo do ser marinho. Estava pendurado naquela coisa.
-Eu acho que ele é o miserável de cabelo escarlate mais sortudo de todas as terras e reinos. Mas como...?

Lacktum se segurava com extrema dificuldade. O calor, misturado com a força da criatura, faziam o mago se machucar, e muitas vezes, escorregar. Especialmente sua perna esquerda, que sobreviveu a uma das investidas. Mesmo assim o arcano usava a adaga que ganhou de seu pai como uma estaca, contornando aquele corpo da besta. Havia dificuldade em conseguir manter-se fixo em cima da pele. Se é que aquilo era uma pele, por assim dizer.
O cheiro dos peixes mortos de algum porto inglês fedorento, misturado ao cheiro podre de um bando de goblins mortos, não chegaria perto do odor que sentia naquele momento. Não fosse pela força de vontade inerente no rapaz, ele teria sido tragado pelo poderoso oceano. O vento poderoso do mar estava forte, quase cortando seu rosto. Ele contornava o imenso ser até alcançar o que se assemelhava vagamente o que seria um rosto. Lacktum conseguia ver o navio e parte da face do kraken.
Com uma mão, sem muita força devido ao vendaval, ele conjurou símbolos arcanos. Até mesmo proferir as palavras mágicas era difícil.
-Come to me... Lightning... Fulmine... My opponent...
E no mesmo instante, ele saltou na direção do navio. Quando isso ocorreu, um relâmpago obliterou o mitológico ser marinho. Seus tentáculos em forma de amarras no navio soltavam lentamente as velas e a estrutura. Os pedaços dele tombavam na água com força, deixando livre – por completo – o despedaçado Salva Ventos. As esperanças foram renovadas em Lacktum, pois pelo menos agora eles teriam maior chance de sobreviver. Mas nem isso o mago conseguiria.
Quando pulou em direção ao navio, o mago foi pego pelo tentáculo gigantesco. Talvez por malícia ou não o monstro, levava Lacktum. Ele lutou e enfrentou com todas as forças o ser enorme, mas foi tragado. Sendo levado com força, o mago olhava para cima de forma forte para tentar contemplar o Salva Ventos. O que observava, no entanto, era o vazio.
-Lacktum! – gritavam todos os amigos com temor, por o amigo havia sido devorado pela força dos mares. Havia perdido de vista o corpo do mago. Pediam aos deuses – mesmo os que acreditavam em um único deus – que algum fenômeno salvasse o inglês. Pelo jeito não seriam atendidos. O mago estava perdido.
Arctus, que nesse tempo estava auxiliando, mantendo o navio inteiro subiu finalmente as escadas. Essas também estavam despedaçadas, devido aos golpes do kraken. Com esforço, o padre alcançou a parte superior.
Ele observou que a esperança estava apagada na face dos homens. Cada qual com um ar de derrota único, mesmo obtendo vitória sobre o monstro. Não compreendia o que ocorria. Como uma pessoa que se refugiou da tempestade e vê um campo destroçado.
-Por quais motivos estes rostos tão desolados?
A tempestade batia em seus rostos e costas, criando nos heróis uma sensação horrível. Como se a verdadeira tormenta estivesse em seus corações. Não seriam mais como eles eram antes ao que tudo indicava.
Quando Gustavo finalmente iria falar o destino de seu amigo arcano, foi brutalmente interrompido. O casco do navio finalmente partiu. O som oco da madeira estalando em dois, todo um pandemônio no meio do redemoinho marítimo finalmente tragava Salva Ventos. Gritos abafados pelo mar bravio e furioso. O capitão se segurando pedaço de madeira que não tinha função alguma. Homens jogados na dura madeira, com corpos quase dilacerados, as esperanças destruídas e a vida... As vidas extinguidas como um castelo de areia na praia. Isso não era parte de uma brincadeira de criança.
O pedaço de madeira da proa voou em direção ao braço do forte Thror, quase o partindo ao meio. Quando Arctus iria o auxiliar, foi atingido por um jato de água que quase o partiu ao meio o lançando para fora do navio. O paladino, mais veloz, havia se prendido a uma corda e saltado resgatando o jovem clérigo. Uma verdadeira aposta de sorte. Se eles iriam sobreviveriam não sabiam mais, já que o navio não resistiria.
Só que uma coisa mudou pelo menos, já que o redemoinho estava parando. Havia uma chance mínima de vitória. Havia uma chance de sobreviver.
Enquanto estivessem vivos, haveria uma esperança. Sempre que um homem tem consciência que realmente vive, há uma chance de mudar tudo. Tornar a dor em uma força maior. Como um relâmpago o sangue fervia com vontade, assim, conquistando o que se quer. De ir contra as probabilidades. Acreditando. Mesmo contra todas as forças. Não é o corpo, mas sim a alma e o coração que nos mantém em pé. E isso independente deles estarem estilhaçados e triturados.
Quantas pessoas, nesses momentos de desespero, entregam ao medo. Mesmo os mais instruídos, que devoram livros, abandonam o que é caro para si. Sendo que isso fazia parte de suas vidas
Eles iriam sobreviver à tormenta. Ou o capitão não se chamaria mais Joseph.

-Acorde careca!
Thror ouviu isso de um Seton encharcado, em cima de leme. Era algo perturbador ver o rosto abatido do druida. Parecia ter visto o Inferno no mar. Ele mesmo não deveria estar muito diferente.
Já era noite e não havia mais uma nuvem sequer cobrindo o céu. O que fez todos poderem admirar aquele céu noturno com estrelas cativantes e nostálgicas. Nem parecia que uma tormenta se abateu sobre aquele trecho do mar.
O grego sentia tudo em si dolorido: a cabeça latejava, um braço encharcado de sangue pelo golpe surpresa no braço, o corpo com alguma parte das costelas partidas, ele achava, além de várias outras partes que não conseguia lembrar o nome.
Estava em de um pedaço de madeira que um dia deveria ter sido um deque. Uma grande metade afundada naquela água fria. Assim como o próprio corpo, já que nem ele estava completamente ali em cima daquele lugar. Ele boiava com as pernas, assim como os outros membros de Salva Ventos.
Viu primeiro onde se localizavam seus amigos e aliados. Todos vivos. Alguns até mesmo com certas escoriações e cortes, mas ainda assim respirando. Após notar o que ocorreu com eles começou a olhar para os piratas. Todos que sobreviveram estavam em pedaços de madeira. Cinco ou sete no máximo. Entre eles, Yuri, que chorava. Suas lágrimas eram fortes e cheias de uma dor dilacerante.
-Yuri! – gritou o guerreiro, com força de alguém que enxerga um ente querido e quer o reconfortar – o que houve meu amigo? Qual o motivo de seu brando?
Apontou então, o imediato, para certa área naquele mar sem fim. Foi quando notou aquela figura como uma ferida enorme.
Os cabelos negros caídos naquela água como se fosse parte de um tecido antigo sendo lavados de modo a encharcá-los. O copo todo boiando como uma madeira daquele navio. Algo não difícil de imaginar, visto que até suas roupas pareciam ter adquirido a cor de Salva Ventos. As mãos estavam machucadas, em carne viva. Devido a sua tentativa de manter o navio inteiro durante a tempestade, ou quando revirava os escombros no mar, ou colocando cada pessoa que colocava em um lugar que considerasse seguro no meio dos restos do desastre... Era o sangue de um lutador. Um guerreiro no melhor modo de falar. Sua espada longa, ainda embainhada, tava claros sinais de enferrujar naquela água salgada, mas agora era um símbolo de força do capitão. Nunca a havia sacado para punir um homem sequer, tudo sendo resolvido na conversa, em uma briga ou um belo gole de bebida. Era o pai que alguns daqueles homens jamais teriam conhecido. A camisa branca estava rasgada, tentando estancar o sangue que jorrava do braço de um deles. Nem ligava para uma verdadeira estaca de madeira atravessando seu peito inteiro. Deveria ser de uma parte do mastro principal. Mesmo fragmentado, havia o atingido em cheio, o debilitando, minando suas últimas forças, acabando com o último sopro de vida dentro do coração daquele excepcional homem que navegou marés com coragem e a vontade de um aventureiro incauto, mas cheio de sonhos e paixões. Paixões que o mar agora tragava para sempre. Ele entregava e também tirava, alguns navegantes e pescadores diziam. Entregava e tirava...
Joseph Boas Língua estava morto, e como um pirata, morreu junto ao navio. Até o mar o rejeitou, visto que não afundou como boa parte da embarcação. Yuri falou, tentando parecer forte, que o gosto de seu líder deveria ser ruim para o oceano. Não conseguiu enganar ninguém com aquelas lágrimas na face.

-O capitão pegou um por um. Os levou a cada escombro, mesmo sem quase nenhuma força... Colocou naquilo que ainda flutua de Salva Ventos... Ele... Ele se sacrificou para nos salvar.
Aqui nesses trechos, escrevo sobre o triste fim de Boas Línguas. Um capitão que foi contra o típico costume de afundar com o navio, pois o próprio mar o rejeitou. Só que conseguiu ser mais honrado do que qualquer outro, esquecendo de sua vida para salvar a da tripulação que sobrava. Salvar vida sempre tem um grande poder para mudar o mundo, mesmo que seja um pequeno pedaço dele.
Cruzando a água, Thror nadou até Joseph. O virou para ver corretamente a face do salvador. Seu corpo, branco como um fantasma. Antes fosse. Os olhos abertos foram prontamente fechados pelo grego, que em seguida depositou uma moeda sobre um deles.
-Uma moeda para o barqueiro. Que Poseidon interceda por você meu caro.
Mesmo na água e exausto, o guerreiro parecia se lembrar de uma música. Algo fúnebre. Algo que simbolizava partida.

Você não nos disse adeus
Agora as suas ações estão feitas
Siga com o barqueiro para os Elísios
Siga para um lugar onde finalmente encontre alegria

Eles nadavam para longe, parte carregados pelo mar, parte pela força de seus braços. Rápidos e com força, os Dragões da Justiça e os homens de Salva Ventos tentavam alcançar o litoral. Estranhamente, encontravam-se mais próximo do que antes, constatou Yuri. Talvez fosse um efeito colateral da magia que evocou o kraken. Isso não importava mais.
Era possível ver ao longe, em um horizonte não tão distante, as chamas de tocha sendo acesas. Uma pequena vila com certeza.
Um ânimo surgiu nos rostos daqueles. Eles estavam completamente deprimidos, mas ainda poderiam alcançar à costa. Uma chance de honrar aqueles que caíram durante combate contra o mitológico monstro. Tentar esquecer aquilo parecia ser impossível para eles.
Foi quando, pensou o druida, onde estaria Valente? Será que estaria junto com o mago fundo do mar? Eis que de repente, no balde, o estranho animal falante navegava. Com ele, usando uma colher de madeira. Cantarolando:

Eu sempre serei um passageiro
Sempre serei aventureiro
Quem não quiser viajar
Nunca verá o mar

Thror riu, mesmo com toda força exaurida da tragédia no navio. Ele havia se lembrado de uma música que o grego cantava sempre que estavam em viagem pelos mares.
-Onde ouviu isso, pequena lebre?
-Não me lembro grande careca! – apontando a colher contra Tzorv de forma ameaçadora – E não sou uma lebre, da família dos roedores. Apesar de que um primo meu se envolveu com uma ratazana... Isso não importa! Respeito ao meu sangue nobre humano!
O enorme guerreiro agarrou o diminuto amigo. O abraçou.
-Estou grato pelas nereidas terem lhe poupado! Como sobreviveu rapazote?
-A sorte dos animais. Mas confesso que não é só meu primo que conversa com os bizarros roedores. Eles são bem mais sábios do que aparentam dentro de um navio. Digam-me, onde esta o rabugento e que tem maresia, Lacktum?
Novamente, uma nuvem caiu nos rostos dos Dragões da Justiça. Haviam se esquecido de seu líder e aliado. Alguém que depois de tantas discussões finalmente se tornou um amigo.
-Lacktum Van Kristen se foi – soltou um pesaroso Arctus.
De repente Valente, o mais contido, chorou, como se fosse simplesmente um filhote de sua espécie dentro daquele recipiente que usava como embarcação. Quem olhasse novamente o céu estrelado, notaria uma estrela cadente naquele instante. Será que alguém fez um pedido? Talvez. Seria bom.

Yuri pegou algumas madeiras para depositar o corpo. Um caixão improvisado para um capitão tão valoroso. Só ele sabia o motivo de seu amigo e capitão ser chamado de Boas Línguas. O verdadeiro. Era até engraçado, se não fosse trágico.
Desde criança, o ainda não imediato, órfão, viveu junto ao eloqüente e forte Joseph. Um rapaz carismático que manipulava adagas como ninguém, malicioso e com uma lábia única. Nada próximo do que o seu bom jeito com as mulheres.
Ele dizia que uma mulher feliz em todos os portos o fazia um homem de boa sorte. Isso era pouco, mesmo assim, para o grande conquistador. Viajou pelos portos do Egito, até a Inglaterra, sempre atingindo vários corações que suspiravam. Nunca magoou uma moça, mas jamais se entregou de alma a ninguém. E era bom. Não queria trair ou ser traído, muito menos magoar ou ser magoado. E o gosto do seu beijo seria bom, assim como o da língua. Uma língua com o gosto de vários lugares, que atendia os anseios femininos. Boas línguas então foi o nome entregue a ele devido a isso. Criação da tripulação.
Sabia, porém o amigo e confidente Yuri, que isso não era toda a vida do jovem Joseph. Ele era valoroso com os companheiros e sempre piedoso com aqueles que erravam. Não importa se agia errado demais, mas quase sempre o acusado seria perdoado e poupado no final se merecesse. O mundo era menos assustado para os amigos dele. Como se uma aura estivesse permeando seus companheiros de viagem com toda a vitalidade que só ele possuía. E já não tinha mais. Um corpo. Só era isso agora.
Lembrou-se de tudo quando era uma criança e o que viveu até ali. E quando decidiu entrar de vez com Joseph na vida de marinheiro... Em uma nova vida. Seriam reis, ou melhor, viveriam como um. Moedas de todas as cores, tipos, tamanhos e reinos. Enriqueceriam tanto que não ligariam mais para o seu próprio peso. Ficariam obesos de tão cheios seus bolsos e barrigas. Sonhos juvenis que foram retirados de ambos com a morte.
Dizem que não foi à aventura, nem as mulheres em todos os portos pelo quais passou. Muito menos a vontade de viajar... Ele queria ser pirata por causa de um coração partido. Uma desilusão amorosa foi à causa de suas aventuras.
Ah, amor que nos devora. Amor que nos salva e condena. Ah, amor.
E tudo terminou ali, no mar. Que era como o amor. Pois devorava. E tudo que tomava era seu para todo o sempre. Tão sublime é o mar, tão terrível é o amor. Tão poderoso é o oceano, tão linda é a paixão.
Finalmente, Yuri, o imediato, o arcano, o amigo, o irmão, o confidente, o aliado, se despediria daquele que tantas vezes o salvou. No Cairo ou em Roma. Ele se fez lembrar-se de quando quase foi enforcado por culpa de Joseph em York. Mas foi salvo pelo mesmo que lhe causou o problema.
E agora a última homenagem.
O gesto final ao capitão. Uma passada rápida pela cabeça, como um amigo, um irmão. O choro incontido, a alma rachada. Parte de si. Adeus não é o correto. Até logo ou até mais. Seriam as últimas palavras de Yuri para Joseph Boas Línguas.
Com braçadas curtas o mago e imediato foi se afastando pouco a pouco. Com um pesar na alma, ele finalmente se afastou. Não tão distante ainda para ver deixar de ver a forma de seu antigo líder. Agora, teria que auxiliar seus amigos do Salva Ventos. Tirar para sempre de suas memórias o trágico fim do sonho.
Ele havia pedido aos outros que se afastassem do corpo, já que agora não teria necessidade de todos permanecerem tanto tempo na água. Alguém poderia morrer por conta do frio. Por isso pediu aos seus companheiros aos Dragões da Justiça que se adiantassem.
Uma última olhada para o capitão. Para o amigo. Eis que surge uma figura com traço de mulher, mas também de demônio. Como estava longe, Yuri não sabia definir seus aspectos. Só que possuía um par de asas de couro como as de um morcego. Seus olhos faiscavam. Vermelho sangue
O arcano pensou em reagir, mas ouviu vindo do nada:
Quem compartilha do sangue da bruxa, sofrerá da maldição
Yuri parou.
Diferente do que ele imaginou o demônio não pegou o corpo e voou com ele. Afundou com tudo naquele mar calmo e negro. Em um salto só como um peixe. Fitando a tudo como presa. Nem na morte Joseph teria descanso.
A última visão do imediato na noite em que Joseph morreu, foram àqueles olhos. Vermelho sangue.

Ele via Salva Ventos sumindo na turbulência do mar. Queria morrer ao lado dos amigos. Não ali, não sozinho. Sua última família. Seus entes queridos. O sangue de quem passou a aprender amar.
Como havia ficado tão sentimental? Era tão único isso agora. Cheio de raiva e fúria antes. Agora se preocupar em morrer sozinho não era comum. Não para ele. Um mago com o sangue do norte. Norte. Estavam próximo da terra dos seus ancestrais.
Mas mesmo com o arcano possuindo muito poder e não ter usado nem metade contra o kraken ele não sabia como controlar a água. Uma pena, já que ninguém pensa nisso. Pelo menos entre os abridores mais ávidos por poder.
Só quem já lida muito cedo com as magias referentes à água entende corretamente sobre a magia, que muitos consideram ter o controle sobre a vida.
O corpo caia mais e mais dentro do manto sombrio do mar. Cobrindo Lacktum com ele. Uma mortalha apropriada para o lugar onde estava. Deve ser doce morre no mar. Nas ondas escuras do mar.
Enquanto descia mais e mais naquelas ondas frias e fortes que banhavam o litoral dos homens nórdicos, escutou uma voz. Um sussurro. Não conseguia saber o que falava.
Talvez fosse um delírio. Ou quando os homens fala que sua vida passa como um relâmpago por seus olhos. No caso deveria ouvir fantasmas. Ecos de um passado distante. Alguém que gostava muito, um ente querido, ou o amor da sua vida.
Afogava-se. Um pouco mais a cada batida de seu coração, que parava tão lentamente. Os movimentos acabavam, o corpo enfraquecia, enrijecia. Que inferno era aquilo para ele.
O deus Aegir[1] deveria ficar contente em roubar almas de Odin. Diferente de Njord, essa divindade das tempestades não ligava tanto para os mortais. Só para se satisfazer. Mas será que o mago iria alcançaria à famosa Valhalla[2]? Não era um guerreiro e nunca seria.
Engraçado, pensou, enquanto se afogava. Jurava que havia uma mão tentando o alcançar.
Mas não conseguiu.



[1] Deus nórdico do mar e das tempestades em especial. Vive em Midgard (nesse caso, se referindo a Terra – Gaya), no mais profundo ponto do oceano
[2] É o lar de todos aqueles que perecem em batalha, segundo os costumes nórdicos.

quinta-feira, 12 de março de 2015

(Parte 31) Sinta o vento


Depois de um longo tempo de treinos, Iliana Brown disse ter notado que os Dragões estavam prontos para um novo com bate. Isso com suas doses de sarcasmo e ironia, sempre presentes.
Lacktum aprendeu novas magias junto à bruxa. Arctus e Gustavo pareciam mais concentrados, meditando sobre forças antigas. Combater o inimigo é compreendê-lo, sem se tornar ele. E era um método bom de enfrentar os adversários. Thror parecia ter se adequado ao combate com duas armas. Na verdade, ele guardou até mesmo sua arma mágica começou a usar espada longa e curta comuns. O que não é normal vindo dele. Talvez fosse um modo de expiar seus crimes, isso é enquanto teria sido Fobos. Seton se manteve recluso diferente de todos os outros. Não parecia o mesmo de sempre. Isso preocupou os outros.
O druida um dia ficou afastado da casa, só que Brown o seguiu. Quando o encontrou, começou a gritar:
-Então é assim que foge do meu treino? Fica aqui nessa clareira e sem nada para fazer?
Seton estava sentado em um toco de árvore naquela clareira, olhando para o céu cinzento de Eire. A ilha não era de todo horrível, mas cansava as pessoas, pois tinham que enfrentar algumas criaturas bizarras, típicas da cultura celta. Não parecia ser a atual preocupação do druida.
-Vamos, faça o seu melhor – foi o que ele respondeu a sua mestra e torturadora.
Ela se sentou ao lado do sacerdote da natureza. Não gostava quando eles deixavam o medo de lado.
-Qual é o problema? Normalmente, vocês fogem de mim como um demônio de um homem santo de verdade. O que houve?
Ele se levanta, colocando as mãos dentro de suas próprias vestes. Olhou mais uma vez para o céu. Raios de sol cruzavam o dia nublado naquelas terras. Bufou sem grande motivação.
-Odeio não ter forças. Eu não sei o motivo daqueles idiotas parecerem tão fortes. Querem poder e logo vão obter isso. Parece isso claro agora para mim. Eu... Não consigo... Eu acho.
-Não consegue? Então não tente! Simples assim.
O druida olhou com ódio para a maga. Queria esganá-la com uma corda. Era como falar para uma porta.
-Olha, se esta triste com o que obteve até então, desista de tudo se reinvente. Reescreva. Ouvi falar da sua audácia em algumas ocasiões, já em outras soube que parece com um esquilo covarde. Foi o que me contaram alguns dos Dragões. Mas você já falou a resposta para isso... Motivo!
-Motivo?
-Por acaso é surdo? Motivo é que nos guia, nos sustenta. Lacktum quer agora saber os segredos do seu pai. Antes era por vingança. Já Arctus quer poder, mas pelo jeito correto creio eu.  É o que alguns pensariam... Poder por poder simplesmente é tolice. Ele encontrará essa resposta um dia. Acho que o mais idiota é o paladino que quer salvar o mundo, até mesmo os inimigos. Isso ainda o fará morrer...
-Pensei que só Douglas fosse capaz de tal feito... Só ele seria capaz disso... Devido a maldição.
-Nunca acreditei em maldições. Ou em divindades com formas humanas como punição. Aqueles dois têm que falar de tudo para todos...
-Bem, mas sabemos que podemos acreditar neles não é? Afinal, foram mesmo para o Além! Ao menos é o que dizem.
Iliana olhava para Seton com fúria agora.
Saber de coisas, não nos faz acreditar nelas. Deuses possuem um grande poder. São como humanos assim mesmo. Ou seja, podem ser derrotados. Na verdade, podem até ser mortos. Como quaisquer outros seres. E precisam enfrentar os mesmo problemas, encontrar os motivos para continuar vivendo. E assim que um homem conquista o que quer. Seja lá o que se quer.
-E como ser o que eu quero?
Ela então bufou.
-Você não sabe. Você só sente. Bem, vamos embora, pois amanhã todos saem da minha vida. Ainda bem!
A maga então começou a caminhar. Seton olhou para o céu, como as nuvens já cobrindo um fraco sol.
Seton formulou uma pergunta:
-É possível... Matar um deus

No dia seguinte, os Dragões da Justiça já estavam prontos. Ainda bem, alguns pensavam.
O tempo em que estiveram em Eire não foi tão bom quando Avalon. Treinos terríveis e maus tratos. Coisas de Iliana, só que eles agora estavam mais concentrados agora. Pareciam prontos para o futuro inerentes deles. No final, a bruxa não era tão maligna quando nos contos infantis germânicos. Ou os da ilha em que estavam.
Cada um se despediu da Brown a seu modo. Lacktum foi o último. Como de costume.
-Bem, acho que isso é uma despedida.
-E você acha que estou triste?
Ele riu da resposta.
-Você nunca conseguiu mentir para mim.
A bruxa olhou de maneira estranha para o mago. Ainda estavam de frente a cabana ainda.
-Se realmente fosse uma pessoa tão odiosa quanto tenta deixar parecer, não nos auxiliaria em nada. Na verdade, você para mim é tão doce como o mel minha querida mestra.
Iliana se aproximou do rosto do mago, o esmagando com a mão esquerda.
-Isso não significa nada. Eu poderia estar sendo forçada a isso. Não pensou nisso não é?
Lacktum olhou com sarcasmo para sua mestra naquele curto período, quando ela o largou. Os outros pensavam que ele parecia com uma criança bem nova que brinca com os dentes de um lobo. Com presas bem afiadas.
-Fale o que quiser bruxa... Até mais...
-Espere – pronunciou Iliana em tom de cautela – Saindo daqui partiram em direção a um navio. Lá, existem pessoas que conhecem. Mas eles não os reconhecerão. Pois através do Paradoxo, o fenômeno do tempo perdido ocorre.
-Como assim? Explique isso.
Ela estava como olhar severo, mas até terno.
-As magia antigas e poderosas devem ser contidas por uma força mantenedora, conhecida como Paradoxo. Isso qualquer mago, com certa experiência sabe disso. O que poucos notam, ou o fazem tarde demais, é que o Paradoxo acaba com certas lembranças das pessoas que os arcanos conhecem para evitar que as magias de grande porte se propaguem. Até o ponto de se perderem no tempo e no espaço de suas mentes, até que Gaya rejeite estes seres. Pior ainda para vocês que nada mais, nada menos são os legados dos Imortais Esquecidos. Esse é o tempo perdido que me referi anteriormente, já que o tempo será reescrito nas memórias dos seres humanos que os conheceram.
-Espere, se o que diz é verdade pelo menos por enquanto, não iremos nos preocupar. Já que só os fracos não vão se lembrar de nossa existência, certo?
-Sua filha não tinha poder suficiente para impedir o efeito – falou Arctus, atento a toda aquela conversa – E quando se afastou dela por um longo tempo, o que você chama de tempo perdido a afetou, irreversivelmente.
-Exato padre! Ele possui um cérebro apesar da batina.
-Só não explica uma coisa: como Sinestro conseguiu manter-se na memória de sua filha e posteriormente na de sua neta.
-Primeiro não a chame de minha neta. Chame de filha de minha filha, padre idiota. Segundo é só pensar um pouco. Sinestro pode ter implantado memórias através de sonhos. Com certeza, boa parte delas é falsa, ou mostrou algo que ela gostasse. Porém, verdadeiras o suficiente para enganar qualquer um. Ele sempre foi poderoso com forças da mente. Além disso, a condição dele hoje em dia é quase de um morto faminto, o que significa nunca ser afetado pelo Paradoxo diretamente. Normalmente, monstros assim são transformados em monstros de lendas aos quais poucos acreditam. Tentando desmotivar os mais crédulos. Compreende?
-Sim, sim... – e antes que o padre ou o mago falassem alguma coisa, os expulsou gritando:
-Saiam logo daqui, bando de lagartixas! Ou seres de sangue frio de qualquer tipo! Vão logo!
Começaram a caminhar em direção ao litoral. Alguns pensavam e falavam como era boa a viagem para se livrar da tirana mestra. Só Lacktum olhou para trás e notou algo estranho nos olhos de Brown. Parecia que ela havia uma mágica de ilusão nos olhos. Então se lembrou de algo
Condeno a nunca mais ver tua filha
E então Lacktum se deu conta que Iliana era cega.

Caminharam dois dias até chegar finalmente ao litoral. Por morros e montanhas, todos cheios de problemas e criaturas bizarras, além da vegetação que parecia ser formada principalmente de espinhos. A ilha em si, naquele caminho, parecia estar cheia de lugares de difícil acesso.
Talvez fosse por isso que o povo de lá era tão bruto e tão forte. Trazia consigo o sofrido suor que não os fazia deixar de acreditar em um futuro. Uma força que também era possível notar em Iliana. Eram por motivos diferentes, mas seus espíritos tinham a mesma garra como itens diferentes. Queriam cumprir seu dever. E para eles era vencer acima de tudo.
Depois de um bom tempo, quando o sol clareava com certa força no céu, os Dragões finalmente chegaram à praia onde conseguiam ver barcos. Neles havia homens com roupas típicas de piratas, porém não pareciam ameaçadores. Na verdade, tinha algo neles que traziam lembranças boas.
-Lacktum – dizia Thror que carregava boa parte da bagagem – Eles não parecem com os homens de...
-Sim, eu notei. Homens de Joseph Boas Línguas – respondeu ele.
-Quem? – perguntou Arctus confuso
-Joseph e seu imediato Yuri. São piratas que já nos auxiliaram.
-Nunca vi isso antes. Piratas gentis! – falou um Gustavo levando boa parte das armas do grupo.
-Você falando dessa maneira... Mas garanto que ele é um bom homem. Pelo preço certo...
O litoral deveria ser o lugar mais lindo de toda ilha de Eire. Cheio de pedras, o que dificultava a aproximação de um grande navio, mas que ainda transformava local em um pequenino paraíso. O vento frio cortava o rosto de todos aqueles homens com uma força profana. Só que isso não os desanimava. Na verdade, só os estimulava mais ainda a um futuro combate. Depois do que enfrentaram, deuses ou demônios seriam nada demais para eles.
Eles chegaram próximos dos homens do mar. Sujos, cheios de roupas diferentes. Alguns pareciam vir do outro lado do Mediterrâneo, outros do extremo norte gélido e até mesmo alguns que vieram das terras onde pessoas têm olhos de raposa – como o tal de Yue Khan. Todos diferentes, mas animados como crianças amigas.
E então, do meio daqueles piratas surgiu um caminho para o grupo. Ao centro um homem com roupas que pouco contrastava com os demais. Camisa aberta, pelos do peito a mostra e uma barba tão suja quanto o cabelo. Alguns do grupo não entendiam por qual motivo havia surgido aquele ser entre eles. Entre os Dragões da Justiça mais antigos surgiu uma grande felicidade e apreensão naqueles jovens heróis. Joseph Boas Línguas, o pirata misterioso estava na frente deles.
Quando Thror iria abraçar o antigo colega, foi impedido por Yuri, o mago a serviço de Joseph. Um ato estranho para alguns dos membros do grupo.
-Oh, oh! Calma lá comida dos peixes de água doce. Qual o motivo de tanta intimidade com o nosso capitão?
Thror se afastou da mão detentora do imediato. Ele poderia a quebrar com a um simples golpe. Preferiu não o fazer. Nenhum deles esboçou uma reação até então. Nem os heróis, nem os piratas
-Yuri, não se lembra de nós? Lacktum, Thror. Têm alguns rostos novos, outros desapareceram, mas...
Joseph interrompeu com uma mão no queixo e a outra em um sabre.
-Vocês são quem Iliana havia pedido que levassem até o norte? Como devem ter treinado com aquela bruxa enlouqueceram. Por isso compreendo suas atitudes. Nenhum de nós os conhece.
Quando os combatentes iriam proferir algo, foi a vez do arcano ruivo de comentar em tom baixo aos Dragões:
-Agora faz sentido o que Iliana dizia. Eles não vão se lembra de nós. Deve ser um dos efeitos do Paradoxo. Mesmo homens tão fortes se esquecem de nós. Não podemos nos esquecer do que ela nos disse. Pode ser uma elfa bruxa louca, mas sua sabedoria é poderosa e perigosa...
Depois de muito conversarem – e arrumarem a bagunça inicial – Lacktum convenceu os colegas a agirem do modo mais convencional. Eles eram agora apresentados aos tripulantes do Salva Ventos como completos desconhecidos.

Após as apresentações devidas, todos subiram nos barcos, em direção ao navio de Joseph. Todos sentiam a nostalgia da época em que começaram essa odisséia. Uma nova jornada começava, mas muito se perdeu. Pessoas partiram como Hugo, Richard e Gor, ou quebraram os laços como Halphy. O pior ainda foi perder alguém...
Todos sentiram aquela vida se esvaindo de algum modo. O paladino. O terrível fim que aconteceu com ele. Só que aquele navio trazia imagens do amigo que nunca mais voltaria. Memórias, fragmentos de alguns meses, mas que causavam uma dor boa. Já se sentiu assim? Quando um ferimento concedia as memórias de alguém querido? E lhe concede tantas coisas boas? A dor para de qualquer modo. Sempre acaba. E você não tem certeza que quer ela de volta ou não.
Os marinheiros – que na verdade eram piratas – não se preocupavam com esse tipo de coisa. Um porto, uma nova história, uma nova vida. Nada com que se preocupar ninguém para manter laços. Só o doce mar. Era tão lindo o mar, que até mesmo morrer deveria ser bom. Nas ondas azuis do mar...
Thror se ofereceu como ajudante, os outros preparavam e afiavam suas armas e magias. Todos com exceção de Lacktum... Sim, ele não passou bem... De novo...
Novamente, Thror cantava a mesma canção de tesmpos atrás. Só que nesse momento nenhum dos piratas se lembrava dela. Como se a escutassem pela primeira vez na vida. Para quem se lembrava da viagem até a Grécia era triste de se ver.
O imediato Yuri foi até o jovem que vomitava na proa do navio. O arcano parecia estar melhorando. Ou seja, estava bem menos verde e roxa, a pele do seu rosto. O pirata batia nas costa do mago.
-Rapaz, parece abatido.
Após uma nova disparada de líquidos – já que tinha expelido todo o sólido antes – ele responde.
-É lógico! Acha que estou bem soltando tudo isso pela boca? Ai, ai...
Yuri ri.
-Não falo disso. Refiro-me ao seu rosto antes do começo da viagem. Carregava todo o peso do mundo em sua alma. Só por ser um homem do mar, não significa que não compreendo as mazelas da terra.
-Você é um pirata! Um homem que pensa através do sangue em sua lâmina.
O imediato ficou de costas para o mar com ares de ressentimento.
-Só por ser um pirata não significa que me delicio tirando o sangue de homens. Faço isso, pois sempre foi assim na minha vida. Desde que me lembro estar nesse mundo como um órfão.
-Perdão...
-Não peça desculpas. O que diz sem pensar, também provém só de sua boca. E o que falamos aos ouvidos de alguém nunca retornará a nossa mente. Pois já estão lá, presas com correntes, cada palavra, cada sentimento...
-O que diz faz muito sentido... Se me permite, como entrou para essa vida criminosa?
-Primeiro não acredito que cometo atos criminosos só me aproprio de bens alheios por tempo altamente indeterminado – quando falou isso, o imediato arcano riu – Segundo, como todo o órfão de pais e afeto. Vivi muito tempo no reino da França como um ladrão de rua, usurpando o que era necessário para viver. Até lógico ser capturado. E quando isso ocorreu, foi rápido para mim. O que nunca imaginei é que seria adotado por um mago ao qual tentei roubar. Era um mago sarraceno até que poderoso. Ensinou-me o básico de magias para utilizar no mar. Queria que eu viajasse, conhecesse o mundo, me tornasse alguém melhor para proteger as pessoas. Como um mago que iria ajudar os outros de tempos em tempos, acumulando conhecimento místico no processo. Só que nem tudo é como queremos. Quando comecei as viagens, entrei em vários navios de tamanho e missões de diferentes. Sendo que quando conheci Joseph foi engraçado... Ele estava no litoral gritando para mim. Dizia bobagens. Falando que iria se tornar um rei dos mares. Achei que ele era extremamente ridículo. Gritando em encontrar o maior tesouro conhecido pelo homem. Sorriso tão estúpido... Só que acreditei nele. Passamos por muitas provações. E estamos unidos até hoje, como irmãos de sangue. Compreende, assim como vocês e seus aliados.
-Meus amigos, você quis dizer.
-Isso. E então? Satisfiz sua curiosidade?
-Um pouco – retirando um pequeno livro de seu manto, ele sorriu – Sempre é bom conhecer algumas histórias. Especialmente boas histórias. Agora me lembrei que tenho algo para ler...
Yuri olhou com certo interesse para o livro
-É o seu grimório rapaz?
-Não. É um livro que recebi de um antigo arcano. Um amigo. E peguei recentemente de volta por meios não muito ortodoxos. Acho que ninguém reparou.
-E ele trata do que, pequeno e inexperiente ladino?
-Nunca fui de furtar. Essa era a função de outra pessoa – e continuou dizendo o ruivo – Só foi retomado o que já era meu. Bem, não sei ao certo qual o seu conteúdo, mas quero decifrar seus segredos.
-Se quiser que o auxilie...
Por instantes o mal estar causado pelo mar cessou do rosto de Lacktum. Sua face estava paralisada em raiva contra o imediato. Como se o mago do navio quisesse lhe tomar até as folhas do livro se necessário. Página por página! O conhecimento era seu por um único e verdadeiro motivo. E a ninguém mais deveria ser entregue esse saber.
Lacktum começou a caminhar na direção da porta que concedia acesso ao seu quarto. Com olhar estranho. E Yuri não compreendeu a última parte da conversa com Van Kristen.

Ao chegar ao quarto, ele acreditava estar sozinho. Porém, quando foi deitar, notou que não estava sozinho naquele aposento. Pegou sua faca o mais rápido que pode e protegia o livro como conseguia. Quando notou, o estranho invasor estava em suas costas. Sabia disso, pois simplesmente a tocou com leveza.
-Não se preocupe Lacktum. Só estou aqui para prepará-lo. Uma tormenta se aproxima de todo esse mundo.
-Quem é você? E como adentrou o navio sem que ninguém o notasse.
Um homem com uma grande camisa branca. Lembrava até um homem das terras sagradas, onde Jesus deveria ter nascido. Ele tinha pele morena, mas olhos de um castanho claro e belo. Cabelos curtos e simples.
-Não tenho muito tempo para lhe contar isso... Mas deve tomar cuidado. Pois Sinestro agora quer sua morte mais que tudo. E ele não será seu maior adversário.
-Então quem seria? Qual outro tirano pensaria em causar tanto mau a um mundo tão vasto e belo como Gaya?
-Muitas coisas ainda lhe são negadas Van Kristen. Mas prepare-se para Maelstrom.
-Quem?
-Esse livro é importante, mas não deixe seu coração ficar nublado com a raiva. Ela é má conselheira. E pior aliada.
-Fala coisas sem nexo... Porém não parece ameaçador.
-Pois elas farão. Afinal, estou lhe contando sobre o futuro. Ao qual pode não ter mais você.
-Como assim? Quem é você? Por qual nome o chamo.
-Antes te partir... Concederei-lhe um nome. Peter. Fale que sou Peter.
Com isso dito, Lacktum só piscou rapidamente. Em um instante seguinte, era possível ver que não havia mais ninguém ali. Talvez fosse só parte do lhe falaram antes. Que o livro lhe causava alucinações. Ou talvez não. Quem saberia?

Thror e Seton auxiliavam os piratas no dia seguinte. Parecia que uma tempestade estava para ocorrer. Precisavam manter o navio inteiro. Entre outras coisas, manter as velas hasteadas e fazer com que a madeira da embarcação não se partisse, quase sempre pelo peso que tinham.
Os homens de Joseph eram fortes e bravos. Heróicos, mesmo sendo um bando de saqueadores impiedosos pelo que eles mesmos diziam. E isso não tirava o seu valor como exploradores. Homens do mar são levados por seu desejo de conhecer novas terras. E isso impressionava os mais contidos membros dos Dragões da Justiça.
Só que no caso de Arctus e Gustavo preferiram ficar nas suas cabines na maioria do tempo. Como seria de esperar sobre o guerreiro grego e o druida da grande foice, eles queriam sentir a tempestade. Em especial era o tolo e corajoso, que possuía uma cicatriz na cabeça.
Ele se lembrava em pequenas partes que em seu passado já navegou pela Grécia. Como Fobos, buscando um novo desafio. Um maior que o outro. Não por ter feito essa procura do mais forte. Mas por continuar com ela em sua cabeça.
-A procura do mais forte...
-Saia desse mundinho mágico Tzorv! – gritou Seton enquanto tentava hastear a vela. Parecia que o guerreiro estava cheio de pensamentos. Coisa rara para ele alguns diriam.
-Ah sim! Sinto muito! Puxem! – e como se obedecesse as suas próprias ordens puxou com força as cordas.
Depois de muita dificuldade conseguiram manter o navio inteiro. Só que ao terminarem viram algo estranho no mastro. Parecia um monte de panos subindo por ele. E foi quando Thror notou.
-É o Lacktum.

-Mas qual o motivo dele estar fazendo aquilo? – perguntou Joseph.
-O livro! – respondeu Thror, demonstrando seus surtos de genialidade.
-O que? – estranhou o pirata com aquela resposta.
Ignorando o capitão do navio, Tzorv fitou Seton.
-Lembra, pouco tempo depois de encontrarmos o anão Rufgar. O Lacktum enlouqueceu, passando por nós. Queria matar o anão. Deve ser o mesmo que aconteceu daquela vez.
-Praga!
De repente, do mastro era possível ouvir:
-Ah Poseidon! Cala essa imensa bocarra! Lembra de mim? Ao qual meu jantar e almoço, joguei tantas vezes? Sim, o ruivo louco por vingança! Grita. Grita de raiva rei dos mares!
Os marinheiros que observavam tudo aquilo no convés soltavam diversas expressões como:
-Ele enlouqueceu!
-Tirem-no de lá – gritava outro.
-Isso é mau presságio! – falou um temeroso.
E Lacktum continuava seu texto sem sentido. Só então Thror olhou com apreensão para Seton.
-Druida, me empreste sua foice!
-Para que? – perguntou ele assustado.
-Só me arranje ela por um momento!
O guerreiro tomou então uma boa distância do mastro do navio – o quanto conseguia naquele espaço, melhor dizendo – enquanto erguia a foice o máximo que podia. E aproveitando o balanço do navio, usou a arma como ponto de apoio. Assim ele saltou, fixando a lâmina na madeira.
O vento contribuiu, fazendo o herói voar, literalmente. Ele cruza parte da embarcação até a estrutura. O pedaço de madeira estava próximo de Thror. Um erro e estaria com a vida em perigo. Parecia que o tempo parava, enquanto o guerreiro atravessava o ar. Algo quase divino. As respirações paravam, torcendo que o homem chegasse à segurança do outro lado. Uma força de vontade que visava ajudar o seu amigo. Como ele o fez anteriormente no mundo de Além. Sua única chance era segurar uma corda que o balançou até o mastro. Ele alcançou onde estava o mago de cabelo ruivo.
Ele estava pendurado, fitando o horizonte. Como se buscasse algo alegremente. De repente ficava triste. Parecia uma criança que levou uma bronca de um pai. A tormenta não estava só no mar, mas também com o coração de Lacktum. Os deuses dos mares pareciam chamar a alma perturbada do arcano. Assim como já chamou a de poetas, marinheiros, peregrinos, toda a sorte de homens. Heróis e louco. Almas nobres tragadas pelo mar. Thror sentia que se não tomasse cuidado, o amigo se perderia também.
-Lacktum! O que pensa esta fazendo?
Ignorando o aliado, Lacktum se tornou um ser que soltava palavras de tagarela desconexas:
-Oh pai, não se enfureça! Juro que não o desobedecerei, nunca mais! E eu entrego-lhe as estrelas, o Sol e a Lua! Só me deixe com meu presente, sim? Eu imploro!
-Lacktum! Olhe para mim!
-Que lindo céu que o pai fez para mim...
-Lirah! O que você acha que ela iria dizer sobre isso?
O mago ruivo ficou perplexo, atônito, mais ensandecido. Afinal, era algo novo naquela situação. Como quando um trovão cruza o ar, quase nos deixando ensurdecidos. Não que vez ou outra, não ocorresse isso. Mas tudo eles pareciam tão inferiores ao nome da jovem.
Lacktum virou a cabeça quase como um animal se acalmando.
-Meu lugar ao céu? Aonde esta meu lugar ao céu? – falando isso, o arcano se aproxima de Thror com um movimento ameaçador. E assim, a calma de seu rosto sumiu.
O guerreiro não havia esquecido que entravam em uma batalha contra o senhor dos mares. Homens sábios perdiam suas vidas por agir contra aquelas águas. Assim com Odisseu, protegido por Atenas. Thror deu graças por ser um dos maiores tolos que já conheceu.
Sua cabeça estava cheia de planejamentos. Como salvar um amigo quase o estava matando? Sim, sendo o navio um brinquedo naquelas águas, eles eram pequenas peças nesse momento.
O mar se agitava, as forças do mar e do céu se enfrentavam. Pareciam que anjos e demônios deveriam lutar. Antes fosse. Na verdade, o céu escuro sem trovões estava distante. As águas arrebatavam o navio como um pequeno pedaço de madeira. Salva Ventos se mantinha firme, mas por quanto tempo?
Thror mantinha-se firme, com uma mão no mastro e a outra estendida para o líder dos Dragões. Ele tremia como nunca antes fez mesmo em uma batalha. Seu coração temia que o amigo se perdesse tanto na loucura, quando no mar. Não deixaria que ele o fizesse. Mesmo que para isso significasse sua vida.
-Isso! A garota que te fez trilhar esse caminho! Não ouça tanto de seu pai, de sua mãe, ou até amigos! Mas sobre soube de sua amada! – gritava com força Thror.
Lacktum balbuciava:
-Meu amor... Minha linda mulher... Minha noiva... E minha mãe, meus amigos do feudo e até mesmo minha irmã... Todos se foram.
-Mas eles não iriam...
E quando Thror continuava falar sobre isso, um novo som surgiu. Quando o guerreiro grego iria conseguir puxar o aliado, estrondo ocorreu. Um solavanco no navio fez com que os homens pendurados no mastro saltaram contra a vontade. Eles iriam cair no deque do navio se ninguém fizesse algo a respeito.

Os dois caiam. Thror era o único com a mente livre. Ele precisava salvar a si e ao louco Lacktum, já que um não sobreviveria sem o outro em relação a isso. Sempre necessitam um do outro, como amigos. Talvez como irmãos.
Lembrou-se, em uma fração de segundos do jovem e ranzinza que odiou no vilarejo de Starten. Um esnobe, um homem sem moral, um ser maligno. E mudou tanto no prazo de só alguns meses que nem imaginaria sua vida sem ele. Não perderia tão bom amigo.
Suas mãos reagiram mais rapidamente que o corpo algo que lhe causaria problemas. Ele tinha certeza.
Como o impulso do vento, ele se lançou em direção ao jovem amigo. Como quando se mergulha no mar. O problema é que mesmo estando em águas tempestuosas, eles cairiam na parte de madeira do navio. Ele segurou o aliado tentando lhe proteger na queda pelo menos. Agora, era saber como ficariam menos machucados. Ou pelo menos fazer a inútil proeza sobre o ar de não obter nenhuma ferida quando chegassem ao chão.
Ele brincava em sua mente, com tudo que estava ocorrendo ali, mas sabia que poderia morrer com a queda.
De repente, mais rápido que o vento – ou os trovões que surgiam – estendeu um dos membros superiores que segurou o mastro. Quase partindo o próprio braço ele se prendeu com força para segurar a si e ao amigo. As unhas partindo e o sangue surgiu na mão. E eles então caíram no meio do navio. Lacktum desacordado e Thror ferido. Era o que ocorreu com os dois Dragões.
Os homens comandados por Joseph rodeavam os dois que caíram ao chão do navio. Eles temiam que dos jovens membros do grupo estivesse morto. Só que Thror sentia uma dor extrema, enquanto Lacktum estava desacordado.
Arctus se aproximou para lançar uma de suas preces de cura. Com a força de sua fé, o padre curou o corpo e boa parte do braço deslocado do grego. O ferido guerreiro levantou-se com certa dificuldade. Afinal, magias divinas curavam, mas não retiravam toda a dor.
O paladino, que só recentemente saiu de sua cabine, pois antes dormia – de todos os Dragões, Gustavo tinha o sono mais pesado – fitou furioso o mago desmaiado. Quando iria golpear o arcano, foi detido por Thror.
-Me diga um bom motivo para não pegar esse ensandecido... E lançá-lo ao mar!
-Pois ele é nosso líder! Mas o que eu quero mesmo saber... Quem foi o idiota... A criatura com menos intelecto do que eu... Que entregou o livro ele. Quem foi?
-Juro que não fui eu! – disse Seton com medo. Era até cômico ver que o guerreiro se fazia ser temido mesmo total ou parcialmente ferido. Isso além de sempre se depreciar.
-Precisamos estar unido neste momento! Não importa quem fez algo certo ou errado! Mas quem esta do nosso lado! Isso importa!
Os membros do grupo se olharam como se tivessem visto outro Thror. Algo novo mudava lentamente na mente dura e cheia de cicatrizes do grego.
Joseph havia se calado até então. Porém, ele quebrou seu silêncio. Não para repreendê-los. Era um aviso.
-Dragões! Espero que tenham parado suas brigas. Pois vejam, é que os deuses do trovão nos presenteiam com um dos seus maiores dons.
Nesse momento, trovões rasgaram os céus como se o som de um animal, ou de um demônio, tivesse feito tal façanha. As gotas de água tocavam os homens como pedaços de ferro batendo em seus corpos. As nuvens tornavam o dia em noite. Os mais fortes ventos surgem com a força de Zeus, Júpiter, Thor ou quaisquer outras divindades. O único problema é que aquilo não era do divino. E se não fosse dessa fonte só poderia ser do outro lado daquela moeda.

Algo se agitava na água.

segunda-feira, 2 de março de 2015

(Parte 30) Para o outro lado das paredes da Morte


Eles se mantinham naquele lugar e os treinos se tornavam exaustivos. Todos os dias e noites aumentavam cada vez mais as dores nos corpos. Eram exauridos, mas nunca admitiam que não quisessem levantar mais. Parecia nunca terem treinado tão arduamente, mesmo os que já eram combatentes. Esses ainda deitavam sem reclamar tanto em comparação aos que usavam mais a mente do que os músculos.
Lacktum comentou algumas coisas sobre o que viu e ouviu no casebre da elfa aos colegas, mas não certos fatos. Não falou sobre o tal Portal da Verdade, mas comentou que precisavam tirar Halphy o mais rápido possível das mãos do inimigo. Além de não ter citado que Iliana e o dragão já foram amantes.
Nem tinha muito tempo para comentar. Os demônios eram mais bem tratados no Inferno do que eles naquele lugar.
Mas um dia chegou que Lacktum e Thror conversavam um com o outro, até quase dormirem. O estado do lugar era sombrio. Por enquanto ao menos, havia se tornado algo entre um lar e sala de tortura. De noite até de manhã, dormiam como crianças – mesmo que fossem nos estábulos. De dia era como se estivessem em um campo de guerra, como dizia o grego.
Isso é lógico, se fosse grego mesmo. Há meses atrás, eles teriam chegado a uma vila onde se questionaram sobre a terra de origem dele. Se não fosse de origem helênica, seria de onde aquele estranho marcado na cabeça? Só que não era somente isso: sua cicatriz na parte mais alta de seu corpo mataria qualquer um. Já sabemos que ele não era um homem comum, pois entrava em combates como se estivesse acostumado possivelmente. Bem, acostumado da forma de Thror. Isso sem falar quando ele parecia ter surtos de memória, ou melhor, de conhecimento e sabedoria. Ele era uma incógnita para Lacktum.
Quando deitavam, próximos ao casebre, notaram um movimento na mata. Parecia ser um homem. Não se escondia, nem andava devagar demais.
Eles se levantaram prontamente, por saber que não era qualquer um alcançava aquele casebre. Quase ninguém da vila chegava até Iliana, por tratarem a ela como uma bruxa[1]. Então os dois já estavam prontos para um combate contra um servo de Kalice Sinestro.
-Onde esta sua espada Thror? – perguntou rápido e baixo o mago, acreditando que poderia se tratar de um inimigo.
-No estábulo – falou preocupado o guerreiro – E o seu livro?
-Esta fazendo companhia a sua arma. Mas se acalme, pois decorei algumas magias...
-Algumas? – soltou Thror extremamente preocupado. Lacktum olhou para o guerreiro com uma face de medo.
-Nunca imaginei que teríamos problemas aqui.
Eis que de repente, foi surgindo um homem com uma armadura completa, com tom de sangue, cheia de runas douradas e sem nenhuma arma. Isso não significa que o desconhecido não fosse perigoso. Poderia usar habilidades arcanas ou qualquer outra coisa. E poderia ter uma arma escondida.
O homem possuía cabelos negros e olhos sombrios. Lacktum notou que sua descrição lembrava um homem de quem Halphy havia falado certa vez. Em Starten.
-Quem é você estranho? – gritou autoritário o mago.
Ele olhou para os dois aventureiros com desdém.
-Qual entre vocês é chamado como Thror.

E então, foi que os dois se entreolharam. Por qual motivo ele queria saber do guerreiro? Em meses juntos, é a primeira vez que alguém buscava por ele. Era estranho e novo aquilo. Talvez ele não fosse do Pacto de Guerra. Nunca era bom apostar nisso, mesmo acreditando que não seria perigoso.
Poderia até ser que esse homem conheça algo de Thror. Não ele, já que não reconhece o grego a sua frente. Uma pessoa que esta atrás dele até uma ilha tão longe da Grécia – a suposta terra natal de Thror – sem pistas concretas. E por que motivos o procuram?
Thror agiu como sempre. Sem nem sequer pensar.
-Eu sou Thror.
O estranho girou sua cabeça de modo quase travada na direção dele.
-Atual forma, Thror Tzorv, filho adotivo Orfeu. Antiga forma, Fobos. Teus crimes na vida passada terão julgamentos no território que chamam de Além. Siga-me em paz ou terei que usar a força.
-Espere um pouco... – falou Lacktum. Mas foi interrompido por Iliana. Ela saia de sua casa já que notou algo muito estranho. Uma força de Ordem.
-É isso mesmo Lacktum. Ele vem além das paredes da Vida. Uma coisa que vem do plano em que as almas são extirpadas de todo o pecado em vida. O lugar que possui vários nomes em diversas culturas, mas quase todos chamaram de Além, as terras da entidade suprema Morte.
O estranho homem, mais uma vez, gira sua cabeça em direção a Iliana, quase de forma mecanizada.
-Do que fala? Por quer o Thror? Explique ou não vai nem tocar nele.
A criatura não mudou sua reação em nenhum momento. Parecia sempre sério, o tempo todo. Não pode se segurar, mas por sério demais.
-Seu amigo, em uma vida passada, cometeu um crime contra uma entidade mais poderosa que um deus.
Era algo bizarro, pensou Lacktum. Como Thror terá cometido tal crime? E em sua mente, uma torrente de memórias do guerreiro que estava com ele por um bom tempo lhe surgiu. Talvez, ele realmente pudesse ter feito algo errado. Porém, de maneira tão elevada? Como?

-Vou levar o senhor Tzorv, algo contra? – falou o estranho.
Quando Lacktum iria falar, novamente a elfa o interrompeu:
-Pode sim. Leve-o. Afinal, é só um peso aqui – falou sem nem pensar, mas logo alterou o tom da conversa – Esse careca não sabe se defender sozinho quando o assunto se trata de usar a língua, a não ser ofender. E mesmo assim, muito mau.
-É isso mesmo. Ei! – falou Thror só percebendo a ironia depois.
Iliana riu e continuou:
-Leve o outro também. Mas o deixe se arrumar como o mago que é. Ele defenderá seu amigo diante o Tribunal das Almas. Compreende?
-Certo. Então ande mortal.
Lacktum se sentiu apavorado. Enquanto voltava ao estábulo buscando seus itens, pensou na palavra do estranho. Ele o tratou por mortal. Não era como os elfos. Ele nem era dessa raça. O termo tinha um sentido estranho, ao qual temia, dependendo de quem o falava. E que crime era esse que Thror teria cometido? Atingindo os deuses? Ou melhor, algo pior que eles? Vida passada? Fobos? Agora Lacktum finalmente teria respondido as dúvidas sobre o guerreiro Thror. Boas ou más, nem ele imaginava. Para a segurança de todos, lembrando o que Syrus falou, esperava que fossem boas.

Estava mais arrumado, assim como Thror. Ironicamente o arcano parecia mais nervoso. Algo naquilo estava fora dos limites de sua sabedoria e conhecimento. O Além e as paredes da Vida. Isso trazia medo, mas também o excitava. Um lugar onde o saber sobre o pós-vida poderia se tornar maior ainda. Não que ele soubesse muito já que quase sempre isso seria mais conhecido pelos sacerdotes eremitas. Dificilmente um deles seria tolo de entregar suas palavras a um mago. Pois, o que é do divino é do divino. O que é do arcano é do arcano. Qualquer um sabia disso, dentre os sacerdotes que detinham poderes antigos.
Já Lacktum era diferente.
De qualquer modo, estavam prontos. Quando notou que tudo estava acertado, o mago inglês olhou para a elfa, dizendo:
-Voltaremos logo.
-Já sei disso. Proteja-o.
-Com minha vida se for necessário.
Thror mantinha sua cabeça baixa. Ele estava reflexivo, coisa rara para ele. Já Lacktum encarou o homem.
-Podemos ir.
Nesse momento, o usuário da armadura vermelha estendeu o braço para o norte. Abriu a mão e se ouviu uma explosão tão forte, que lançou o guerreiro e o mago para longe. Iliana e o homem desconhecido nem sequer se mexeram. Era visível a diferença do poder entre eles, mas não podiam se deixar amedrontar.
Do ponto onde o tal homem apontou com a mão, surgiu uma forte e incandescente luz, quase que em forma de túnel. Ela resplandecia como a força das asas de um anjo, se os dois mortais acreditassem nisso.
Puxando pelo braço Thror, o homem entrou na luz. Ele o arrastava como um prisioneiro ou um escravo. E atrás deles, corria o arcano, indo onde não havia nenhuma alma viva. A luz sumiu. Como uma estrela cadente.

Quando o arcano de Van Sirian piscou, estava em um lugar totalmente diferente.
Havia nuvens ao seu redor, mas cobriam qualquer céu que existisse ali. Era como se o mundo natural fosse paralisado. Tivessem visto tantas coisas diferentes e bizarras, aquilo era estranho demais. Não era pela imagem, era pela sensação única. Como quando se sente um corte que entorpece nossa alma e nem se percebe o sangue deixar o corpo para sempre. E Lacktum já sentiu isso.
Foram tantas e tantas vezes em que a morte esteve tão perto do mago. Fosse à época em que era um jovem nobre de Van Sirian, fosse desde que se uniu ao grupo. O momento em que caiu diante dos mortos famintos em que Halphy o salvou, quando quase foi morto pelo veneno de Augustus, o ataque dos anões de Mallmor, o combate contra Daehim nas minas, a emboscada no Portal de Ixxanon ou o ataque que fez com que Lacktum tivesse a vontade de virar um mago. Realmente estava nas terras da morte final.
Em seus pés, havia um mármore quase de tom cinza. Era mais forte e firme que qualquer outro material que tenha visto ou sentido. E mesmo sendo acinzentado, era possível ver seu próprio reflexo. Como se alguém sempre limpasse o lugar. Deveria ser um pequeno efeito que havia por todo o lugar. Não que isso importasse dada a grande magnitude de tudo.
Ao seu redor, havia várias colunas que não sustentavam teto nenhum. Todas com lindos desenhos de diversas culturas e povos. Algumas, Lacktum conhecia, outras que nunca ouviu falar em nenhum de seus estudos. Nesse momento, se sentiu tão pequeno em relação ao universo que o cercava. Eram como estelas funerárias com cenas de combates da Era Mitológica.
Acima de tudo isso estava aquele ser único. Na verdade, mais de um.
Pareciam que era um monte de farrapos que flutuavam no ar sem ajuda de força alguma. Mas eles não ficavam parados e eram impulsionados e com vento algum. Era sua própria vontade que os locomovia, achava ele. Quando se olhava dentro daqueles trapos, era possível notar figuras translúcidas e espectrais, perto do que seria uma caveira talvez. Deveriam ser espíritos e almas levados por um deles, os anjos da morte, valquírias, servos de Anúbis e deuses da morte: mais simplesmente conhecidos como os ceifadores.
Não importa onde os corpos estejam, são eles que irão buscar as almas. Onde quer que se encontrem. Sua função era coletar esses espíritos e os trazer até Além, onde suas almas seriam julgadas e sentenciadas de acordo com sua vida. Que também limpam e retiram as impurezas de seu passado mais sofrido. Isso ocorre para então enviá-las de acordo com sua natureza, cultura e fé. Muitas vezes, nem tanto pela religião que seguia em vida, mas por algo em relação aos seus antepassados.
Quando Lacktm iria continuar contemplando o local, notou que o estranho homem segurava seu braço com força. Ele, o mago, iria ofender o homem de armadura vermelha quando ouviu:
-Olhe para trás!
Foi quando Lacktum finalmente notou que não havia nada atrás de si. Era um precipício para lugar nenhum. O mármore em que estavam flutuava nesse vazio. Aquilo assustou o mago que pensou nunca se surpreender. Errou redondamente.
-O que é aquilo lá embaixo? Aquele branco.
-Aquilo é o Nada – soltou áspero o homem de feições duras.

Depois de tudo que ocorreu, o homem pediu que Thror estendesse os braços. Nesse momento, surgiu uma luz dourada e que depois ficou prateada entre seus pulsos. E então, as mãos do guerreiro pareciam retidas.
-O que fez com ele? – perguntou furioso o mago.
-Foi uma ordem superior. Ele não poderá ficar solto até a sentença ser decidida.
-Tudo bem – consentiu Thror de um modo como nunca havia feito antes. Nem parecia um guerreiro destemido que o acompanhou onde ninguém quis ir. Um cachorro com o rabo entre as pernas seria mais destemido do que ele. Algo errado acontecia no peito do grego.
Eles caminharam bastante entre os imensos pilares. Em certos momentos, o arcano tinha a impressão de que dias se passaram. E talvez fosse, mas o ser que os trouxe até ali não era muito comunicativo, o que deixava Lacktum receoso em relação a uma pergunta.
Depois de tanto caminhar, ver os ceifadores passando por suas cabeças e ter a sensação que o universo parou os três chegaram a uma estrutura estranha. Parecia quase um templo.
O lugar tinha traços de culturas orientais e ocidentais. Símbolos arcanos ou religiosos de morte. Ideogramas, palavras, runas, marcas hieróglifos e pictogramas que simbolizavam tudo que surgia após a vida. No centro, havia um espaço em que surgia um símbolo maior. Parecia representar toda a força do grande momento de qual todo ser vivo participa. Um verdadeiro obelisco.







                Acima desse símbolo, ficava um ceifador que parecia bem maior que qualquer um. Seu poderio era notável mesmo na pouca expressão física. Seus olhos, ou algo parecido, faiscavam com força sobrenatural. Era claro o que iria ocorrer.
-Isso é um julgamento mesmo – falou Lacktum mais para si mesmo.
Foi com isso que um vento sinistro surgiu. Um homem – o arcano tinha quase certeza que era um homem – surgiu do nada. Usava manto e capuz, além de um jeito bem defensivo.
-Que vento todo é esse? – perguntou Thror.
-Não é o vento – constatou Lacktum – mas a voz dos mortos.

O ser espectral, que ficava no seu espaço único começou a falar:
-Thror Tzorv, anteriormente chamado de Fobos, será julgado pelos crimes em sua atual vida. Isso graças ao que fez anteriormente. Os seus poderes chegaram a um ponto que nosso perseguidor  conseguiu encontrar, enfim. O julgamento irá começar.
Lacktum se colocou a frente, interrompendo o processo todo.
-Podem me perdoar, mas sou aquele que vai defender Tzorv. Preciso me familiarizar com o que ele fez. Antes e depois de sua antiga vida. Poderiam me falar?
O ceifador e o homem de manto se entreolharam. E então o juiz pronunciou:
-Que seja feito seu desejo. Mas não falaremos. Que se revele o passado do julgado.
Com isso, uma luz dourada surgiu do corpo do guerreiro. Por um instante tudo mudou de tom e cor. Até as construções mudaram. Estavam em um lugar estranho para muitos. Inconscientemente sabiam onde estavam, mas não queriam acreditar. Pelo menos Lacktum e Thror nunca iriam querer estar ali.
-Uma grande arena, de proporções colossais. Poderia falar épicas? Os seres que estão vendo tudo ao redor – falava Lacktum para eles, lembrando de figuras toscas de livros cheios de pó sobre a antiguidade – suas formas e vestes... Aquele jovem com tom de bronze[2]... A jovem de roupas rústicas, carregando um arco e uma espada[3]... Aquela mulher imponente com elmo, cetro e armadura[4]. Ela sim eu conheço bem. Vi nos livros de mitos antigos. Mas temo que estejamos... Sim com ele tenho certeza.
-Com ele quem? Certeza de que? – falou bem apreensivo Thror.
-Isso é uma visão do passado. Seu passado Thror! Não seremos afetados de forma alguma, mas temo que estejamos vendo coisas bizarras. O homem no trono ali – disse apontando para um lugar em especial – o do centro, com barba branca e alguns louros... É Zeus! Estamos em alguma parte do Olimpo! O Olimpo, lar dos deuses gregos.
Nesse instante, surgiu de uma das pontas de arena um homem carregando duas espadas. E nada mais, a não ser um tecido cobrindo suas partes intimas. Elas faiscavam com grande força arcana. Possuía cabelos loiros, mas curtos.
-Me chamo Fobos, filho do grande Ares! Gladiador para trazer glória a meu pai! Trarei a vós um espetáculo digno do Olimpo! Longa vida a Zeus, Ares e todos os grandes deuses nessa arena!

Aquilo foi um choque para o mago. Fobos era um dos filhos mais conhecidos de Ares. Visto que os deuses gregos conseguiam ter vários filhos com humanas, ninfas e deusas. Eram dois irmãos pelo que se lembra: o que se pronunciava na arena e Deimos. Os que simbolizavam o medo e o pavor. Grande deveria ser o fardo sobre Thror. Sua responsabilidade deve ser tão grande quanto seus poderes. O que ele fez então? O que causou no plano do Olimpo para se ter se tornado um humano? Pois com certeza foi à punição do homem que conhece. Mesmo que ele se lembre, vez ou outra, do seu passado, com certeza seus poderes não voltaram. Sejam quais forem. Era uma dedução do mago. Talvez mal feita, mas foi o que conseguiu imaginar.
Esses pensamentos lhe vieram como um relâmpago na mente. Mas não podia se deixar enganar. Sua meta era salvar o amigo, não refletir sobre isso! A vida dele estava em risco.
Continuou prestando atenção nas visões do passado segredo de Thror.
O guerreiro e divindade Fobos, foi ao meio da arena. E nesse instante, surgiu do meio da arena, debaixo da areia, uma forma bizarra e terrível.
Parecia um enorme verme de proporções colossais, com uma espécie de bocarra que culminava em pinças. Pareciam com dentes pontiagudos e serrados – como se preparados para causar dor – e terminavam em quatro partes cortantes. Seu corpo era nojento, mas brilhante. Seus movimentos eram ferozes, que causavam pequenos terremotos. Os sons que ele soltava pareciam o de uma fera selvagem poderosa. Tão forte, que meros humanos teriam seus ouvidos estourados. Nada ocorria.
Fobos caminhava. Seus passos simulavam trovões. As espadas tocavam a areia do chão como se purificassem as lâminas. Eis que de repente ele salta, como uma cobra que ataca um único oponente maior multiplicado cem vezes. O tornando ainda mais perigoso.
As divindades ali reunidas se regozijavam de seu espetáculo único. Para eles, derrotar tal ser era tão fácil como respirar, mas gostavam de ver os jovens lutando. Testar seus limites.
Houve um salto.
Nesse meio tempo entre o salto e deleite do público, houve o golpe de Fobos. Ele acertou a espada curta próximo das enormes pinças. Elas jorravam um líquido verde e vermelho que não lembrava em nada sangue. Parecia mais com fluídos que surgiam das mais antigas cavernas conhecidas. De qualquer forma, a força vital dele saltou como em uma erupção vulcânica de magnitudes épicas.
A espada de lâmina longa era usada para subir mais na enorme carapaça da criatura. Sua meta era alcançar o arremedo de boca que ele possuía. E quando obteve êxito, pulou em direção a ela.
Todos se espantaram com a ousadia e estupidez. Mesmo Lacktum, com uma quase certeza de que a deidade fugiria daquela situação, soltou um idiota.
Só que a criatura continuava forte, agitada, agressiva e selvagem. Nada havia ocorrido. O arcano que estava vendo o passado temeu estar errado. Poderia não ser como ele cogitou. Sua mente não o enganou, no entanto, pois logo em seguida, de dentro daquele surgiu uma explosão tão devastadora, que partiu a carapaça em dois.
Das entranhas, literalmente surgiu um homem erguendo uma espada curta e longa em sinal de vitória, quase que formando um y.
Os deuses, ninfas e sátiros aplaudiram como força incomensurável. Era um momento de pura glória.
Só que isso quase se tornou sua perdição. Suas costas desprotegidas ficaram abertas para o que restava ainda vivo do enorme verme. Se não fosse uma lança infundida com o poder de um deus antigo ele teria sido atacado.
Na arena, surgiam mais duas figuras. Uma se parecia um pouco com Fobos, mas além de estar vestindo túnicas, era mais magro e alto, além de careca. Já a outra, era um homem de porte físico extremo e perfeito, portava sandálias tão gastas quanto o vento. Segurava consigo uma lança que surgia de novo em sua mão, vestindo uma armadura típica do período helênico. Ainda por cima, tinha a pele de um leopardo em seu ombro esquerdo.
Nesse momento, os dois andavam, mas só homem de armadura falou:
-Tu és digno do meu legado. Alerto-te, no entanto, ainda te faltam discernimento e compreensão em campo de batalha. Afinal, tua lenda não será só ser a progênie de Ares, Deus da Guerra.
Nesse momento, o outro abraçou Fobos com extrema força.
-Venha irmão. Tome um pouco de ambrósia conosco!
-Pare de me amolar Deimos. Pai, eu quero lhe pedir algo.
De dentro do elmo de Ares, seus olhos faiscaram. Não era estranha a visão daqueles olhos para os observadores no Além. Foi quando tudo fez sentido. A cor de seus olhos tom de oliva faiscando, o poder, a raiva. Aquele foi o mesmo homem que os confrontou depois da batalha contra o lobo na Grécia.
-Realmente, os deuses são caprichosos – falou Lacktum para si mesmo.

A visão continuava.
Fobos pedia algo ao seu pai.
-Oh pai. Senhor da guerra de todos os mortais e de todos aqueles que cruzarem o caminho de teu povo escolhido. Permita que meus desafios exaltem tua glória. Sou teu gladiador, teu soldado. Conceda-me um desafio digno.
Por alguns momentos, parecia que O Que Se Deleita Com Batalhas seria piedoso. Mas seu outro nome era O Deus Impiedoso.
-Ignore tuas vontades! Torne-se mais atento em batalhas! Guie-se pelos teus instintos, não pela glória que pretende obter. Quando fizer o que te mando, irá obter o que almeja! Vá filho meu. Aproveite para se regozijar agora. É teu dia.
E os três saíram da arena.
A visão continuava ligada ao local. Não no centro da arena. Enquanto andava, Fobos iria entrar por um corredor, quando foi interrompido por pequeno imp[5]. Ele disse ao combatente que seu mestre poderia lhe conceder poder e um desafio digno de um herói. Algo que ninguém jamais viu.
Fobos então perguntou quem era o mestre do pequeno diabrete. Este apontou para uma sombra não muito distante.
Um homem extremamente alto e imponente saiu das sombras. Usava túnica escura com detalhes em dourado vivo que mostravam que era uma poderosa divindade de alto nível. Seus cabelos encaracolados estavam jogados para trás, presos por uma tiara de ébano. A pele era de um tom cinza que lembrava um corpo já sem vida. Seus olhos eram mais negros do que uma noite sem luar. No ombro esquerdo, tinha a pele de um carneiro negro.
Ele se aproximou de Fobos lentamente. Seus movimentos, mesmo sendo lentos, pareciam velozes. Como um tigre que se movimenta para um bote preciso.
Seu hálito e presença maligna pareciam o de um demônio, o que não estava tão longe da verdade. O mago inglês parecia achar que sabia que divindade era aquela. Talvez um deus ctoniano, um dos que reinava no subterrâneo e na terra dos mortos. Que controlava a vida e a morte, os espíritos dos mortos entre os gregos. Seu poder o tornava um dos Três Imperadores do Olimpo como alguns os chamavam. E seu reino era o limite ente muitos outros, além de selar os antigos e poderosos titãs que surgiram no começo da Era Mitológica. Seu nome era também o do domínio que controlava: Hades.

A cena mudava. Não mais se concentrava na arena. Parecia outro lugar mais sombrio.
Era uma paisagem escura, como uma caverna, mas não possuía paredes de qualquer tipo. Havia nuvens tempestuosas e fortes no lugar. Tinham tanto poder quanto se estivessem em pleno mar. Um pequeno monte com dois tronos, ambos de ébano e ônix. Um deles, ocupado por Hades. O outro vazio.
A sua frente estavam três figuras distintas.
Um dragão de pele esmeralda, ao qual era fácil reconhecer como Sinestro. Sua forma parecia um pouco mais nova do que a da visão de Iliana. O mago começava a ter um maior conhecimento sobre certos aspectos de muitas criaturas.
Já o segundo era Fobos trajando uma toga que mal escondia sua tremenda musculatura. Parecia ansioso pelo seu rosto.
O último trajava roupas escuras e mantos de mesmo tom. Não era possível ver seu rosto, muito menos algum aspecto de seu ser. De certa forma, lembrava muito o Oráculo de Delfos. Talvez fosse só todo esse contato com aquela cultura antiga e tão vasta.
Nesse instante, Hades falou. E parecia o ressoar de um trovão.
-O que irei propor a vos nunca antes foi ousado ser feito por alma alguma. Seja mortal ou não. As façanhas desse feito podem nunca ser citadas. Mas se não obtiverem sucesso não merecerão glória em teus nomes.
O dragão, mesmo sendo mortal, se zangou com o deus.
-Tu bem sabes que não desejo glória. Só o amor de uma única mulher...
-Teus desejos serão realizados em breve! Compadeço-me de ti e de teu infortúnio. Bendito é o amante que ainda ama, e não se entrega a tolos desejos carnais.
Nesse momento, Sinestro se calou. Parecia se lembrar de algo. Como se soubesse de um fato de extrema importância. Lacktum adoraria saber o que fez seu inimigo parar. Ali havia uma pista dos motivos de Hades até então.
Foi vez de Fobos.
-Diga-nos, que ato tão hediondo será esse, mas tão glorificante que se o cumprir... Serei lembrado até o fim dos tempos?
Hades os fitou e disse:
-Iremos invadir o único reino ao qual até um deus teme. As terras de Morte, o Além. E dela iremos tirar seu maior tesouro, a Lanterna dos Éons. Chamada por muitos como a Lanterna dos Condenados. Um dos itens mais antigos já criados. Um artefato com poderes que superam até os deuses mais ancestrais. Força acima do comum. Compreendem o que digo?
Fobos riu de satisfação. Sinestro abaixou a cabeça em referência. O terceiro membro desse grupo se manteve quieto e firme. Quase como uma rocha antiga, dura e praticamente inquebrável. Parecendo não se abalar com essas palavras. Talvez, só parecendo mesmo.
Mais uma vez a cena mudou. Parecia com o lugar em que os dois Dragões estavam. Era o Além. Os três seres estavam no domínio da Morte, para perpetrar os planos de Hades.

Eles combatiam os ceifadores. Eram muitos. Tantos que mais pareciam uma revoada dos infernos. Mas se fosse isso seria menos mal. Demônios eram mais fracos e menos sanguinários.
Fobos mesmo usando apenas duas armas ao mesmo tempo, parecia lidar tão bem com as centenas de espíritos que lhe cercavam. Os golpes formavam sombras, cada uma bloqueava e esfaqueava seus oponentes, tais como uma arma que corta o ar. Eles se tornavam um furacão, uma força incontrolável.
Sinestro, que se mantinha a grande distância, soltava guinchos estridentes e poderosos. Não ensurdecia, mas lançava os ceifadores para longe naquele lugar nublado e sombrio. Quando algum conseguia atravessar as rajadas de sons bizarros, as garras em forma de cristal afiado concediam novo obstáculo. Isso quando asas não atravessavam seus minúsculos inimigos ou magias não faziam o serviço final.
O terceiro sim parecia bem à vontade. Ele saltava, girava e até mesmo brincava com muitos daqueles seres espectrais etéreos. Seus poderes mal eram vistos. Lacktum tinha quase certeza que ele superava até mesmo Iliana e – quem sabe – Gibraltan D’Asgard. Pois ele via relances de manas, como respingos de água que mal atingem o tecido de roupa de um pescador experiente chegando até ele. Poderia até ser um humano, mas com certeza não era alguém comum. De onde seria? Seria de Gaya mesmo? Ou de outro plano de existência. As conjecturas de Lacktum sobre ele eram tantas, só que não havia tempo.
O mago inglês finalmente estava próximo de obter seu intento. Era óbvio que ele roubou a Lanterna dos Condenados, mas o que exatamente ocorreu para ter sido condenado? Até então, Fobos lidava bem com tudo aquilo.

O dragão conseguiu se aproximar de um pilar. Essa estrutura possuía muitas runas e escritos mágicos que o cercavam. Mas acima de todos eles, estava um item arcano que transbordava imenso poder e força, a Lanterna dos Condenados. Sua aura exalava uma névoa tão grande e sufocante que quase nenhum ser daquele plano a tocava. Diziam lendas, ao qual Lacktum saberia mais tarde, que o artefato era mais que um item de controle sobre almas. Ele era feito de eóns. Modo de calcular o tempo na concepção que só divindades discerniam, se é que isso era necessário para tal magnífico ser. Um eón não teria como ser calculado pelo mais brilhante mago, matemático ou alquimista, fosse mortal ou não. Dele muito surgiu e muito sumiu.
De qualquer forma Sinestro fez o que ninguém ali deve a ousadia de fazer até então. Após golpes contra os seus anjos da morte[6] e quebrar com suas garras as defesas arcanas co lugar, o item que obteve era uma lanterna de luz azul incandescente.
-Eu consegui meus aliados! – falou triunfante, enquanto erguia o item.
Nesse mesmo instante o dragão saltou com um rasante tão grande, poderoso e devastador, que mesmo os seres espectrais se espantavam com força colossal de suas asas. Qualquer ser mortal perderia o sentido da audição, se houvesse algum ali. Não havia nenhum ser no local que não fosse uma alma errante, ser de corpo imortal ou de espírito superior. E nesses dois últimos quesitos se encaixavam Fobos e o estranho encapuzado.
O vôo foi interceptado por uma avalanche de ceifadores que se prenderam no corpo de Sinestro. Mesmo sendo de tamanho tão magnífico, o número de criaturas em cima do corpo dele era o triplo de sua magnitude. Mesmo assim, ele deve tempo o suficiente para jogar o item que acabou de conquistar na direção de Fobos.
Este por sua vez, pegou a lanterna em pleno ar, se aproveitando de sua espada maior para impulsioná-lo.
Quando caiu, fixou os dois pés com tremenda força que trincou de uma só vez o chão daquela estrutura flutuante. Isso só seria o começo. Uma nova força de anjos da morte surgia contra ele. Mais parecia um bando de abutres em cima de corpo recém falecido.
Eles o golpeavam. O jovem, mas imortal ser, resistia segurando os inimigos com suas espadas. Cada uma de suas armas valia por cem: cinqüenta golpes defendiam e outros cinqüenta golpes atacavam. Parecia ser um furacão contra árvores, uma criança contra meras formigas.
Mordia a lanterna enquanto lutava, já que não queria deixar de dispor de ambas as mãos que estavam livres para segurá-la. Abriu o meio daquele campo de batalha com o golpe forte e trovejante de sua espada longa. Com a espada curta, mantinha uma abertura no pandemônio de seres. Ele gostava daquela situação. O perigo, a destruição, inimigos que não caiam com dois golpes – talvez nem caíssem – aliados que já sabiam o que era um combate de verdade. Era uma sensação tão boa e reconfortante. Simples, mas bom demais naquele momento. Algo único. Raro.
Mesmo assim era difícil se manter em pé após sucessivos golpes. O que não diminuía a felicidade de Fobos. O poder, força e energia acabavam pouco a pouco. Era como enfrentar a força da própria natureza, da própria Gaya. E não era algo que ele não estava acostumado. Era novo e até assustador... Espere! Não havia como ele sentir medo, pavor, susto ou até temer algo. Ele era a personificação de tudo aquilo.
Em um rompante de força e fúria, Fobos lançou vários deles para longe a distâncias inimagináveis. Alguns até tentaram se salvar, porém, muitos caíram no Nada. Era impossível que tal ser não vencesse.
Porém, ele perderia.
Eis que como sombras surgem brumas que mais pareciam um monstro. Um ser que deveria estar acima do bem e do mal, do divino e do profano. Algo que supera os poderes das entidades conhecidas e desconhecidas onde estivessem. Poder antigo que supera até o imortal, pois tudo que existe um dia irá conhecer o toque dela. Magias, conhecidas como necromânticas, tentam simular seus dons, mas certos tipos de controle são destinados aos seres de aspectos superiores. Encantamentos, força física e nem o auxilio de divindades conseguem a vencer quando ela chega. Quando seu toque nos alcança, nada a impede. Morte era seu nome. E seu poder.
Fobos colocou as espadas para trás, enquanto olhava com ar de satisfação. Finalmente, um combate definitivo para as lâminas das armas poderosas do Medo.

Era como se tocassem trombetas de anjos ou demônios em plena guerra. Os golpes daquele jovem divino causavam novos terremotos por todo o plano de existência. Enquanto a forma sombria destruía tudo ao redor. O guerreiro olímpico se negava a desistir e crer que aquela era a Morte. Só que tinha que admitir ver sua força vital se esvaindo lentamente. O poder era incomensurável. Nada poderia aplacar sua fúria. Mas ele sabia o que sabia poderia ter tirar o foco do ser perpétuo.
-Ei! Mago! Pegue! – nesse momento, Fobos lançou o item na direção do aliado que o pegou rapidamente.
O jovem estava finalmente satisfeito. Conseguiu entregar o item ao companheiro. E logo ele seria entregue a Hades. Então, Fobos viu um sorriso no rosto do encapuzado. Nenhum dos seres se mexeu. Havia uma traição entre os três. E agora o homem com sangue de deuses estava irado.

Houve então um clarão na mão vazia do encapuzado. Luz essa que abriu uma pequena brecha no espaço e no tempo. Era uma magia de transporte. Em seguida, ele jogou a Lanterna pelo pequeno portal improvisado.
-Desgraçado! Traidor! Quando tiver minhas mãos em teu pescoço... – mas quando seria proferido o nome do arcano, um raio atingiu o chão de Além. Não era um raio comum.
Ajoelhado, tirando o relâmpago em forma de lança do chão, o deus que lidera o Olimpo, olhava com raiva para Fobos. Já os outros dois olhavam com imponência.
Um deles era Hades. Trajava consigo uma armadura de bronze reluzente agora. Carregava uma espada curta com lâmina branca brilhante. Possuía também um saiote negro que escondia um par de sandálias surradas. Seu semblante era sério, não demonstrava que ele era o causador de toda aquela situação. Erguia a espada em direção a Sinestro e ao filho de Ares. Saiam sombras cobrindo o item, e elas tornavam o tamanho dele duas vezes maior. Pareciam soltar barulhos demoníacos e terríveis que o mago reconheceu como Canção dos Condenados, com efeitos duas vezes maiores e três vezes mais perturbadores.
Já o terceiro, possuía um tridente cheio de perolas e pequenas ostras que era o dobro do tamanho de seu dono. Usava toga azul da cor do mar, literalmente. Possuía braceletes e um medalhão prateados. Havia símbolos e figuras que lembravam o oceano em cada um deles. Uma onda de água trançava sua outra mão como um animal parecido com uma cobra... Ou arma.
Fobos temia o que estava por vir e pensou que iria conseguir lidar com tudo aquilo. Enquanto isso, o encapuzado se ajoelha e fala como se tivesse planejado tudo desde o começo. Sinestro se aproveita dessa distração amaldiçoando o terceiro membro daquele grupo, para criar um portal. Um portal para os planos dos mortais. Agora o jovem filho de Ares estava sozinho.

Agora a cena se concentrava em uma montanha. Parecia que Thror se lembrava de alguns fatos sobre Fobos, afinal, tinha certeza que ali não era o Olimpo. Mas era o lugar que se julgava os desafetos do panteão.
Lá estava no ponto mais alto o jovem de cabeça baixa e olhar melancólico, cheio de suplica. Enquanto os deuses flutuavam ao seu redor com olhos punitivos. Afinal, era um julgamento.
-O Olimpo lhe condena a seguinte sentença: a de possuir uma existência mortal. Sem memória de quaisquer resquícios da tua vida passada. Com o corpo patético de um homem com vinte anos de vida. Tu tens algo para falar em tua defesa? – proclamou o Senhor do Olimpo.
O réu se calou.
Nesse mesmo momento, Zeus criou um raio de energia cinzento. Ele se preparava para usá-lo, quando Ares, o Impiedoso, parou seu líder e pai.
-Me conceda a chance de punir minha prole insolente, como tu havias punido teu pai ou qualquer filho ingrato. Imploro-lhe.
Com isso, o líder do Olimpo entregou o raio punitivo na mão do deus da guerra. Sua mão crepitava com fúria, dor e vingança. Em um salto, digno do mais feroz dos felinos ele enfiou a projeção energética no ponto mais alto do corpo de Fobos. Seus cabelos caíram e sua consciência sumiu quase que instantaneamente. No lugar, ficou um corte quase trespassou o crânio. Tinha forma de X.
Com golpe seguinte, um chute contra o corpo desfalecido de seu filho, ele o lançou até o mundo mortal usando força extrema. Como uma estrela que rasga o céu. Como uma divindade que perde seus poderes.
Quando ele caiu, seu corpo adormeceu por séculos, disse um dos ceifadores que observava o caso ao lado dos dois Dragões da Justiça. Ele caiu na região de bárbaros chamados de dórios[7]. Pelo poder que Fobos possuía, quando ainda era divindade, esses guerreiros foram inspirados pelos resíduos da força daquele ser. Conquistariam territórios como a península do Peloponeso, e seriam chamados depois de anos ou séculos de espartanos.

Lacktum achou que já tinha visto coisas muito estranhas. O fato de ter alcançado um plano como o Além já é uma grande conquista – lógico, quando nos referimos a alguém vivo – mas descobrir que seu companheiro de meses já foi um deus o fez repensar sobre isso. Como crer naquilo?
Agora ele sabia o que tinha a fazer. Defender o companheiro fosse como fosse.
As cenas finalmente acabaram.
O juiz falou que agora novas cenas surgiriam. Elas mostrariam o que Thror fez em sua atual vida. Lacktum então iria proteger seus respectivos pontos de vista protegendo seu companheiro.
Foi quando um atento um atento mago inglês ouviu um choro fraco. Era Thror. O arcano se aproximou do amigo.
-Não sei como esta seu coração. Mas lhe juro que vou fazer o possível meu amigo, para que esteja a salvo.
O guerreiro grego olhou para o amigo e disse:
-Não sei se mereço tanto...
-Merece. Você realmente não mereceria se fosse Fobos. Irei ganhar essa história, pois você merece.
-E se não ganhar?
O mago ruivo se calou e se aproximou de onde se colocava o ceifador. Temia que o amigo se rebaixasse diante dos que observavam tudo aquilo. E ele necessitava do amigo Thror no momento certo.
Com tudo pronto, o ser que se mantinha acima do símbolo da morte começou a mostrar cenas do passado do guerreiro que um dia foi um deus.

Lacktum estava preparado para o que surgisse, afinal, sempre esteve ao lado do homem da cicatriz. A única exceção se referia ao que ocorreu na Vila dos Meio Sangue. Mas teria que contornar tudo aquilo, se surgisse é lógico.
O que surgiu foi uma cena de muito tempo atrás em que para se alimentar Thror teria matado um lobo. Esse animal cuidava sozinho de seus filhotes que morreriam dias depois. Nesse momento o líder dos Dragões conseguiu somar os fatos: em certo ponto, enquanto viajavam, tiveram que enfrentar um lobo demoníaco. Ele conhecia o guerreiro. De alguma forma, a criatura entregou a alma para algum ser das trevas. Só que Lacktum já sabia como se proteger.
-E então acusação? O que tem a dizer sobre isso?
O ser encapuzado se movimentou em direção a estrutura do Além. Quase que parecia um obelisco, notava agora o mago.
-Não há o que se falar só o que se reiterar. Veja a cena do combate entre ele e o lobo. Não digo que a vingança seja algo justo, mas vejam que esse homem nunca se deixou perder por emoções boas. Se alimentar por um lado é certo, por outro, mesmo um caçador sabe que nunca matar antes do momento adequado. Estamos diante de um assassino sem escrúpulos, um mecanismo que só sabe cortar e eliminar quem lhe for incomodo. Ou não! Pode ser pior! Só o fazer por prazer! Vejam seu rosto de satisfação! Lembra até mesmo sua outra vida, Fobos.
Com isso, é possível notar a face do guerreiro contra o lupino na batalha decisiva sendo exibida.
-Não tenho mais nada a falar.
O encapuzado olhou em direção de Lacktum. Como se quisesse lhe conceder a vez da palavra. Este, não se deixou enganar, seguiu em defesa do aliado.
-Bem, devo comentar que o homem da acusação... Espero que seja um homem... Não notou o mais grave. A vingança não é algo bom – ele falou quase rindo de suas próprias palavras, incluindo a de vingança que por tanto tempo foi seu mote – pois ela nos cega. Envenena-nos. E graças a isso, o lobo poderia ter machucado inocentes nesse combate se Thror não interferisse. Agora me diga o que acha disso caro juiz? Talvez não saibam, mas é impossível que um homem mortal não se sinta bem quando isso ocorre. Pois se não ocorresse ele morreria! A morte não é algo que podemos permitir. Para nós e para outros. No caso de Thror existe um problema sim, um que todos devíamos ter. Ele não fez tudo para salvar os que ele conhecia. Ele o fez pela vila! Por desconhecidos que quis poupar! Pois é um herói!
Lacktum queria que fosse aplaudido, ofendido, aclamado, vaiado ou outra coisa devido a sua tão forte apresentação. Nada, silêncio. Só as imagens de vários ceifadores que juntavam. Como corvos atrás de sua presa.
-Muito bem. Suas palavras serão refletidas e teremos a resposta no fim do julgamento.
Refletidas, pensou Lacktum. Por quem? Os ceifadores eram seres sem mentes aparentemente, então, o que afinal faria tal coisa? Houve uma conjectura que o arcano preferiu esquecer por enquanto. Era perigoso demais pensar naquilo ali.

-Verão agora imagens de outro caso envolvendo o guerreiro. Esta bem para os dois lados?
O encapuzado aceitou. O arcano inglês, antes de fazer isso, observou o colega. Tzorv manteve a cabeça baixa diante de tudo o que via e ouvia. Era como se perdesse muito da antiga força do grego. Lacktum então, também consentiu.
A imagem seguinte foi nas terras do Oriente, quando houve muito mais que uma discussão. Algo que levou a morte de alguém que o auxiliava.
-Federick! – falou com peso no coração o grego.
As imagens mostravam a briga entre o guerreiro grego e o príncipe paladino. A mesma discussão que causou a desgraça do segundo. Da morte desde pelo guardião dos corpos dos Imortais Esquecidos.
Após mostrar todo o ocorrido, até com detalhes que os outros nem conheciam, as imagens cessaram.
-Acusação, é sua chance. O que tem a disser?
Mais uma vez, o homem se colocou a frente. Parecia inspirado pelo que foi visto antes.
-Ora meus caros, não notam o que esta bem na frente dos seus olhos? As vontades do ser diante de vocês ditam suas ações. Como um animal cheio de raiva e fome. Esqueçam a parte da fome. Esqueçam até mesmo a parte do animal. O que existe aqui é um monstro com forma mortal, que não se importa em guerrear e matar. Nem que seja contra seus aliados. Não duvido, que se o guerreiro sagrado não tombasse perante os poderes do guardião da tumba... Tombaria diante do frio gélido da lâmina desse homem. Podem ter certeza, ele usaria seus dons de combatente contra o antigo colega se esse o irritasse. Vejam - disse o encapuzado apontando para Thror – que tipo de pessoa é essa que não sacrifica seu orgulho e honra para auxiliar seus amigos? Eu lhes respondo uma criatura sem piedade, sem amor ao próximo. Uma pessoa sem o coração, sem a vontade de ser alguém melhor. Eu nunca abandonaria um companheiro em qualquer caso relacionado nas viagens que participei. Muito menos pelo ódio e raiva que muitas vezes me cegaria.
A primeira pista sobre o encapuzado. Ele deve ter sido aventureiro. No mínimo. Suas atitudes são iguais aos de uma pessoa inconformada com algo que ocorreria consigo. Isso deveria ser deixado para outro momento por enquanto.
Naquele instante, o mago tinha que proteger seu amigo e aliado. Mas ainda não tinha certeza de como faria isso. O caso de Federick era mais complicado do que um caso envolvendo lobos. Afinal, era um antigo membro de sua equipe, não uma criatura prestes a machucar inocentes. E o Além não era um lugar onde era fácil concentrar-se em seus próprios pensamentos.
Todo o lugar exaltava com o que lidava. A morte. Lacktum se lembrava de diversos momentos em que quase pereceu. Em que as mãos frias de um ceifador poderiam estar perto dele. Pare com isso mago, pensou ele, quando se deu conta que tinha que lidar com a vida de um grande amigo!
Ele começou:
-Eu, como membro dos Dragões da Justiça, me sinto indignado com as atitudes desse homem. Diante de vocês, mesmo assim, lhes peço clemência. Tenham piedade de seus atos pelo calor do momento. Mostrem misericórdia por suas atitudes no calor de suas emoções. O que acham de suas tolas, idiotas e insignificantes ações? Nada! Pois os únicos que poderiam se irritar com isso, seriam os membros de meu grupo. Compreendam.
Novamente, nenhum som. Não que ele quisesse aplausos. Agora tinha certeza fez algo que não merecia aplausos. Algo ridículo, em sua concepção.
-Muito bem. Novamente suas palavras serão refletidas e teremos a resposta no fim do julgamento.

Depois de tudo, o espectro da morte mostrou o que seriam as últimas cenas. A última chance de salvar Thror.
Elas começaram.
Referia-se ao anão Rufgar, na grande terra inglesa. Lá mostrava sempre as cenas em que Thror anunciava que se fosse por ele, eliminaria o diminuto homem. Mesmo não oferecendo resistência.
Além disso, o mago viu que o mesmo Rufgar teria salvado a vida de um de seus captores.
Às vezes o ruivo tinha uma idéia que salvava o dia, mas naquele momento era decisivo, pois Lacktum temia que algo pior ocorresse.
-Então acusação, mais alguma coisa a falar? Essa é a última chance de atingir o acusado.
Pela primeira vez, o arcano enxergava os olhos de seu oponente em diálogo. Eram azuis. Mas algo neles lembrava Thror, porém não acreditava que fosse uma divindade. Caso fosse, ele não teria a menor chance de vitória. Foi então que Lacktum pensou em um plano. Mas ele deveria obter a ajuda inconsciente de seu aliado dos Dragões.
O encapuzado começou, enquanto o mago tramava:
-Ora, notasse que este ser só pensa em si mesmo! Não pensa em um animal que perdeu sua ninhada, assim como a vida diante de uma arma impiedosa! Não pensa em um aliado e amigo que se preocupava com todos ao seu redor! Muito menos vai pensar em um ser que sacrifica sua vida para proteger seus raptores! Quando esse caso começou, eu já tinha consciência que Thror foi uma divindade em outra vida. Mas não poderia deixar de mostrar minha indignação. Pois os deuses estão aqui para nos proteger. Se um deles se voltou contra nós, devemos estar preparados, pois outros podem se voltar contra a humanidade ou qualquer força no universo! Isso mesmo se refere a nós humanos, o Além, e várias outras coisas que existem em todo vastidão desde a Era Mitológica! Vamos o levar para a sua punição!
Finalmente o encapuzado fitava o mago de cabelos vermelhos. Ele estava com a cabeça abaixada, não parecia pensativo como antes. Parecia conformado com tudo. Sabia que isso poderia ser um golpe: uma serpente sem veneno continua sendo perigosa. Foi quando o jovem levantou e que era possível ver sua face que notou, o arcano tinha um plano.
O Van Kristen se aproximou da estrutura do Além. Respirou fundo.
-Eu poderia saber qual a pena se Thror não for absolvido das acusações?  Seu defensor tem esse direito. Ou não tenho?
O encapuzado temia aquilo. Parecia que o mago tinha realmente um plano.
-A pena – disse o ceifador juiz – é a sua partida para o Nada.
-Se perder o caso, o defensor irá assumir o lugar dele.
O encapuzado se assombrou e riu. Não havia mais como perder o caso. O próprio defensor tinha desistido de seu suposto colega. Mal sabia que essa tinha sido a aposta mais alta que o jovem mago fez. Um plano que contava com a fúria de Thror, que parecia adormecida até então.

O ceifador que pairava sobre o símbolo disse que o mago realmente podia fazer aquilo Que poderia assumir o lugar de seu amigo.
Em instantes o guerreiro levantou e disse  baixo para o homem que o trouxe até o Além:
-Solte-me...
-Você só será solto quando e se for absolvido.
-Eu quero que me solte... – nesse instante o grego se levantou rápido e certeiro. Foi espantoso, pois o guerreiro conseguiu, como um relâmpago, partir as amarras de energia!
O guarda do Além tentou segurar seu prisioneiro. Foi inútil. Com um rápido golpe de seus fortes braços, Thror entortou os punhos do seu oponente estranho. E foi com tal força, que de seu pulso surgiram faíscas. Grandes.
Com isso, enfim a forma de raptor extraplanar era revelada: um ser humanóide ainda, mas sem olhos. Uma boca cheia de mecanismos e ainda havia muito mais no que seria seu maxilar. Sua cabeça não tinha cabelos e sua pele prateada, além de ser feito do mesmo material de seu tom. A armadura não reluzia tanto quanto a suposta pele. De suas costas brotavam, literalmente, correntes de prata pura e que se sujaria com o sangue de Thror. Não ocorreu.
Sem pensar, como o antigo deus, enfia rapidamente um... Dois... Três... Quatro golpes contra a cabeça do ser metálico! Sua força parecia um décimo da de Fobo, mas mais limpa. Pois não era mais um homem, não era mais um deus, era algo acima disso. Pois agora sabia pelo que lutava. Combatia pelo que era justo. Havia propósito em sua luta. Ele ao menos sabia disso.
Em seguida, o guerreiro se adiantou na frente do amigo. Ao que parecia, não era par protegê-lo tão somente, nem para atacar o ceifador. Era para implorar.
-Oh ser descarnado, perdoe-me! Perdoe-me que aqui... Existem! Se eu cometi erros, eu peço mil vezes mil perdões! Perdão para todo o sempre! Mas se pensarem em colocar Lacktum no meu lugar, juro que não haverá força que os protegerá nesse universo de minhas mãos.
Todos, com exceção de Lacktum se espantaram, não pelo dele pedir por seu amigo. Mas sim pelo modo como o fez. O arcano riu baixo. Algo que só foi notado pelo encapuzado. A disputa ainda continuava.
-É assim que clama por seu amigo? – disse um ceifador indignado, mas ainda mantendo plenamente a ordem no recinto – Gritando ameaças?
-Grito, pois é assim que o defenderei! Com voz, corpo e alma! E com qualquer outra coisa que arranje para fazê-lo! Pois ele não desistiu de mim. E farei o mesmo por ele – falava essas últimas palavras enquanto fitava o mago com olhos ternos.
O homem de capuz finalmente compreendeu tal plano. Lacktum usou a fúria, o orgulho e a amizade de Thror. As usou como uma arma no julgamento. Ninguém se comoveria, porém refletiriam sobre o que aconteceu. Era um golpe que poderia, na verdade, se voltar contra o arcano. Uma aposta alta, alguns diriam, que ao que tudo indica, ele se dispôs a pagar.
-Muito bem – falou o estranho acusador.
E com tudo isso o ceifador declarou:
-Agora as reflexões sobre o caso serão examinadas. Logo obterão suas respostas mortais.

O tempo não passa no Além. Mais uma vez, isso era literal. Foi descoberto pelo mago, que durante a estadia deles ali que cada instante não existia. E eles ficaram ali muito tempo. Em resumo, pelo que o mago compreendeu cada dia ou noite, semana ou ano, amanhecer ou anoitecer, nada mais são que um breve momento para os habitantes daquele mundo. Isso enquanto estivessem no plano dos mortos. Era um fato que deixou Lacktum extremamente interessado. E extremamente preocupado ao mesmo tempo.
Significava que o tempo não passava ali, podendo treinar por séculos por exemplo. E já que era o plano dos mortos, as necessidades físicas não existem ali. Fome, sede ou sono, eram só pequenas e distantes lembranças do mundo de Gaya.
O que poderia parecer ser uma benção para tantos outros, se tornava um maldição para um arcano. Qualquer mago demora uma boa noite de sono para conseguir decorar as magias de seu grimório no dia seguinte sem problemas. Caso não possa fazer isso, não poderá lançar nenhum feitiço, mágica ou encantamento. Além do que qualquer uso de magia de cura ou de força positiva – até mesmo um bálsamo tem seus efeitos alterados em outro plano – teria efeitos extremamente reduzidos. Uma verdadeira boa e má notícia, ao mesmo tempo. Boa, pois eles tinham todo o tempo para conseguir o que queriam. Má, já que se algo desse errado era certo que Lacktum perderia em combate arcano. Toda aquela estrutura de poder servia para que o ciclo da vida continuasse em Gaya.
Seus pensamentos atingiam um patamar em que acreditava que Thror poderia cair para sempre no Nada. Achava gozado, como tudo estava mudado em seus pensamentos. Antes refletiria muito bem em como todo aquele fato interferiria nas forças cósmicas do universo, no máximo. Agora tinha medo que algo ocorresse com aquele que chamava de amigo. Até mesmo antes o trataria no máximo como um aliado. Realmente, esses meses o mudaram.
Por fim, chegou o momento de saber se Thror seria poupado. Ou não.
Lacktum olhava para cima esperando que algo naquele cenário mudasse. Que a vida do guerreiro fosse poupada depois de todo o esforço. Ainda havia uma ponta do antigo arcano das terras inglesas. Essa ponta se chamava orgulho.
Agora o guerreiro observava com outros olhos aquela situação. Não mais com os pensamentos derrotistas, quando tinha sido transportado até ali e soube de sua vergonha passada. Estava confiante e pronto para enfrentar o que surgisse.
O lugar inteiro parecia paralisado. E deveria estar mesmo, pois não era só o lugar que não se movia, mas todos os outros seres que ali estavam. Isso só se tornava exceção no caso de Thror, Lacktum, o homem de capuz e o estranho mecanizado que os trouxe até ali. Ele continuava soltando faíscas. Nada para se preocupar com aquilo por enquanto. Era necessário saber qual seria a sentença.
Eis que surge, como serpente que sai de um buraco na terra, o ceifador que ficava acima do obelisco. Ele fitava o infinito daquele plano, era os dois amigos pensavam, só que nem isso era certeza visto que ele aparentemente não tinha olhos.
Ele começou a dar o veredicto.
-Cada um dos três casos foi julgado em separado. Com a devida imparcialidade. Aproxime-se Thror Tzorv, anteriormente chamado como Fobos.
Foi quando o homem com cicatriz na cabeça andou em direção daquele lugar.
-Você esteja ciente que nos casos antes citados, foram julgados por uma entidade superior. E como dito antes, isso definirá se você é inocente ou culpado. No primeiro caso, você é inocente.
Os dois Dragões da Justiça comemoraram. Era o primeiro caso dos três, e com mais um – com certeza o que pensarão – Thror estaria livre da punição. O ceifador pediu silêncio aos dois.
-A entidade compreendeu que o animal agiu de modo a querer se vingar, enquanto Thror agiu para sobreviver. Nada mais justo, vindo de um bando de meros e insignificantes humanos, e outras criaturas de um plano primário.
-Obrigado, eu acho – disse Thror.
Mas o ceifador continuou:
-Quando ao segundo caso, Thror Tzorv, você foi considerado culpado.
Não houve nenhuma reação, exceto pela do homem encapuzado. Um sorriso sarcástico, cheio de malícia. Algo típico de alguém que acredita ser superior. Ou de maior status.
-Não possuímos sentimentos. E por isso não podemos nos entregar ao raciocínio comum dos humanos. Entretanto, como o plano responsável pelas almas de todo o mundo de Gaya, devemos refletir com os mais altos padrões humanos. E um deles mostra que entre vocês é justo e correto, proteger a quem se ama. Seja da família ou não.
Lacktum refletiu consigo. Talvez tenha perdido dessa vez, pois o antigo pensamento do arcano não ligava para isso. E ele persistia na sua mente. O que não era tão diferente dos pensamentos de ceifadores. Falhou de qualquer modo.
Agora só faltava um caso. O do anão Rufgar. Esse talvez fosse o pior dos casos, já que Thror nas imagens do passado admitiu querer matar o anão. Seria um milagre se o guerreiro se salvasse. Ironicamente, milagres ocorriam muito com eles.

Os dois amigos para a imagem dos ceifadores que faziam um redemoinho ao redor do obelisco. Pareciam prontos para fazer algo. Nem era possível, já que o mais inteligente entre eles, nunca tinha visto em nenhum livro algo que tratasse sobre o mundo dos mortos. Alias Lacktum nunca ouviu falar de alguma obra tratasse sobre aquele plano. Nem lendas, ou uma pequena nota de rodapé em um pergaminho, nada falava sobre Além. Só ouviu uma vez, que nenhum ser vivo comenta sobre esse mundo, ou fosse lá aquilo onde estavam. Só ouviu uma vez, não se lembra aonde, que muitos temiam falar sobre lá, já que poderiam voltar a ele antes do tempo.
A roda de anjos da morte terminou. A última sentença seria concedida.
Thror suava frio. Lacktum era cheio de medo que nunca sentiu antes, mas mantinha seu jeito forte. E então, foi quando a decisão foi tomada.
-Ao terceiro caso... O declaramos inocente.
O guerreiro caiu no chão exausto, enquanto o mago levantou os braços em um sinal de vitória mal feito, mas verdadeiro. Os seres estavam começando a dispersar daquele lugar. O encapuzado não se deixava se abater. Os dois amigos até achavam que ele estava contente, quando olharam corretamente para ele.
O estranho parecia se deliciar com o que ocorreu ali.
Finalmente, retirou aquele capuz de sua cabeça. Tinha cabelos castanhos e algumas tranças em sua vasta rede de fios. Havia uma barba bem trabalhada em seu rosto. Ela parecia ser bem cuidada, mesmo com o estranho aparentemente, não apreciar cuidados estéticos. O mago inglês perguntou a Thror se o conhecia, talvez através de um resquício de memória. O guerreiro fez com a cabeça que não.
Lacktum foi ter com ele uma prosa.
-Com licença, mas por acaso...
Ele viu o arcano se aproximando para lhe perguntar lago e deu um pequeno sorriso genuíno.
-Antes de tudo, diga-me, quem é você? Parece ter um ódio mortal e indescritível por meu colega. Por acaso o conhecia... Em sua antiga forma? Por acaso é uma divindade?
O homem riu primeiro, depois gargalhou. Parecia ter ouvido a melhor piada do mundo. Talvez tivesse.
-Nunca serei, acredito. Falta-me discernimento e poder. Desculpem-me. Empenhem-me tanto em acusar seu amigo pelos crimes de sua nova vida que esqueci as boas maneiras. Permitam que me apresente. Sou Odisseu, rei de Itaca, aliada fiel a Grécia. Desculpem os maus modos.
Foi algo que os deixou surpresos. Nem tanto quanto das outras vezes pelo menos. Começavam, realmente a se acostumar com o inesperado. Se já andaram lado a lado com um ser imortal e um dragão, além de estarem onde as almas humanas eram julgadas, isso não os faria espantá-los de estarem diante de um herói da Grécia antiga.
-O Odisseu das amazonas? Dos monstros antigos? O mesmo Odisseu que derrotou o ciclope filho de Poseidon, dizendo a ele que era Ninguém? É isso mesmo? Esse Odisseu? – disse empolgado Lacktum.
Os dois jovens estranharam o fato de, novamente, aquele ser ter rido. Não sabia se o fazia por achar dois patéticos ou por talvez por ser louco. O jovem arcano já tinha outras idéias na cabeça e sabia que o tal deveria estar são.
-Todos se lembram ou aprendem sobre os menos importantes. Poucos se lembram do que usei para invadir Tróia. Será que em milênios ainda lembrarão isso? Ou serei o único a me ater a tal fato?
Agora foi Lacktum que riu do que ocorria. Tudo parecia ser orquestrado por alguém, sendo que muitos poderosos se preocupavam com coisas pequenas. Não que o cavalo de Tróia deixasse de ser importante, mas em comparação ao fim do mundo conhecido, não parecia ter o mesmo valor.
-De qualquer forma, - disse o poderoso Odisseu – que vocês tenham dias maravilhosos adiante.
-Sim, sim. Muito grato – continuou o mago com uma pergunta já formulada na língua – Poderia ao menos nos falar se conhecia Fobos, ao qual antes era a antiga forma de Thror?
O homem, que ainda se cobria com mantos, respondeu:
-Nunca vi a deidade Fobos. Se quiser saber a verdade, vim aqui a pedido da única mulher ou deusa para a qual abaixei minha cabeça. A deusa da sabedoria Atena.
-Atena? – soltam Thror e Lacktum. Era fato consumado que a divindade que concedia seu nome a uma das mais importantes cidades gregas da antiguidade odiava Ares. E o contrário era verdade. Era conhecida a rixa entre espartanos e atenienses.
O arcano e o guerreiro olharam aquilo com desconfiança.
-Explique isso – pediu o mago.
-Ares, querendo testar seu filho insolente, fez o impensável. Ele pediu para a única deusa das batalhas que nunca amou um favor. Para isso, requisitou o maior campeão dela. Que no caso, sem me gabar, sou eu.
-Faz sentido.
-Para mim não! – disse Thror – Como o meu deus protetor faria isso?
Odisseu olhou para Thror com raiva. Sabia que o guerreiro era tolo, mas nem tanto.
-Primeiro, ele é mais do que apenas seu deus patrono. Ele é seu pai, seu genitor. Segundo, se não quer a proteção dele... O descarte, como fez em boa parte de sua vida com tudo e todos. A decisão é só sua.
Thror se calou. Como isso, o mago sorriu. O herói de Itaca em resposta a esse sorriso fez um gesto rápido com a mão, fazendo surgir um novo túnel através dos planos. Novamente uma forte e incandescente luz se fazia aparece atrás dele. Resplandecente, ela guiava os dois companheiros para os planos dos homens.
O grego queria perguntar sobre seu pai, e mesmo que soubesse disso, o pai com certeza ofensas seriam proferidas. Calou-se sobre esse assunto.
Odisseu só uma última coisa. Que quando pronto Thror seria testado novamente por Ares. E dessa vez, seria pelo seu maior campeão. O mais poderoso homem que serviu ao Deus Impiedoso. Nem o herói de Atenas sabia quem seria.

Em questão de instantes, deixaram o Além. Estavam diante da bruxa velha, como carinhosamente chamavam Iliana.
-Ora essa! Saudades de nós Brown? Ficou nos esperando? – disse Lacktum triunfante.
Ela levantou a sobrancelha, estranhando a atitude do mago pelo jeito.
-Meu nome não é lavagem para estar na boca de porcos. E vocês estiveram no Além, onde o tempo não se movimenta. Pensei que tivessem entendido isso já. Garoto idiota.
Os dois colegas se entreolharam. Era engraçado ver que Lacktum, mesmo se achando tão sábio, às vezes cometia erros. Iliana ignorou isso. Pensava que era necessário se proteger e aos discípulos. Já que logo teria que os deixar partir. Eles enfrentariam as forças de Sinestro. Não importasse o custo. Será?


[1] Uma bruxa pode ser tratada de duas maneiras: como uma conjuradora divina ou arcana OU um ser sombrio que aparece nas lendas, quase sempre fazendo sacrifícios para poderes malignos e se aliam a seres das trevas. Uma concepção mais católica essa última. Aqui o tratamento é dos homens mais humildes, por não saberem o que Iliana é (ou seja a segunda).
[2] Apolo, deus do sol, da verdade e das profecias.
[3] Artemis, deusa da caça e dos animais selvagens.
[4] Atena, deusa da sabedoria e patrona da cidade que possui seu nome.
[5] Imp é um ser mitológico semelhante a uma fada ou demônio.  Os ajudantes de forças das trevas às vezes são descritos como imps. Geralmente são descritos com pequena estatura e cheios de energia.
[6] Aqui, se refere aos ceifadores, mas entendam: esse é um dos nomes usados por essas criaturas. Em geral a chamaremos de ceifadores. Outra coisa que deve ficar explicita é que mudam de forma de acordo com a cultura da alma que estarão levando consigo.
[7] Doze séculos antes de Cristo já havia povos nômades em expansão. Os dórios vieram da região central dos Balcãs e destruíram a avançada civilização micênica. Pouco se sabe sobre os dórios, mas indícios cada vez mais fortes parecem comprovar a teoria de que esses homens incultos e rudes teriam sido os ancestrais dos espartanos. O uso deles nessa história teria sido como um modo de mostrar como o território espartano surgiu.