quinta-feira, 7 de agosto de 2014

(Parte 24) Matando o dragão


Muitos no grupo estavam feridos pelo deslizamento de terra que ocorreu, graças a Olho de Carvalho. Os meros atingidos foram os animais e Thror. Por algum motivo, não confiavam muito no plano de Lacktum. E de certo modo, estavam corretos nesse pensamento, por incrível que pareça. Então eles preferiram se adiantar.
Mas já os outros, Lacktum e Arctus, haviam se machucado gravemente. O braço do mago estava extremamente inchado. Já o padre reclamava de suas costas. Uma pedra o acertou pouco abaixo do personagem.
Gustavo havia sido ferido na testa. Mas nada com que se preocupar.
Mas foi então que Seton notou algo que se o aterrorizou:
-Onde esta Halphy?
Lacktum ainda não havia reparado isso. A jovem ladina teria adentrado mais na caverna. Só havia uma opção então.
-Halphy! – Lacktum gritou apreensivo.
Ele começou a tirar as pedras que tampavam a entrada da caverna. Às vezes usava as mãos, outras a própria adaga. Era necessário salvar a ladina feitceira, pois ela era necessária para o grupo. E uma amiga com certeza. Mas ainda não estava no tempo de admitir isso.
Os outros ajudavam, mas já imaginavam o pior. A jovem perecendo sob os escombros. Era algo que não poderiam acreditar. Pelo menos não depois do tanto que passaram juntos. Era como perder alguém da família, uma pessoa realmente querida. Havia sempre desentendimentos com ela, mas lá estava a feiticeira ladina, pronta para ajudar sempre rindo um pouco no processo, ou concedendo uma de suas famosas broncas. Fosse como uma ladina, ou feiticeira, o que realmente importava é que aquela meio elfa não se deixava abater por qualquer que fosse o motivo. Sendo uma mulher, muitos pensavam que seria mais sensível e fraca em seus sentimentos, mas ela contornava isso. Ela não era como os jovens comuns. Talvez fosse por uma meio sidhe, ou por ser tão bela, ou talvez ainda seja por ser mulher, mas ela sempre se superava em suas atitudes. Não mas exatamente o contrário. Halphy fazia as coisas, pois acreditava no que queria para si. Mais do que qualquer um naquele grupo, a vontade da jovem mostrava que era necessário ser você mesmo, custasse o que fosse.
O mago retirava as pedras de cima do que achava ser o corpo da companheira. Foi quando Arctus segurou o braço de Lacktum.
-Van Kristen! – o padre gritou – Pare com isso! Ela se foi.
-Não! Ela tem que estar viva. Não é Thror?
-Isso mesmo! – falou o grego tirando uma boa parte das pedras naquele lugar.
-Parem! – soltou novamente Arctus – Vocês não entendem que ela mor...
Foi escutada então, uma pequena tosse. Logo em seguida, uma voz cheia de raiva disse:
-Quer me matar seu bando de idiotas? Se quiserem isso, seria melhor se parassem de me matar com conversas tediosas.
Então, Thror retirou algumas pedras de onde ouviu aquelas palavras. E lá estava à suja e empoeirada meio elfa. Possuia um sorriso malicioso, como de costume.
-Vocês homens humanos falam cada coisa sem sentido.
Foi quando Lacktum e Thror abraçaram com muita força a jovem ladina feiticeira. Os outros só olhavam a tudo sorrindo muito, até os animais. Era comovente ver que o grupo realmente estava se tornando mais que isso. Uma família.
-Olhe – começou novamente Halphy – eu até entendo o careca, mas qual o motivo de você me abraçar ruivo?
-Ah – meio constrangido falou o mago inglês – como sobreviveu?
-Isso? Eu acho que cai em cima dele – falando isso, levantou um assustado, porém vivo Furta Trufas – Ele é pequeno, mas bem gordo e macio.
Valente então exclamou:
-Só poderia ser o furão!

Seton já estava melhor, foi o que disse a todos. Iriam prosseguir.
Eles se preparavam para descer o túnel da caverna. Todos aqueles que manipulavam a magia aprontaram seus encantos, enquanto os outros levantavam suas armas mais afiadas e poderosas. Era um inimigo novo, mas acima de tudo, desconhecido para todos. Qualquer coisa que servisse para vencer seria útil. Especialmente nesse caso.
Muitos homens répteis apareceram diante dos jovens, mas foram logo mortos. O grupo havia crescido, tanto física quanto espiritualmente. Havia suas desavenças, mas sempre necessárias.
Os monstros eram fracos demais em combate contra os Dragões da Justiça. Não seria um desafio digno, pensavam alguns, como o guerreiro Thror. E eles não se rendiam, mesmo com as promessas do grupo de não causar mal a ninguém se fizessem o que lhes foi pedido. Não sabia se era por não confiar em humanos, ou medo de seu mestre sombrio. Fosse o líder um dragão ou algo pior.
Mas após um bom tempo, andando pelos corredores, chegaram a um lugar que emanava luz de tochas. Como Halphy possuía ótima visão no escuro, preferiram não acender nenhuma chama, nem lançar magias que produziam luz. Então, como de costume, ela seria a batedora.
Ela notou que havia um grande salão, todo iluminado, pelas chamas que tocavam um material – que para desgosto de Halphy – não era uma das famosas esmeraldas. O lugar era bem trabalhado, diferente dos túneis por onde passaram. Havia um grande estandarte no meio do salão que possuía um símbolo desconhecido. Além disso, uma marca arcana estava desenhada no chão. Ela sabia que aquilo significava abjuração, quando se quer proteger de algo ou prender.
O que realmente marcou Halphy, era a presenças de um dragão dourado e um marduk, como eram conhecidos os meio dragões.

Como dito antes, lendas sobre dragões existem em diversas culturas, mas sobre a concepção de híbridos de sua raça com humanos, nada havia sido escrito. Isso ocorria, pois dificilmente chegavam a idade adulta. Mas havia uma clara diferença entre os fealiths e os marduks. Se os meio elfos eram odiados, os de sangue dracônico eram temidos. Existiam lendas que falavam da extrema força e poder inerentes em seu corpo. Dependendo do genitor – ou genitora – dragão, seu corpo possuía características apropriadas a ele. E no caso se tratava de um dos famosos filhos de um dragão de sangue.
Normalmente, são malignos e ferozes. São extremamente territoriais. Excepcionalmente arrogantes e furiosos quando entravam em combate. Assim como os híbridos, possuem coloração avermelhada, lustrosa e brilhante. A maioria das lendas que conta sobre cavaleiros derrotando esses monstros alados, se tratava dos lendários dos dragões do sangue. E os seus filhos não eram diferentes.
O momento exigia cuidado redobrado. Era comentado que essas criaturas tinham olhos e ouvidos tão poderosos, que sentiam o medo das pessoas. Por isso que Halphy não era detectada, pensava ela.
Só havia um modo de pegar aquele ser sugeriu Lacktum que era através das habilidades únicas da fealith. Seus dons de se esconder nas sombras seriam bons para ferir o oponente. E com isso ela já se aproximava do alvo. Quando chegou até ele, preparou a espada. Então, no momento do golpe, o poderoso ser virou com os olhos reptilianos para Halphy, mesmo nas sombras, disse:
-Olá minha linda assassina – logo após joogou uma adaga no ombro da ladina. O golpe foi dolorido, pois o grito foi estridente.
-Urgh! Que dor!
-Brown! – gritou Arctus.
-Halphy! – falou Lacktum enquanto corria na direção da amiga.
-Ora, ora – sarcasticamente, disse o meio dragão, enquanto via o ataque contra ele – Não são bons amigos?
Então tirou de suas costas uma lâmina curta. Ele enfrentaria todo o grupo.

Inicialmente, o magro ruivo prendia sua mão com mana, falando:
-His acts are restrained. Your body will be paralyzed.
Houve uma luz veloz, que atingiu os olhos do meio dragão. Nesse instante, Lacktum pensou ter sido bem sucedido com a magia paralisante. Mas não foi bem assim.
-Que tal um pouco de aço no corpo cabelo de chamas? – estendendo o braço para golpear o arcano, o marduk gritava isso de satisfação. Não havia sido preciso, mas foi o bastante soltar uma grande quantidade de sangue.
Seton, Gustavo e Thror atacaram praticamente juntos, mas a poderosa criatura bloqueou. Era como se ele conseguisse ver a falha em cada usuário daquelas armas.
Até mesmo Valente, que pulou em direção do inimigo, foi prontamente chutado para perto do filhote de dragão aprisionado. Não era o filho de um dragão, era um demônio possuindo o corpo daquele hibrido.
Halphy então pulou com força na direção das costas do oponente. Apesar de não ter sido um golpe fatal, o inimigo enfraqueceu. Isso se devia ao poder da lâmina da jovem assassina. Sombras, como serpentes, partiam da ponta da lâmina até a ferida criada por ela. Mesmo estando distante do corpo. Ela sugava parte da vida da criatura, ou melhor, de sua alma.
-Mas o que isso? – questionou ele com a mão na ferida, que tremia de dor.
-Acho que você não conhece o aço cruel de minha Vampira de Almas? Ela não precisa ser exata, só ferir o inimigo.
O oponente, muito inteligente e extremamente ágil, pula para trás da ladina. Agora, ele poderia se concentrar em todos os ataques. Viessem dos arcanos dos guerreiros. Ele era muito veloz, devido ao fato de não usar uma armadura.
-Tome isso! – pronunciou Arctus - Il buio della sua anima occhi occultato! Ora!
Um novo raio surgiu no ar. Mas a conseqüência dele no corpo do hibrido foi plenamente visto. Os olhos reptilianos da criatura ficaram escuros como a noite de uma lua nova. Ele estava cego.
-Ora, ora. Os ratinhos humanos querem brincar de gente grande.
Ele falava isso com arrogância. Nem parecia que ele estava em desvantagem. O número superior de oponentes, a ferida terrível e a visão perdida não lhe assustavam. Ele sabia que se matasse o conjurador, a magia não cessaria, mas era algo que devia ignorar. Era o desafio que realmente importava.
Seton atacou, seguido de Thror com sua veloz espada curta. A enorme foice deixava o golpe do druida, muito lento. E mesmo a lâmina mágica e rápida como o vento do grego, não conseguiu atingir o corpo do marduk. Deveria ter deuses poderosos para quem aquele monstro deveria rezar, pensava o homem da cicatriz.
Os golpes continuavam, sendo que boa parte deles não afetavam sua pele rígida como metal. Eram feridas que incapacitariam pessoas comuns, mas a criatura não se abatia. Ela concedia um novo sentido a palavra inumano. Seus olhos, mesmo estando completamente escuros, pareciam trazer consigo medo para quem o fitava. Parecia enlouquecido, tal qual um ser sem mente ou coração. Tal qual um dragão de verdade.
Era grande, mesmo para os padrões desses seres. Talvez se devesse a sua herança de sangue. Além de seus traços de dragão, seus cabelos loiros demonstravam uma herança germânica. Era um espécime raro.
Havia momentos em que parecia estarem atacando uma parede. Foice, espada curta ou longa, maça e adaga foram usadas, mas nada adiantou. Os ataques de nada serviam. Pareciam pequenas pancadas de mãos nuas não treinadas. Os cortes eram sempre superficiais, quase sempre no ombro ou próximo do peito no máximo.
Nas lâminas dos Dragões da Justiça, havia muito mais marcas do que daquele poderoso ser. As armas comuns não agüentariam muito. Os golpes, mesmo de Thror, diminuíam sua eficácia. As magias sumiam das memórias do mago, do druida, do padre e da feiticeira. Não haviam enfrentado combatentes tão formidáveis até então.
Os guerreiros anões que serviam a Mallmor, a prole de Argos, o lobo Cícero, a múmia élfica e os homens lagarto lá fora, nunca tinham sido tão desafiadores quanto o oponente na frente deles.
Então Gustavo criou um plano ousado.
-Thror, corra até ele e desfira um golpe. Estarei te protegendo! Tenho uma idéia!
-Certo. Mas é bom isso funcionar!
-Tem de funcionar.
Quase como dois animais preparados para o bote, Thror e Gustavo partiram na direção do inimigo. O guerreiro com a cicatriz na cabeça se jogou com o escudo na frente do meio dragão, este por sua vez, retirou o objeto com um golpe de sua espada curta. Com esse ataque, Thror caiu para o lado. E então, o paladino colocou o braço para trás, próximo do corpo do ser escarlate. Girou a espada e tentou acertar. Mas com a mão vazia, a imensa criatura hibrida quebrou o pulso do guerreiro sagrado.
-O que foi homenzinho? – falou o meio dragão – Desistiu de viver?
Seton segura a foice com apreensão. Lacktum e Halphy pensavam que não conseguiriam acertar o monstro sem atingir Gustavo. Era uma situação perigosa. Mas algo de estranho ocorria. O paladino sorria.
-Você sabia que sei lutar tão bem com a lâmina, quanto com meu escudo? – e enquanto proferia aquelas palavras, usou o item que permanecia em seu outro braço como uma arma acertando a cabeça inimiga. O golpe preciso o desorientou mais já que estava visão.
-Agora Arctus! – pediu o paladino.
A maça girou, o golpe do padre deixou tonto aquele oponente. Lacktum saltou com a adaga sobre ele. Finalmente, haviam derrotado o marduk.

O mago havia pedido que os animais não participassem do combate. Obviamente, só Valente não acatou essa ordem. Em compensação, sua intromissão o fez ficar perto do dragão dourado filhote.
Ele possuía dois chifres lisos que se curvavam, se projetando do supercílio. Suas pequenas e frágeis asas, que se estendiam por todo o corpo. E suas costas pareciam com escamas feitas de ouro polido. Surgiam no corpo da criatura manchas douradas e metálicas devido ao brilho do fogo na caverna.
Normalmente, os poderosos dragões de tom dourado eram conhecidos por serem sábios quase sempre consultados nos piores momentos. E seus filhotes seriam tão inteligentes, que conseguiam falar vários idiomas, mesmo possuindo pouca idade. Naqueles momentos, todos perceberam essa qualidade.
Enquanto o pequeno suricate fazia carinho nas escamas do dragão, o prisioneiro falou:
-Obrigado criaturas. Nunca saberei como agradecer plenamente vocês.
-Não é necessário isso – falou o mago com extrema delicadeza, mas com certo receio – Mas o que houve para estar aqui filhote? Qual o seu nome e onde estão seu pai e mãe? – ao perguntar isso, Lacktum pensou que realmente não queria conhecer os pais do pequeno dragão. Conhecidos como os mais antigos seres na face de Gaya, dragões tem o habito de queimar primeiro, perguntar depois. Mesmo se tratando dos salvadores do filhote.
-Meus pais estão mortos – disse tristemente em resposta – Nasci através de magias implantadas no ovo que estava. Foi assim que choquei.
Todos os dragões nascem de ovos. Mas eles não precisam nascer com o calor dos pais como as aves, ou da crueldade fria das serpentes. Eles necessitam do poder arcano de seus pais. Alguns magos, através de rituais apropriados, conseguem despertar essas feras, encontrando seus antigos ovos. Eram raros, mas existiam alguns sem chocar no mundo.
As lendas sobre estes seres mitológicos falavam sobre uma grande assembléia que reuniu os mais poderosos entre eles. Não se sabe do que se tratava, nem do que foi falado aconteceu um dos maiores fatos das histórias antigas, citadas só por arcanas e criaturas mágicas: o êxodo dos dragões do mundo conhecido.
Alguns acreditavam que seria melhor permanecer em Gaya. Quase sempre, jovens ou loucos corajosos, o que explicava sua permanência naquele lugar. O que muitos não sabiam nos anos antes do nascimento de Cristo, é que muitos depositaram ovos escondidos nos mais diversos reinos ou cavernas.
Com certeza, o filhote deveria ser um deles.
-O que queriam com você? – perguntou Halphy passando as mãos nas escamas. Não era por um motivo afetuoso, mas sim, devido a admiração que tinha pelo jovem dragão.
-Eu não sei, mas sei que colocaram uma marca atrás de meu pescoço. Usaram fogo arcano para isso.
Foi quando notaram um símbolo.

Lembrava a cabeça estilizada de um dragão. Só ao tocar, Lacktum sentiu uma poderosa aura arcana emanando dela. Halphy, Arctus e Seton também. O mana é uma energia poderosa.
A energia não é definida como qualquer outra coisa. Ela não é chamada como o poder masculino ou feminino. Ela provém de todos os lugares, seres ou objetos. Fosse para o bem ou o mal.
O poder dentro das correntes impedia o movimento do filhote. E Lacktum ainda não poderia fazer nada por enquanto.
-Espere aqui, depois iremos te libertar – disse a ele.
-Não irei a lugar nenhum – disse a fera.
Lacktum criticou a si mesmo pela frase tola que acabará de soltar.
-Compreenda que não temos poder para quebrar isso, mas logo o teremos.
-Acredito em você;
Halphy então chamou o mago para perto do estandarte.
-Olhe Lacktum, uma passagem secreta.
Atrás do tecido, havia um buraco grande o bastante para homens curvados passarem. Era visível uma luz no final dele. Novamente, a herança élfica falava alto em Brown.
-Um túnel! Que cômodo – falou irônico o mago.
-Vamos ver para onde ele pode nos levar? – perguntou a jovem Halphy.
-Bem temos que averiguar todo o lugar – respondeu Lacktum enquanto notava se era segura a passagem para passar – E não possuímos um mapa do local.
-Mesmo porque necessitamos de itens arcanos – falou um ambicioso Seton.
Olhares furiosos apontaram para o druida que usava a foice enorme. Havia muito mais ali do que a conquista de itens.
-Nós somos os Dragões da Justiça. Não os Dragões Atrás de Itens Poderosos – inquiriu Halphy.
-Esta bem. Perdão.
-Vamos – ordenou o líder Lacktum.
Andavam abaixados, com cuidado. Thror e Gustavo tomavam a frente. Os outros preparavam suas especificas magias. Até mesmo Halphy, que não fazia tanto tempo que mexia com essas forças, parecia compreender bem aquelas energias.
Atravessando o misterioso túnel, eles alcançaram sua ponta iluminada.

Havia no lugar um quarto grande e amplo. Bem iluminado graças a uma fonte de magia no teto daquela caverna. Também surgia muita iluminação ali devido à grande concentração de esmeraldas. Até que enfim encontraram as famosas pedras que concediam o nome a essa região.  
De qualquer modo isso não era tudo. E eles iriam preferir que fosse.
Era possível ver dois altares, onde parecia que haviam depositado mortos. As estruturas eram de pedra, recentemente construídas por mãos fortes. Já os corpos, estavam cobertos por uma mortalha com símbolos arcanos nórdicos. Pelo que Seton notou, serviam para conservar a carne dos mortos. Assim seria possível ainda ver a face do falecido, mesmo que anos se passassem. Era um ritual antigo e poderoso de alguns sacerdotes que acreditavam no Pai de Todos, Odin.
Havia véus cobrindo o rosto dos dois corpos. O medo de alguns, era um ataque dos falecidos. No entanto, mesmo com a chance de um ataque dos mortos famintos, Halphy e Lacktum tiraram os panos do que pareciam ser os rostos.
Quando retiraram eles, viram rostos do passado.
Lacktum notou que em cima daquele altar havia um homem aparentemente forte. Seu rosto era marcado por feridas. Era também marcado na pele pelo sol. Cabelos negros brotavam de sua cabeça. Era um paladino que conheciam bem. O mago tremeu ao falar:
-Ah Gustavo... Creio que este corpo...
O jovem paladino de Deus passou pelo quarto até alcançar seu intento. Um irmão reconhece o outro. Especialmente quando se amam.
-Federick... Meu irmão... Como te deixei partir? Oh Céus, me perdoem! Não acredito nisso! Você era umas das pessoas que mais amava nesse mundo... E agora?
As lágrimas corriam dos olhos de Gustavo. Cada gota parecia uma cachoeira. Pareciam que tinham sido represadas dentro do coração do jovem príncipe. Mas agora transbordavam com os sentimentos. Era o amor entre irmão.
Seton que olhava o guerreiro sagrado, deitado sobre o corpo do irmão, tocou o ombro do mago. Era triste ver seu colega naquele estado.
-Que Deus lhe guie – Arctus falou em reseito.
-Pobre Federick... - começou a dizer para si mesmo Gustavo, mas desistiu.
Thror se calou como se fosse parcialmente culpado por aquilo. E não importasse o quanto qualquer um falasse sempre se sentiria. Mas quando tudo parecia triste o suficiente em seus corações, Halphy pronunciou:
-Lacktum... Acho que é quem você buscava. Não é?
Seus pés ficaram. Nunca antes a vontade daquele jovem brigou com a razão de forma tão ferrenha. Era nova aquela sensação. Ele sempre lutou para tentar encontrar seu amor, mas sempre quis que estivesse errado. Que ela tivesse - talvez – em fuga ou que estivesse com outro, que entregou sua alma a um demônio, que estivesse sendo mantida refém, mas que estivesse viva. Pois a morte era algo que ele não conseguiria vencer.
Lacktum fitou o rosto da jovem Lirah.
-Como eu queria ter perdido a visão. Cubra o rosto dela.

Ninguém falou nada ou reagiu, com exceção de Gustavo, que ainda soluçava. Nem o mago se deixava expressar quaisquer emoções. De qualquer modo, ele sabia que isso era difícil. Queria abraçar o corpo dela, sentir seu cheiro, fosse bom ou ruim. Tocar seus cabelos como se fosse algo belo e confortável. E o era para Lacktum. Mas ele já não era mais só um jovem nobre e apaixonado. Agora era o líder dos Dragões da Justiça e sua meta era clara.
-Eu tenho que sair – disse isso, enquanto passava pelo túnel que os trouxera até ali.
Halphy segurava seu próprio braço esquerdo com força, enquanto via seu amigo sair daquele quarto. Parecia angustiada por não poder fazer nada pelo colega.

Voltou até a sala onde estava o dragão dourado filhote. Lá ficou em silêncio com Alexander, que veio depois, lhe fazendo companhia.
Normalmente, o cão falaria algumas palavras de confiança, mas aquilo não era nada com o que estivesse acostumado. E mesmo que o estivesse não seria fácil lidar... Nunca. Ele só agiu como todo companheiro fiel. Deitou-se ao lado de Lacktum, que havia sentado em um canto do salão. O arcano acariciou o animal como se aquilo lhe trouxesse paz.
Tempos depois, quando o jovem inglês se preparava para levantar, ouviu passos do túnel. Era Arctus surgindo por de trás do estandarte.
-Lacktum! Preciso falar com você!
-O que foi homem?
-Continuamos vasculhando aquele lugar e encontramos algumas coisas. Moedas e um item mágico que fornece asas. Mas não é por isso que estou aqui.
-Então?
-Encontramos dois pergaminhos... Um deles endereçado a você.
-Será que... – disse o mago pensativo.
-O que foi? – perguntou o padre.
-Quando estávamos em Starten, no começo de nossas viagens... Havia uma igreja e depois de um duro combate, lá dentro se encontrava uma mensagem do homem mascarado que sempre cacei. Na época não sabia que se tratava de Kalic Benton II. Além de ver uma cena bizarra naquele lugar também... Não importa! Mas isso me deixa receoso.
O missionário olhou diretamente para os olhos de seu líder. Nesse momento, tirou de suas vestes o pergaminho.
-Leia.
Antes não tivesse lido.
Vejo que controla um grupo até que grande de formigas, como você. Homens sem memórias, príncipes sem reinos e espíritos cinzas.
Mas essa mensagem não esta aqui só para lhe atormentar. Esta aqui para lhe conceder a chave que tanto procura. Mais do que a vingança.
Junto dessa mensagem, há outro pergaminho. Com magia antiga e poderosa para reviver os mortos. Isso mesmo você tem a chance de ressuscitar um deles. Quem será?
Atenciosamente, Kalic Benton II
Logo em seguida, o mago de cabelos cor de fogo olha para a mão de seu colega que estendeu aquele pergaminho até ele. E as palavras que ele pronunciou ecoariam em sua mente enquanto estivesse vivo.
-Pegue o pergaminho e o use em Federick.
-Mas Lacktum...
-Eu sei o que estou falando! Faça!
O sacerdote se entristeceu com a atitude do mago, mas a entendeu. Era duro e pesado o cargo de líder, pensou ele.

Arctus preparava o pergaminho. Ele possuía força para a tentativa do clérigo ressuscitar o irmão de Gustavo. Mas não conseguia deixar de olhar para a amada do mago.
Então ele começou a recitar o pergaminho. O ritual estava para começar.
As mãos de Arctus estavam sobre a cabeça de Federick. O pergaminho estava em cima do corpo brilhando com uma aura divina. Uma aura de paz se instaurou em todos os membros dos Dragões da Justiça. Mesmo os mais confusos.
Tudo que surgia no coração do padre criava no lugar uma sensação de conforto. Era quase palpável. Como anjos que amparam as almas aflitas e perdidas. Fosse lá quem estivesse naquele quarto notou a força que era inerente no rapaz. Era único.
-Como disse o filho Dele: eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, jamais morrerá. Pai rendo-te graças, porque me ouviste. Eu bem sei que me ouviste. Eu bem sei que sempre me ouves, mas falo assim por causa daqueles que creiam que tu me enviaste. Por isso eu clamo Federick, levanta! – disse Arctus.
Com isso uma luz forte irradiada do corpo de Federick começou a tocar o lugar com energia benevolente. Uma força descomunal. Isso, poréms só durou alguns instantes.
Foi possível ver um estranho movimento surgindo na barriga de Federick. Muitos imaginaram que talvez fosse pelo fato do jovem estar prestes mesmo a ressuscitar, mas logo notariam que não era. O corpo começou a se contorcer, como se fosse despertar. Seus olhos até mesmo abriram. Mas as reações do antigo paladino seriam as suas últimas.
Sem nenhum aviso, do antigo amigo tombado, se abriu uma enorme ferida saindo do ventre. Era como o golpe de um animal. Começaram então a surgir vermes bizarros e podres do corpo. Cada um maior e mais asqueroso do que o outro. Por cima um do outro, criando um monte grande o bastante para tomar todo o cadáver. Tanto que eles partiram ao meio, devorando os restos mortais. A cintura e a barriga sumiram do lugar quase que por magia. Magia negra.
-Meu irmão! Não! – tentou gritar Gustavo, enquanto ia à direção do corpo. Foi interrompido pelo grego. Era triste ainda mais para Thror, perder o amigo, duas vezes.
-Lacktum! – gritou uma desesperada Halphy – Venha aqui!
Tempos depois, o mago surgiu pelo túnel. Foi quando ele se questionou que pandemônio era esse.
-Mago! – soltou um furioso paladino contra o arcano – Você quis ressuscitar meu irmão, pois já sabia o que iria acontecer, não é?
-Eu não sei do que fala paladino! E me largue!
Contra a própria vontade, o paladino largou o aliado recobrando parte de sua consciência. O que mostrava que sua fúria ainda não foi aplacada. Lacktum então se situou do que realmente ocorria. O plano então surgiu em sua cabeça. Ele caminhou até o corpo – ou que restou – de Federick, para ter certeza.
Tocou em um dos vermes.
-Vermes de Hel! - pronunciou o mago.
-Calma Lacktum – disse Halphy – Sei que esta triste, mas...
-Não Halphy! Isso aqui é uma magia chamada, vermes de Hel. Magia antiga dos povos do norte. Poucos usam, pois só alguns conhecem esse tipo de magia. É como a magia negra dos nossos costumes.
-Fale isso pelo seu povo ruivo – falou o clérigo Arctus e então continuou – Então significa que essa magia estava preparada no corpo do irmão de Gustavo? Quem o faria?
-A mesma pessoa que nos fez chegar até aqui através de um campo de batalha caótico. Talvez até mesmo com um pedido de Diogo Fernandez. Mas pelo que entendi só pode ter sido... Kalic Benton II. E acredito até que ele implantou essa magia no corpo de Lirah.
Todos tinham olhos tensos e nervosos. Era como se sentir extremamente bem e toda a desgraça do mundo cair em seus ombros logo em seguida. Para alguns ali, seria ter o companheiro de volta, para o irmão, seria um modo de apagar seus pecados. Mas acima de tudo, para Lacktum, significava que uma vez mais sentiria estar um passo atrás do mago mascarado.

Teriam que continuar o caminho até o dragão Daehim. Halphy e Arctus só esperavam o líder se levantar e ir à direção do grupo, que já tinha deixado aquele quarto. Mesmo a contragosto, Gustavo deixou os restos mortais de seu irmão naquele lugar. De nada iria adiantar levar com ele os vestígios de Federick. Assim, possuindo só três pessoas naquele lugar, houve um momento em que o jovem inglês de cabelos vermelhos ficou a sós com o corpo de Lirah.
Ele chegou próximo de sua amada. Continuava como era no dia em que a conheceu. Sua tez branca como neve, com seus olhos fechados, mas que ele sabia serem verdes. A mortalha cobria as mãos marcadas por espinhos que apareciam quando colhiam flores do campo. Que ainda assim, eram tão doces quando se tratava de carinho. Quantas memórias não surgiram na mente do rapaz, quantas sensações não voltavam como relâmpagos em uma planície. E o que importava? Ela estava morta e nada mais fazia sentido. A verdade é que ele desejava ter tudo àquilo de volta. Talvez como em um passo de mágicas. Isso era estranho, mas sua vontade de se tornar o mestre do destino não fosse só mera vingança afinal. E sim tivesse mais nexo com alterar as tramas do destino.
Mas nada seria feito naquele momento.
Com a mão no rosto de sua amada, ele se despede beijando sua testa.
-Quando terminaremos tudo, voltaremos para te levar. E lhe enterrar como é necessário e certo. Enquanto isso agüente do outro lado, esta bem meu amor? Guarde nosso lugar ao Céu, esta bem?
Falando isso, ele finalmente saiu daquele quarto. Os vermes de Hel estavam mortos e então cobriram o que restou do corpo de Federick. Era certo que voltariam. Pois os Dragões da Justiça eram sua obrigação agora, mas ele também amava Lirah.
Ele caminhava com passos pesados

O grupo inteiro esperava do lado de fora. Muitos tentavam entender o que era aquele símbolo no dragão. Outros, só pensavam no que fariam dali em diante. E quando todos menos imaginavam, foi que o mago surgiu por de trás do estandarte.
-Vamos Dragões! – ordenou arrogante como de costume o jovem – Estão achando que estamos aqui para conversinhas?

Todos estavam atentos. Pelo que sabiam, havia prisioneiros nas cavernas, fato reforçado pelo filhote de dragão dourado. Ele disse ouvir gritos de homens e mulheres na direção de um dos túneis. Era para lá que os aventureiros se dirigiriam.
Como toda a caverna até agora, era irregular aquele caminho. Mas nada que eles não conseguissem contornar.
Em determinado ponto, era possível ver e ouvir os prisioneiros. Conversavam e falavam alto na língua comum da região. Os Dragões encontraram os prisioneiros.
            -Todos estão bem? – falava Halphy, diante de uma prisão feita toda de madeira. Era bem feita e forte.
            As pessoas lá dentro estavam desnutridas. Eram claras as faces com fome e sede. Crianças, velhos, mulheres e homens. Todas pareciam derrotadas, sem esperanças e sem futuro. Como se o dragão drenasse tudo daqueles que estavam ali.
Foi com um golpe de espada, que a esperança nos rostos voltou. O paladino soltou uma frase, resoluto:
-O controle do dragão sob o Vale das Esmeraldas terminará hoje. Celebrem meus amigos.
Surgiram nos antigos rostos tristes, pequenos esboços de sorrisos. Era como se o jovem Gustavo conseguisse irradiar parte de sua fé aos descrentes.
-Que coisa meu caro paladino – pronunciava sarcasticamente o druida Seton – Não era você que ia contra os pagãos? Agora vem os salvar?
-A salvação se dá, não através do corpo, mas sim pela alma. Toda a alma merece redenção. Cristo esta em todo o lugar.
-Levante uma pedra e me encontrará. Corte uma árvore e me achará.
Muitos olharam com espanto. Pensaram que essa frase viria de Arctus ou de Gustavo, mas não. Surgiu da boca de Lacktum.
-Como você falou algo assim? – espantada disse a ladina feiticeira – Pareceu algo do Livro Sagrado. Por acaso é?
Lacktum sorriu.
-Meus pais respeitavam todas as tradições e religiões. Mas nunca se definiram por uma. Já a família de Lirah era muito cristã. Sempre achei isso uma coisa inútil, mas ela me fez decorar esse trecho. É de um evangelho.
Arctus então se espantou com as palavras de Lacktum.
-Mas meu caro – começou o padre – esse trecho não esta escrito na Bíblia. Não sei onde Lirah ouviu isso, mas não é algo referente à nossa fé.
-Foi Lugar ao’Céu quem me contou isso. E acredito no que ela me falou.
Não sabiam se era algum modo do mago irritar o padre, mesmo assim era pouco provável. Já que a pouco encontrou sua amada. Depois de tudo que passará, seria difícil dele tentar algo de mau gosto tão cedo.

Todos os prisioneiros tiveram novos ânimos depois das palavras de Gustavo. Esconderam-se em um dos cantos do covil e sairiam após as ordens do grupo. Antes disso, eles falaram qual dos túneis levava ao temível dragão, Daehim.
Os membros do grupo subiam um túnel mais bem trabalhado do que os outros pelos quais passaram antes. Alexander servia de guia na escuridão, já que a luz de suas tochas já se extinguiu. E pelo que o cão sentia, mais ao fundo fedia a enxofre o lugar.
Há lendas que independente do dragão ou de sua espécie, o cheiro dessa substância era inerente em todas elas. Mesmo quando o elemento do dragão nada tinha haver com fogo, aquele odor se tornava presente. Na verdade, nem era mais necessária a ajuda do cão para isso.
-Cheiro forte! – exclamou o guerreiro Thror – Será que o dragão cheira tão mal?
-Se cheira, já sei qual sua principal arma! – soltou em resposta Seton.
-Calados os dois! – mandou Lacktum – Vejam.
Surgiu diante dos olhos de todo o grupo um enorme e pesado portão de aço com o símbolo que foi fixado no corpo do filhote de dragão dourado. Parecia ter sido construído recentemente. Com certeza, foi feito através de magia.
Os jovens, Halphy, Lacktum, Thror, Seton, Arctus e Gustavo, e os animais, Rec, Fiel, Alexander e Furta Trufas, se sentiam intimidados com aquela imagem na sua frente. Era como se estivessem para abrir as portas de um mundo desconhecido até então. O mago ordenou.
-Thror! Abra isso agora!
Então o grego chutou com toda a força que tinha contra o maciço de ferro. A estrutura então se abriu rapidamente, mesmo sendo tão pesada.
O cheiro de enxofre subiu. Forte como se adentrassem as portas do Inferno. E a atmosfera do lugar reforçava essa impressão de força demoníaca. Como se quisesse tirar a coragem dos jovens. Mas não se abalariam com um fedor. Quem sabe, não fossem temer mais então, aquele que exalava esse cheiro?
Andaram até um salão que continha vários cristais de cor verde radiante que atingiam todos os cantos. Aquele lugar não era tão claro mesmo assim. Pequenos raios de sol vinham do teto deixando o lugar razoavelmente iluminado. Havia uma escada de pedra que parecia chegar até a saída dos raios. De qualquer jeito, o lugar nas partes baixas continuava escuro.
Todos estavam com suas armas apontadas. Seja lá o que fosse que estivesse nas sombras, eles estariam preparados. Mesmo que isso custasse suas vidas.
-Acho que esse é o momento para vermos se os Dragões... – começou Lacktum.
-São páreo para um dragão de verdade? – completou a jovem ladina com sua face sarcástica – Não era isso que iria falar? Imaginei que seria.
-Você consegue me irritar...
-Ora, ora, - disse uma voz nas sombras – formigas não deveriam brincar de dragões, assim como homens não deveriam brincar de deuses.

Aquela frase. Era algo que Lacktum estava notando parecer provir do terrível mago mascarado. Mas nem o brinco, nem a adaga brilharam então ele não estava ali. Porém, o tom na voz do desconecido parecia saber do que se tratava. Como se fosse uma provocação.
Das sombras começou a surgir uma forma humanóide. Ele tinha o tom de pele de um elfo negro. Elfos negros são de pele clara, como os sidhe, quando nascem. Porém, quando crescem, sua tez é atingida por manchas negras que um dia cobrem todo o corpo. Esse elfo tinha todo o corpo coberto, incluindo sua face.
Possuía uma série de mantos negros e marrons. Suas mãos eram cobertas com manoplas de aço prateada, parecidas com as garras de um dragão. Também usava um medalhão da mesma cor. Os olhos dele eram cheios de uma fúria draconiana. Seus cabelos tinham um tom escuro e sombrio, longos como os pelos de um animal.
Ele pronunciava as palavras com a voz baixa:
-Então vejo que as formigas de mestre Kalic Benton chegram longe. Bem, estamos aqui para lhes recepcionar como nos foi mandado. Sejam... Seria falso disser bem vindos.
-Quem é você sidhe sombrio[1]?
-Olhem! – observou Halphy com visão sagaz.
O corpo do elfo negro envergou. Colocou-se todo para frente, como se fosse assumir uma posição quadrúpede. As pernas aumentaram gradativamente de tamanho. Os braços e mãos esticaram de forma a criar garras. Criavam patas dianteiras e traseiras escamadas. Suas forças e poderes aumentaram drasticamente, isso era claro para os arcanos e clérigos que sentiam isso em seus espíritos. O peito do desconhecido convulsionou até estourar a pele. Dos farrapos daquelas costas, brotaram duas asas enormes, coriáceas e cheias de nervuras. Por último, seu pescoço esticou deformando o pequeno rosto élfico. Eram mais claras as diminutas lâminas que protegiam o corpo dele, lembrando vagamente uma serpente protegiam o corpo dele, lembrando vagamente uma serpente negra. As roupas haviam sumido como que por encanto.
Alexander rangia os dentes, Valente respirava fundo, enquanto Furta Trufas soltava todo o tipo de prece a qualquer divindade que o escutasse. Enquanto isso, os Dragões preparavam seus respectivos armamentos e poderes. De qualquer modo, os jovens sentiam que havia mais oponentes naquele lugar. E estavam certos.
Surgiram das sombras, dois marduks de cor escura. Um deles carregava uma enorme corrente que girava no ar, criando um som que parecia um assobio. Já o outro portava uma grande maça de guerra. Não usavam armaduras, mas aparentemente não precisavam. Suas peles possuíam algumas escamas e seus rostos lembravam plenamente um dragão.
Todos no grupo se mantinham firmes, mas não sabiam como reagir.
O dragão levantou o pescoço de forma imponente. Seus olhos mostravam o completo desprezo pelos seres a sua frente. Um de encarando um bando de formigas. Agora entendiam a metáfora que sempre usavam para eles.
-Muito bem humanos, se procuravam um dragão que seja. Aqui esta. Daehim, o líder dos dragões aliados a Kalic Benton, eu sou a Sombra Gélida.

Lacktum tremia. Era como se encontrasse o ser mais onipotente que já viu em sua curta vida. E na verdade era. Alguns falam sobre a resistência dos dragões, sobre seus poderes arcanos, da força em combate, mas que todos temiam era a mera presença de um dragão.
O medo voltou ao coração do jovem Van Kristen. Como daquela vez a mais de dois anos atrás. Imóvel e sem voz. Sem poder de alterar algo novamente como na cena da morte dos pais e de sua irmã. E de Lirah. A mesma ao qual encontrará antes na caverna como um cadáver. Foi-lhe tirado tudo. Inclusive o amor... E a coragem. A vingança já não era o suficiente.
Enquanto isso, os outros aventureiros olhavam para o mago. Esperava-se dele um grito, uma blasfêmia, uma provocação, mas nada parecia tirar o jovem do seu transe mental. O medo superava a ira do jovem.
Passos de uma greva do mais puro metal se escutava.
Gustavo caminhou na direção do monstro. Sua armadura refletia pouca luz, mas naquele instante parecia iluminar o lugar.
-Deus esta conosco. Então quem será contra nós? Eu sempre lutei o bom combate. Mas sei que minha morte esta predestinada. Nem por isso estremeço ou temo o mal que esta na minha frente. Minha vida é guiada por palavras cheias de maldição e sofrimento. Elas falaram que morrerei pelas mãos de quem mais amo. E assim será! Só achei que uma pessoa que crê em Odin traria mais do que palavras ao campo de batalha. Ele agiria.
Lacktum sabia o que Gustavo queria. Há muito tempo o arcano não empunhava o cetro. O símbolo de um mago estava agora em sua mão e ele o fitava depois de tanto tempo.
O item foi fabricado por Thror do metal místico dos anões. Azerov havia cedido a eles para a fabricação de itens. O ditado dizia que seria sempre melhor retirar um cajado de um arcano, pois com ele poderiam ser feitas façanhas. Havia o momento de provar isso.
-Cale a boca Gustavo! – disse o mago irritado.
Gustavo riu.
-Eu sou um dos Dragões da Justiça. E o meu som ecoará pela eternidade.
Só então Lacktum reagiu.
-Esta bem meu caro guerreiro sagrado. Você me convenceu. Dragões me sigam!
Nesse momento, foi como se uma chama reacendesse no coração daquele jovem. O ódio e a vingança foram tragados. Só sobrou a vontade de lutar e enfrentar todo e qualquer mal que surgisse na frente dele. O Van Kristen estava de volta ao controle.
O dragão riu com ar de escárnio daquela peça ridícula.

O combate se iniciava. Thror e Gustavo foram em direção dos dois marduks. Enquanto isso, o resto do grupo para cima de Daehim.
A lâmina do guerreiro grego brilhava contra a corrente de metal negro. Eram como pequenas estrelas nascendo a cada golpe. Só que no terceiro golpe o marduk de cor negra conseguiu arrancar a arma de Thror. Ela caiu longe.
-Praga!
-O que foi humano? Teme a corrente de Marduk?
-Nunca! Espere, você é um marduk que se chama Marduk?
E ignorando a pergunta disse:
-Pois devia...
E nesse momento, a arma do meio dragão se enrolou no braço de Thror. Este se manteve firme mesmo com o terrível golpe de seu inimigo dracônico. Ainda assim era visível a dor no rosto marcado do homem com a cicatriz. Seu braço talvez não resistisse muito.
Já Gustavo mantinha o ritmo do combate. Só que em determinado momento, a maça acertou atrás do joelho do paladino. E isso o forçou a se ajoelhar. Mesmo assim, ele usou a espada para se apoiar.
Os cabelos negros do paladino pareciam esconder sua dor física. Seu olhar cheio de fúria mostrava que a dor era profunda.
-O que foi paladino? A dor esta demais? – enquanto falava isso, o hibrido se aproximava do guerreiro – Teme a arma de Tiamat?
-Não sei o que é medo. Só sei que Deus guia minha lâmina. Guia meus passos. E guia meus ataques. Amém!
Quando isso foi dito, golpe de Salles foi certeiro. A espada brilhou no momento em que tocou as escamas no corpo do inimigo. Ela atravessou o ombro, quase trespassando completamente.
Mesmo assim o guerreiro de pele escamosa não esboçava nenhuma dor. Pelo menos nenhum sinal aparente. Era realmente um fato surpreendente.
O dragão olhava para o resto do grupo com desdém. Os animais haviam se escondido por ordem de Lacktum. Além do mago, a criatura enorme estava cercada por Arctus, Seton e Halphy. Isso não o amedrontava. Estava claro em seu semblante.
De sua bocarra um estranho movimento surgia. Primeiro, na verdade, ele começou no peito. Como um brilho escuro e fraco. Foi subindo pelo pescoço até chegar à altura das presas. E quando isso ocorreu, surgiu no espírito de Lacktum e Halphy um temor.
-Todos saltem o mais distante do dragão! Ele irá soltar o sopro!
Era tarde demais.

A criatura vomitou um sopro de chamas negras. Pareciam quase invisíveis na escuridão do local. Mas mesmo assim, parecia um tufão gigantesco de chamas que causava um barulho ensurdecedor. Seria magnífico, se não fosse aterrador. Esta como uma poderosa força sombria da natureza. Não era a toa que alguns falavam que os dragões das trevas eram descendentes de Ndhoggr, o poderoso dragão que devorava Yggdrasil. O seu mal superou as eras. E criava todo aquele fenômeno poderoso em cima dos aventureiros.
Gustavo e Thror – já que o poder de sopro não os alcançou - não foram pegos pelo jato de fogo negro, diferente de seus adversários marduks. Estes foram completamente tragados pelo jato. Halphy e Arctus escaparam da torrente de calor sombrio, mas esse último ainda foi atingido na perna. Lacktum e Seton não tiveram a mesma sorte. O golpe tinha coberto os dois como um manto profano de dor.
Quando cessou, estavam os dois no mesmo lugar. Porém, só Lacktum estava de pé. Daehim riu.
-Arctus! – gritou o jovem líder dos dragões, apontando para Seton – Cure o druida.
-Certo! – mesmo como dor o padre se moveu naquela direção.
-Acreditam mesmo que vencerão? – desafiou o dragão – Seus dons foram o bastante para enfrentar as tropas de Mallmor. Mas nunca derrotarão um dragão em plenos poderes. Somos mais do que uma tropa de soldados maltrapilhos.
O mago ruivo riu freneticamente. Alguns do grupo pensaram que ele tinha enlouquecido.
-Plenos poderes? Talvez, no máximo, você tenha alguns anos ou séculos de vida. Estudei muito sobre sua raça, já que muitos livros arcanos são escritos em sua língua. Não tente me ludibriar.
E com um passo que fazia o chão estremecer, o grande dragão se moveu, perguntado:
-É mesmo mago? E o que mais aprendeu sobre nossa raça, mago?
-Que as espécies com sopro de chamas negras são fracas contra fogo puro – nesse momento, o jovem ruivo pronunciava encantos, enquanto armazenava mana em sua mão esquerda longe da vista do dragão - In my hands the flame comes the Dragons of Justice. The renewing power of destruction.
Com uma mão estendida, ele fez surgir uma enorme esfera de chamas. Era tão grande, mas mesmo assim só cobria metade do corpo da enorme criatura. Pelo menos, seria o suficiente para machucar Sombra Gélida.
Havia feridas por todo o corpo de Daehim. Machucado ele estava, mas ainda bem o suficiente para um combate.
Enquanto isso, Gustavo e Thror notaram espantados já que seus respectivos adversários pareciam sequer possuir uma marca das chamas negras por seus corpos. Só as feridas que eles causaram continuavam nos marduks negros. Os dois começaram a se gabar.
-Estão com medo? Notaram que Tiamat e Marduk não levaram nenhum dano? – disse o marduk que enfrentava Gustavo.
-Mas vão levar. Quod lamina, Foecunda ducem ad finem.
Nesse momento, o marduk saltou na direção de seu inimigo, o paladino. E novamente, um brilho se fez surgir. Era o fio da espada do paladino, com toda a força do Divino. Só que ao mesmo tempo, o meio dragão de nome Tiamat, acertou seu cotovelo de forma a incapacitar o braço de Gustavo. A dor era dilacerante.
Era possível ver que o aço de Salles atravessava a pele do adversário, enquanto braço que segurava a arma estava completamente incapacitado. Um golpe preciso o impossibilitou de segurar a espada. Os dois estavam prestes a morre.
Quando do outro braço de Gustavo se levantou contra a cabeça do híbrido, o escudo que usava. Só surgia da cabeça do inimigo um pequeno jato de sangue.
Gustavo colocava a proteção como agora. Já que seu braço bom estava completamente quebrado e inutilizado, ele precisou improvisar uma arma. Ele olhou na direção de Thror enquanto Marduk gritava:
-Irmão Tiamat!
-Você é o próximo marduk maldito! Não desvie o olhar! – gritou o grego mesmo desarmado.

-Que meigo. O líder do grupo mudou as palavras do encantamento em homenagem aos amiguinhos. Que lindo – soltava um ainda sarcástico dragão, que até agora não usou suas asas. Era estranho para alguns.
Ele era forte e cada golpe quase levava um dos membros do grupo para o Além. Agora compreendiam a comparação com os anões na torre de Azerov: eles eram em menor número e venceram. Mas a situação se inverteu, o dragão ainda dominava o combate. Halphy tinha grande presteza e por isso conseguia se esquivar de suas investidas. Já Arctus e Seton eram gravemente feridos. Cada garra, presa e cauda era um novo ferimento, aplacado pela magia de cura. Mas nem ela parecia suficiente.
-Lacktum! Estamos usando magias e nossos melhores golpes não estão servindo para nada! – gritou Halphy inconformada.
-Já sei o que faremos – e nesse momento o mago fitou Arctus - A espada padre!
Então, nesse momento, o clérigo sacou uma grande arma de seu manto. Era uma lamina grande e imponente. Ela tinha runas na antiga língua dos dragões e naquele momento, brilhava com a intensidade do sol. Talvez isso se devesse ao fato de estar próxima de um dragão. Aquela era a lâmina que foi entregue na Vila Meio Sangue.

O dragão, literalmente, arregalou seus olhos quando notou que a espada era um dos itens poderosos criados para enfrentar seres de sua raça e sua índole maligna. Daehim colocou o pescoço para trás, em um claro sinal de temor.
-Silthar-Mor![2] - soltou o dragão com ódio em sua voz – Como obtiveram Silthar-Mor? Uma das três lâminas poderosas dos ossos de anciões de minha raça?  Como pode?
-Não sei qual o motivo de dragões criarem armas, mas acho que foi o destino – disse Lacktum feliz com o pavor na voz do inimigo – Arctus diz que foi o Deus dele. Halphy pensa que foi pura sorte. Bem, pouco me importa.
-Você zomba de mim arcano?
-Eu não. Mas não posso dizer o mesmo de meus amigos. O que diz Arctus?
-Eu digo isso... Le falangi di Dio sono pieni di potere divino! Pronunciava o padre, enquanto evocava uma magia. Seu corpo foi tomado por uma luz intensa de poder.
            Logo em seguida, o clérigo de Deus levantou a espada com as duas mãos. E correndo até Daehim, que tentou inutilmente desferir nele um golpe, acertou um golpe preciso na couraça do dragão. O ser urrou com a dor como não tinha feito até agora.
-Pai! – gritou desesperado o marduk que combatia Thror. Isso distraiu aquele ser tempo suficiente para o grego desferir um golpe de seu poderoso punho. Não foi suficiente para atordoar Marduk. E pior, agora o punho do guerreiro da cicatriz sangrava muito.
-Praga! Do que é feito essa pele desses monstros? – gritou loucamente de dor o grego depois do soco.
-Meu pai não perecerá aqui. Mesmo porque se pegasse em uma arma seria inútil guerreiro – disse o desafiante de Thror ainda confiante – Vejo que sua mão esta inútil.
-Thror! Saia de perto dele! – falado isso, Gustavo golpeou o rosto do marduk com força suficiente para machucar. Usando o seu escudo novamente. Ele nem deve como pensar em pegar a espada.
O grego ficou ajoelhado de dor. Gustavo incentivou o amigo a levantar.
-Acreditam que dois de vocês podem comigo? São loucos? – falou Marduk furioso.
-Eu não acho... Eu tenho certeza!
-E sim somos loucos! – disse Thror, ainda sentindo dores no punho.
Quando Marduk notou os dois membros dos Dragões da Justiça estavam lado a lado. Com dificuldade, Thror se levantou, enquanto Gustavo ajeitava o escudo corretamente no braço. Um olhou para o outro como se planejassem a mesma coisa.
-Eu acho que tenho um plano. Você me acompanha nele? – o paladino falou isso para o guerreiro.
-Tenho alternativa? - disse o guerreiro da cicatriz.

Enquanto os dois enfrentavam só um Marduk, o restante do grupo confrontava o temível dragão. Seu aspecto era aterrorizante, mesmo tão ferido. Sua alcunha de Sombra Gélida fazia jus.
-A espada esta adiantando Lacktum – gritou o padre – Mas estou temendo que ele fuja!
Foi Halphy quem falou:
-Poder deixar amigo. Ele não vai fugir.
-É bom estar certa mulher.
Enquanto ouvia essa conversa, Daehim aproveitou e atacou o mago que preparava sua magia. O golpe tinha deslocado o braço direito, além de incapacitar a perna com a perna do mesmo lado. O jovem se irritava com a dor causada pela garra do monstro.
-Praga! Praga! Praga! – gritava ele caído no chão.
-Tenha calma! – falava um Seton que havia se colocado na frente do mago. Ele tremia. A foice nem sequer parecia firme em sua mão. Ainda estava extremamente ferido dos últimos golpes e do sopro. Arctus não tinha tantas curas em mãos.
-Nem parece o druida que conheci naquela vez contra Cícero – criticava o mago.
-É fácil falar. Você ainda deve estar cheio de magias e mana. Já meus encantos estão quase acabando.
-Eu sei sobre uma magia druídica que talvez servisse nesse caso.
-Sério?
-Sim. É uma que mexe com pedra com pedras e rochas.
-Espere... Eu conheço essa! E tenho gnose suficiente para isso!
-Então a lance!
No mesmo momento, Seton prendeu a foice com um golpe no chão. Com as mãos livres apontou para Daehim. Este, o desafiou com escárnio:
-O que vai fazer homenzinho? Rezar ao seu deus? Contra mim?
Seton serrou os dentes para gritar com toda força de seus pulmões.
-Não contra você! Contra a parede! Ceridween, mam ddaear fawr, symud y anadweithiol!
As pedras que estavam atrás de Sombra Gélida caíram sobre seu corpo. Seu corpo estava cheio de feridas e o sangue vermelho dele, tinham um dor bem mais negro do que qualquer outro ser que tenham visto. Ele ainda estava vivo, mas, além disso, os aventureiros notavam sua intenção de fugir do combate.
Tanto Gustavo como Thror estavam prontos para atacar o tal Marduk, mas ele foi mais rápido: de sua boca soltou um bafo de chamas negras parecidas com as de Daehim. Havia coberto o espaço onde estavam os dois guerreiros com aquele fogo profano.
Quando a fumaça cessou, foi possível ver que eles estavam bem, mas seus escudos pareciam que iriam partir ao meio com um novo golpe. E então, com passos firmes, os dois correram em investida na direção do inimigo. Seus corações estavam cheios de chama da glória heróica. Em um movimento, os dois partiram suas proteções no rosto do Marduk, antes que esse pudesse reagir. Isso só o fez ficar inconsciente.
Notando a desvantagem no campo de batalha, - não pelo numero, mas pela força em combate – Daehim começou a recuar. Ele ficou em duas patas.
-Ele vai fugir! – gritou Halphy sacando a Vampira de Almas.
Só foi possível ouvir o som de asas sacudindo a terra sobre elas. Logo em seguida, a criatura saltou no ar, como se encontrasse um único ponto de fuga. E isso era verdade.
Mas Arctus não cederia tão facilmente. Ergueu Fim-dos-Dragões enquanto saltava contra o temível monstro. A lâmina brilhava de intensidade, assim como o corpo do padre. A luz se intensificou com as forças que habitavam na caverna. Parecia um anjo saindo do Inferno.
O dragão passou pela passagem gigante de luz sem ser atingido pela lâmina sagrada. Nesse mesmo instante Arctus, que caiu do outro lado, praguejava. Halphy chegou até ele.
-Empreste-me a Fim-dos-Dragões – disse ela.
-Mas o inimigo já fugiu – respondeu o padre.
-Faça o que falo!
Tão rápido quanto ela exigiu que fizesse o que mandou, ele entregou a espada. Seu brilho diminuirá isso era bem visível.
-O que vai fazer? – gritou Lacktum.
-Olhem e descobrirão – falou ela em resposta enigmática.
Enquanto ela segurava a Vampira de Almas na mão esquerda, na direita, estava Fim-dos-Dragões. Ambas emanavam uma relativa aura de poder. Porém, não foi nada disso que espantou os membros dos Dragões da Justiça, e sim, o fato de um par de asas surgirem nas costas da meio elfa. Eram coriáceas e lembravam as de um dragão, quase de tom avermelhado. Elas começavam a bater como se fosse alçar vôo. Foi exatamente o que ela fez.
Suas asas batiam como se fosse uma forte ventania que cobria o campo de batalha, após uma sangrenta guerra. Parecia que ela trazia paz para muitos ali. Todos se espantaram com a cena.
Mas não era isso que afligia os jovens Dragões.
Lacktum pediu que amarrassem o marduk, e quando ele despertasse, responderia questões sobre isso.
Os animais saiam de seu esconderijo. Fiel pousou sobre o ombro de Seton, enquanto este curava o pulso ferido de Thror. Valente tentava  arrastar o medroso Furta Trufas, que tremia desde que viu a transformação de Daehim. Só Alexander se mantinha calmo andando até o líder dos Dragões.
Arctus e Seton, como de costume, ficavam tratando e curando as feridas no corpo dos membros daquele grupo. As piores eram em Lacktum, mas ele exigiu que cuidassem de Thror e Gustavo primeiro. Não sobreviveriam sem força bruta, já que as magias de todos estavam quase acabando. Eles eram mais que necessários.
Enquanto o mago ruivo olhava para aquele lugar por onde passaram o dragão e a hibrida de elfa e homem, Alexander chegou até ele. Lacktum se abaixou com dificuldade devido aos ferimentos no corpo. O arcano fez carinho no cão como se isso aliviasse a dor no coração dele.
-Então Van Kristen, - falou o cão – o que lhe deixa tão triste? Não venceu a batalha? Não deveria estar alegre?
Ele fitou os olhos do cão. Parecia com os olhos de um amigo que se preocupa. E eram.
-Notou as asas que brotaram de Halphy?
-Sim, mas o que...
-Eu como mago, entendo da Arte e sei que aquilo que ela usou não foi um encanto. Era muito poderosa para ser feita sem componentes verbais ou gestuais. Era um item mágico. E ela não me contou nada.

Marduk despertou completamente cercado. Muitos membros do grupo se sentiram irritados com o fato de terem perdido suas proteções. Em especial Thror, que era apegado demais às coisas materiais. Mesmo assim, seu rosto esboçava raiva e malícia próprias dos corações malignos. Nem parecia que estava em situação desfavorável.
Os jovens e os animais estavam parados, olhando com fúria. Todos estavam ali, com exceção de Halphy, mas Lacktum acreditava que ela estava em segurança. Ele diz que sentia isso.
Independente de tudo isso, Gustavo começou golpear o rosto do hibrido. Ele parecia irritado. Nem parecia o mesmo paladino de antes. Irado poderia ser o mais correto. Foi detido pro Thror. Ele não queria obter informações, ele queria satisfazer sua raiva.
-Ei Salles, calma – pedia o grego ao colega.
-Me pedoe. Não sei o que se apossou de mim.
-Você não é assim paladino. O que houve?
-Talvez, - começou a falar o marduk – ele tema a maldição de Diogo Fernandez.
Alguns olharam com estranheza para Marduk. Outros temeram o peso de suas palavras.
-Como sabe o que Diogo rogou contra mim?
-Diogo rogou algo contra você? Como? – alguns perguntavam quase que em coro, constrangendo o paladno.
Gustavo então notou que seu segredo fora exposto aos outros membros do grupo, com exceção de Arctus, que já a conhecia.
-Só irá morrer pelas mãos de quem mais ama – disse o híbrido de dragão e humano – Não foi isso que ele disse? O mestre irá a trazer a tona o segredo de todos. Incluindo o Seton. Lembra do seu passado, todo sem luxos e sem agrados? Mestre Kalic Benton nos falou informações sigilosas sobre cada um de vocês. Todos! A maldição de Gustavo, a pobreza de Seton, a sede por poder de Halphy, a vontade d vingança que Lacktum nutre, até mesmo a falta do passado de Thror... Tudo isso, o mestre de meu pai conhece e sabe. E muito mais. Creiam.
-Seu pai? Refere-se ao dragão que enfrentamos? – disse um sábio mago ruivo. Como sempre a curiosidade de Lacktum falava mais alto.
-Sim! Daehim, a Sombra Gélida, the King of the Darkness in Ice, o Gaurhoth, mestre dos dragões que servem ao Pacto de Guerra. Ele é uma das últimas proles na face de Gaya antes do êxodo dos dragões, na Era Mítica. Ele criou a mim e muitos outros.
-Sabe muito para um hibrido. O dragão então veio do norte, pelo menos é o que parece nos nomes. E os nomes de seus filhos são baseados em deuses. Pois deve se achar superior a eles – disse Gustavo sabiamente.
-Ele nunca será superior a Ares em combate – se orgulhou Thror.
-Ou seque vencerá Cernunnos e Ceridween – falou Seton apoiando o guerreiro.
O guerreiro com forma dracônica começou a rir com força tamanha que quase se afogou. Alguns temeram que ele lançasse o sopro sombrio.
-Do que esta rindo, bafo de enxofre? – perguntou Valente do lado de Lacktum.
-Ora pequenino, me regozijo de dois fatos... Primeiro, por simplesmente quererem saber mais sobre o inimigo que esta mais próximo do que do verdadeiro oponente. Ele que surgiu em um período que entidades caminhavam entre nós. Vocês dificilmente compreenderão quando mais vencerão.
-Quer dizer que os seus mestres sabem que mal estão para despertar? Eles já deveriam saber, mas falaram o suficiente para nos deixar temerosos – questionou consigo mesmo o padre.
-Sim – sarcasticamente falou Marduk.
-E qual o segundo motivo de seus risos? – perguntou ajoelhado o mago inglês, enquanto fitava o marduk – Vocês sabem disso tudo sobre nós, mas se eles quisessem nos afetar de verdade bastaria disseminar o que sabem sobre nós quando nos encontraram. Isso pode ter haver com alguma coisa em relação com chegarmos intactos até aqui e do dragão dourado lá atrás não é?
Todos olharam com estranheza para o mago. O meio dragão esboçou um sorriso.
-Como soube? – disse espantando e satisfeito o inimigo tombado.
-Deixaram o corpo de Lirah e Federick aqui. Mas isso só afeta a mim e Gustavo. Apesar de muitos conhecerem minha história no grupo ou ter combatido com o Salles que morreu. Mesmo com tudo que isso significa para nós, duvido que queiram só afetar dois desse grupo. Até agora confrontamos inimigos plantados pelo mestre deles Kalic Benton II. O dragão dourado não se encaixa em nenhum dos históricos do grupo. Ainda não sei o interesse desse mago mascarado em mim, ou como ele pretende atingir o paladino, mas esse filhote não parece fazer parte desse esquema. Algo esta errado aqui. Como se quisessem nos encurralar. Isso fica mais visível quando nos lembramos que eles não queiram nos matar. É o que...
-Nós fomos os únicos com real autorização de matar vocês – interrompeu Marduk.
-Como? – perguntou o paladino, voltando sua fúria contra o inimigo, que novamente foi aplacada pela força do guerreiro Tzorv que segurou ele – Do que fala abominação?
-O que quero falar é que todos os encontros em combate, mas terras inglesas, e até mais além, foram falsos. Todos tinham ordens expressas de não os atacar de forma fatal.

O mago que sempre falava tanto, de repente se calou. Talvez fosse algo que El já havia imaginado, mas se negou a acreditar. O inimigo estava um passo a frente deles, os Dragões da Justiça e brincava com eles.
-É isso não é tudo – continuou o falante marduk – Por que estou falando tudo isso, é o que estão se perguntado. Nossas ordens eram, que caso sobrevivêssemos teríamos que falar a vocês os motivos para ter deixado o dragão aqui.
-Não faz sentido! – ressaltou o jovem arcano.
-Lacktum – aproveitou para comentar o cão – a ladina esta longe faz um bom tempo. Seria melhor a seguir para ver se ela esta bem.
Era claro que o mago havia se concentrado demais no interrogatório de Marduk.
-Fiel e Rec, subam e vejam se Halphy esta bem.
Rec surgiu dos mantos de Lacktum. As duas aves subiram tão rápido quando Van Kristen pediu.
O resto do grupo olhava com raiva para Marduk. Ele quase matou Gustavo e Thror. E realmente ninguém gostou das atitudes dele até agora. Tinham motivo para isso.
-Bem vamos ao que interessa... Qual o motivo de colocar esse filhote de dragão ao nosso alcance? – definiu o paladino – O que o mago falou tem sentido. Qual a relação do dragão nisso tudo.
Eis que do alto surgem três pares de asas. Dois deles eram das aves, o outro era de Halphy. Ela pousou graciosamente, mesmo com seu aspecto tenebroso devido ao contraste com a pele humana e o item arcano.
-Acho que já sei – enquanto falava isso, Halphy se aproximava com a Vampira de Almas na cintura. Enquanto isso, ela brandia Fim-dos-Dragões em sua mão hábil.
-Sabe? – duvidou Lacktum.
-Sim. O motivo é que eles querem a morte do dragão dourado. Precisamos matar o filhote.
-Como assim? – falou Gustavo.
-Esta louca mulher? – exclamou Seton.
-Do que esta falando Brown? – perguntou Lacktum.
-Não consegui matar o dragão das sombras, mas ele disse que os planos deles de dominarem mais dragões estavam quase completos.
-Eu ainda não entendo – confessou um Gustavo ainda confuso.
Halphy se aproximou lentamente do centro da confusão, notou o combatente com corpo parecido com um dragão. Era enorme para os padrões humanos e até mesmo dos elfos de Avalon.
-Bem – continuou a meio elfa – o dragão possui um símbolo. Agora que me recordei ele pode ser ativado com a finalidade de controlar um ser poderoso. Pelo menos é o que eu me lembro.
-E como arrancamos isso dele – falava Thror com seu modo bruto.
-Não arrancamos. Ou matamos a fera ou ela será usada nos planos de nosso sinistro inimigo.
Houve silêncio na caverna por alguns instantes. Cada novo passo teria que ser friamente calculado.

Halphy se aproximou calmamente de Marduk. Notando seus movimentos furtivos, Arctus interrompeu o trajeto da moça.
-O que esta fazend? Saia daminha frente padre!
-Não sem antes você me entregar essa espada!
-Ela não é sua. Foi concedida por Vardemis, mas sabe que não é digno dela. São duas coisas completamente diferentes.
-Não vou discutir sobre isso. Por acaso pretende matar esse marduk?
-Sim. Por acaso pretende me deter?
-Lógico! Podemos obter mais dados dele.
-Ah lógico! Como fizemos com o tal Rufgar. Quem sabe o libertar... N’ceste pa? Para que faça o mesmo que aquele anão e voltar correndo para o líder? Cada erro, cada fraqueza de nosso grupo é contada ao inimigo.
-O que queria? Que nós simplesmente o matássemos?
-Esse é o movimento mais correto.
-Quer matar ele, quer matar o dragão... Vai querer mais alguém morto? – falou nervoso Lacktum.
-Quem mais for necessário – respondeu a jovem com um tom irritado.
-Não reconheço você com essas palavras. Esta ouvindo o que diz?
-Você deveria estar ouvindo o que diz. Nem parece que nota a quantidade de problemas que possuímos. Estamos indo até o Portal de Ixxanon, mas sabemos que o caminho esta cercado por homens do Pacto. Além de toda a sorte de criaturas malignas. Só que eles não querem nos matar. Eles acham engraçado nos encurralar, brincar com noção de perigo e nossos recursos cada vez mais em combate. Tratam-nos como um gato que se diverte com o rato antes de devorá-lo. Eles nos deixaram viver! Querem que saibamos disso! Precisamos reagir na media em que sobem em suas atitudes contra nós!
-Pare com isso Halphy!
-E estou farto de você ruivo! – isso era falado, enquanto ela colocava o dedo indicador no peito do mago, como se quisesse o provocar – Nem parece o rapaz que conheci há alguns meses! Cheio de fúria e chama! Mas pelo menos tinha atitude! Só que não, você como líder tem que ser justo com os inimigos, do modo que eles não são conosco. Acho que esse padre enfiou idéias na sua cabeça.
Arctus começou então a falar:
-Jesus proteja essa alma.
-Ah cale a boca! Você e esse seu Deus Cristo não servem de nada! No seu caso você deve seguir esse deus para obter poder dentro do clero!
Halphy estava nervosa. E quando algo assim acontece com ela se segura, o quanto consegue.
O padre não deixaria isso sem a devida resposta. Era comum ele se irritar, mas sempre aprendeu a reprimir a raiva das ofensas contra si. Sendo que a ira é um dos pecados mais comuns entre os homens fracos. O problema era quando isso se referia a sua fé.
-Sei que deve adorar outros deuses Halphy. Porém, isso não lhe concede o direito de rebaixar a fé de qualquer outro. É um momento difícil para todos.
-Ah vá para o Inferno!
Quando a fealith falou isso, ela pegou espada que matava dragões e graças a velocidade que o item que lhe concedia asas, voam em direção ao pescoço do marduk. Foi inesperado e mesmo com Gustavo tentando a deter, não obtiveram sucesso. Isso era claro já que Marduk estava caído no chão.
-Aprendam com isso! – ela exigiu para o grupo. A lâmina Fim-dos-Dragões pingava sangue com a força de um vento sombrio que soprava nos cabelos com tom marrom.
-Esta louca mulher! – falou um Seton irritado.
-Pensa que isso é certo?  - criticou e perguntou e Gustavo.
Ela levantou o rosto e brandiu a lâmina na direção dos companheiros. De repente, soltou do rosto branco manchado com o sangue do morto, um claro e sincero sorriso de satisfação. Naquele momento, foi quando estiveram mais próximos de acreditar que a jovem estava tomada por um espírito maligno que a enlouqueceu. Ela prosseguiu.
-Padres sempre serão taxados por ter o sangue dos elfos e homens, nós meio elfos. Mesmo sendo de uma segunda geração de falsas fadas, como alguns falam. Os homens conhecidos como sacerdotes uma vez me encontraram e me torturaram, querendo expulsar o demônio de mim. Como se eu estivesse possuída... Minha mãe fez eles se arrependerem amargamente. Não interessa muito isso agora. Mas o pior foi uma jovem garota ao qual convivi que morreu apedrejada por aldeões. Ela era tratada por todos como uma aberração élfica por possuir uma pequena protuberância em sua orelha no começo. Eu e minha mãe cuidávamos dela, pois era órfã e por uma sorte na sua vida, ela encontrou nossa cabana na floresta – nesse momento ela abaixou a cabeça, como se soubesse que lembranças amargas voltariam ao seu espírito – Era como uma irmã para mim. Enquanto aprendia a arte das ervas, ela aprendia a feitiçaria que minha mão me negou. Não importava com isso. Nós nunca nos odiamos, pois sempre fomos párias aos meros humanos.
-Halphy – soltou um preocupado paladino – como tem certeza que não era uma fea... Meio elfa?
-Minha mãe é uma poderosa feiticeira. Ela sabia. De qualquer jeito, me lembro que minha mãe nos chamava de Aves do Crepúsculo, pois nossas vozes – e nesse momento, mesmo tentando segurar o choro, ela derramava as lágrimas – eram lindas quando o sol se escondia. Certa noite, ela fugiu até uma aldeia e ela foi morta por pedras, paus e toda a sorte de coisas pesada. Entende? O mesmo povo que venera esse seu Deus Cristo. Aqueles que seguem o tal Jesus de Nazaré. Palavras são somente palavras, se não acreditar nelas de verdade. Eles nunca acreditaram, e nunca acreditarão de verdade e seus ideais tão nobres. Eu me lembro deles e do seu modo de agir com quem achavam estranhos. Como nos enfrentavam, e diziam que éramos demônios. Só por sermos diferentes.
O jovem e bondoso Gustavo abraçou a emocionada Halphy. Ela derramava muitas lágrimas. Todos abaixaram a cabeça notando do que se tratava. A jovem estava preocupada com todos.
Lacktum tremia, pois começou a notar que a jovem tinha razão em suas palavras. Era mais que necessário fazer coisas que iriam contra a índole bondosa do grupo. E era ele, como líder, quem deveria agir e sofrer as conseqüências dos seus atos.
-Vamos procurar os aldeões. Depois – e falou isso enquanto sacava a adaga que recebeu de seu pai – eu mesmo terei que matar o dragão.

Os Dragões da Justiça voltaram até o quarto onde estava o filhote dracônico. Assim mesmo, todos temiam o que estavam para fazer. Tirar a vida de uma jovem criatura, que nem imaginava a motivo pelo qual morreria.
Seton ficou encarregado de levar os aldeões para fora de forma segura. Eles usaram a passagem que havia no lugar onde encontraram Daehim. Ao que parece, o lugar era a passagem alternativa que havia sido comentado com eles antes.
Enquanto andavam, Alexander e Lacktum conversavam.
-O pior é isso: viemos até aqui para eliminar Daehim, e no final, teremosque matar um ser inocente – falou o cão em tom triste.
-É nossa única alternativa. Se o deixarmos vivo o que poderá ocorrer em seguida será nossa culpa. Muitas pessoas contam conosco. Como queria ter que caçar artefatos amaldiçoados ao invés de fazer isso.
-Você acha que Halphy estava certa no que falou?
-Ela pode ser dura, quase sempre esta certa em seus pensamentos.
-Então... Devo comentar algo que poderia deixar nossa viagem pior.
O jovem e perspicaz mago inglês olhou para trás com a finalidade de notar se alguém escutava sua conversa.
-O que você quer dizer com isso?
-O único que não foi citado por Marduk foi o clérigo Arctus. Quando ele falava sobre o passado de todos.
-Mas ele também não citou o passado de Thror.
-Até onde se sabe o grego não tem passado conhecido por ninguém. Não é isso?
O mago começou a pensar sobre o assunto. Isso envolve muitas coisas escusas, inclusive as suspeitas de todo o grupo. Será que Arctus trairia o grupo como muitos estavam supondo? E seria ele o traidor?

No grande salão iluminado, os aventureiros esperavam. O filhote continuava no mesmo lugar em cima da marca que o prendia naquele lugar. O estandarte permanecia lá, como um símbolo sinistro. E era um sinistro destino que o esperava.
Lacktum havia chegado a poucos instantes e segurava a adaga que recebeu do pai. Lembrou-se que uma arma só servia para isso: matar. Não possuía mais nenhuma função benigna. O que trazia ao jovem más recordações.
Lembrava de seu pai, que o forçava a treinar com armas. Ele nunca gostou e quando ocorreu de tornar mago sentiu-se até que aliviado. Logicamente, ele havia perdido todos que amou, mas nunca portaria uma arma com a função de matar. Só com a de se proteger.
Mas naquele lugar abaixo do estandarte macabro, havia um dragão que iria morrer pelas mãos dele.
Ele aproximou do filhote com a adaga presa na cintura. Normalmente ele a guardava na vestimenta, mas dessa vez não o fez. Começou com carinhos na grande criatura que parecia uma criança. A sensação na mão do jovem inglês era de paz. Era como sentir o coração pulsando de seu filho recém-nascido, pensou o arcano, sem nunca ter um filho. Aquele ser era mágico, em todos os sentidos das palavras. Agora entendia o porquê de alguns místicos disserem que a Arte estava nas pequenas coisas da vida. Pois são elas que fazem o todo que torna tudo maior. Como uma abelha que compõe uma colméia, como um anjo junto a uma falange, como uma estrela no céu noturno, como um rio que deságua no mar. Todos esses pensamentos lhe vieram com um simples toque na tez do filhote. Era um pecado o que ele iria cometer.
-Me diga filhote, qual é o seu nome? – perguntou o jovem arcano.
-Eu não possuo nome. Eles só me chamavam de experiência.
A jovem Halphy começou a chorar. Parecia extremamente arrependida de ter entregado a informação ao qual seria necessário matar o dragão. Mas voltar atrás nas palavras não era seu modo de agir. Era uma mulher, jovem e meio elfa, e sempre precisava demonstrar força perante aqueles que duvidavam dela. Só que as vezes esses sacrifícios pareciam pesados demais para si.
-Bem então vou te chamar de Draclyn, que significa promessa dracônica... Você – e enquanto falava isso, tremia o corpo de medo, se arrependesse de algo que ainda ao tinha feito – gostaria de escutar uma música em minha língua natal?
-Sim, como se chama? – perguntou o recém-nomeado Draclyn. Lacktum diria mais tarde a seus amigos que ele sentia como se o dragão soubesse que nunca mais veria a luz do sol. Algo no tom de voz daquele ser, o fazia acreditar nisso. Era a sabedoria antiga dos dragões agindo naquele ser.
-Se chama Canção do Farol dos Perdidos. Gostou do nome?
-Parece triste – disse isso com um tom mais triste, mas logo falou em tom festivo quase – mas sincero. Cante para mim.
Feito isso, o mago beijou a face da criatura, enquanto essa abaixava o pescoço como em sacrifício. Ele sabia o que estava para acontecer.
-As músicas de meu povo são lindas por conta de nosso idioma. E espero que esta dure gerações. Bem Draclyn, posso me enganar com as letras, mas acredito que seja assim...

Quando a noite chega
E ninguém lhe escuta.
Quando chega a lua
E então você pode chorar.
Há uma luz nesse túnel
Dos desesperados.
Há um cais ou um porto
Para quem precisa repousar.
Estamos todos no Farol dos Perdidos
Para quem precisa de abrigo.

E enquanto a canção era recitada, o dragão fechava os olhos com a cabeça no chão. A adaga brilhou, enquanto era envergada no alto. Muitos viraram seus rostos e nenhum olhou para a cena, com exceção do próprio assassino. Pois era assim que o mago se trataria por dias, meses e até anos, mesmo que tudo terminasse bem. Mesmo assim, o único que não chorou foi o próprio Lacktum. Ele sabia que não deveria se deixar entregar pela pena ou se não perderia a vontade. E foi com essa determinação que a adaga desceu. E por isso os olhos de Draclyn nunca mais brilharam naquela era.

Os homens e mulheres do Vale das Esmeraldas já haviam deixado a caverna pelas escadas que ficavam na última câmara onde encontraram o dragão maligno. Nesse tempo, encontraram um lagar que estava abandonado há muito tempo.
Quando saíram de lá, muitos dos Dragões choravam ainda. Todos que viam seus olhos cheios de lágrimas, perguntavam o motivo disso. Recebiam a mesma resposta:
-Perdemos alguém lá embaixo.
O que era estranho, já que mesmo com as feridas tremendas em seus corpos, não pareciam ter perdido ninguém em combate. Nenhum de seus membros estava morto ou incapacitado. Talvez fosse só um jeito de se expressar. Antes fosse. E eles caminhavam com força em seus pés, enxugando seus rostos. Todos com exceção de Lacktum.
-Ruivo - disse Halphy quando conseguiu melhorar – você chamou o filhote de Draclyn. Por acaso fez uma promessa usando esse nome? E se for que promessa é essa?
E então, a ladina feiticeira notou que o mago parecia mais ainda com o jovem que conheceu em Starten. Parecia ter saído daquela igreja novamente, com toda aquela raiva, capaz de destruir tudo e todos.
-Eu prometi que farei o que for preciso para matar ou destruir o culpado por isso tudo. E não derramarei uma lágrima sequer até descobrir quem é ele pelo menos! Isso não é uma ameaça ou promessa somente, é uma maldição! Isso eu falo por Odin como testemunha.
Pobre Lacktum. Mal sabia que às vezes os deuses nos ouvem. Mal sabia que maldições se voltam contra nós. E que desejos quando são realizados nem sempre são bons. Pois enfim, ele saberia de boa parte verdade de seu passado.


[1] Os elfos negros são chamados de sidhes sombrios devido à maldição, supostamente carregam desde o início dos tempos. Mas isso não os torna malignos por natureza.
[2] “Luz através da escuridão”

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