sábado, 16 de agosto de 2014

I'm alive (Capítulo I)

Esse é o primeiro capítulo de um romance que estou escrevendo. Espero que gostem ^^



Ele terminará de ler a carta. Suas mãos tremiam de raiva. Como ele pode fazer aquilo? Mais uma para a lista infinita de merdas que ele fez, pensou. Não ligava para o pai, só que aquilo, era imperdoável. O desgraçado conseguiu esconder tudo aquilo por todo esse tempo. Canalha. Sem saber Edgar tinha uma irmã. Uma meia irmã seria o correto.
Sentou no sofá, com a folha jogada a sua frente. Cheia dos escritos daquele que dizia ser alguma coisa sua. Colocou as mãos sobre o cabelo de forma pesarosa. Os pêlos castanhos arrepiados eram remexidos para tentar aplacar sua fúria. Sem sucesso.
Bufou como um touro bravo lançado na arena. Seus dentes rangiam com muita força. Pareciam até que trincariam a qualquer momento. Ele estava em fúria como sempre estava, mas agora era bem pior. Visto que aquilo era um segredo que foi tanto tempo ocultado. Para que? Para ele se sentir bem?
Levantou de uma vez só e chutou o ar. Virou em direção à parede e a golpeou inúmeras vezes. Até ver um vermelho escorrer na frente de seus dedos. Como se fosse um rosto. E até formou um rosto mentalmente ali. O foco do seu ódio momentâneo eterno, igual a tantas outras vezes fez antes. Se bem que preferiria que fosse ele mesmo, para ver o sangue daquele nariz nojento.
Por último, gritou. Ao fazer isso sua mãe apareceu na sala extremamente preocupada com o filho.
-O que foi Edgar? Algum problema?
-Ele tem uma filha! Desgraçado! O filha da puta tem uma filha! Desgraçado, cachaceiro e cuzão de primeira!
-E o que tem isso? – falou calmamente e baixo como sempre fazia Benedita.
-E o que tem isso? – perguntou um Edgar Pontes furioso – Ele sempre me falou que eu era seu único filho. Eu até perguntei se já tinha outro filho, outra família. E de repente, me surge essa porcaria escrita? Que eu tenho uma meio irmã? Uma pivete de doze anos?
-Esqueça isso. Não tem motivo para todo esse barulho.
-Não tem? Por acaso sabia de toda essa merda?
Quando falou isso, o jovem pegou o papel de forma a amassá-lo. Com a raiva segurava fortemente o conteúdo da carta. Como uma tocha ou qualquer outra coisa. Menos um papel escrito. Ele apertava aquilo com vigor suficiente para fazer seu punho sangrar. Quando estava prestes a falar algo se virou para o seu quarto feito um trovão.
Arrumou-se como de costume. Quando iria sair normalmente, com pressa. Trocou o short preto por uma calça jeans. Colocou a jaqueta por cima da camisa preta do Iron Maiden – que estava quase cinza – para não passar frio. Isso visto que era Julho agora.
Benedita ficou curiosa. Vendo que ele se trocava tão rapidamente, sem tomar banho. Já se acostumou com isso.
-Vai sair? Aonde vai Edgar?
-Vou atrás dele, oras!
-Como assim?
Depois de amarrar o cadarço ele pegou o envelope que havia deixado no criado mudo. Em cima desse cômodo estavam várias coisas: cartas antigas, recado de ex-namoradas, lições de casa, CDs velhos e virgens, tranqueiras em geral e toda a sorte de coisas inúteis e fúteis. Ele nem sabia mais o que tinha ali. Só que naquele momento nem pensava mais sobre aquilo de tanto ficar com a cabeça quente.
-Aqui tem o endereço dele. Deve estar morando na cidade pelo que eu vi. Eu vou ter uma conversa com o “Senhor de Filho Único”. Uma conversa com a minha mão fechada na cara dele.
-Mas o que tem isso? Você vai mesmo? – disse a mãe com a mão no coração depois daquelas duras palavras.
-Sim, vou até ele. E jogar na cara dele que não presta para criar um filho... Quem dirá uma filha! E em qualquer caso, quebro a cara do imbecil em dois. Nem preciso de desculpa para isso.
-Amor, esse endereço eu acho que sei aonde é. Não seria uma...
-Aonde é? – interrompeu o garoto.
-Depois do ginásio... – depois dela falar isso, Edgar atravessou a casa com velocidade, chegando até a porta. Dali em diante foi até a rua rapidamente. Igual a um vento veloz.
Descia o morro com uma velocidade fenomenal. Parecia uma bala disparada de um revolver. E como uma, queria causar estrago enorme de preferência. Com força e peso para ver a cara daquele idiota que um dia ele deve a infeliz idéia te chamar de pai.
Queria chegar até ele o mais rápido possível. Alcançar o miserável que o abandonou. O deixou para trás como um pacote enorme de lixo a anos atrás. Alguém que nunca sentiu falta dele em todo esse tempo. Que preferiu ignorar completamente sua existência.
Agora tinha o disparate te lhe mandar uma carta confessando que possuía uma filha? Ah! Não iria ficar assim não. Ou ele achava que iria? No mínimo quebrar o rosto do corno. Com dois pés no peito dele se pudesse.
Pegar e arrebentar a cara dele era só uma parte. Espancá-lo com toda a força dos seus punhos fracos. Sempre apanhava, mas agora iria fazer o que pudesse. Aprendeu que enquanto estivesse em uma briga teria que ao menos deixar um olho roxo na cara do idiota da frente. Deixar sua marca. Em especial se estivesse cercado. Pegar um deles e esperar sobreviver aos outros. Golpes, chutes, canos, pés de cabra, pedaços de madeira velha, ferro de concreto, tijolos. Tudo já foi usado contra ele. E ele sobreviveu. Era jovem e forte. Digo forte para resistir.
Nunca ganhou uma briga. Desde moleque só apanhava. E apanhava de maneira única. Quase uma ciência.
Apanhou certa vez de dois rapazes quando tinha quinze anos. Os dois estavam no terceiro colegial e, com certeza, deveriam ter dezoito anos ou mais. Ele levou vários socos na barriga da seguinte forma: um segurava os braços de Edgar, enquanto o outro golpeava. Vez ou outra, os golpes levantavam, acertando o rosto, ou desciam acertando sua parte intima. Deixando ele jogado e levado pelo amigo depois que levou uma surra também. O motivo para atacarem Edgar? Por não terem ido com a cara dele. O motivo de atacarem seu amigo? Por ter tentado ajudar.
Esse é um dos motivos te ter afastado as pessoas. Com isso, as pessoas não se machucavam. Longe dele qualquer um poderia se sentir finalmente seguro. Nada de socos, pontapés ou quaisquer agressividades. Não teria o dedo apontado mais do que já tinha todos os dias. Não seria mais chamado de estranho na sua frente, só pelas costas. Ele já estava acostumado com essa vida.
Agora o motivo de sua descida era pegar aquele desgraçado.
O barulho dos cães parecia um zunido, um som chato cheio de interferências. Como um microfone ou guitarra que oscila fazendo distorções horríveis em um show. Isso irritava o rapaz.
Descendo com as pernas pesadas, com as costas pesando tanto quanto o mundo. Os pés eram ligeiros, cheios de força, mas talvez até essa estivesse acabando. Pois estava querendo parar de andar. Estava dolorido como um inferno. Não poderia parar, pensava ele. Já que iria causar dor para alguém que merecia.
Caramba, talvez fosse longe até o tal lugar. Não importava mais. Além do que encontrar sua intenção é o que interessava. Ou seja, seu pai.
Havia descido os dois morros de sua casa. Estava na rua do pronto-socorro, finalmente. Logo chegaria ao ginásio. Qual é o endereço mesmo? Ele havia esquecido.Pegou o envelope da jaqueta. Colocou muito sem jeito aquele papel dentro da roupa. Agora estava todo amassado. Dede que fosse possível ler, era o que importava.

Eduardo Pontes Tavares
Rua Presidente Castelo Branco, n 320
Bairro Brotas
Santa Isabel, SP
CEP 07500-000

Certo. Número trezentos e vinte. Agora, como ir até lá? Começou a procurar a tal rua e o número. Mas não encontrava. Parecia que o lugar estava em outro universo. Até que uma alma iluminada conseguiu entender o dilema.
-Ah! Deve ser o UPA! Eu já vi esse número lá.
UPA? Fazia até sentido: talvez por não possuir o endereço fixo, usou o daquele lugar. Talvez trabalhe lá. Sempre conseguia um bico quando queria, para pagar suas cachaças e bebidas. Bêbado infeliz.
Começou a andar pela rua que concedia acesso ao lugar do endereço. Quando lá chegou, finalmente pensou em como o abordar. Se o fizesse dentro do recinto médico, seria expulso imediatamente. Sem ter chance de espancar Eduardo. Pensou um pouco antes de entrar, elaborando seu plano.
Olhou mais uma vez, notando que havia um numero de quarto no envelope, imaginou que talvez fosse onde ele dormisse. Nunca foi muito brilhante. Característica herdada, muitos diriam.
Visto que não pensou em que nenhum momento que o seu velho poderia estar hospitalizado. Nem ligou para tal fato.
O que fez foi entrar e perguntar na recepção pelo número do quarto. Já que perguntar pelo nome de Eduardo seria muito fácil e perigoso não ser atendido. Então o fez. De qualquer forma, caiu na pergunta:
-É parente de alguém?
Olhava para todos ao redor. Um senhor com a perna cheia de pinos, uma mulher que parecia grávida, outro reclamando de dores de cabeça, sem falar do rapaz soltando gemidos no canto do lugar. A fila não parava neles, mas foi a que Edgar viu na sua linha de visão. Já esteve duas vezes ali, pelo que se lembra.
Só então pensou que Eduardo poderia estar ruim. Achava que não, de qualquer modo. O santo dos bêbados era forte. Doenças, machucados ou cortes passavam longe do corpo de seu pai. Era resistente como um cavalo e imortal como um diabo.
-Sim – respondeu prontamente pensando em como entrar – sou filho.
-Ah certo – falou a atendente sem prestar muita atenção no que ele acabou de falar. Em seguida apontou o caminho para os leitos – Por ali.
Às vezes o pessoal do é hospital é tão displicente.
Ele caminhou na direção que a mulher lhe mostrou. Pensava estar mais próxima do seu objetivo. Enfim, as pancadas se aproximavam.
Como retirar o sujeito lá de dentro? Se estivesse acamado seria mais complicado, mas com o devido cuidado, quebrar coisas se tornava uma arte. Ninguém sabia melhor disso do que ele. Estava acostumado com isso na escola. Não era tão diferente na vida fora daqueles muros chatos cheios de letras.
Uma idéia básica lhe veio na cabeça. Quase como seu mantra. Sempre que entrasse em uma briga, não sairia dela sem deixar um olho roxo na face do sujeito.
Passou por dois corredores e finalmente estava diante do quarto. Relembrou passo por passo do plano e começou a rir. Segurou-se. De que outra maneira deveria se sentir? Iria colocar tudo que o estava incomodando para fora. E isso seria um alívio.
Finalmente, abriu a porta daquele leito. Funcionava como os bons e básicos quartos de hospital: paredes em tons de verde limão claro, camas que se ajustavam aos problemas dos pacientes, divisórias entre elas e os soros fisiológicos, além de toda a tranqueira hospitalar. E óbvio, havia enfermos ali.
Começou a caçada por Eduardo. Olhou bem para os três enfermos ali e nenhum batia com seu pai. Um rapaz com a perna enfaixada, um senhor respirando com dificuldade e uma garota olhando pela janela. Nada dele nas proximidades, foi o que pensou.
Procurou, mesmo por debaixo das camas. Fez como um policial militar dedicado atrás de um traficante de drogas. Caçou em cada milímetro do lugar uma pista de onde estava o seu velho. Quase fez o homem de perna enfaixada cair do seu lugar. Quando notou isso, a garota na janela riu.
Edgar ficou irritado com tudo isso. Por que cargas d’água aquela protótipo de fedelho ria dele? Iria tirar a limpo aquela cena besta.
-Do que ta rindo menina?
A jovem tinha cabelos loiros, tom de cobre quase. Usava um dos famosos aventais hospitalares desses lugares. Era uma garota de dez anos ao que parecia. Tinha dentes brancos cheios de vida e inocência. Ficou sentada arcada com as pernas em cima da cama.
-Eu estou rindo de você moço. E se diz “esta rindo”. Você é o Edgar?
Foi pego de surpresa. Como aquela guria sabia quem ele era? Com certeza, o pai dele pode ter comentado. O Eduardo, no entanto nunca falava nada de seu filho pelo que sabia. A não ser que fosse estritamente necessário. Isso era muito raro.
-Sim. Sou ele.
A garota se arrumou, ajeitou o avental e desceu da cama. Com as mãos para trás fitou com alegria singela e simples o rosto do bruto rapaz de dezoito anos.
-Me chamo Laís Pontes Albuquerque. Somos filhos do mesmo pai.
Edgar rangeu os dentes e em vez de falar mal, ofender, bater ou qualquer uma de suas atitudes normais, tropeçou e caiu na divisória. Com ele fazendo tal trapalhada, acertou sem querer na perna enfaixada do rapaz. Este por sua vez soltou uma torrente de xingamentos dos mais diversos tipos e gêneros.
-Moleque tonto! Toma cuidado! Vê se pode...
-Ah, desculpa! Sério...
Ajeitou mais ou menos aquela divisória, pediu em mais uma série de palavras repetidas, desculpas ao moço. Depois, prontamente encarou a menina. Ele segurava o riso diante do rapaz grande e cheio de raiva. Parecia que tinha visto o sujeito mais engraçado do mundo. Era como um gnomo muito esperto diante do tolo gigante da montanha, alguns diriam.
Edgar cruzou os braços, forçou o olho na direção dele, erguendo a sobrancelha. Não parecia nem um pouco ameaçador mais. A garota fazia o mesmo e de repente soltava grunhidos engraçados, brincando com sua voz. O rapaz atingido pela divisória estranhou aquilo, enquanto o senhor que respirava ainda com a mesma dificuldade que ignorava tudo.
-O que você pensa que esta fazendo mina? – perguntou um Edgar estranhando a atitude dele.
-Te imitando “mino” – falou isso com tom de voz tentando parecer mais forte e engraçado – Alias, não sou “mina”, “bro”. Sou uma menina, obrigado – dito isso, agachou graciosamente como se o avental fosse um lindo vestido.
O jovem colocou a mão atrás da cabeça coçando ela em um grave sinal de confusão e constrangimento. Estranhou tudo aquilo até então.
Pegou uma cadeira e puxou para sentar, como se estivesse com sinais de cansaço. Completando essa figura, colocou os dedos entre os olhos, acima do nariz, como se usasse óculos. Parecia não querer crer no que seus olhos lhe diziam. Só poderia ser uma brincadeira. Só que aquele não era o único sentido que lhe enganava. Era a audição, o tato... Como se Deus estivesse pregando uma das maiores piadas do mundo.
Ela, em contrapartida, se apoiou com cuidado contra a cama. Parecia olhar ele cheia de graça. Deve estar me achando o palhaço particular dele. Um homem de dezoito anos sendo humilhado por uma garota de dez? Vê se pode.
-Como é? – falou revoltado o Edgar e ainda com a mão entre os olhos
-Como é o que?
-Você é minha meio irmã?
-Sim, sou sim.
-E qual o motivo de estar aqui? Não era para o imbecil de o velho estar aqui?
-Como?
Ele
-Não era para o nosso pai estar aqui? Melhor, o seu pai...
-Mas ele também não é seu pai?
-Não por minha vontade, mas é...
-Você tem falado com ele? – ela fez a pergunta com os olhos quase vibrantes e cheios de vida, ignorando a pergunta dele. Foi então que Edgar fez algo sem reparar: respondeu educadamente.
-Olha... Faz um bom tempo que não o vejo – e quando notou aquela chama de esperança fugindo do rosto de Laís – Agora me lembrei! Ele me ligou, acho que duas semanas atrás.
Mas como? Por qual motivo ele falou aquela bobagem? Das poucas vezes que seu pai ligou, e ele se lembrou, desligou na cara do sujeito antes que pudesse falar qualquer coisa. Em nada fez desmentir essa bobagem, o que a fez sorrir. Como um pouco antes, cheia de vida. Alias o que fazia ali aquela menininha? Estranhou aquilo tudo.
-Ei! O que faz aqui esquisitaça?
-Primeiro não sou “esquisitaça”. Já que nem sei se existe uma palavra como essa. Chame-me de esquisita. E se eu estou em uma Unidade de Pronto Atendimento, é por estar doente não é? Óbvio.
-Tá, entendi! Certo, certo... Bem e como você se encaixa nesse quarto? Era para o Eduardo estar aqui!
-Fui eu que escrevi essa carta. Tolinho...
-O que!? – falado isso Edgar levantou de súbito, quase batendo na divisória novamente. Não o fez por um triz. Assim mesmo levou um:
-Toma cuidado idiota! E para de gritar.
-Ah, desculpa! Sério...
Uma vez mais, a jovem disparou a metralhadora de risadas. Batia as mãos na cama como se isso fosse deter aquela cena te lhe fazer sorrir pelas trapalhadas de seu meio irmão. Ela então pegou uma simples escada para tentar alcançar a cama. Colocou a mão na parte de trás do avental para subir devagarzinho, com todo o cuidado. Sentou na beirada de modo que pode balançar seus pés descalços e que ficaram sujos, devido ter pisado no azulejo.
-Para de me fazer rir, se não passo mal – disse ela entre gargalhadas.
-Ah não exagera moleca!
-“Moleca”? De onde você tira essas palavras? Do manual de como nunca se falar e escrever? E eu to falando sério. Tenho sopro no coração.
-Tá maluca? Desde quando tem ar no coração?
Antes que ela começasse a rir, surgiu no quarto um médico de jaleco, óculos e estetoscópio no pescoço. Seu cabelo era curto e bem arrumado, típico dos médicos de todos os grupos conhecidos. Tinha uma gravata de cor neutra e bem simples, mas que trazia consigo todo o respeito da sua profissão. Os sapatos estavam sujos, mas era natural para alguém que pegou no trabalho naquele lugar o dia todo. Estava com cara de poucos amigos.
Assim mesmo, foi educado com Edgar:
-Meu jovem, é você que esta fazendo uma barulheira por aqui.
-Ah, desculpa! Sério... Por favor!
-Você não muda a vitrola hein irmãozinho? – soltou Laís e em seguida olhou para cima, quando o jovem a fitou. Como um elfo peralta das histórias de Shakespeare. E isso o deixava nervoso.
Ignorando Edgar, o médico atravessou o recinto e olhou para Laís. Começou a examinar a menina como todo o médico faz. Algo que fez aquele garoto estranhar toda a situação em que se encontrava. Uma meia irmã, um rapaz com perna enfaixada que solta palavrões para todo mundo, um homem asmático, um médico bem grande. Tudo isso em um só quarto.
-Meu rapaz, o que ela falou foi sopro no coração – explicava o médico se voltando para Edgar. E enquanto ele fazia isso, Laís fazia várias caretas com a língua e esticando a boa, irritando o jovem – Ou melhor, sopro cardíaco. É um ruído produzido pela passagem do fluxo de sangue através das estruturas do coração. Ele pode ser funcional ou fisiológico, ou patológico em decorrência de defeitos no coração. Cerca de quarenta ou cinqüenta por cento das crianças saudáveis apresentam sopros inocentes sem nenhuma outra alteração e com desenvolvimento físico absolutamente normal – Ele então se voltou para a menina.
-Olha seu doutor, eu não sei nem o que é isso. Bombei em biologia.
Viu então a menina abrindo a boca como se quisesse falar que “bombar” estava errado. O médico fez algumas perguntas a ela enquanto continuava seu discurso:
-Em resumo, para você que é leigo... Sopro no coração é um probleminha nas válvulas cardíacas.
-Sei, mas pode repetir de novo. Me perdi no leigo.
O médico bufou, com a estupidez de Edgar. Laís segurava a barriga de tanto rir enquanto batia as pernas no ar. O jovem olhava com a cara vermelha de raiva com aquela baixinha.
-Falando nisso. Você é o que da Laís aqui?
Ele iria falar, mas foi interrompido pela menina:
-É o meu irmão!
Mais uma vez, ele não sabia o motivo, mas se sentiu meio tonto. Pois aceitou as palavras dela. Nunca foi o sujeito mais correto do mundo, só que nunca foi de mentir. Fosse para uma menina ou para um médico. E desde que entrou ali naquele quarto esteve envolvido em duas mentiras. Já que em seguida, o homem perguntou se isso era verdade. No mesmo instante, balançou a cabeça em afirmativa.
Foi visto de cima a baixo.
-Para um irmão sabe pouco da vida dela não acha? São bem parecidos pelo menos. Bem aproveite a visita. E menos barulho esta bem?
Ele mais uma vez atravessou a sala em direção dos outros enfermos. O da perna enfaixada já reclamava de Edgar e foi acalmado pelo médico.
Já Edgar, quando ele deu as costas, mostrou a língua de modo desafiador. Laís riu. O jovem não pode deixar de soltar um sorriso maroto. Quando então balançou a cabeça se lembrando da frase de sua parenta pela metade.
-Como assim sou seu irmão?
-Você não é filho do meu pai?
-Sou.
-Então sou sua irmã.
-Mas não pode – falou cochichando.
-Como não pode? – perguntou inocentemente.
-Ora, pois não pode.
-E qual o motivo?
-Pois não pode. Não pode e não pode. Pronto.
-Não, não é resposta.
-Mas não pode fia de Deus.
-Filha! Ai, ai...
-Cuma?
-Não se fala “fia”. É filha. F... I... Lha! Filha.
-Eu sei como se escreve. Esta bem?
-Não parece... – dito isso falou com cara séria. Isso desarmou o jovem. Ela parecia triste. Estava com um rosto de pena, que deixaria com dó o mais duro coração. E foi assim com o meio irmão de primeira viagem.
-O que houve... Laís é isso? O que houve?
Ela sorriu um pouco quando notou que ele havia decorado o seu nome.
-Minha mãe ainda não veio. E é horário de visita.
A mãe dela. Uma mulher que como sua mãe, deu a luz a um filho de Eduardo. Uma moça, que agora pensou o jovem, deve a infelicidade de conhecer aquele bêbado. Ele pensa sobre isso, e não entende como essas duas tiveram a vida tocada por ele. Quantas vezes as pessoas não notaram o que presta? E no caso dele, o que não presta? Já viu moças se acostumando a um idiota do seu lado, o que fazia compreender esse fato estranho.
-Ela pode ter atrasado – disse o jovem, enquanto mais uma vez se sentava próximo da cama.
-Será? – aqueles olhos cheios de vida. Pareciam os olhos do Gato de Botas do Shrek, pensou ele. Não poderia deixar ela triste. Mesmo sendo uma peste em forma de pequena pessoa.
-É sim. Com certeza! Logo chega. Mas peraí. Você esta em horário de visita é?
-Sim. Lógico.
A pequena mocinha sorriu com aquilo que foi dito. Sabia que era uma mentira na cara daquele jovem. Só que preferiu continuar com a encenação. Gostava da companhia dele. Era óbvio para qualquer observador.
-Você é engraçado.
-Sou é? – falou isso de modo debochado.
-Sim, em especial quando sorri com o canto da boca. Ou fala assim com ela.
-Com o canto da boca?
-Sim. É bonito. Meigo. Meiguinho! Vou te chamar de Meiguinho.
-Mas que raio é esse de “Meiguinho”? Essa palavra nem deve existir!
-Você que fala tudo errado e acha que eu faço o mesmo? Liberdade poética, já ouviu falar?
-Sei, sei... Mas vem cá, qual é a sua idade?
-Tenho doze anos – ao falar isso tentou inutilmente mostrar isso com os dedos.
Edgar olhou com espanto para a jovem.
-Doze? Jurava que você tinha menos anos.
-“Jurava que você era mais nova”. Acho que fica mais bonito.
-Só erro.
-Sim e muito – falou isso fechando os olhos e com ar de superior.
-Sua mãe trabalha no que pivete.
-Ela é secretária, seu troglodita.
-Aonde?
-Em um dentista da cidade mesmo.
-Que legal
Agora ela o fulminava com o olhar. Era em uma parte nervosa, em outra parte cômica aquela cena.
-Você é louco!Minha mãe trabalha nas portas do Inferno de Dante! Tudo bem que eu nunca li esse... Mas é como se minha mãe fosse à recepcionista de um carrasco!
Ele agora ria, quase segurando a barriga por tamanha imaginação. Não gostava de dentista também. Nenhuma espécie de médico. O que nunca fez foi descrever o consultório de um dentista com tamanho perigo. Ela era exagerada.
-Oh menina que gosta de extrapolar que você é!
-Eu? Imagina...
Quando falou isso, os dois estouraram em risos. Era bonito ver o espaço daquele lugar preenchido com as risadas dos dois. Parecia a coisa mais bela do mundo, duas crianças conversando sobre bobagens, Do mesmo modo, eles nem pareciam ser dois desconhecidos até pouco tempo.
Foram interrompidos mais uma vez, agora por uma moça. Muito cansada por sinal. Tinha cabelos castanhos, quase chegando a um tom de preto. Usava camiseta branca e um jeans. Era baixa. O que de certa forma explicava o tamanho de Laís, pois estava na cara de que era mãe dela. Muito bonita por sinal.
-Ai, desculpa o atraso La.
-Tudo bem – falado isso, a mulher abraçou fortemente a criança, confirmando a suspeita de Edgar.
Arrumou a franja do cabelo de Laís e em seguida perguntou:
-Esta tudo bem com você? Comeu? Trataram-te bem?
-Sim. Mãe esse é o Edgar. Ele agora é o meu irmão.
-Como assim querida? – foi quando notou o rapaz na sala. Este por sua vez um “olá” tímido para a recém chegada com a mão – Ah é você de quem ela esta falando? Olá.
-Eu sou o Edgar. Filho do Eduardo. Pontes Tavares...
Viu um rosto de surpresa na face da mãe de Laís. Não de nervoso ou fúria, mas até do que conseguia acreditar ser alegria.
-Que grande você é! Passa bem do meu ombro. Só pode ser filho mesmo. Acho que só a Laís não puxou esse traço.
-Ah... Obrigado. Eu acho.
-Ele é meu irmão – repetiu Laís de modo bondoso. A moça acariciou seu rosto.
-Entendi minha filha. Bem, eu trouxe seus livros.
Falado isso, ela retirou de uma mochila bem infantil, uma boneca gorda, um tufo de folhas amassadas e uns três livros. Edgar se fixou na capa dos escritos. Notou que neles estava impresso O Hobbit, A Última Canção de Bilbo e Mestre Gil de Ham. Pareciam que eram todos do mesmo autor.
-Qual vai querer? – falou a moça segurando os três como um baralho de cartas. Laís pegou o Mestre Gil de Ham – Por que não quis O Hobbit? Você o adorava.
-O filme é chato, mãe! E esta me deixando com raiva do livro.
-Tudo bem, mas livro é livro. Filme é filme. E o livro é tão bonito. Lembra?
-Esta bem mamãe... Mas dessa vez quero esse.
As duas pareciam duas comadres tratando sobre assuntos supérfluos. Já ele mais parecia um moleque que é forçado pela mãe a assistir uma das mais chatas conversas do mundo. Mesmo assim ficou ali ouvindo tudo aquilo, até:
-Esta quase no horário de visita acabar. Amor fica com Deus – deu um beijo na testa de Laís – e a tia Raquel já vai chegar. Ai ela passa a noite com você. Esta bem?
-Certo – disse ela segurando os livros e a boneca como se fosse um filhote bem fofo.
-Bem vamos Edgar? – disse a mãe ao jovem. Este consentiu com agitando a cabeça. Nem poderia fazer muita coisa naquela situação. Onde foi se enfiar?
-Até mais baixinha.
-Olha! Ele falou direito.
Mostrou a língua para Laís sem que a mãe notasse. Levou na mesma moeda.
Enquanto saia do quarto, Edgar fitou o senhor com dificuldade para respirar. daquele mesmo modo continuava. Já o com a perna enfaixada nem o encarava mais. Na verdade o repudiava. Não ligou muito para isso.

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