sexta-feira, 22 de agosto de 2014

(Parte 25) Templo de Sombras



Naquele lugar, Lacktum e os dragões da Justiça ficariam por uma noite. Visto que Galtran invadiria o Vale logo, com toda a sua força militar os o líder havia pedido aos homens e mulheres que permanecessem no lagar[1] aquela noite. Com isso, Arctus mandaria uma mensagem para Coração Prateado, assim que tudo estivesse seguro.
O mago se sentia péssimo ainda. Ele ainda se ressentia pelo que havia cometido contra Draclyn. Mas a promessa estava feita.
Todo o lagar era tão antigo que Halphy acreditava que deveria ser do período em que os romanos dominavam toda a ilha. Era todo cheio de ramos, mas a estrutura ainda assim, estava forte e firme apesar dos séculos passados. E não parecia ser como uma das construções.
O resto do grupo se juntava na fogueira comunitária. Eles precisavam se sentir melhor.
Gustavo aproveitou para ir falar com Lacktum. Este estava em uma janela, olhando para o norte. Ao longe era possível notar uma construção. Com certeza era o Portal de Ixxanon.
-Lacktum, esta melhor?
-Não, mas sobrevivo.
-Rapaz, se quiser pode chorar. Ninguém te condenaria.
Lacktum fitou o paladino com certa fúria.
-Não prefiro assim. Amanhã chegaremos ao Portal. Não tenho tempo para isso.
-Você tem que melhorar. Afinal, se vamos para lá...
-Tem algo que estou suspeitando.
-O que seria?
-Que encontraremos inimigos por lá.
-Por qual motivo acha isso?
-Por conta do traidor. Ele irá relatar que estamos indo. Se já não o fez.
Gustavo olhou para o mago cheio de ares de desconfiança.
Eu lhe disse sobre o que falou, mas se acalme. Isso pode não ser verdade.
-É sim. O tal Marduk falou coisas diversas sobre nós que alguns poderiam saber, mas o fato de Thror perder a memória foi algo pouco conhecido.
-Pode ser. Mas ele não esconde esse fato de ninguém.
-Porém, aqui na ilha praticamente ninguém sabe disso. Seria impossível.
-Alguém poderia ter obtido dados com alguns de nossos conhecidos. E repassado essas informações ao Pacto – sugeriu o Gustavo.
-Pouco provável – disse o mago voltando sua face para o norte – Além disso, mesmo que fosse assim, poucos sabem disso. Mesmo quando encontramos Nikus, um homem que cuidou de Thror só havia notado que ele não parecia grego. Nem nós, nem o próprio Thror comentou isso com ninguém. A não ser que isso fosse perguntado ao guerreiro. Algo nisso não faz sentido.
-Então... Se sugerir uma possível traição esta em sua mente, quem seria o traidor na sua concepção?
-Eu tenho três pessoas em mente: Halphy, Thror e Arctus.
O guerreiro sagrado se espantou com dois dos três nomes. Logo, Lacktum mostrou o modo como chegou a esses suspeitos.
Halphy é uma jovem, muito esperta e competente. Uma pessoa que, sem falta modéstia, era tão ou mais inteligente que o próprio mago. E ela já se mostrou uma mulher extremamente calculista e fria, quando necessário. Qualidades necessárias para um espião. Sem nem comentar sobre seus talentos como ladina.
Já Thror poderia ser um simplório e tolo, mas isso era uma arma a favor dele. Já que demonstrava tremendas qualidades bélicas, significava que não fosse por suas atitudes, seria até confundido com um capitão de uma milícia ou exercito. Não contando o fato de que vez ou outra, ele parece demonstrar conhecimentos da mitologia grega que até os mais experientes do grupo se espantavam. Pode até ser que ele não saiba disso, o que explicaria os estranhos surtos de sabedoria. Alguém que não sabe o que faz é uma ótima força. Bastava agora saber como era feito a passagem de informações.
E por último o padre Arctus tinha grandes chances de ser o traidor. Ele estava no grupo mais por necessidade do que por bondade, acreditava Lacktum. Não era tão clara a aversão do sacerdote pelos membros do grupo que cultuavam outros deuses, mas ele nunca escondeu esse fato. Em uma religião monoteísta como a do clérigo, nomes do tipo de Cernunnos, Odin e Athena, são profanos. Pura heresia. O tal grupo em que Kalic Benton poderia estar de algum modo, ligado ao clero. Ninguém sabia.
-E como ele mantém os poderes sagrados? – questionou sabiamente o paladino.
-Muitos sacerdotes, de ordens malignas, ou não mostram similaridades no que nós chamamos de magia. Eles chamam de milagres. Bem não importa. De qualquer modo, conseguem simular os efeitos das magias.
-Já que desconfia do sacerdote meu amigo, qual o motivo de não fazer o mesmo comigo?
-Pois você é um paladino. Seus poderes não são fáceis de simular. Seria necessária uma grande intervenção na Arte para tal feito. Um guerreiro sagrado é como uma luz que preenche a escuridão do mundo místico. Não é uma força fácil de ocultar.
-Certo, mas então por qual motivo não podemos crer que você seja o traidor? Só por estar na caverna de Ortro não podemos o descartar.
Lacktum fitou o paladino sorrindo.
-Sagaz você Salles, porém se fosse assim o grupo estaria indo para uma terrível armadilha. Veja.
E falando isso, o jovem Lacktum sacou a adaga de metal espectral. Ela não brilhava muito, mas parte da lamina brilhava contra o entardecer que caia sobre a construção. O assassino de todo território de Van Sirian estava próximo.
-Mas a última vez que esse item brilhou – relembrou um Gustavo temeroso – nos fomos atacados na torre de Azerov.
Lacktum saiu da frente da janela e se aproximou do Gustavo.
-Ele deve estar a um dia de viagem daqui. O brilho não é tão grande para estar próximo. Lembra como ele reluzia daquela vez? De qualquer modo, é a prova que eu não vou trair o grupo. Pois eu vou vingar todos os meus entes queridos. Amanhã cedo partiremos e então saberemos se aquela prole dizia a verdade.

Muitos estavam ao redor das fogueiras, incluindo alguns membros do grupo. Os aldeões se esquentavam como podiam. O inverno ainda imperava. Isso era notado com os ventos uivantes que chicoteavam alguns com o corpo mais fraco e a saúde debilitada.
Nesse momento frio e triste, Arctus trouxe um prato com comida para os necessitados. Estava bem quente e foi entregando aos mais fracos e Seton o auxiliava. Não foi tão bem sucedido como queria, mas fez o que era possível por eles naquela noite.
Gustavo voltava para o grupo, deixando Lacktum com seus próprios pensamentos. Todos se reuniram para conversar, só que Halphy começou a cantar:

Lá onde perdi meu coração
Nunca me ensinaram o que é o amor
Quem encontrar meu coração
Diga-me, por favor, meu senhor
Alguns membros do grupo, mesmo não sabendo cantar, começaram a criar um coro.
Lá onde perdi minha paixão
Nunca me ensinaram o que é esse calor
Quem encontrar minha paixão
Diga-me, por favor, meu senhor
E assim, todos do Vale das Esmeraldas entraram na canção.
Cante meu amor,
Cante minha paixão!
Mostre para mim,
Todo o seu coração!
Muitos sorriam e ficavam mais calmos. Seus corações não continham tanto medo quando antes. Era como se a canção tivesse despertado algum bom sentimento em todos naquele lugar.
Halphy começou a sorrir e chorar, como se a muito tempo, felicidade não tocasse aquele rosto. Alegria de estar entre os mais humildes pelo jeito. Foi quando Arctus perguntou a ladina feiticeira:
- Qual o motivos dessas lágrimas minha cara? Parece feliz?
Ela notou as lágrimas escorrendo de seu rosto.
-Faz muito tempo... Eu cantei essa canção com minha mãe. Era muito bom.
Gustavo a abraçou com extremo carinho. Ela tinha novamente um lar. Uma família.

A noite caiu no lagar. De manhã, os aldeões iriam para onde Galtran deveria estar. Enquanto os Dragões os protegessem, eles revezariam turnos para isso e segurança do lugar.
Foram separados os membros do grupo, em três turnos de vigia. Gustavo ficou com o primeiro, Halphy com o segundo e por último Thror.
Haviam passados os dois primeiros turnos e o guerreiro grego da cicatriz, começava o seu. Ele ficou fora da construção, coberto por peles, olhando para as estrelas. Ficava fitando uma em especial, que parecia ter um tom avermelhado. Por algum motivo ele se sentia bem olhando na direção dela.

Tzorv começou a cantar essa música, graças à melodia de uma lira. Ele a conhecia bem. Não graças a uma de suas memórias perdidas, mas sim uma lembrança firme em sua cabeça. Quando vivia com seu pai adotivo, Orfeu.
-Pai...

O guerreiro começou a andar em direção ao som. As notas surgiam com o dedilhado de mãos suaves. Elas continham tristeza, mas também eram belas como as asas de um anjo caído. Seu canto lembrava um serafim, uma sereia ou um súcubo. Os cabelos eram brancos e arrepiados, todos jogados para cima. Dois brincos surgiam da orelha, com mantos que misturavam um pouco da roupas inglesas com as gregas. Era como encarar um ser onipotente, mas que não esboçava um sentimento sequer na direção de Thror. O poder dele estava em seu carisma, em sua autenticidade, como um poderoso dragão das lendas. Mas não era assim que um dragão se com portava. Ele já sabia.
-Meu amado pai.
-Ora meu indômito filho de criação. Continua tolo como um Hércules, ou sábio como um Perseu?
-Pai... Porque sempre me ofende? – e continuavam a falar, enquanto se ajoelhava diante do homem – Sabe que trilhos o caminho da guerra, assim como os antigos espartanos.
-Os trata como mortos? Teus espíritos estão cheios de vida, inconseqüente filho. Esparta ainda vive naqueles que acreditam em sua glória. E tu deveria se inspirar nisso.
-Lembrarei disso pai, mas me diga qual o motivo de estar aqui? E como me encontrou?
-Ora filho, meus poderes são fortes o bastante para saber o que ocorre ao meu redor. E estou aqui para lhe preparar para o futuro, pois amanhã algo irá ocorrer que mudará tua vida e de todos ao seu redor.
-Alguém irá morrer pai?
E nesse momento, Orfeu dedilhou uma corda da sua lira, fazendo com que sumisse pouco a pouco.
-Não sei se isso ocorrerá meu filho imprudente. Mas sei que irá preferir isso.
-Como assim?
E do mesmo modo que surgiu, Orfeu sumiu. Deixando pó e cinzas onde estava.

Uma noite antes de partirem, além de Thror que foi visitado pelo pai, Seton foi visitado por outra pessoa. Quando ele estava desacordado, em uma barraca improvisada, alguém surgiu como uma sombra através dos panos. E chamou o druida.
Como se estivesse em um sonho ele levantou e disse:
-Quem é?
-Sou eu. Nico. E preciso lhe falar algo.
-O que seria?
-Algo para lhe ajudar rapaz.
-Não compreendo...
-Amanhã, quando entrarem no Portal de Ixxanon saberá do que falo. Agora escute...
E se passou boa parte da noite com essa conversa.

Eis que os aldeões do Vale das Esmeraldas começaram a sair em direção a um lugar seguro. Eles andavam com especificações que Arctus e Lacktum davam, pois haviam ouvido do próprio Galtran Coração Prateado. E foi quando o líder do grupo disse.
-Bem, Dragões da Justiça... Vamos?
Todos estavam preparados. Armas próximas aos corpos, magias memorizadas e coragem em seus corações. Todos gritaram em coro.
-Avante!

Enquanto andavam, o mago e a ladina prestavam atenção no templo que começava a surgir a sua frente. Já Thror e Gustavo notavam o que era mais evidente: que ao redor do enorme templo havia uma grande quantidade de esqueletos ao chão. O que significava que há muito tempo atrás, talvez até mesmo em alguns séculos atrás, houve uma grande batalha ali. Mas tão terrível que fez com que as pessoas que viviam perto daquele lugar nunca se aproximarem dos corpos. O que fazia sentido já que nenhum dos membros do grupo queria se aproximar dos corpos. Era um misto de respeito, temor, efeitos arcanos e a divinos, impedindo que os corpos – boa parte, vestidos com armaduras da época em que Roma dominava boa parte do mundo conhecido – fossem profanados ou roubados de qualquer forma.
E no fim, chegando próximo do templo, era possível ver que lá havia vários desenhos diferentes na estrutura do templo, feita de rocha forte e antiga. Talvez tão velha quando os dragões que as lendas citam. Mas seja lá como for já tinham consciência que dragões existiam. Teriam que entrar e viajar a qualquer custo

Eles entraram naquele lugar cheio de poder, que mais lembrava um templo. Cheio de energia arcana, isso era obvio. O corpo daqueles, mais voltados para a magia se sentia desconfortável, como se o tudo ao seu redor emanasse energia. E isso criava neles a sensação de que um deus passou ali há muito tempo. Que segredos, Ixxanon passou para aqueles que o serviam? Esse poder era mais aparente com as gigantescas colunas ao seu redor que sustentavam o teto. Tinha vários metros de altura com um desenho bem trabalhado de um céu noturno. Diferente de Avalon, não havia lá um céu tão vivo, mas o lugar nem precisava. O tamanho e magnitude dele criavam a sensação esperada de uma construção dedicada a um deus dragão. No meio do lugar, mais precisamente no chão, havia também um enorme mapa que encarava o espaço estrelado do teto. Uma parte parecia seria os reinos como a Inglaterra ou França, mas havia outros – muitos outros – que nunca viram em qualquer mapa. Não havia nomes, muito menos dados, que indicassem do que se tratavam os novos mundos, se poderia se disser assim. Mas o que realmente espantava a todos eram as estruturas entre o teto e o chão: uma escadaria gigantesca que ficava em forma de espiral em um dos cantos do templo, e replicas de vários astros que compunham o espaço ao redor de Gaya – isso quem constatou foi Lacktum.
Havia todos ali. Marte, Vênus, Plutão, Saturno, Júpiter e todos os outros astros reis. Cada um com seu tamanho, e ao que parecia, tinham as formas e cores referentes a cada um. Mas o mais espantoso é que flutuavam e não estavam presos ao teto, muito menos ao chão. Eram livres como seus correspondentes. A magia predominava ali.
Além disso, Arctus não tolerou algo que fez Lacktum o censurar rapidamente. Ele afirmava que a estrutura referente ao sol não poderia estar no centro de tudo aquilo. Mas mesmo que o mago explicasse o monge nunca iria compreender que suas palavras eram as corretas sobre o assunto.
De qualquer forma, nada disso deixava te conceder esse ar de fascinação ao grupo. Parecia que tudo era feito de energia arcana pura e bruta. E com isso tornava o lugar em uma grande massa de força mística. O que causava neles uma sensação de admiração e medo. Tudo isso ao mesmo tempo, como se algo mais forte existisse. Não que nunca acreditassem nisso, havia aqueles que tinham suas religiões e credos próprios, mas era como se fosse uma parte daquele deus na terra. Uma pequena demonstração da força de uma entidade poderosa nesse universo. Em pura força natural e clara. O universo era mesmo colossal...
Ao centro, no mapa de Gaya, havia um obelisco sobre o que seria o reino da Inglaterra. Ele parecia ser feito do mesmo material da pedra que esteve em pose de Azerov. Com certeza deveria ser uma pedra dedicada ao grande Ixxanon. E foi então que Lacktum, Seton e Arctus notaram que havia um obelisco desses em cada astro rei. Então começavam a compreender, em partes, como funcionava toda a estrutura. Além disso, havia três anéis de ferro com runas especificas de transporte a longas distâncias. Isso foi visto com alguns olhares bem atentos e curiosos. Significava que através deles era possível levar o usuário para qualquer ponto do mundo conhecido... E desconhecido.
-Veja isso Thror – falou Lacktum, como se tivesse encontrado um brinquedo novo – É uma pedra de teleporte!
-Lacktum, qual parte que você não entendeu que sou o guerreiro do grupo? – soltou de forma sarcástica o guerreiro mostrando sua espada curta.
-Mas note as marcas e a cor da pedra... Isso demonstra que ela consegue viajar pelos planos... Sem grande esforço! Isso é único no universo.
-O universo é grande Lacktum – respondeu Seton.
-Bem, único para mim. Esta melhor? De qualquer modo essa pedra nos envia para qualquer lugar que consigamos energizar. Esses três anéis são um modo de nos localizarmos através da trama arcana.
-Como assim? – questionou Arctus, mais curioso do que realmente queria admitir.
-O primeiro aro de ferro é feito para levar as pessoas pela linha do horizonte de leste para oeste, e vice-versa. Algo parecido ocorre com o segundo, mas se dirige do sul para o norte. Mas o terceiro parece ser único.
-Como assim? - perguntava Gustavo, guardando sua arma na bainha.
-Veja aqui. Cada símbolo parece ter um significado em uma língua antiga, como o atlante, ou até o nórdico. Há também escrita em língua que não conheço e que até – ouso proferir – não existem nesse plano de existência.
-Como a língua dos anjos? – Arctus perguntou achando ter acertado;
-Não. Sou versado nas línguas demoníacas e celestes, só que não identifico nada desse plano aqui – e falava isso o mago apontando para uma parte do aro. Parecia que minúsculos símbolos adornavam o estranho anel de ferro que circundava o obelisco. Mas, ainda havia um detalhe que ele iria explicar – Olhem isso, há uma seta em cada anel. Deve ser o posicionamento exato ao qual cada parte deve ser colocada para enviar os usuários. Realmente esse templo pode os enviar até mesmo para outros planos! Agora compreendo o motivo de isso ser feito de aço tão nobre.
-Deve ser aço de damasco – disse Gustavo colocando a mão no aro – Dizem que é mais leve e resistente que qualquer material desde épocas remotas até hoje. Posso tocar nele sem nenhum problema.
-Creio que sim, já que ao que parece não foi carregado. Para tal, seria necessário gastar grandes quantias de energia arcana de qualquer fonte. Seja divina ou arcana! Isso é incrível! É um catalisador de energia proveniente de qualquer tipo de poder místico, que transporta o usuário para qualquer lugar que se queira ir praticamente!
-O que ele disse? – exclamou o desatento e pouco culto guerreiro do grupo.
-Nós podemos ir para onde nos pediram – respondeu Gustavo.
-Ah sim, agora entendi! Então Lacktum energize essa pedra... Lacktum? O que houve? Ei, essa adaga esta brilhando de novo!
E o mago do grupo, que até então estava ajoelhado – para melhor identificar os poderes que operavam no obelisco do Portal de Ixxanon – notou que a arma que colocava junto ao pulso, presa por tiras de couro, agora estava radiando uma luz azul.
-É Thror, e esta brilhando mais do que antes!
E do ponto mais alto da escadaria seria possível notar a figura de um ser humanóide com um, sobretudo negro coberto por peles, ao qual ainda não se podia ver direito o rosto. Ele batia palmas, mas se alguém pudesse notar atentamente, perceberia que suas mãos eram cheias de feridas e quase estavam em completa decomposição.
Ele parou com o aplauso macabro e começou a proferir:
-Muito bem Lacktum! Seu show foi algo único! Nunca vi nada igual. Sinceramente nunca vi mesmo! Maravilhoso! Mas... Agora é minha vez de ser o protagonista. Tudo bem meu querido?

Os Dragões estavam a postos. Arctus, pela primeira vez, tirou pergaminhos no lugar de sua maça pesada. Gustavo erguia sua lamina e iluminava a todos com o brilho contagiante dela. Seton apontava a foice um pouco à frente do mago, como que para protegê-lo. O próprio inglês carregava suas mãos com tamanha energia arcana que parecia uma imensa tempestade arcana. Só Thror que como sempre, demorava a entender o que aquela situação significava: uma eminente batalha.
-Ora essa que imensa raiva é essa que vejo saltando do seu coração e parando nos seus pulsos? Até parece que não esta gostando de me ver Van Kristen...
-Desgraçado! Matou meu pai, mãe, minha irmã e minha noiva! Além de ter matado um homem que valia para mim como um segundo pai e ainda tem o disparate de querer me confrontar? Você não é só louco, você é suicida! Mas eu farei o serviço para você!
-Pode me chamar de suicida meu querido Lacktum... Mas pelos motivos certos.
Nesse instante, o mago sombrio saltou ao chão sem um dano sequer ao corpo. Parecia uma pluma negra, que atinge o piso com suavidade, mas trazendo uma mensagem de mau agouro. Só que o ruivo inglês nem sequer se incomodava com isso. Ele se sentia tão poderoso que sua primeira ação foi se deslocar até Kalic Benton. Esse por sua vez gritou rapidamente trazendo o mago a sanidade:
-Azerov iria querer que soubesse os motivos do seu inimigo em combate não é?
Nesse momento, o mago parou de frente ao mascarado. Agora era possível ver claramente o adorno no rosto dele. Era de aço polido e ricamente preparado, com o intuito de só deixar os olhos visíveis. E mesmo eles pareciam não ter vida, e sim, só a loucura continuava neles.
As mãos de Lacktum continuavam a transbordar o poder das magias que ele preparou. Ele respirava com raiva e ódio em seu coração.
-O que sabe sobre Azerov seu maldito? Ele foi mais que um pai, foi um amigo fiel e alguém com quem eu me identifiquei. Eu o amava. E você o matou!
-Será mesmo? Ou será sua sina que se completa? Diga-me – e falou isso o mascarado em tom de deboche – como é nascer em uma estrela amaldiçoada?
-Do que fala seu maldito? Você realmente matou Azerov, meu mestre? Responda criatura!
-Não vê que ele não dirá nada que seja realmente necessário a não ser que sirva para confundir sua mente! – gritou Arctus se colocando um pouco mais a frente. Ele já notava como funcionavam as ações do mago mascarado. Como uma serpente que prepara seu bote certeiro contra a vítima indefesa: Lacktum.
O mago inglês estava com as emoções transbordando assim como as magias que acumulava em sua mão, como mana puro! Mas não eram as palavras de Kalic ou Arctus que o impediam de atacar. Estava à frente do assassino de todos aqueles que lhe trouxeram alegria e o que fazia ele se conter? Não era nada do que havia sido dito antes, então seria o espírito de Azerov operando nele, ou algo mais sinistro? As repostas estavam ali, naquele lugar.
-Me responda meu querido Lacktum, qual a sua relação com seu falecido pai antes dele morrer? – perguntou o sombrio arcano.
Isso sim era novidade no andar das coisas. O miserável matou todos os que ele amava, agora lhe fez uma pergunta que o desestabilizou mentalmente. A relação entre o jovem Van Kristen e seu pai sempre foi difícil. Nos momentos de fúria e decepção é fácil para qualquer um ver os entes como figuras amáveis e bondosas. Porém, revirando o baú de memórias ele começou a se lembrar da quantidade de brigas que vivenciou com ele, das discussões, do tratamento inicial ao saber que iria se casar com Lirah e tudo mais que nós, esquecemos dos mortos, não por respeito, mas por amarmos eles demais. Seu pai era autoritário, rígido e ríspido. Cheio de uma força e orgulho que não o permitiam um momento de fraqueza sequer no corpo ou na alma. Era como uma rocha forte e poderosa, fria e sem sentimentos. E quando os demonstrava, quase sempre, não era afeição e sim uma falsa sensação de satisfação quando ao filho. Pois por mais que a criança Lacktum tentasse, nunca era o bastante para Dwalin, o nobre cavaleiro Van Kristen.
 -O que isso significa bruxo? Que conhecia meu pai? Que me conhecia? Acha que cairei em seus truques? Que sua magia me engana? Nunca!
-Vejo que ainda carrega a adaga... É bom mesmo. Talvez seu maior traço de afeição fosse suas armas não é?
Novamente, o estranho arcano mascarado se revela sábio e venenoso. Isso se devia ao fato que seu pai realmente era um homem áspero e que sempre visava o lado bélico da vida. Nada mais que a força bruta, a força de combate era visada por ele. Como se os deuses dele obrigassem o jovem Lacktum a se mostrar forte para o pai. Talvez houvesse sentido em tudo aquilo. Afinal, não foi por sua fraqueza – física ou arcana – que sua família, amigos e tanto outros haviam morrido? As dúvidas que tanto tempo atrás ele dissipou agora voltavam como demônios, fortes caprichosos, maliciosos, cruéis e maquiavélicos. Era como se ver refletido na água, como a criança que já havia sido muito tempo atrás. Assim se pareciam as palavras daquele miserável.
-O que sabe dessa adaga Kalic? – perguntou com medo de fazer tal questão ao inimigo.
-Não acredite nesse homem Lacktum! – gritou Arctus novamente.
 Kalic olhou com raiva para o clérigo.
-Você é o tal padre que foi mandado pela Santa Sé... Cale-se! – e com um simples movimento de sua boca, o sacerdote do Deus Único foi calado com um pequeno poder arcano – Não se preocupe... Não o feri nem o matarei. E então Lacktum que tal voltarmos ao nosso assunto?
-Do que fala demônio? Por que usa o nome de meu pai como se o conhecesse?
Nesse mesmo instante, Kalic riu, como se Lacktum tivesse contado a melhor piada de todos os tempos. A mais bem feita e mais engraçada. Uma piada mortal. Digna do melhor dos bufões.
-Ora meu caro mago inglês. Não nota que possuímos sotaques parecidos? Somos farinha do mesmo saco podre!
-Pare de rodeios seu maldito! E me diga o que quer de mim?
-Nada filho de Dwalin, nobre do Lobo Negro, aquele que descende dos servos de Kalidor Hein Hagen. Mago que segue as linhas nórdicas da magia. Não sei direito sobre o seu mestre, mas deve ser competente para treinar um homem tão mimado... Homem? Foi o que falei? Garoto mimado teria mais sentido.
-Isso era algo que não é tão difícil de descobrir. Você quer me impressionar com tão pouco - nesse momento, Lacktum deu de costas para Kalic.
-Você se lembra de uma casa que ficava próxima do baronato, ao qual moravam uma criança e uma mulher?
Foi quando Van Kristen se sentiu desconfortável. Lembra-se de quando algo em sua vida não parece ser uma memória, mas não parece fazer sentido? Nem todos já passaram por isso, mas os poucos que tiveram essa experiência ficaram desconfortáveis. E o mago de cabelos vermelhos se sentiu completamente fora de foco. A casa não lhe era conhecida, mas tinha sido citada algumas vezes em sua infância. Discussões acaloradas lhe vinham à cabeça entre seu pai e mãe, mas nada concreto. Como se fossem várias reviravoltas na sua mente pequena.
-Quem morava lá mesmo? - perguntou se virando com calma Lacktum.
Naqueles instantes, o grupo parecia notar que na frente da máscara, não havia expressão, mas era quase como se um sorriso surgisse nela.
-Uma bruxa, uma arcana poderosa e seu filho. Que aprendeu tudo que ela sabia. Desde muito cedo.
Os Dragões da Justiça ficaram calados. Eles notavam a dança de Lacktum e Kalic como se fossem uma presa e seu caçador. Eles se moviam ao redor um do outro, e mesmo o mago ruivo sendo tão sagaz, parecia estar lidando com o mais cruel demônio dos infernos mais antigos. Mas era só um homem. Assim como Van Kristen.
-Que importância eles teriam?
-Para o seu pai? Nenhuma... Afinal, eles foram abandonados pelo pai da criança. Sendo considerado bastardo, nunca foi admitido como parte da família. Mas porque alguém faria a tolice de admitir um rebento ilegítimo? Ele já tinha uma família linda! Qual motivo ele iria desperdiçar, com uma arcana louca que maltratava seu filho por não possuir nenhuma serventia? Hein? Diga-me?
Lacktum parecia confuso. As palavras faziam sentido, mas não para ele. O que uma coisa tinha a ver com outra? Por enquanto nada.
-Quem eles eram realmente? - disse Lacktum falando para o chão.
 -Como é? - perguntou em resposta, de um jeito que seria cômico, se não fosse a situação.
 -Eles têm alguma importância, de tal magnitude, que estão sendo citados aqui. Quem eles eram e por que estão sendo citados nessa conversa demoníaca?
Kalic virou de costas e tirou a máscara. Bufou um sopro gélido que impregnou o lugar.
 -O garoto era um filho de um nobre, que estava predestinado a nascer, pois ele foi escolhido para alcançar uma graça que poucos humanos obtiveram. E que nem os deuses poderão impedir, pois escrito esta que isso será maior que tudo no universo. Afinal, eles deveram obter aquilo que é a maior verdade da vida: a própria verdade. Mas com medo do que estava escrito, o nobre mandou caçar mãe e filho em certa época. Foram acolhidos por um... Homem, que sabia dos feitos que o garoto poderia alcançar. Depois, após terríveis acontecimentos, o garoto perdeu a mãe e seu mentor. Buscou vingança contra aquele que lhe deu a vida - nesse momento, Lacktum pensou que o mago que segurava a máscara em sua mão iria falar como se referisse a uma pessoa distante, mas até mesmo o dom de voz mudou - Foi quando eu cheguei ao baronato dele, minhas mãos queimavam por vingança. Eu iria o fazer sofrer até no outro mundo. Maldito! E todos aqueles a quem amava! Não importa como fosse Dwalin iria sofrer! Sim Lacktum Van Kristen! A criança era eu, o nobre era seu pai! Kalic Benton I me cedeu seu nome, mas antes possuía um nome concedido por minha horrível e cruel mãe. Era Lucian. E meu sobrenome era para ser Van Kristen! Sou seu irmão, seu tolo e patético homem!
Lacktum se calou.
...
Thror começou a andar em direção ao seu líder de grupo. Porém, foi detido por um ataque de uma arma estranha que havia batido em sua lâmina. Parecia ser um pedaço retorcido de metal pequeno, menor do que um punho, mas com quatro pontas fortes. Quase teria feito a arma cair da mão de Thror, se este não estivesse prevenido.
De repente, das sombras, surge um homem com feições orientais, com roupas de mesma origem, bem leves. Não usava botas, mas sim sandálias surradas e sujas. Além de um rabo de cavalo enorme, apesar de quase não possuir cabelo no centro de sua cabeça. A cor de sua pele demonstrava que não era de muito longe. Além de ter as palmas de sua mão carregadas de energia arcana.
-Mas que merda é essa? - disse o careca Thror com ódio do inimigo.
-Honorável guerreiro gleco, querer me desafiar em combate?
-Mas é óbvio! - com isso, o guerreiro se levantou, pulando por cima do novo oponente, saltou com lâmina em fúria frenética. Só que nesse mesmo momento, o oriental deslizou por baixo de Tzorv, como se fosse feito de água. Tão fluente como este elemento. Em seguida, o inimigo do grego o atingiu com força arcana, como uma pedra batendo contra costelas humanas.
-Argh! - gritou ele, ao cair devido ao golpe e a dor causada. Caiu ao chão, deixando cair seu escudo de lado.
Nesse momento, Lacktum que estava atônito até então virou e começou a ir na direção do amigo caído.
-Thror!
-Não! - disse Kalic Benton mostrando sua face pela primeira vez. Seu rosto estava decomposto, não tanto quanto alguns imaginariam, mas o bastante para criar pesadelos - Não deixarei estragar a festa antes da hora - nesse mesmo instante, uma muralha invisível de energia surgiu a frente do arcano, líder dos Dragões. Batia contra a barreira com tanta força que sua mão ficava dolorida a cada golpe.
Nesse mesmo instante, outras criaturas começaram a surgir das sombras. Os menores e mais fracas eram mortos famintos, tão horríveis quando aqueles que viram em Starten, mas alguns possuíam proteções fortes. Couraças bem trabalhadas, mas corroídas com a força do tempo. Armas de mesma qualidade e duração.
Só que com eles, surgiu uma criatura maior, grande o bastante para encobrir o corpo de Arctus com sua sombra. Ele parecia com um ogro comum, mas mais magnânimo que qualquer outro. Possuía pele azul, com o peito completamente branco. Presas amareladas e horríveis criavam muito temor nos corações. Uma armadura cheia de detalhes escritos com letras na língua dos ogros, mas com efeitos mágicos e poderosos. Dois chifres brotavam de sua cabeça enorme e abaixo deles, brilhavam duas luzes de onde deveriam ser ver os olhos. Era pura energia arcana. O padre não havia notado esse ser que o espreitava por estar atônito com o que ocorria ali, além de se preparar para expurgar os mortos.
Seton grita para Arctus:
-Padre! Cuidado com o ogro!
-O que? - foi à única coisa que conseguiu responder. Logo em seguida, o enviado da Santa Sé sofreu um ataque da arma do ogro. Esta surgiu do nada. Como um vento cortante e decisivo, ela jogou Arctus contra uma das paredes do templo. Ele deveria ter ficado no chão.
Quando olhou, notou melhor a arma do oponente terrível. Era um machado feito de madeira poderosa e negra em seu cabo. Porém, havia duas lâminas em cada ponta da madeira, e cada era extremamente afiada. Mesmo com todas as marcas de batalha no terrível item, ele parecia ser forte o bastante para resistir a vários golpes poderosos. A criatura o segurava como um item de tamanho médio.
Eis que o ser grita:
-Ogro não! Ogro arcano! Me chamar Matadouro!
Era um espetáculo horrível. Todos, com exceção de Halphy e Seton estavam com oponentes extremamente poderosos. Arctus tinha a frente um ogro poderoso, o que impedia de usar seu poder para afastar os mortos. Já Thror, conhecido por seu combate feroz estava perdendo espaço para o oriental misterioso. E Lacktum via a tudo sem poder fazer nada.
O guerreiro poderoso do grupo então, com grande dificuldade, escapou do golpe daquele misterioso inimigo. E em seguida, golpeou as costas dele com ferocidade única.
-Ahá! Acertei você olhos fechados!
-Não entender polque esta contente honorável combatente - falava isso sem mudar a expressão de seu rosto - Não conseguil me derrotar, nem me matar é fraco.
-Cale a boca miserável! Com minha espada acerto qualquer um!
Nesse instante, o oponente sorriu.
-Então é só inutilizar sua arma, jovem gueleilo?
Falando isso, o inimigo saltou alto e distante o bastante para ficar numa situação segura. E em rápidos e estranhos movimentos de braços, ele finalizou golpeando o ar. E uma estranha pressão de ar afetou o corpo de Thror que ajoelhou de dor. Ele se posicionou como em um combate corpo a corpo, mesmo estando distante do alvo.
-Não achar justo moler sem saber nome de executor. Meu nome é Yue Khan.
-Desgraçado - disse isso o ferido Thror, que logo em seguida soltou sangue.
-Thror! - gritou o já triste mago – Halphy, Gustavo ajudem eles!
E nesse momento, Lacktum notou que os mortos famintos ignoravam a ladina feiticeira. Foi quando ele notou um sorriso da face de sua companheira de grupo.
-Desculpe Lacktum, mas agora é minha vez de revelar algo.
Com isso, a meio elfa sumiu em uma bolha de energia dourada do lado de Gustavo.
Lacktum ouviu a voz de Kalic, e disse:
-Ah, esqueci de lhe disser, Halphy traiu seu grupo. Era o clímax da pequena festa de despedida dos Dragões da Justiça. Pois todos iram morrer hoje! - e com isso soltou uma gargalhada de satisfação e loucura. Por último, Lacktum que tentou manter sua voz baixa em sua garganta, de repente soltou tão terrível grito de dor, que quem escutasse tal som, não saberia disser se era uma pessoa ou uma fera ferida no coração.
O grupo dos Dragões da Justiça havia sido traido, mas mais do que isso, foi por uma amiga.

Tudo havia se tornado cinzas. Nada além de pó. Sua confiança, seus exageros, tudo na vida de Lacktum Van Kristen era agora um grande nada. Era um momento em que as sombras pareciam engolir e eclipsar qualquer perspectiva nos olhos do mago. Nada mais certo, afinal, tudo tinha sido um mero devaneio de sua alma. Os amigos que perdeu ou aqueles que lhe traíram, os inimigos que derrotou e que agora tinham sido substituídos por outros... Mesmo que derrotassem as mais vis criaturas, elas nada eram em comparação a um grupo tão grande quando um batalhão de combatentes de diversas raças. E ele estava ali, impotente, sem forças. Mas o que fazer? Como? Nada era a palavra, a não ser esperar. Esperar que sua vida tivesse um rápido e triste fim. Ele estava resignado...
Mas algo estava errado.
Lacktum parecia estar diferente. Não era felicidade, muito menos prepotência. Era algo mais bruto mais selvagem. Não era confiança, tão pouco um mero devaneio de superioridade. Não era nem sequer uma fúria cega, ao qual ele tanto treinou para conter. Era mais bem mais que isso. Nada mais que a chama de um dragão que estava latente dentro dos corações a quem ninguém confiaria nada. Alguns chamam de esperança.
-Como dragões nós nascemos. Nossas espadas são nossas presas. Nosso poder é nosso sopro...
Nesse instante, Kalic Benton revelado agora como Lucian, olhava para o mago. Achava que o meio irmão estava rezando. Foi quando notou que ele simplesmente balbuciava algo. Parecia ser um brado sem sentido.
-O que fala Lacktum? Quer morrer mais cedo, é isso?
-Nossas forças são nossas garras. Nossos sonhos são nossas asas.
E enquanto pronunciava essas palavras, o arcano levantava de seu estado de catatonia olhando para os aliados. Ele estava gritando enquanto via a cena infernal.
-Vamos repitam comigo seu bando de Dragões idiotas!
-Mas o que... Espere você esta tentando os motivar?
-E nosso brado de justiça será escutado pela eternidade! Dragões levantem! Guiem suas armas para a justiça!
Em um instante, como em um passe de mágica os companheiros de Lacktum havia se levantando de sua agonia. Afinal, Halphy não traiu só o mago, mas todos os que com eles estavam. Além de que seu líder não estava morto, muito menos em agonia como antes. Ele estava firme. Mas nem tanto quanto antes, era óbvio.
Thror que sentia os impactos dos golpes gritava que depois de matar o monge, iria quebrar o crânio por ter o chamado de idiota. Arctus se sentia acuado, mas resistia bravamente com suas curas, não por muito tempo. Já Gustavo cortava os mortos com tremenda facilidade, mesmo com a imensa quantidade deles, que não rodeavam só eles, mas todos os membros restantes dos Dragões da Justiça. Mesmo Valente tinha dificuldades para livrar a ele e seus outros amigos animais dos ataques das criaturas necromânticas. Mas... Onde estava Seton?
De repente, o druida cheio de excentricidades e manias havia sumido. Kalic Benton havia desviado o olho um momento e perdeu ele de vista. Com certeza fugiu, aproveitando a confusão. Mas foi então que o mago notou que Seton não havia escapado. Já que ele surgiu do seu lado como se fosse uma sombra e pegou na mão de seu adversário cadavérico.
-Mas esta querendo morrer mais cedo rapaz? Não sabe que meu toque pode matar um homem comum em instantes?
-Você que não sabe a verdade Kalic, pois aqui não manda em nada. E eu não sou um homem comum! Sou um druida. Que as forças do Paradoxo brilhem nesse lugar. Eu exijo que o tratado antigo de Gaya venha até nós e seja respeitado por esse mago! Seton, usuário dos caminhos divinos da natureza exijo isso!
Com isso dito, as mãos de ambos brilharam, e Kalic viu uma runa surgir por alguns momentos nas costas da sua.
-Você esta convocando o Tratado do Paradoxo? Como? Só conheci magos muitos poderosos que soubessem sobre tal coisa. Ou criaturas de forças inigualáveis com magias latentes.
-Um conhecido me ensinou isso, mas não sabia se servia para algo bom. Ao que parece era sim – falou isso o druida soltando um grande sorriso.
De repente, uma luz dourada saiu de onde estava a runa e cruzou o templo. Era uma esperança surgindo, pois logo após ela sumir, conseguia se escutar um grito forte de algum ser. Um rugido forte. De uma poderosa criatura ao que parecia.
-O que é isso? – disse Lacktum ao qual foi respondido por Seton:
-Isso, é o nosso aliado, arcano mascarado.

Nas sombras, uma garota olhava a tudo com olhos de alguém mais velho.




[1] Lagar são locais equipados para espremer, por exemplo, uvas e azeitonas, e assim fabricar vinho e azeite.

sábado, 16 de agosto de 2014

I'm alive (Capítulo I)

Esse é o primeiro capítulo de um romance que estou escrevendo. Espero que gostem ^^



Ele terminará de ler a carta. Suas mãos tremiam de raiva. Como ele pode fazer aquilo? Mais uma para a lista infinita de merdas que ele fez, pensou. Não ligava para o pai, só que aquilo, era imperdoável. O desgraçado conseguiu esconder tudo aquilo por todo esse tempo. Canalha. Sem saber Edgar tinha uma irmã. Uma meia irmã seria o correto.
Sentou no sofá, com a folha jogada a sua frente. Cheia dos escritos daquele que dizia ser alguma coisa sua. Colocou as mãos sobre o cabelo de forma pesarosa. Os pêlos castanhos arrepiados eram remexidos para tentar aplacar sua fúria. Sem sucesso.
Bufou como um touro bravo lançado na arena. Seus dentes rangiam com muita força. Pareciam até que trincariam a qualquer momento. Ele estava em fúria como sempre estava, mas agora era bem pior. Visto que aquilo era um segredo que foi tanto tempo ocultado. Para que? Para ele se sentir bem?
Levantou de uma vez só e chutou o ar. Virou em direção à parede e a golpeou inúmeras vezes. Até ver um vermelho escorrer na frente de seus dedos. Como se fosse um rosto. E até formou um rosto mentalmente ali. O foco do seu ódio momentâneo eterno, igual a tantas outras vezes fez antes. Se bem que preferiria que fosse ele mesmo, para ver o sangue daquele nariz nojento.
Por último, gritou. Ao fazer isso sua mãe apareceu na sala extremamente preocupada com o filho.
-O que foi Edgar? Algum problema?
-Ele tem uma filha! Desgraçado! O filha da puta tem uma filha! Desgraçado, cachaceiro e cuzão de primeira!
-E o que tem isso? – falou calmamente e baixo como sempre fazia Benedita.
-E o que tem isso? – perguntou um Edgar Pontes furioso – Ele sempre me falou que eu era seu único filho. Eu até perguntei se já tinha outro filho, outra família. E de repente, me surge essa porcaria escrita? Que eu tenho uma meio irmã? Uma pivete de doze anos?
-Esqueça isso. Não tem motivo para todo esse barulho.
-Não tem? Por acaso sabia de toda essa merda?
Quando falou isso, o jovem pegou o papel de forma a amassá-lo. Com a raiva segurava fortemente o conteúdo da carta. Como uma tocha ou qualquer outra coisa. Menos um papel escrito. Ele apertava aquilo com vigor suficiente para fazer seu punho sangrar. Quando estava prestes a falar algo se virou para o seu quarto feito um trovão.
Arrumou-se como de costume. Quando iria sair normalmente, com pressa. Trocou o short preto por uma calça jeans. Colocou a jaqueta por cima da camisa preta do Iron Maiden – que estava quase cinza – para não passar frio. Isso visto que era Julho agora.
Benedita ficou curiosa. Vendo que ele se trocava tão rapidamente, sem tomar banho. Já se acostumou com isso.
-Vai sair? Aonde vai Edgar?
-Vou atrás dele, oras!
-Como assim?
Depois de amarrar o cadarço ele pegou o envelope que havia deixado no criado mudo. Em cima desse cômodo estavam várias coisas: cartas antigas, recado de ex-namoradas, lições de casa, CDs velhos e virgens, tranqueiras em geral e toda a sorte de coisas inúteis e fúteis. Ele nem sabia mais o que tinha ali. Só que naquele momento nem pensava mais sobre aquilo de tanto ficar com a cabeça quente.
-Aqui tem o endereço dele. Deve estar morando na cidade pelo que eu vi. Eu vou ter uma conversa com o “Senhor de Filho Único”. Uma conversa com a minha mão fechada na cara dele.
-Mas o que tem isso? Você vai mesmo? – disse a mãe com a mão no coração depois daquelas duras palavras.
-Sim, vou até ele. E jogar na cara dele que não presta para criar um filho... Quem dirá uma filha! E em qualquer caso, quebro a cara do imbecil em dois. Nem preciso de desculpa para isso.
-Amor, esse endereço eu acho que sei aonde é. Não seria uma...
-Aonde é? – interrompeu o garoto.
-Depois do ginásio... – depois dela falar isso, Edgar atravessou a casa com velocidade, chegando até a porta. Dali em diante foi até a rua rapidamente. Igual a um vento veloz.
Descia o morro com uma velocidade fenomenal. Parecia uma bala disparada de um revolver. E como uma, queria causar estrago enorme de preferência. Com força e peso para ver a cara daquele idiota que um dia ele deve a infeliz idéia te chamar de pai.
Queria chegar até ele o mais rápido possível. Alcançar o miserável que o abandonou. O deixou para trás como um pacote enorme de lixo a anos atrás. Alguém que nunca sentiu falta dele em todo esse tempo. Que preferiu ignorar completamente sua existência.
Agora tinha o disparate te lhe mandar uma carta confessando que possuía uma filha? Ah! Não iria ficar assim não. Ou ele achava que iria? No mínimo quebrar o rosto do corno. Com dois pés no peito dele se pudesse.
Pegar e arrebentar a cara dele era só uma parte. Espancá-lo com toda a força dos seus punhos fracos. Sempre apanhava, mas agora iria fazer o que pudesse. Aprendeu que enquanto estivesse em uma briga teria que ao menos deixar um olho roxo na cara do idiota da frente. Deixar sua marca. Em especial se estivesse cercado. Pegar um deles e esperar sobreviver aos outros. Golpes, chutes, canos, pés de cabra, pedaços de madeira velha, ferro de concreto, tijolos. Tudo já foi usado contra ele. E ele sobreviveu. Era jovem e forte. Digo forte para resistir.
Nunca ganhou uma briga. Desde moleque só apanhava. E apanhava de maneira única. Quase uma ciência.
Apanhou certa vez de dois rapazes quando tinha quinze anos. Os dois estavam no terceiro colegial e, com certeza, deveriam ter dezoito anos ou mais. Ele levou vários socos na barriga da seguinte forma: um segurava os braços de Edgar, enquanto o outro golpeava. Vez ou outra, os golpes levantavam, acertando o rosto, ou desciam acertando sua parte intima. Deixando ele jogado e levado pelo amigo depois que levou uma surra também. O motivo para atacarem Edgar? Por não terem ido com a cara dele. O motivo de atacarem seu amigo? Por ter tentado ajudar.
Esse é um dos motivos te ter afastado as pessoas. Com isso, as pessoas não se machucavam. Longe dele qualquer um poderia se sentir finalmente seguro. Nada de socos, pontapés ou quaisquer agressividades. Não teria o dedo apontado mais do que já tinha todos os dias. Não seria mais chamado de estranho na sua frente, só pelas costas. Ele já estava acostumado com essa vida.
Agora o motivo de sua descida era pegar aquele desgraçado.
O barulho dos cães parecia um zunido, um som chato cheio de interferências. Como um microfone ou guitarra que oscila fazendo distorções horríveis em um show. Isso irritava o rapaz.
Descendo com as pernas pesadas, com as costas pesando tanto quanto o mundo. Os pés eram ligeiros, cheios de força, mas talvez até essa estivesse acabando. Pois estava querendo parar de andar. Estava dolorido como um inferno. Não poderia parar, pensava ele. Já que iria causar dor para alguém que merecia.
Caramba, talvez fosse longe até o tal lugar. Não importava mais. Além do que encontrar sua intenção é o que interessava. Ou seja, seu pai.
Havia descido os dois morros de sua casa. Estava na rua do pronto-socorro, finalmente. Logo chegaria ao ginásio. Qual é o endereço mesmo? Ele havia esquecido.Pegou o envelope da jaqueta. Colocou muito sem jeito aquele papel dentro da roupa. Agora estava todo amassado. Dede que fosse possível ler, era o que importava.

Eduardo Pontes Tavares
Rua Presidente Castelo Branco, n 320
Bairro Brotas
Santa Isabel, SP
CEP 07500-000

Certo. Número trezentos e vinte. Agora, como ir até lá? Começou a procurar a tal rua e o número. Mas não encontrava. Parecia que o lugar estava em outro universo. Até que uma alma iluminada conseguiu entender o dilema.
-Ah! Deve ser o UPA! Eu já vi esse número lá.
UPA? Fazia até sentido: talvez por não possuir o endereço fixo, usou o daquele lugar. Talvez trabalhe lá. Sempre conseguia um bico quando queria, para pagar suas cachaças e bebidas. Bêbado infeliz.
Começou a andar pela rua que concedia acesso ao lugar do endereço. Quando lá chegou, finalmente pensou em como o abordar. Se o fizesse dentro do recinto médico, seria expulso imediatamente. Sem ter chance de espancar Eduardo. Pensou um pouco antes de entrar, elaborando seu plano.
Olhou mais uma vez, notando que havia um numero de quarto no envelope, imaginou que talvez fosse onde ele dormisse. Nunca foi muito brilhante. Característica herdada, muitos diriam.
Visto que não pensou em que nenhum momento que o seu velho poderia estar hospitalizado. Nem ligou para tal fato.
O que fez foi entrar e perguntar na recepção pelo número do quarto. Já que perguntar pelo nome de Eduardo seria muito fácil e perigoso não ser atendido. Então o fez. De qualquer forma, caiu na pergunta:
-É parente de alguém?
Olhava para todos ao redor. Um senhor com a perna cheia de pinos, uma mulher que parecia grávida, outro reclamando de dores de cabeça, sem falar do rapaz soltando gemidos no canto do lugar. A fila não parava neles, mas foi a que Edgar viu na sua linha de visão. Já esteve duas vezes ali, pelo que se lembra.
Só então pensou que Eduardo poderia estar ruim. Achava que não, de qualquer modo. O santo dos bêbados era forte. Doenças, machucados ou cortes passavam longe do corpo de seu pai. Era resistente como um cavalo e imortal como um diabo.
-Sim – respondeu prontamente pensando em como entrar – sou filho.
-Ah certo – falou a atendente sem prestar muita atenção no que ele acabou de falar. Em seguida apontou o caminho para os leitos – Por ali.
Às vezes o pessoal do é hospital é tão displicente.
Ele caminhou na direção que a mulher lhe mostrou. Pensava estar mais próxima do seu objetivo. Enfim, as pancadas se aproximavam.
Como retirar o sujeito lá de dentro? Se estivesse acamado seria mais complicado, mas com o devido cuidado, quebrar coisas se tornava uma arte. Ninguém sabia melhor disso do que ele. Estava acostumado com isso na escola. Não era tão diferente na vida fora daqueles muros chatos cheios de letras.
Uma idéia básica lhe veio na cabeça. Quase como seu mantra. Sempre que entrasse em uma briga, não sairia dela sem deixar um olho roxo na face do sujeito.
Passou por dois corredores e finalmente estava diante do quarto. Relembrou passo por passo do plano e começou a rir. Segurou-se. De que outra maneira deveria se sentir? Iria colocar tudo que o estava incomodando para fora. E isso seria um alívio.
Finalmente, abriu a porta daquele leito. Funcionava como os bons e básicos quartos de hospital: paredes em tons de verde limão claro, camas que se ajustavam aos problemas dos pacientes, divisórias entre elas e os soros fisiológicos, além de toda a tranqueira hospitalar. E óbvio, havia enfermos ali.
Começou a caçada por Eduardo. Olhou bem para os três enfermos ali e nenhum batia com seu pai. Um rapaz com a perna enfaixada, um senhor respirando com dificuldade e uma garota olhando pela janela. Nada dele nas proximidades, foi o que pensou.
Procurou, mesmo por debaixo das camas. Fez como um policial militar dedicado atrás de um traficante de drogas. Caçou em cada milímetro do lugar uma pista de onde estava o seu velho. Quase fez o homem de perna enfaixada cair do seu lugar. Quando notou isso, a garota na janela riu.
Edgar ficou irritado com tudo isso. Por que cargas d’água aquela protótipo de fedelho ria dele? Iria tirar a limpo aquela cena besta.
-Do que ta rindo menina?
A jovem tinha cabelos loiros, tom de cobre quase. Usava um dos famosos aventais hospitalares desses lugares. Era uma garota de dez anos ao que parecia. Tinha dentes brancos cheios de vida e inocência. Ficou sentada arcada com as pernas em cima da cama.
-Eu estou rindo de você moço. E se diz “esta rindo”. Você é o Edgar?
Foi pego de surpresa. Como aquela guria sabia quem ele era? Com certeza, o pai dele pode ter comentado. O Eduardo, no entanto nunca falava nada de seu filho pelo que sabia. A não ser que fosse estritamente necessário. Isso era muito raro.
-Sim. Sou ele.
A garota se arrumou, ajeitou o avental e desceu da cama. Com as mãos para trás fitou com alegria singela e simples o rosto do bruto rapaz de dezoito anos.
-Me chamo Laís Pontes Albuquerque. Somos filhos do mesmo pai.
Edgar rangeu os dentes e em vez de falar mal, ofender, bater ou qualquer uma de suas atitudes normais, tropeçou e caiu na divisória. Com ele fazendo tal trapalhada, acertou sem querer na perna enfaixada do rapaz. Este por sua vez soltou uma torrente de xingamentos dos mais diversos tipos e gêneros.
-Moleque tonto! Toma cuidado! Vê se pode...
-Ah, desculpa! Sério...
Ajeitou mais ou menos aquela divisória, pediu em mais uma série de palavras repetidas, desculpas ao moço. Depois, prontamente encarou a menina. Ele segurava o riso diante do rapaz grande e cheio de raiva. Parecia que tinha visto o sujeito mais engraçado do mundo. Era como um gnomo muito esperto diante do tolo gigante da montanha, alguns diriam.
Edgar cruzou os braços, forçou o olho na direção dele, erguendo a sobrancelha. Não parecia nem um pouco ameaçador mais. A garota fazia o mesmo e de repente soltava grunhidos engraçados, brincando com sua voz. O rapaz atingido pela divisória estranhou aquilo, enquanto o senhor que respirava ainda com a mesma dificuldade que ignorava tudo.
-O que você pensa que esta fazendo mina? – perguntou um Edgar estranhando a atitude dele.
-Te imitando “mino” – falou isso com tom de voz tentando parecer mais forte e engraçado – Alias, não sou “mina”, “bro”. Sou uma menina, obrigado – dito isso, agachou graciosamente como se o avental fosse um lindo vestido.
O jovem colocou a mão atrás da cabeça coçando ela em um grave sinal de confusão e constrangimento. Estranhou tudo aquilo até então.
Pegou uma cadeira e puxou para sentar, como se estivesse com sinais de cansaço. Completando essa figura, colocou os dedos entre os olhos, acima do nariz, como se usasse óculos. Parecia não querer crer no que seus olhos lhe diziam. Só poderia ser uma brincadeira. Só que aquele não era o único sentido que lhe enganava. Era a audição, o tato... Como se Deus estivesse pregando uma das maiores piadas do mundo.
Ela, em contrapartida, se apoiou com cuidado contra a cama. Parecia olhar ele cheia de graça. Deve estar me achando o palhaço particular dele. Um homem de dezoito anos sendo humilhado por uma garota de dez? Vê se pode.
-Como é? – falou revoltado o Edgar e ainda com a mão entre os olhos
-Como é o que?
-Você é minha meio irmã?
-Sim, sou sim.
-E qual o motivo de estar aqui? Não era para o imbecil de o velho estar aqui?
-Como?
Ele
-Não era para o nosso pai estar aqui? Melhor, o seu pai...
-Mas ele também não é seu pai?
-Não por minha vontade, mas é...
-Você tem falado com ele? – ela fez a pergunta com os olhos quase vibrantes e cheios de vida, ignorando a pergunta dele. Foi então que Edgar fez algo sem reparar: respondeu educadamente.
-Olha... Faz um bom tempo que não o vejo – e quando notou aquela chama de esperança fugindo do rosto de Laís – Agora me lembrei! Ele me ligou, acho que duas semanas atrás.
Mas como? Por qual motivo ele falou aquela bobagem? Das poucas vezes que seu pai ligou, e ele se lembrou, desligou na cara do sujeito antes que pudesse falar qualquer coisa. Em nada fez desmentir essa bobagem, o que a fez sorrir. Como um pouco antes, cheia de vida. Alias o que fazia ali aquela menininha? Estranhou aquilo tudo.
-Ei! O que faz aqui esquisitaça?
-Primeiro não sou “esquisitaça”. Já que nem sei se existe uma palavra como essa. Chame-me de esquisita. E se eu estou em uma Unidade de Pronto Atendimento, é por estar doente não é? Óbvio.
-Tá, entendi! Certo, certo... Bem e como você se encaixa nesse quarto? Era para o Eduardo estar aqui!
-Fui eu que escrevi essa carta. Tolinho...
-O que!? – falado isso Edgar levantou de súbito, quase batendo na divisória novamente. Não o fez por um triz. Assim mesmo levou um:
-Toma cuidado idiota! E para de gritar.
-Ah, desculpa! Sério...
Uma vez mais, a jovem disparou a metralhadora de risadas. Batia as mãos na cama como se isso fosse deter aquela cena te lhe fazer sorrir pelas trapalhadas de seu meio irmão. Ela então pegou uma simples escada para tentar alcançar a cama. Colocou a mão na parte de trás do avental para subir devagarzinho, com todo o cuidado. Sentou na beirada de modo que pode balançar seus pés descalços e que ficaram sujos, devido ter pisado no azulejo.
-Para de me fazer rir, se não passo mal – disse ela entre gargalhadas.
-Ah não exagera moleca!
-“Moleca”? De onde você tira essas palavras? Do manual de como nunca se falar e escrever? E eu to falando sério. Tenho sopro no coração.
-Tá maluca? Desde quando tem ar no coração?
Antes que ela começasse a rir, surgiu no quarto um médico de jaleco, óculos e estetoscópio no pescoço. Seu cabelo era curto e bem arrumado, típico dos médicos de todos os grupos conhecidos. Tinha uma gravata de cor neutra e bem simples, mas que trazia consigo todo o respeito da sua profissão. Os sapatos estavam sujos, mas era natural para alguém que pegou no trabalho naquele lugar o dia todo. Estava com cara de poucos amigos.
Assim mesmo, foi educado com Edgar:
-Meu jovem, é você que esta fazendo uma barulheira por aqui.
-Ah, desculpa! Sério... Por favor!
-Você não muda a vitrola hein irmãozinho? – soltou Laís e em seguida olhou para cima, quando o jovem a fitou. Como um elfo peralta das histórias de Shakespeare. E isso o deixava nervoso.
Ignorando Edgar, o médico atravessou o recinto e olhou para Laís. Começou a examinar a menina como todo o médico faz. Algo que fez aquele garoto estranhar toda a situação em que se encontrava. Uma meia irmã, um rapaz com perna enfaixada que solta palavrões para todo mundo, um homem asmático, um médico bem grande. Tudo isso em um só quarto.
-Meu rapaz, o que ela falou foi sopro no coração – explicava o médico se voltando para Edgar. E enquanto ele fazia isso, Laís fazia várias caretas com a língua e esticando a boa, irritando o jovem – Ou melhor, sopro cardíaco. É um ruído produzido pela passagem do fluxo de sangue através das estruturas do coração. Ele pode ser funcional ou fisiológico, ou patológico em decorrência de defeitos no coração. Cerca de quarenta ou cinqüenta por cento das crianças saudáveis apresentam sopros inocentes sem nenhuma outra alteração e com desenvolvimento físico absolutamente normal – Ele então se voltou para a menina.
-Olha seu doutor, eu não sei nem o que é isso. Bombei em biologia.
Viu então a menina abrindo a boca como se quisesse falar que “bombar” estava errado. O médico fez algumas perguntas a ela enquanto continuava seu discurso:
-Em resumo, para você que é leigo... Sopro no coração é um probleminha nas válvulas cardíacas.
-Sei, mas pode repetir de novo. Me perdi no leigo.
O médico bufou, com a estupidez de Edgar. Laís segurava a barriga de tanto rir enquanto batia as pernas no ar. O jovem olhava com a cara vermelha de raiva com aquela baixinha.
-Falando nisso. Você é o que da Laís aqui?
Ele iria falar, mas foi interrompido pela menina:
-É o meu irmão!
Mais uma vez, ele não sabia o motivo, mas se sentiu meio tonto. Pois aceitou as palavras dela. Nunca foi o sujeito mais correto do mundo, só que nunca foi de mentir. Fosse para uma menina ou para um médico. E desde que entrou ali naquele quarto esteve envolvido em duas mentiras. Já que em seguida, o homem perguntou se isso era verdade. No mesmo instante, balançou a cabeça em afirmativa.
Foi visto de cima a baixo.
-Para um irmão sabe pouco da vida dela não acha? São bem parecidos pelo menos. Bem aproveite a visita. E menos barulho esta bem?
Ele mais uma vez atravessou a sala em direção dos outros enfermos. O da perna enfaixada já reclamava de Edgar e foi acalmado pelo médico.
Já Edgar, quando ele deu as costas, mostrou a língua de modo desafiador. Laís riu. O jovem não pode deixar de soltar um sorriso maroto. Quando então balançou a cabeça se lembrando da frase de sua parenta pela metade.
-Como assim sou seu irmão?
-Você não é filho do meu pai?
-Sou.
-Então sou sua irmã.
-Mas não pode – falou cochichando.
-Como não pode? – perguntou inocentemente.
-Ora, pois não pode.
-E qual o motivo?
-Pois não pode. Não pode e não pode. Pronto.
-Não, não é resposta.
-Mas não pode fia de Deus.
-Filha! Ai, ai...
-Cuma?
-Não se fala “fia”. É filha. F... I... Lha! Filha.
-Eu sei como se escreve. Esta bem?
-Não parece... – dito isso falou com cara séria. Isso desarmou o jovem. Ela parecia triste. Estava com um rosto de pena, que deixaria com dó o mais duro coração. E foi assim com o meio irmão de primeira viagem.
-O que houve... Laís é isso? O que houve?
Ela sorriu um pouco quando notou que ele havia decorado o seu nome.
-Minha mãe ainda não veio. E é horário de visita.
A mãe dela. Uma mulher que como sua mãe, deu a luz a um filho de Eduardo. Uma moça, que agora pensou o jovem, deve a infelicidade de conhecer aquele bêbado. Ele pensa sobre isso, e não entende como essas duas tiveram a vida tocada por ele. Quantas vezes as pessoas não notaram o que presta? E no caso dele, o que não presta? Já viu moças se acostumando a um idiota do seu lado, o que fazia compreender esse fato estranho.
-Ela pode ter atrasado – disse o jovem, enquanto mais uma vez se sentava próximo da cama.
-Será? – aqueles olhos cheios de vida. Pareciam os olhos do Gato de Botas do Shrek, pensou ele. Não poderia deixar ela triste. Mesmo sendo uma peste em forma de pequena pessoa.
-É sim. Com certeza! Logo chega. Mas peraí. Você esta em horário de visita é?
-Sim. Lógico.
A pequena mocinha sorriu com aquilo que foi dito. Sabia que era uma mentira na cara daquele jovem. Só que preferiu continuar com a encenação. Gostava da companhia dele. Era óbvio para qualquer observador.
-Você é engraçado.
-Sou é? – falou isso de modo debochado.
-Sim, em especial quando sorri com o canto da boca. Ou fala assim com ela.
-Com o canto da boca?
-Sim. É bonito. Meigo. Meiguinho! Vou te chamar de Meiguinho.
-Mas que raio é esse de “Meiguinho”? Essa palavra nem deve existir!
-Você que fala tudo errado e acha que eu faço o mesmo? Liberdade poética, já ouviu falar?
-Sei, sei... Mas vem cá, qual é a sua idade?
-Tenho doze anos – ao falar isso tentou inutilmente mostrar isso com os dedos.
Edgar olhou com espanto para a jovem.
-Doze? Jurava que você tinha menos anos.
-“Jurava que você era mais nova”. Acho que fica mais bonito.
-Só erro.
-Sim e muito – falou isso fechando os olhos e com ar de superior.
-Sua mãe trabalha no que pivete.
-Ela é secretária, seu troglodita.
-Aonde?
-Em um dentista da cidade mesmo.
-Que legal
Agora ela o fulminava com o olhar. Era em uma parte nervosa, em outra parte cômica aquela cena.
-Você é louco!Minha mãe trabalha nas portas do Inferno de Dante! Tudo bem que eu nunca li esse... Mas é como se minha mãe fosse à recepcionista de um carrasco!
Ele agora ria, quase segurando a barriga por tamanha imaginação. Não gostava de dentista também. Nenhuma espécie de médico. O que nunca fez foi descrever o consultório de um dentista com tamanho perigo. Ela era exagerada.
-Oh menina que gosta de extrapolar que você é!
-Eu? Imagina...
Quando falou isso, os dois estouraram em risos. Era bonito ver o espaço daquele lugar preenchido com as risadas dos dois. Parecia a coisa mais bela do mundo, duas crianças conversando sobre bobagens, Do mesmo modo, eles nem pareciam ser dois desconhecidos até pouco tempo.
Foram interrompidos mais uma vez, agora por uma moça. Muito cansada por sinal. Tinha cabelos castanhos, quase chegando a um tom de preto. Usava camiseta branca e um jeans. Era baixa. O que de certa forma explicava o tamanho de Laís, pois estava na cara de que era mãe dela. Muito bonita por sinal.
-Ai, desculpa o atraso La.
-Tudo bem – falado isso, a mulher abraçou fortemente a criança, confirmando a suspeita de Edgar.
Arrumou a franja do cabelo de Laís e em seguida perguntou:
-Esta tudo bem com você? Comeu? Trataram-te bem?
-Sim. Mãe esse é o Edgar. Ele agora é o meu irmão.
-Como assim querida? – foi quando notou o rapaz na sala. Este por sua vez um “olá” tímido para a recém chegada com a mão – Ah é você de quem ela esta falando? Olá.
-Eu sou o Edgar. Filho do Eduardo. Pontes Tavares...
Viu um rosto de surpresa na face da mãe de Laís. Não de nervoso ou fúria, mas até do que conseguia acreditar ser alegria.
-Que grande você é! Passa bem do meu ombro. Só pode ser filho mesmo. Acho que só a Laís não puxou esse traço.
-Ah... Obrigado. Eu acho.
-Ele é meu irmão – repetiu Laís de modo bondoso. A moça acariciou seu rosto.
-Entendi minha filha. Bem, eu trouxe seus livros.
Falado isso, ela retirou de uma mochila bem infantil, uma boneca gorda, um tufo de folhas amassadas e uns três livros. Edgar se fixou na capa dos escritos. Notou que neles estava impresso O Hobbit, A Última Canção de Bilbo e Mestre Gil de Ham. Pareciam que eram todos do mesmo autor.
-Qual vai querer? – falou a moça segurando os três como um baralho de cartas. Laís pegou o Mestre Gil de Ham – Por que não quis O Hobbit? Você o adorava.
-O filme é chato, mãe! E esta me deixando com raiva do livro.
-Tudo bem, mas livro é livro. Filme é filme. E o livro é tão bonito. Lembra?
-Esta bem mamãe... Mas dessa vez quero esse.
As duas pareciam duas comadres tratando sobre assuntos supérfluos. Já ele mais parecia um moleque que é forçado pela mãe a assistir uma das mais chatas conversas do mundo. Mesmo assim ficou ali ouvindo tudo aquilo, até:
-Esta quase no horário de visita acabar. Amor fica com Deus – deu um beijo na testa de Laís – e a tia Raquel já vai chegar. Ai ela passa a noite com você. Esta bem?
-Certo – disse ela segurando os livros e a boneca como se fosse um filhote bem fofo.
-Bem vamos Edgar? – disse a mãe ao jovem. Este consentiu com agitando a cabeça. Nem poderia fazer muita coisa naquela situação. Onde foi se enfiar?
-Até mais baixinha.
-Olha! Ele falou direito.
Mostrou a língua para Laís sem que a mãe notasse. Levou na mesma moeda.
Enquanto saia do quarto, Edgar fitou o senhor com dificuldade para respirar. daquele mesmo modo continuava. Já o com a perna enfaixada nem o encarava mais. Na verdade o repudiava. Não ligou muito para isso.