segunda-feira, 30 de junho de 2014

(Parte 21) Capítulo Um: Coração sangrando


A terra dos Scots. Colonos que teriam vindo pelo mar. Se estabeleceram no norte da grande ilha há alguns anos. Os povos bretões acreditavam que eles eram piratas, invasores e ladrões. Mas mesmo os ingleses tinham que admitir os valores contidos nos guerreiros daquele povo. Suas espadas e machados se mostravam cada vez mais poderosos se tratava da liberdade de sua terra e de quem amavam.
Naquelas terras, muitos heróis surgiram. Entre eles o poderoso guerreiro Galtran Coração Prateado.
Galtran é o guerreiro que simbolizava os preceitos das Terras Altas. Um homem de passado extremamente honrado. Sua lenda remonta, principalmente, o Vale das Esmeralda: seu lar, terra natal e covil de uma fera ancestral. Quando o guerreiro de cabelos ruivos era jovem, os homens do Vale enfrentavam muitos problemas devido a uma raça de humanóides com face de lagarto. Alguns diziam que eles eram frutos de experiência de um ser ancestral que residia nas jazidas que ficavam nas proximidades. O pai de Galtran teria enfrentado sozinho esse ser, mas morreu.
O próprio Galtran enfrentou o monstro duas vezes. Uma dessas vezes teria sido nos Portões Infernais. O encontro inicial com a temida fera foi no Vale das Esmeraldas.
E existem lendas desse confronto. Uma delas trata sobre os cortes que nunca cicatrizam. A fera era muito poderosa, na época, para os Imortais Esquecidos. Os componente do grupo eram James Gawain, Meg Ryan, Agness Idisamir, Edgar Felkar, Demetrios D’London, Zoltan e o próprio Galtran. O bando enfrentou o monstro sem conseguir fazer muitos efeitos. Porém, a raiva de Galtran e a fé ensandecida de James, fizeram uma ferida perto do olho e outra na mandíbula, respectivamente. O confronto foi relatado pelos bardos como, a Canção dos Dois Cortes na Alma.
Coração Prateado era tratado como uma lenda. Mas poucos sabiam que não era só uma história de conto de fadas, mas sim um herói que vive até hoje. Ele é mais que um guerreiro lendário, era o protetor das Terras Altas.
E logo, todos os Dragões da Justiça saberiam o que um legado dessa magnitude significava. Não das vitórias, mas das batalhas que perderiam. Essas sim, nunca esqueceriam.

Em um castelo, ainda na Inglaterra, um homem mascarado olhava na arquibancada em direção ao horizonte. Um homem chegou até o sinistro Kalic Benton. Era um mensageiro.
-Mestre. Tenho informações do mestre Diogo.
-O que ele relata?
-A mensagem dizia que ele encontrou Van Kristen e Salles. Parece que os dois já cruzaram as fronteiras do reino com seu grupo. Halphy também os acompanhava.
-Muito bem... É certeza que vão até o Portal de Ixxanon. Pelas informações que meus espiões concederam, era essa a direção que tomariam. Só não sei qual o motivo... Para onde estará indo exatamente?
O mensageiro estava quase indo embora, até que o mago mascarado apontou para ele.
-Avisem Daehim – começou ele – Com o surgimento do grupo deles, conforme nosso plano em Van Sirian... Precisamos nos preparar. Os corpos foram levados até o Vale das Esmeraldas?
-Sim mestre! – disse o mensageiro prontamente – Foram protegidos e colocados naquele lugar conforme as especificações. Alias o filhote do dragão também foi levado como nosso mestre pediu. Os magos já fizeram as runas que foram pedidas.
-Excelente! Logo nosso mestre ressurgirá. Mande a mensagem para Daehim e se lembre que Lacktum e Halphy não devem ser tocados.
-Como quiser mestre Kalic Benton II.
O mensageiro começou a andar apressadamente. Enquanto isso, o mago fitava o horizonte. Então, uma voz no salão começou:
-Kalic... Não gosto de seus joguinhos com Lacktum. Isso compromete a minha ressurreição!
Saindo na arquibancada, era possível ver o interior do salão claramente. No fundo uma imensa fogueira verde. Era dela que a voz vinha. As chamas crepitavam mais, com a raiva e o rancor da voz. Que era oculta sua localização exata pelo fogo.
Foi quando o mago voltou ao salão, olhando direto naquele ponto.
-Mestre, sua ressurreição é certa. Não se preocupe. Lacktum irá morrer lhe asseguro. Só lhe peço mais tempo para concretizar meus planos.
-Só permito seus planos tolos, pois compreendo o que a vingança significa para alguém... Continue meu filho insolente! Destrua Lacktum em corpo e alma!
-Eu o farei – disse Kalic Benton II – Esteja certo que eu o farei mestre...
Falando isso, o mago mascarado se levantou e foi em direção do parapeito. E em sua alma corrompida, só existia um só pensamento. O nome do último Van Kristen que vivo.

A neve batia nos joelhos de boa parte dos Dragões da Justiça. O mesmo não se poderia falar sobre Rufgar e os animais. Eles engoliam gelo pelo rosto e focinhos. Mas Seton não se preocupava muito com o anão. E que motivo teria para isso? Ele era um inimigo.
Foi quando notaram que passaram as fronteiras, que Lacktum pediu que parassem. Estavam em uma planície amplamente aberta. Thror se aproximou do anão indefeso. Os outros só olhavam. Ares de reprovação deixavam Rufgar com medo. Que motivo eles teriam para fitar ele daquele jeito? A não ser...
-Thror, - ordenou Lacktum – agora!
Eles iriam o matar! Maldita plebe humana, pensou Rufgar! Isso era de se esperar dos humanos. Quando a sua serventia terminasse o... Soltariam?
-Mas como? – Rufgar ficou confuso – Qual motivo tem para fazer isso? Sou um soldado inimigo!
As cordas que o amarravam há dias caiam pelo golpe da espada curta de Thror. Em seguida, ele a depositou em sua respectiva bainha.
-Eu pensei o mesmo – soltou o grego – Mas se fosse por mim, você seria decapitado imediatamente. Sorte sua anão! Se eu fosse o líder...
-Nós não faríamos parte desse grupo – terminou Seton.
-Ora seu...
-Silêncio Thror! – falou Lacktum, apartando a discussão – Não temos tempo para isso. Devolva as coisas dele.
-Esta bem – falando isso, o homem da cicatriz pegou um machado e a armdura que pertencia ao próprio Rufgar.
Ele começou a colocar os itens, com olhar da desconfiança para os Dragões. Não entendia como a cabeça daqueles filhotes humanos funcionava. Um inimigo deve ser morto ou rendido, nunca liberto. Isso explicava a pouca idade avançada que os humanos atingiam. Não tinham corações feitos de terra como os anões.
-Bem, agora esta livre para partir – disse Arctus com os braços cruzados.
-Parta Rufgar – falou Lacktum sorridente.
O anão terminou de ajustar a armadura e colocar o machado em suas costas.
-Tem certeza disso? – disse Rufgar ainda não acreditando.
-O que foi? Quer voltar a ficar amarrado – disse Halphy se aproximando e colocando a mão na cintura – Vocês anões são tão esquisitos.
-Certo! Então partirei. Mas isso não ficará assim Van Kristen! Um dia, meu mestre o enfrentará!
-Conto com isso Rufgar – Lacktum falava isso segurando com força sua adaga. Aquilo parecia um instrumento de vingança, sempre pronto a destruir quem quer que fosse. E agora, não só Kalic, mas Mallmor se tornou seu alvo. Tudo por Azerov.
Foi quando Nico se aproximou do mago inglês. Estranhamente, o feiticeiro tinha um poderoso efeito apaziguador na alma de Lacktum. Ele já havia notado isso na Grécia. Mas pelo calor do momento, não concedeu a devida atenção. Além de já ter sentido aquela aura em outro lugar.
De repente, Lacktum disse:
-Mas prefiro que, que um dia encontrar Mallmor possa dialogar.
-Assim também espero Lacktum Van Kristen – nesse momento o anão correu na direção contrária do grupo. Obviamente, querendo cruzar a fronteira. Algo mudou em sua alma. Será que os humanos eram todos tão terríveis quando os boatos diziam?
Os Dragões caminhavam na direção de seu destino inicial, com exceção de Lacktum, Alexander e Nico. O mago fitava a estrada que o anão tomou. Ele simplesmente observava Rufgar sumir na neve, esperando que algo mudasse. Que o ódio também sumisse. Mas como faria isso, se nem ele conseguiu livrar da vontade de imensa de matar? O ódio sempre esta nos corações das raças, não importa como.

Dias se passaram desde que  o anão foi abandonado na planície. Lacktum estava inquieto em sua mente. Precisavam chegar logo ao Portal de Ixxanon, para voltarem a se concentrar na busca dos artefatos. Nem sabiam se o ser ancestral que estava em Starten despertou. Havia muitos problemas a serem resolvidos para uma excursão inconseqüente. E no topo dos problemas estava Kalic Benton II. O assassino de sua vida passada.
Halphy se incomodava era com Seton. O maldito druida andava pela neve melhor que Furta Trufas. Enquanto todos se esforçavam para atravessar o mar de gelo, ele conseguia se movimentar livremente. Mesmo assim, ele não poderia ver o que estava próximo das árvores.
-Fiel! – ela gritou para a águia.
-O que foi? – enquanto abaixava até chegar próxima da ladina.
-Vá até aquelas árvores. Acho que notei algo ali.
-Certo!
O grupo parou no meio do caminho. Halphy, assim como os outros, achou que poderia ser um batedor do inimigo. O que poderia causar grandes problemas se caísse nos ouvidos do oponente, que um grupo cruzava aquele território. Mesmo que Kalic Benton estivesse os manipulando não se atreveu, até então, a comentar para as tropas onde os Dragões da Justiça estavam. Se soubessem, o grupo já teria sido destruído. Ou simplesmente queria o clima de paranóia instalado entre eles.
Foi então que Fiel voltou.
-É um homem! Extremamente ferido!

Ele despertou. E a sua volta havia vários rostos diferentes. Um deles possuía uma enorme cicatriz na testa. Outro tinha cabelos vermelhos. Havia ainda um rosto feminino e de animais. Alguns bem esquisitos. Mas o que mais notava, era o rosto do que parecia ser um padre. Afinal, o estava curando.
-Ele esta bem? – perguntou Furta Trufas.
-Já disse que sim – respondeu Arctus.
-O que o feriu? – perguntou mais sabiamente Halphy.
-Agora sim uma boa pergunta – soltou um padre – Há feridas por todo o corpo e de diversos tipos. Acredito ser produto de magia. Mas, estranho... Nunca vi feridas tão dispersas.
-Olhe! – se espantou Valente – Despertou!
O acomodaram próximo a uma árvore enquanto Arctus tratava das feridas.
-Meu caro, o que houve? – questionou o sacerdote preocupado.
-Fugi da minha vila. Fomos atacados por ogros e o seu líder arcano. Eles vieram atrás de nós e nossos itens. Com muita sorte, consegui escapar. Mas não sem antes ser ferido.
-Realmente. Olhem! – falando isso, todos, com exceção de Lacktum, fitaram o suposto ferimento da mão. Não era um golpe, e sim, uma petrificação do membro. Literalmente, petrificado. Seu braço esquerdo completamente em pedra.
-Meu Deus! O ogro fez isso com você? – perguntou o padre.
-Um ogro com tamanho poder arcano seria um grande problema – falou com temor Seton.
-Mas não se trata de um ogro – soltou o homem ferido – Era uma prole de Argos[1].
-Argos? – se questionou Lacktum que ouvia tudo quieto até então.
-Havia dois Argos nas lendas antigas – começou Thror em um de seus acessos de sabedoria, muito raros – Um deles era o navio usado por Jasão e os argonautas. O outro era um monstro extremamente poderoso com vários olhos.
-Onde esta o Thror que eu conheço? – falou Halphy rindo da explicação do grego. Este parecia estar em um transe.
-Uma prole pode ser perigosa. Muitos desses monstros possuem com habilidades nos olhos que os tornam em arcano naturais. Perigosos demais.
-Ele pareceu aproveitar que essas terras estão sendo atacadas por seres bizarros para tomar nossa vila – completou o ferido.
-O que tem de tão importante lá?
O homem engoliu seco. Gustavo notava que ele falava parecia verdade. Mas também, que as próximas palavras entregariam um grande segredo.
-Eu... Venho da Vila dos Meios-Sangue.
-Como? – falou curioso Valente.
-Essa é uma lenda das Terras Altas. Refere-se um território composto por pessoas que descendem de cruzamentos entre as raças – falou Lacktum, aproveitando para citar o que conhecia – Realmente, agora que pude notar que ele é um fealith.
-Como o chamou? – disse furiosa Halphy, enquanto preparava sua mão com uma magia.
-Ah nada – desconversou o jovem.
Ele continuou:
-As lendas contam sobre um antigo tratado entre as raças, em que suas progênies não seriam desrespeitadas, nem usadas como peões em guerras. Logicamente, nem todos concordaram com o plano, mas os poucos que o fizeram criaram uma vila. A lenda chama de Meios-Sangue. Já que os filhos ficaram naquele lugar para manter as tradições de paz, esse nome foi dado. As lendas contam que ela é composta por filhos de elfos, dragões, demônios, elementais e toda a sorte de criaturas antigas. Com certeza, existem itens poderosos naquela região também.
-Bem, vamos cuidar do problema desse pobre coitado, então vamos lá – soltou Arctus, enquanto levantava o pobre homem.
Lacktum olhou com reprovação para o padre.
-Nós não vamos para a vila.

Arctus não era como os padres comuns. Ele tinha iniciativa e força de vontade. E deixar aquelas pessoas em perigo era algo que ele não poderia admitir. O padre quase sacou sua maça, quando Halphy interferiu.
-Deixa que falarei com o mago – ela disse.
-Esta bem – ele concordou.
Halphy se afastou de todos, levando Lacktum com ele. Precisava falar com ele longe do padre e do paladino. Pois também notou a cara de poucos amigos de Gustavo. Quando estavam longe, falaram.
-Vamos lá – começou ela – Me explica.
-Você notou que isso pode ser uma armadilha de Diogo?
-E não acha que imaginei isso? Sou uma mestra das artes furtivas. Mas não acho que isso seja um golpe. Eu entendo sobre isso.
-Certo... Digamos que seja verdade. Necessitamos chegar até o Portal de Ixxanon. Sem tempo para auxiliar um bando de desconhecidos.
Halphy encheu a boca de fúria.
-Veja bem mago, eu escuto a anos que eu só penso em mim mesma, pois sou uma ladina. E eles estão certos. Minhas intenções não têm haver com dinheiro. É poder, por isso despertei meus dons de feiticeira. Mas mesmo alguém como eu sabe o que é certo ou errado nesses seus conceitos ultrapassados de humanos. Precisamos ir até a vila!
-Não! Não precisamos ir até lá! Quer ir até lá, pois se identifica com eles. Nunca comentei sobre seu legado fealith, mas isso não é desculpa para tal atitude.
Halphy não segurou mais a raiva que tinha do inglês. Sentiu-se ultrajada com as atitudes do mago. E falar em fealith, foi à pior das atitudes com ela. A jovem lhe virou um tapa tão forte que foi ouvido por toda extensão de gelo.
-Olha aqui cabeça de fogo, sempre lhe fui fiel e verdadeira! E sabe como você me recompensou? Tratando-me como uma fealith! Esse é o pior dos insultos entre os meio elfos. Isso é jargão daquele enjoados dos sidhe. E se for ver sobre questões pessoais nessa missão teríamos que ver especialmente as atitudes de nosso líder não acha?
O inglês andou para trás na neve.
-Não sei...
-Ah, faça um favor a si mesmo e não minta – disse a ladina feiticeira – nem haveria como. Seria patético isso na verdade. Agora a pouco comentou sobre uma armadilha de Diogo. Qual o motivo de não citar uma de Kalic Benton II? Para que eu não note que sua vingança, diferente do que você pensa se torna algo que compromete sua mente e nossa missão? O motivo de estar em Starten, em primazia, era encontrar o assassino de toda sua família. O verdadeiro fato de querer viajar conosco, era para conhecer o mundo, mas com isso obter as ferramentas necessárias para conseguir seus desejos. E isso foi mais claro em Delfos: quando o Oráculo tocou você, algo ocorreu. Algo que o fez querer ficar conosco. Sou boa para notar esse tipo de coisa. Se quiser continuar o caminho vá! – terminou ela enquanto apontava para o caminho do norte.
O mago hesitou. Queria permanecer com o grupo, mas o que a jovem falava fazia sentido. Mas seus passos ficavam cada vez mais fortes na direção que a meio elfa apontou. Não sem Lacktum disser:
-Estarei esperando você. Mas não se atrasem.
Com olhar triste, a jovem olhava o companheiro cruzar a neve. Temia que algo ruim acontecesse aquele teimoso. Mas nada poderia ser feito. Com uma única exceção.
-Alexander! – gritou ela.
Nesse momento, o cão que estava longe, correu rapidamente a neve em saltos. Quando se aproximou de Halphy, esta se abaixou tocando o pelo dele.
-Vá atrás daquele teimoso do Lacktum e cuide dele.
-Certo Halphy.
E enquanto o cão partia, ela se via em uma situação nova. Era ela quem lideraria o grupo como membro com mais tempo na equipe. Thror não poderia ser, pois era uma negação. Enfim, ela provaria para si mesma que poderia fazer a diferença naquele mundo. Mesmo sendo uma mulher.

O jovem Lacktum então cruzou todo aquele terreno com Alexander ao seu lado.  Um dia se passou depois da discussão com a meio elfa. E ele refletia sobre o que a garota havia lhe falado até então. Ela não estava errada, mas não era necessário agir daquele modo. As pessoas não compreendiam o que um acontecimento como aquele que passou significava. A dor e a angustia que surgiu em seu coração eram imensas.
-Você sabe que ela gosta de você, não sabe? – falou Alexander.
-Ah, mas ela tem um jeito interessante de mostra – respondeu o arcano.
-É verdade isso! Lembra o que falei sobre venenos?
-Que o veneno inserido nos corações é parte das trevas que eles mesmos criaram? Eu acho que era algo parecido com isso, não é?
-É mais ou menos isso. Os nossos sentimentos nos tornam fortes, mas também criam males enormes. Dependendo do que eles falam, afetam nossa alma de modo único. Os homens têm a teimosia de agarrarem um sentimento como se fosse seu ultimo dia de vida.
-Mas é o que normalmente fazemos. E não acho ruim.
O cão, que atravessava a neve junto com Lacktum, o olhou com sarcasmo. Era engraçado ver a feição de um animal com expressões quase humanas.
-Você esta vivo?
-Sim, mas...
-Não terminei! Você acha que nesse mundo antigo e fora do eixo é o único que quer se vingar de alguém?
-Lógico que não! Mas tenho mais coragem que a grande maioria. E a magia é minha arma e aliada.
Foi quando o cão parou e mostrou o quanto era sábio.
-Exato. Você tem magia. Tem algo que poucos possuem. E a usa como? Como uma arma. Uma mera ferramenta de sua vontade mesquinha. Ela é muito mais que isso. É uma chave que abre portas. Portas da realidade. E mesmo havendo dezenas... Talvez, centenas de outros que tem como meta se vingar de alguém, nem todos a usam assim.
-E o que isso tem de relação comigo?
-Quantos são guiados por um só sentimento? Alguém forte não é controlado por emoções, mas sim as domina. Como a magia que domina tão bem. Se fizesse o mesmo com suas vontades, seria um dos homens mais fortes do mundo.
-Exagerado, não acha Alexander?
-Como um mago que evoca a Arte.
O mago então riu da comparação. Ele então notou que poderia ser patético às vezes. Quantas vezes ele agira, mais por motivos pessoais do que pelo bom senso? A meio elfa estava certa.
-Bem, - decidiu o mago – vamos prosseguir. Mas vamos esperar por eles em Ixxanon...
Quando ele iria terminar a frase, foi interrompido por sons de cavalos pela neve. Eles se aproximavam do mago e do cão. Eram tantos, que os dois mal sabiam de onde eles estavam surgindo.
As patas jogavam neve para todos os lados. Era claro que mesmo na floresta tão grande e vasta, notaram o estranho mago e cão. Ainda por cima, os cavalos pareciam criar o barulho de trovões, assustando a ambos. Alexander se colocava em uma posse agressiva, rara de se ver.
Era possível ver cerca de vinte e dois cavalos montados, no mínimo. Todos possuíam homens bem armados e com trajes típicos das Terras Altas. Os machados, espadas, clavas e maça batiam no ar, enquanto o ritmo frenético das montarias continuava quase que acompanhando as armas.
Quando os cavaleiros se aproximavam de Lacktum, ele se preparou para soltar uma magia, sua mão foi acertada por uma machadinha. Um pouco mais preciso e o golpe cortaria sua mão ao meio. Mas só houve uma pequena ferida na palma, pelo menos.
O líder dos cavaleiros desceu de montaria. Ele era imponente. Não como os outros, que só aterrorizavam. Seu carisma parecia vir de seu andar. A confiança em sua face lembrava as lendas sobre bárbaros tão poderosos que faziam tremer impérios e reinos. Não havia barba em seu rosto, mas ele parecia marcado como se muitas batalhas tivessem se passado diante dele. Seu traje, apesar de típico das Terras Altas, mostrava as peculiaridades de um druida: uma foice curta na cintura, um pequeno saco que parecia conter erva e outras coisas. Os cabelos vermelhos possuíam uma trança que mostrava seu cuidado com a aparência, mesmo tão judiados. E era claro, pelo seu físico exposto, que facilmente venceria Thror em uma queda de braços.
Ele se aproximou do mago, pegando pelo braço da mão machucada. Esboçando um sorriso, ele começou a falar para o mago.
-Pelo jeito, você além de um mago de segunda é um maldito inglês!
Alexander pensou em atacar, mas antes de esboçar uma reação o druida, com a mão vazia, soltou uma magia em galês:
-Stop!
Quando isso ocorreu o cão ficou paralisado. Lacktum mal tentou reagir quando levou um golpe que fez cair bem afastado do agressor. O sangue jorrou fazendo uma linha enorme.
O agressor chegou próximo de Lacktum.
-Quem é você? Qual o motivo de querer me matar? Eu não fiz nada! Praga! Minha mão...
-A mão da criança esta doendo?
Todos os cavaleiros riram do jovem. Com exceção do líder dos mesmos. Este levantou a mão pausando as risadas. Ele agachou até o arcano falando:
-Eu, se quisesse, te mataria no momento que joguei a machadinha. Ou no momento em que torci seu braço, enquanto paralisava o cão. Talvez, quando atingi seu rosto. Não importa inglês, pois até agora ninguém cruzou a fronteira sem estar extremamente ferido ou morto. Não sei como fugiu daqueles malditos mortos e armaduras que servem ao falso Kalic Benton, mas quero lhe fazer umas perguntas – enquanto falava isso, segurava pelo cabelo de Lacktum agora – Ah, mais uma coisa... Sou o protetor das Terras Altas desde o século V. Chamo-me Galtran Coração Prateado, para responder sua pergunta.
Feito isso, o druida jogou o rosto de Lacktum contra a neve com toda a força possível. Aproveitou, pegou Alexander e o colocou nas costas do cavalo de um dos homens ali presente. Já o mago, ele jogou em sua própria montaria. Cavalgaram para a direção de onde vieram.

Como Lacktum, o grupo atravessou a noite até chegar a Vila dos Meios Sangue. O lugar era afastado, e não parecia ser de fácil acesso. Isso alterou drasticamente o caminho feito até então. Havia muitas árvores colocadas de modo estratégico. Isso era óbvio.
A maioria do grupo se sentia mal em deixar o arcano partir sozinho. Não havia como alterar os pensamentos de Lacktum quando colocava algo em sua mente. Mas já diziam as lendas que alguns magos enlouqueciam com o poder que ganhavam. Então ele deveria estar seguro, pois loucura era com Van Kristen.
No começo ele vinha aparecendo com todo aquele jeito sombrio, não se importando com nada e ninguém. Aos poucos, especialmente depois que conseguiu tirar aquela maldita máscara, ele começou a reagir como alguém melhor. Uma pessoa diferente.
A ladina e o padre concordaram na mudança do membro arcano do grupo. Ele estava bem mais receptivo do que quando o conheceram. Mas ainda não retirava a impulsividade e inconseqüência inerentes no jovem de nobre de cabelos vermelhos. Na verdade, o fato de ser o antigo filho de um barão talvez afetasse seus julgamentos, eles pensavam.
Pessoas que eram tão dispares quando Halphy e Arctus concordavam sobre muitas coisas.
O mesmo se dizia sobre as opiniões sobre os outros membros do grupo. Um exemplo era a questão de Thror liderar. Era um bom homem, mas muito passional para comandar os Dragões da Justiça. Além disso, estava o óbvio questionamento ao intelecto do grego e sobre sua memória. Poderia ser um grande problema.
Chegando até a vila, notaram que estava vazia. O meio elfo – que eles souberam depois, se chamava Turin – disse que deveriam estar todos presos em uma caverna próxima. Era o refúgio da prole de Argos.
Turin dizia que depois dos acontecimentos relacionados com a nova Cruzada instaurada pelo papa, os monstros começaram a ficar mais perigosos e se mostravam mais aos olhos humanos. O pior surgiu, quando as Alianças que servem Kalic Benton II dominaram aquelas terras. Deve ter forçado alguns monstros e criaturas das trevas a fugirem de seus esconderijos. Isso foi um fato comentado por Azerov e reforçado por Aluniel. E agora, isso foi reforçado com o ataque da vila.
Quase sempre, quando os habitantes se revoltaram, eram presos nas cavernas. E Turin dizia que isso ocorria constantemente.
Chegaram de frente a caverna, mas se mantinham escondidos. Encontraram um tronco, onde não eram vistos e ficavam protegidos. Halphy criava um plano:
-Bem eu entrarei lá como uma batedora. Assim sabemos como estão armados e onde estão as pessoas da vila.
-Me deixe ir até lá com você – falou Thror como uma criança que pede algo.
Halphy o fitou com raiva.
-Olha, não reparou que possui uma armadura pesada demais? Irá fazer barulho e preciso ser silenciosa.
Arctus tocou o ombro de Thror, falando passivamente:
-Não se preocupe grego. Nem eu, nem Gustavo podemos entrar com ela. E Seton não quer entrar. Minha armadura também pode se tornar um grande problema.
-Isso não é justo! – disse o grego como uma criança cheia de manha.
Seton então começou a questionar o motivo para ele também não ir.
-Disseram que eu não queria ir, mas foi mais por insistência da ladina.
-Sua foice é grande – ela respondeu – O túnel é pequeno pelo que Turin comentou. Largo o bastante para os ogros se locomoverem bem. Mas sua arma ficaria batendo no teto,
-Não tenho culpa disso...
-Ah – disse Halphy levantando o dedo em desaprovação – e você não vem comigo Valente. Então saia da minha mochila.
Foi quando todos notaram, com espanto, a cabeça saindo das costas da meio elfa. Ele saia da mochila com certo receio. Ninguém, com exceção da moça havia notado que ele havia entrado ali.
-Como me viu aqui? Falando sobre isso – disse com ar de sarcasmo Valente – su mochila parece maior por dentro do que por fora. Bem maior!
-Primeiro, sou uma ladina e uma feiticeira de primeira grandeza. Não acha que enganaria alguém como eu? Além disso... É essa mochila é grande por dentro sim.
-Me deixa ir! – pediu humildemente o suricate.
-Olhe aqui, eu até deixaria... – comentou a jovem – mas ainda estou nervosa com você por quase atacar aquele bando de mortos famintos.
-Foi um acidente!
Nesse momento, Gustavo interferiu na conversa, falando sobre o fato que ocorreu na noite antes de chegarem de frente a caverna:
-Você gritou contra ele, dizendo que cortaria os seus pescoços!
-Foi um momento de fraqueza.
-Não importa agora – terminou a ladina – Tenho que ir até lá. E sei como ficar invisível para eles – falava enquanto jogava uma espécie de pó sobre seu corpo. E a visão de seu belo corpo começou a sumir diante dos Dragões da Justiça, literalmente.
O grupo se espantou com a habilidade de Halphy. Isso se devia ao item conhecido como Lágrimas de Odin, uma substância que tornava invisível seu usuário. Ela disse ter ganhado de Aluniel, mas Arctus desconfiava. O pouco que sabia sobre o item dizia que item era fabricado no norte, por duendes que imitavam uma magia e um item raros.
Foi então que Nico fez o mesmo, mas através de uma magia própria. Magia de invisibilidade. Halphy notava que o feiticeiro era bem poderoso para a idade. Se é que aquela era realmente sua idade, pensava ela.
Ainda lembrava-se do fato que ouviu na torre de Azerov. Tratou Lacktum como um jovem, quase uma criança. Qual era o motivo? Ela não acreditava que era uma falha na conversa. Não era o momento para isso, e ele estava bem concentrado nisso.
-Vamos? – disse o ar com a voz de Halphy.
-Vamos! – disse o ar, na direção contrária, com a voz de Nico.
Os dois então começaram a andar na direção da caverna. Era possível notar ver seus passos na neve, mas ambos eram precavidos o bastante para não serem pegos pelos monstros daquele lugar.
Mesmo com os dois ogros enormes e vigilantes na frente da caverna, o feiticeiro e a ladina que começava a trilhar aquele mesmo caminho arcano, entraram na escuridão.
Enquanto isso, o grupo esperava por um sinal dos dois. Assim como esperavam que Lacktum estivesse bem.

Gustavo seguiria a jovem Halphy. Isso se devia ao fato de que ele acreditava que ela tinha razão. Mas afinal, será que o mago estava tão errado? Sua mente começava a criar tantas duvidas quanto inimigos que surgiam a sua frente. Mas não era momento para questionar isso. Era o de esperar. Mas cada instante parecia um século.




[1] Uma prole de Argos só possui um olho, mas sua massa física esta sempre em constante mudança.

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