segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

(Parte 11) Capítulo Quatro: Vivendo uma prece



Ele já lhe disse que lhe ama?
Eu sou a verdade e a vida
Você ao menos pode acreditar
Você tem muito que agradecer
A tua vida é mais importante
Do que jamais imaginou
Por isso olhe bem aonde vai
Ele te ama, confie nele!
Ele conhece todos os teus problemas
E quando você chora escondido
Apesar de tu não querer
Você tem muito que aprender...

Arctus chega, enquanto Gustavo declamava essa canção. Para o clérigo, era comum ouvir Gustavo cantar desde que teve aquele sonho. Parecia a mais pura verdade, ver seu irmão mais novo num espectro luminoso azul, dizendo que já serviu o seu propósito na vida. Mas como seu irmão, o destemido Gustavo deveria preencher seu lugar de companheiro num grupo de aventureiros.
O paladino continuava na janela. É então que sente a mão do clérigo em seu ombro.
-E então Salles? Preparado?
-Sim Arctus – falou colocando sobre a do sacerdote.
-Acha mesmo que ele pereceu?
-Eu queria que não tivesse... Mas acho que sim. Sinto que sim.
-Entendo.
Gustavo então se vira em direção ao amigo que o apoiava e com os olhos castanhos e tristes diz firme:
-Vamos, pois temos muita coisa para ver. E a Santa Sé conta conosco!
Arctus solta um sorriso amarelo, pois sabe que a empolgação do amigo é falsa.
Eles descem a escada da taverna. Os dois sentiam uma má sensação. Eram aliados a um bom tempo e um sabe quando o outro estava ferido na alma. Quando chegassem ao final das escadas teriam que partir a uma jornada que poderia nunca mais ter volta. Que Deus faça com que estejam errados foi o que pensaram.
Pagam as contas, inclusive dos estábulos onde mantinham os cavalos. Ainda não era tempo de Gustavo possuir uma montaria especial, mas acreditava que sua honra logo mostraria ao Pai que era merecedor. Mas se contentava com seu velho Sam, um belo corcel pesado.
Enquanto Arctus mexia na sela de sua montaria Fred, o clérigo notava que o cavalo se incomodava com peso dos itens. Mesmo assim o sacerdote se preparou para subir no animal.
-Se acalme amigo - disse o padre Arctus enquanto passava a mão no pelo do animal – calma. Quando chegarmos lá, te arranjo o que comer.
Foi então que as montarias começaram a cavalgar cada qual com seu respectivo cavaleiro. E enquanto seguiam o sol no horizonte, conversavam.
-Qual era o nome da musica que declamava? – perguntou curioso o sacerdote.
-Ultimo aviso. Apropriado não é?
Arctus mais parecia um templário, todo equipado e cheio de orgulho desses monges guerreiros. Ele havia raspado o meio de sua cabeça para não ter nenhum problema em combate, o que não era nenhum incômodo para si. Um sacerdote de Deus teria que combater muitos maus, ele pensava.
O paladino de longos cabelos negros não estava mais triste ou nostálgico. Só receava pelo seu irmão. Nem pensava na segurança de seu reino. Afinal, o sol que brilhava sob sua cota de malha, não refletiria mais o sorriso.

Vários dias se passaram desde que os jovens aventureiros voltaram do Oriente. Eles não se sentiam como antes. Não festejavam como naquelas antigas semanas que iniciaram ali, quando Federick estava entre eles. Não sentiam o ótimo gosto do vinho bom. Tão pouco se olhavam entre si, mesmo que fosse só para conversar um pouco sobre o que fariam agora. Essa situação se arrastou por duas semanas.
Azerov e Madelyne, sempre tentavam alegrar os amigos que conquistaram em tão pouco tempo naquela torre. O velho mago conversava com Halphy e Lacktum, algumas vezes calmamente tentando os fazer melhorarem, outras de modo repreensivo. Afinal, eram eles que tinham o maior poder sobre o animo do grupo. Experiente, o mago dono da torre falava para eles que ambos tinham maior força sobre o grupo, pois eram extremamente inteligentes. Líderes natos, ele dizia. Mas eles se deixavam envolver pela dor da perda de um companheiro.
Só Gor se mantinha forte. Ele se mantinha como um verdadeiro soldado, que ignorava os sentimentos tristes e depressivos. Um forte, um homem de fibra, mas não frio. Até Thror se levantava de sua depressão quando o inglês surgia.
Um estranho fato ocorreu quando o mago inglês se sentia triste e estava completamente só na torre.
Lacktum tinha vários momentos de depressão. E em um deles ocorreu um fato sinistro e macabro. Enquanto lia seu grimório, o mago ouviu o seguinte.
Van Kristen ouça...
Ele olhou ao redor e não viu nada. Quando notou as suas mãos, cobertas pela luva cheias de inscrições mágicas, elas tremeram.
-Mas que In...
Ouça Van Kristen Vou precisar...
De repente, o mago colocou as mãos em seus ouvidos. Era como se uma serpente penetrasse em sua cabeça. Ele se debatia, para inutilmente, retirar essa voz do seu espírito. Eram livros e pergaminhos caindo no chão. Nada fazia a voz venenosa parar seu processo.
-Saia de onde estiver! – berrava o jovem.
Você sabe que estou em sua mente
Lacktum parou de pé, no meio da sala. Ele colocava a mão sobre si, como se adiantasse algo.
A sala se manteve em silêncio. Foi quando Lacktum escutou:
Vou precisar do seu corpo
Quando escutou isso, um forte impacto tomou corpo e alma do mago. Ele caiu ao chão tão rápido, quanto uma arvore que perde as raízes.

Os dias que se seguiram, foram estranhos. Lacktum era extremamente obsessivo, mas aquilo era demais para ele. Os isolamentos, os utensílios mágicos secretos, os modos rudes e até os nomes que trocava, não combinavam com Lacktum. Vez ou outra era possível notar o mago indo a lugares isolados, fora da torre. E isso preocupava a todos.
Apesar de nunca ter sido tão ligado ao paladino, muitos pensavam que Lacktum estava assim por conta da morte do companheiro. Eles mal desconfiavam das atitudes suspeitas do mago. Não achavam estranhas as fugas dele, porém, sabiam que ocorriam bem mais do que de costume.
Só Azerov conversava com ele.
Este se recuperava lentamente dos dias em que leu o livro. Mas ainda, exigia cada vez mais de Madelyne. Ela ficava fazendo as tarefas que antes compartilhava com Azerov. O engraçado era que o mago nunca a trava com uma serva. Era mais como uma amiga. Mas Halphy, que já havia percebido isso, se utilizou desse fato para verificar a torre.
Como Madelyne assumiu algumas tarefas de Azerov, ela não poderia ficar em todas as partes da torre ao mesmo tempo. E Halphy tinha certeza que aquele local deveria possuir uma localidade secreta. Era típico de lugares assim possuírem portas secretas. E ela iria achar.
Quando estava em uma de suas explorações, por esse local secreto, notou um pequeno fluxo de ar próximo da escada para o primeiro andar. Começou a tatear a parede, com a finalidade de encontrar uma brecha, uma pedra solta ou uma alavanca. Foi quando mexeu um tijolo um tanto quanto suspeito e gasto. E nesse momento, parte da estrutura da parede se moveu, revelando uma passagem.
Halphy entrou no lugar calmamente, com a preocupação de não ser emboscada. Apesar de já viver a mais de um mês ali, nunca viu aquela passagem. O que lhe causava medo. Ela sabia que magos eram conhecidos por itens mágicos, mas também por armadilhas arcanas.
Os passos eram leve como as de um gato. A meio elfa abafava os sons da caverna, como podia. Havia praticado roubos o bastante para aprender como aliar as sombras ao silêncio. E ela se sentia mestra nessa arte.
Após um bom tempo, a caverna se mostrou uma enorme gruta. Era linda. Todo o lugar exalava a magia silvestre, a força da flora e da fauna. A ladina controlava muito pouco da Arte, mas já sabia que a magia provinha de algum lugar em Avalon[1]. Mas será que Azerov conhecia alguém da Ilha do Repouso do Rei? Da Ilha das Brumas? Ela logo teria essa resposta.
Quando notou, ouviu passos na caverna. Eram delicados, mas já pareciam acostumados com as pedras do lugar. Foi quando Halphy notou algo que nunca imaginaria. Quem estava ali era Madelyne.
Halphy não sabia o que fazer. Não poderia se esconder, muito menos mentir. Ela ergueu a besta de mão. Foi quando a ladina, vi pela primeira vez, o rosto da jovem encapuzada. Ela tirou o capuz. Madelyne era uma ninfa.
-Que coisa, - disse Madelyne espantada, mas não assustada – achei que ninguém acharia esse lugar. Você é fenomenal.
Halphy abaixou à besta quando constatou que a imagem de Madelyne era de uma ninfa.
-Você... Você... É uma ninfa!
Madelyne sorriu.
-Sou sim. Perdão se nunca revelei isso a vocês.
-Mas... O que... Por qual motivo?
-Primeiro, uma ninfa não seria bem tratada entre os homens mortais. Segundo eu tenho alguns problemas que Azerov concordou em me ajudar.
-Como assim?
Pegando na mão de Halphy, a ninfa continuou:
-Só posso lhe dizer que você não deve contar isso a ninguém. Promete?
-Mas... Olha... Ah! Esta bem, mas só me conte uma coisa.
-O que seria?
-Qual é o seu nome? O verdadeiro. Pois eu sei que uma ninfa não teria o simples nome de Madelyne. Ainda mais alguém de Avalon. Por isso essa gruta lembra tanto a Ilha das Brumas, não é?
As duas riram como confidentes amigas de muitos anos. Apesar de tudo, elas tinham um parentesco, afinal ambas tinham sangue faérico. E ao que parecia, corria forte em ambas.
-Esta bem, - respondeu a ninfa com ar de encabulada – meu nome é Aluniel.

Os dias se passaram e Azerov se recuperar do livro, já havia preparado a carga da pedra de Ixxanon.  Eles estavam preparados para mais de uma viagem. E eles não tinham muito tempo. Ficaram sabendo que a ilha da bruxa havia sido atacada por um bando misterioso de mercenários. Com certeza o mesmo grupo da criatura que estaria caçando eles desde Starten. Mas isso não era algo para ser considerado, pelo menos não agora.
Novamente Azerov se preparava no segundo andar. Varias runas de conjuração circundavam toda a sala, e como antes, havia uma pedra no centro que acumulava a mana que estava ao redor da torre. Ela ofuscava os itens mágicos e mundanos da sala.
-Já sabem o procedimento. Mas repito, irão para o norte? Irão para o Reino da França? – soltou Azerov seriamente.
Halphy olhou para Gor. Este assentiu com a cabeça, como se tudo estivesse pronto. Lacktum ficou no canto, olhando a todos de forma indiferente e se lembrando da conversa com Gor.

Gor chamou para conversar com o jovem um belo dia.
Estavam em um pequeno morro onde havia colunas de uma ruína de origem espartana pensava o mago. Em uma delas, Gor se sentou, enquanto Lacktum olhava tudo ao redor de pé. Estava irritado como de costume.
-O que foi guerreiro?
-Lacktum... Quem lhe concedeu a adaga e o brinco?
-Meu pai – respondeu confuso o mago.
-Você sabe do que eles são feitos?
-Não.
-Eu acho que são moldados em metal espectral.
-Como assim? Metal espectral? Nunca ouvi falar disso.
O dia estava claro e cheio de pássaros no céu. Pareciam que estavam em migração.
-Dizem lendas que alguns elfos negros encontraram um metal de qualidade boa. Porém, quando ele era forjado pensando em alguém as propriedades das armas e armaduras ganhavam especialidades únicas, a favor ou contra a pessoa.
-Como o Coração de Kana?
-Sim, mas outras raças já o encontraram na superfície e o chamaram de metal do ressentimento.
 O silencio preencheu o dia.
-Mas o que você quer dizer com isso?
-Olhe Lacktum, em boa parte dos casos o forjador tem um grande rancor da pessoa para qual a arma ou item foi sincronizado mentalmente. O que constitui um mistério. Que talvez só você desvende. Seu pai deveria conhecer o próprio assassino pelo que me falou. Qual o motivo disso?
-Nem imagino, mas seja o que for ele deveria querer me proteger. Mesmo assim, como você veio a me falar sobre isso só agora? Conhece a nós um pouco mais de três meses e só agora me fala sobre todos esses fatos.
-Eu escondi a todos que era um Imortal Esquecido, pois precisava da confiança de todos que estão aqui. Quando era um homem comum era sempre tratado como uma pessoa normal, sem nenhum privilegio. Mas quando as pessoas sabiam do meu poder sobre a morte, sobre a minha imortalidade, queriam me usar ou me tratavam como um demônio ou bruxo. Precisava ter certeza que vocês confiavam em mim pelo que sou de verdade, não pelo que eu posso fazer ou fui. E com vivi até hoje não queria ser maltratado, nem usado como na época em que era mortal. Mas agora não pense sobre mim e sim em como seus itens podem ser a resposta para o que aconteceu com você.
Gor então se levantou, chegou próximo de Lacktum e disse:
-Pense nisso, se a mascara o deixar fazer.
Foi então que Lacktum conseguiu lembrar precisamente das palavras de seu pai.
Destrua aquele que surgir quando esses itens demonstrarem sua verdadeira face
Lacktum se calou enquanto o guerreiro inglês voltava para a torre. Ele segurava a adaga pela lamina. O que saia da pele era sangue.

Lacktum voltou a si. Azerov olhava para o jovem mago com ar de piedade. Ele sabia que a máscara o controlava, mas não poderia fazer nada, afinal deveria ser parte de seu destino. O mago ruivo tinha sido fraco em relação aos poderes do Desalmado.
O que Azerov e Halphy souberam sobre o Desalmado em suas pesquisas foi que ele já foi um poderoso e grande mago de renome até mesmo em terras desconhecidas. Tão ou mais perigoso – era o que diziam as lendas – que Merlin, Morgana LeFay, Paracelso ou Gibraltan D’Asgard. Ele enlouqueceu após ter sido capturado e torturado durante meses por um antigo inimigo. Ambos temiam o que poderia acontecer com Van Kristen, pois a consciência do Desalmado residiria na máscara.
Mas não era momento para isso.
-Perto de uma colina Francesa existe um templo em uma colina. Procurem direito, pois esta encravada naquela região pelo que dizem os livros. Cuidado, pois lá residem alguns monstros. Então partam... Agora!
O jovem mago iria esboçar uma pergunta, quando a magia de Azerov estava pronta e amplificada pelo poder da pedra, os fazendo sumir novamente em um piscar de olhos. O experiente mago olhou para quem ficou na torre. Novamente, Richard e Hugo, ficaram por lá. Mas o velho caduco iria aproveitar dos dois.
-Acham que vão ficar só estudando e treinando aqui na torre? Nada disso! Você de cabelo liso, vá limpar todo esse lugar. Já você vá limpar, vá ajudar Madelyne a cozinhar. Prepare um peixe de preferência.
-Eu sou Richard, e ele se chama Hugo. Eu sou um druida, ele é um feiticeiro. E não somos seus empregados! Quantas vezes vamos ter que lhe falar isso?
-Olha que eu lanço magia de novo em vocês!
-Ai, ai. Algumas vezes – começou a falar Hugo, olhando para cima como se suplicasse ajuda – eu penso que não seria se fossemos com eles.

Enquanto cavalgavam, Arctus e Gustavo conversavam.
-Para onde exatamente vamos amigo? Quais foram às ordens da Santa Sé? – perguntou um pouco mais entusiasmado o paladino.
-Iremos para o Reino da França! Temos ordens de encontrar um grupo de aventureiros que caçam uma serie de artefatos poderosos. E isso de certa forma vai de encontro com meus planos.
-Planos? Que planos?
-Quero conquistar postos na Igreja e com isso ser mandado para Jerusalém.
-Então eu lhe ajudarei meu amigo. Um sacerdote como você precisa de uma espada para se proteger.
-Há, há! Muito grato Gustavo, muito grato!

Quando abriram os olhos, estavam diante de uma pequena vila. Halphy logo a reconheceu como um lugar de origem de sua terra natal. Estavam no Reino da França.
Lacktum então começou a falar.
-Vamos direto para a tal colina. Quando mais cedo formos, mais cedo voltamos.
O guerreiro inglês ficou furioso. Mantinha os olhos sobre o mago ruivo. Então o líder falou:
Com que autoridade quer mandar no grupo? O grupo segue minhas ordens, e eu digo para seguirmos até a vila para obter informações. Ou tem algo contra?
Ele se opõe a nós Ele não sofreu o que nós sofremos É melhor se livrar dele logo...
-Cale a boca! – gritou a esmo Lacktum.
Foi quando muitos do grupo notaram com Lacktum havia mudado. Todos começaram na direção da vila como Gor havia falado. Somente Halphy e Gor ficaram um pouco mais de tempo naquele mesmo lugar. Mas todos dentro do grupo agora o olhavam com certo temor.
-Lacktum, - falou alto Halphy com cara de emburrada – pelo menos encare Gor, não grite com o vento. E sem motivo algum! Ele esta certo!
Foi quando Lacktum finalmente notou que havia ficado nervoso com a tal voz. Não com um ser vivo, não com uma criatura, nem um animal, mas sim com um som que escutava em sua mente. Ele então colocou uma das mãos sobre a nuca em sinal de desespero. Não compreendia o que estava acontecendo de errado.
-O que ocorre comigo? – falava isso baixo enquanto caminhava na direção da vila - Será que nós estamos enlouquecendo? Mas espere...  O que eu disse?
Não os ouça Não conceda atenção para eles Nós estamos juntos

Todo o grupo tinha sido mandado para perto de uma vila, em uma pequena floresta que lá havia. Pouco a pouco saiam da mata. Obviamente, os últimos a saírem foram Halphy e Gor. Enquanto isso, o mago continuava transtornado pela voz que escutava e as ordens que dela vinham... Ordens? Não eram lembranças? A certeza já não existia em sua mente o traiam. Elas surgiam como se fosse dele. Era muito estranho, mas era bom, ele pensava. De uma forma macabra, era muito bom.
Quando lá chegaram se lembraram de Starten, onde boa parte deles havia se encontrado. Não havia como não se lembrar. Porém, essa cidade parecia mais prospera do que a pequena vila em que os aventureiros de encontraram pela primeira vez em sua jornada. Mesmo assim algo, como Starten, estava errado.
As portas e janelas, todas fechadas, mostravam que o lugar transbordava medo. Não havia pessoas nas ruas, nem na fonte que lá existia, com só um pobre mendigo dormindo ao seu lado. O único lugar que demonstrava um pouco de vida era a igreja. Isso se devia a um coroinha, que olhava com receio para os jovens. Mas mesmo com temor ele chamou o padre.
Gor então falou de canto de boca:
-Será que estão com medo de nós?
-Acho que não inglês – falou Halphy, com seus olhos amendoados – se fosse isso, eles deveriam saber com antecedência sobre nós. E para isso alguém deveria entender de magia.
-Realmente – soltou Seton – mas quem não garante que haja um mago na cidade?
-Um mago, em uma cidade que se encontra no meio do Reino da França? Você não acha que isso ficaria muito exposto para as autoridades locais?
-Verdade.
-Mas com o rei saindo em direção das Cruzadas isso poderia ser despercebido.
Foi então que Lacktum atravessou o grupo, rumo ao centro da cidade com muita rudeza.
-Fiquem calados e comecem a andar. Nada começa ou termina se ficarmos parados aqui!
O guerreiro Gor se controlava o quanto podia. Halphy se colocava na frente do inglês, impedindo uma tentativa de ataque do soldado contra Lacktum. Esse se colocava mais a frente do grupo, como se os liderasse em direção da igreja. Mas ninguém pensava nele como um líder de verdade. Ultimamente ele agia mais como um estorvo do que um membro do grupo que se uniu a eles em Starten. Desde aquele período - que já completava quase quatro meses – ele sempre tinha sido um chato. Agora, o mago exagerava em sua arrogância nas ultimas semanas. Parecia que os outros o confrontassem.
Quando lá chegaram, o padre estava a postos para recepcionar a todos. Parecia ter um rosto abatido.
-Ainda bem! Graças a Deus! Vieram nos auxiliar? Vieram em nome da Santa Sé? Desculpe a aflição, mas temo que o mal que esta atacando essa cidade esta nos deixando loucos.
-Calma – respondeu Gor prontamente – Bem, não sei qual o motivo disso tudo, mas viemos por algo que não tem relação com essa vila. Também não somos da Santa Sé. Mas, se nós contar o que houve por aqui para que todos estejam com tanto medo, talvez possamos auxiliar vocês. O que ocorreu por aqui? Qual o motivo das casas estarem fechadas desse jeito?
-É o fim dos tempos! – gritou apavorado o padre – Um espírito desencarnado invade a vila e ataca os homens e mulheres mais fracos. Como esta nas escrituras sagradas. Quando os mortos voltarem será o fim dos tempos. Meus amigos... Se puderem nos auxiliar serei eternamente grato! Somos alvos da fúria de um fantasma!
-Se ele soubesse o que passamos então em Starten... – cochichou Thror para Halphy.

Entrando na igreja, todo o grupo ficou sabendo do terror que a vila passava: há cerca de um mês uma jovem de nome Annete teria morrido de forma misteriosa. Havia comentários que talvez ela tenha sido morta por um amante misterioso, já que seus pais nos confidenciaram que ela esperava um filho. Nunca souberam quem era o pai. No corpo havia marcas estranhas, até mesmo para um animal. Muitos acreditaram que ela talvez tenha sido atacada por uma das criaturas tenebrosas que invadiu aquelas terras, pois estava sumida a um bom tempo. O padre, até então não acreditava muito nisso, mas esse era um assunto para ser tratado depois. O que realmente importava era o fato que tinha ocorrido. Tempos depois, o cemitério teria sido invadido por algum estranho que roubou o corpo da jovem. Rumores correram pela cidade, sobre adoradores de Satã se infiltrando na cidade, querendo os corpos dos mortos para criar vida profana. Alguns desses boatos falavam sobre pessoas da vila que teriam um interesse em especial no corpo da garota, para esconder um segredo. Nenhum desses fatos foi confirmado pelo padre, sendo que nem ele tinha certeza sobre isso. Mas o pior estava por vir. Já que a algumas noites atrás, no alto da torre na igreja apareceu na noite, a forma feminina espectral e diabólica da jovem Annete. Pelo que o sacerdote comentou, parecia uma mulher usando a mortalha que cobriu a jovem, quando esta foi enterrada. Ela proferia palavras de vingança e seus gritos criavam varias explosões de chama tão grandes, que cobriam uma casa pequena. Era o fogo do Inferno alguns diziam. Tudo teria ocorrido há uma semana, e desde então, toda a noite o espectro surge do nada soltando blasfêmias em outra língua. Não fazia muito tempo que o padre Bernard assumiu aquela congregação. Os pais da garota não queriam falar com ninguém sobre aquilo. Eles falavam que o filho do demônio possuiu sua filha e por isso ela atacava. Todos da vila se refugiavam em suas próprias casas, pois acreditam que a igreja era maldita, já que a jovem espectral surgia varias vezes de lá.
No grupo todos escutavam, prestando atenção em cada detalhe. Exceto talvez, Lacktum que nem queria saber sobre tudo aquilo. Este ficou na porta da igreja, olhando o sol se pondo no horizonte. Achava sempre tediosas as conversas com os sacerdotes, independente do deu que seguiam.
Halphy e Gor sentados nos bancos conversavam com o padre. Esse estava tão nervoso, que só se lembrou de falar seu nome depois de toda a explicação sobre o ocorrido na vila. Seu nome era Bernard e já era padre daquela congregação havia três meses, desde que o padre anterior morreu. Ele tinha medo que a Santa Sé não acreditasse nele. E a ladina e o guerreiro inglês sabiam como era a liderança da Igreja em relação a fatos fora do comum. Então, era dever do grupo ajudar aqueles pobres aldeões da vila.
Thror nunca compreendeu muito bem esses assuntos religiosos daquele povo. Ele acreditava que um só deus ficava muito atarefado para cuidar de tudo e todos. Zeus cuidava do céu, das aves, das chuvas e das tempestades. Poseidon tratava da água, dos peixes, dos monstros marinhos e das enchentes. Por ultimo, Hades cuidava dos mortos, dos Campos Elísios, do Tártaro, do rio Estige e de tudo que ficava abaixo do chão. Nada mais. Havia outros deuses, mas os mais importantes eram esses três.
Seton não ligava para isso. Ele acreditava que a natureza era sua companheira e mestra. Talvez nunca tivesse compreensão sobre o medo dos homens desses fantasmas, pois nunca foi uma pessoa que temia espíritos. Os espíritos que sempre conheceu eram os poderes da Grande Mãe.
Mas para a maioria que havia estado em Starten, acreditar em fantasmas era algo plausível.
Quando Halphy, Gor, Thror e Seton escutavam as suspeitas do padre – que dizia poder ser a culpa de uma curandeira que havia na cidade, pelo que ele dizia – o mago voltou gritando. Parecia que tinha visto uma aparição.
-Todos venham logo para fora da igreja! Acho que estou vendo a tal Annete!

Todos saíram da igreja apressadamente. Gor e Thror já desembainhavam as laminas de suas armas. Já Halphy preparava sua besta de mão ao mesmo tempo em que retirava sua saia improvisada, afinal era uma terra católica acima de tudo. Aparência era tudo em um lugar como aquele. Tanto que o próprio Seton tinha que embrulhar sua foice em vários tecidos para encobrir. Do modo como muitos naquela vila deveriam ser fervorosos fiéis da igreja católica poderiam achar que ele era a própria encarnação da morte.
Quando estavam fora do templo, notaram que as pessoas olhavam para o alto, em direção da torre da igreja. Lá em cima, se podia notar uma figura translúcida coberta por um manto branco, próxima ao topo. Ela tinha o rosto de uma jovem moça contorcido de dor. Olhava em direção ao grupo com certa raiva. Então, ela começou a proferir palavras com tom macabro.
-Mas que língua infernal é essa? – esbravejou Seton.
-Você respondeu seu próprio questionamento, druida – respondeu Lacktum, quando chegava próximo do grupo – Na verdade, essa linguagem é denominada abissal, o idioma dos seres das trevas, os gênios do mal que os homens tratam por demônios.
-Onde você estava? – a furiosa Halphy perguntou ao mago – Não veio logo para fora.
Vendo o padre se esconder de medo atrás do altar. Patético eu diria. Mas voltando ao assunto, o que ela esta dizendo – começou a traduzir o ruivo de cabelos arrepiados – são palavras de ódio contra o padre, a curandeira e algumas outras pessoas da vila. Tem esse tom macabro, pois é difícil falar. Até para mim. Esta nervosa mesmo... Esta usando jargão de baixo nível. Bem existe algo errado agora, pois ela parece estar falando coisa em outra língua. Parece...
-O fantasma fala a língua dos césares? – soltou Gor. Ele não falou aquilo como uma pergunta a qualquer um do grupo, mas sim pelo fato de achar aquilo muito estranho. Como uma constatação sobre o idioma que estava sendo falado agora. Quando serviu a coroa inglesa ele conheceu um homem que morou em Roma. Outro soldado, como ele. Isso foi depois de ter conhecido Kalidor, James e Galtran. Sempre ouvia atentamente historia de heróis guerreiros contra magos poderosos e malignos. Pois tinha saudade dos Imortais e essas histórias o lembravam deles. Mas tinha certeza de que aquilo era língua falada em Roma.
De repente o espectro macabro gesticulou com sua mão rapidamente, como se fizesse uma sinistra dança da morte. E sem motivo algum, seu corpo acompanhava o bizarro bailado. Até a criatura parar subitamente e estender sua mão em direção ao grupo proferindo algumas palavras:
-Bruciare
Em um instante, uma luz explosiva preencheu aquele começo de noite e ela cruzava o ar com força avassaladora. Só houve um instante para Halphy gritar.
-Corram!
A jovem saltou com desenvoltura única para longe do foco da luz incandescente. Lacktum pulou na direção das escadas da igreja para tentar se salvar. Seton levou metade do impacto da enorme bola de fogo que quase consumiu seu braço e perna esquerdos por inteiros. Gor e Thror se machucaram demais para fazer qualquer coisa em resposta. A armadura pesava demais, como uma pedra que desacelerava cada movimento. E isso causou enormes marcas de queimaduras por todos os corpos dos membros do grupo. Quando todos notaram, a causadora de todo aquele efeito devastador no meio da cidade, havia sumido. Como um fantasma.
Seton, mesmo ferido, começou a ajudar os outros. Logicamente pelas feridas no braço, não pode lançar magias de cura, nem usar seus emplastros, mas sabia como tratar de queimaduras. Os aldeões agora saiam de suas casas, para tentar auxiliar o grupo. Eles tinham rostos tristes e deprimidos, abatidos por alguma coisa que os aventureiros conheciam bem: medo.
-Deuses! – falou Seton, enquanto tratava as feridas e alguns aldeões o auxiliavam – Por Cernunnos e Ceridween! Aquele espírito quase nos matou! E como arde!
-Eu não teria tanta certeza – soltou Halphy pensativa.
-Por acaso, quer me fazer acreditar – disse um Lacktum irritado – que aquele ser desencarnado não queria nos matar? Olha...
-Escute direito ruivo! Para começo de conversa, ela realmente queria nos matar. Mas você tem que notar algumas coisas estranhas. Primeira, é que o padre disse que a criatura lançou uma esfera de fogo, como hoje. Ao que parece, é a primeira vez que um grupo de aventureiros vem desde então. E o suposto espírito soltou um tipo de magia rara nos dias de hoje contra nós. Não é suspeito?
-É verdade...
-A segunda coisa a se notar é exatamente o fato dela lançar magias. A tal Annete era só uma mera camponesa, nada além. O feitiço como falei antes, era poderoso o bastante para ferir gravemente e o tolo guerreiro grego. E se não fosse pela imortalidade de Gor e a resistência de Thror eles poderiam ter morrido. E desde que eu me lembro criaturas desencarnadas não são conhecidas por possuírem grandes poderes arcanos. A não ser que os tivessem em vida. Minha mãe me ensinou isso.
-Isso é bem correto – disse Gor, levantando após o golpe arcano e cobrindo seu corpo para que os aldeões não visem sua cicatrização veloz – mas ela não poderia ser uma maga ou feiticeira sem que a aldeia soubesse?
-Pouco provável que fosse uma maga, sendo que seria necessário um tomo arcano para lançar magias. Essa aldeia é pobre demais e supersticiosos o bastante para notar um grimório. Feiticeira é mais provável, mas notou como ela mudou o idioma sem motivo algum? Ela queria nos assustar e começou a falar em outro idioma.
-Como se fosse uma palavra de ativação! – soltou Lacktum, batendo uma mão fechada contra a palma da outra, imaginando ter notado algo.
-Palavra de ativação? O que seria isso? – perguntou o já confuso Thror.
-Quando um item mágico é criado, - começou a explicar Lacktum – alguns deles simulam efeitos mágicos específicos que são acionados através de uma palavra. Assim, o efeito surge como se fosse mágica desse usuário. Mas é necessário muito talento em ludibriar um item mágico, pois alguns ladinos são conhecidos por usar esses itens.
-Como assim? - perguntou Thror.
-É que só arcanos podem usar esse tipo de item normalmente.
-E eles precisam ser lidos no idioma de seu criador – completou Halphy.
-Acreditam então... – falou Gor olhando para a jovem.
-Que foi obra de um item arcano. Não de uma magia propriamente dita. Nosso fantasma é falso.



[1] Ilha mítica de onde teriam surgido alguns heróis das lendas arturianas, como Morgana, Lancelot, Merlin e o próprio Arthur. Também seria seu lugar de repouso final.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

(Parte 10) Capítulo Três: Sem medo

            -Salamaleikum! Meu nome é Naktuh. Fiz um acordo com Azerov para levar vocês até o Mausoléu das Almas Esquecidas. Tirem as armaduras e as vestes pesadas, e coloquem as roupas que estão ali.

            -Sahib, se quer aprender... Estude! Não é de sua terra que teria surgido a lógica? Então, é lógico que se estudar vai aprender tudo o que quer entender.

            Ele então se voltou para Naktuh.
-Salah Leikum aventureiros. Cuidem uns dos outros, pois esse lugar é habitado pelos espíritos de grandes heróis... E grandes vilões.


Nasceu na Inglaterra

            E no outra, havia mais uma inscrição:

Amires das Rosas, barda e encantadora
Grã mestre das Orquídeas Negras
Influenciou de modo definitivo na guerra dos Portai Infernais
Nasceu na terra de Castela

            Sempre que viam uma estátua, nela notavam as inscrições. E ela sempre continha fatos sobre a estátua, de onde era e, logicamente, seus nomes. E cada uma mostrava em sua pose seu ofício ou profissão, sendo que assim era possível notar o que faziam em suas vidas. Mas seus rostos mostravam um ar de dignidade, glória e honra. Eram heróis acima de tudo.
            A última estátua estava na frente do mausoléu. Era possível ver a imagem de um cavaleiro poderoso, segurando uma espada longa. A inscrição, dessa estátua era:

Kalidor Hein Hagen, guerreiro e espadachim
Barão do Lobo Negro e um dos líderes dos Imortais Esquecidos
Mestre de Murak e que teve como esposa Shizuko
Nasceu na Inglaterra

            Lacktum olhou este último com curiosidade. Ele tinha mais poder do que qualquer outro que estava ali era possível notar isso pelo porte daquela estátua. Ela não emanava poder arcano, mas parecia muito mais poderoso que o próprio mago, que controlava a magia, era engraçado pensou ele, um guerreiro ser mais poderoso que um arcano. Mas barão do Lobo Negro... Isso incomodava sua mente. Onde já viu algo sobre esse barão e suas terras?
            Enquanto olhava para a estátua ouviu um gemido e gritos de alerta. Um membro do grupo passava mal. E caia perto de uma estátua.
            -Gor! – gritou Halphy preocupada com o inglês – O que houve?
            -Eu não sei, - soltou Gor gemendo – mas estou sentindo muita dor! Uma dor que me fez lembrar... Delfos! Mas... Quanta dor...
            O druida tentava notar o que causava a dor no corpo de Gor, mas não achava nada. Ferida, mordida, marca de alguma doença e até mesmo, algo arcano. Nada, nada parecia ser a causa.
            -Praga! – gritou Seton.
            -Ele já teve isso – se lembrou Federick – foi em Delfos, lembra? Estava...
            O próprio paladino interrompeu sua fala quando notou que Gor cobria uma inscrição com seu corpo. Quase ninguém a notou. Somente mais umas das estátuas, todos pensavam, que possuía roupas antigas dos ingleses. E então, eles notaram o que a estátua tinha de estranho. Isso talvez explicasse de uma forma estranha e bizarra, as dores do soldado inglês. A estátua possuía a face de Gor! E então viram o que estava escrito abaixo da estátua:

Gor, guerreiro e soldado
Serviu ao Rei da Inglaterra quando esta não se chamava assim
Nasceu na Inglaterra

            Quando eles notaram, por de trás da estátua de Kalidor Hein Hagen, um homem surgia. Eles notaram que a estátua tinha traços muito parecidos com o homem que vinha na direção dos aventureiros. Era como se ela tivesse tomado vida.
            Foi quando Lacktum se colocou na frente do companheiro cheio de dores, tentando o proteger de uma possível ameaça. Mas era como se uma mera visão dos olhos daquele homem, trouxesse um golpe até a alma do mago. Ele não precisava sacar a espada na cintura para derrotar o mago em alguns instantes, ele tinha certeza disso. Ele realmente não possuía nenhum poder arcano em seu corpo, só em suas armas. Só se sentiu tão inútil antes quando enfrentou o desconhecido na Grécia. Era o confronto visual ente um deus e uma formiga. Foi então que o jovem soube o que era um homem com força e poderes épicos.
            -Ora, - soltou o homem – também esta sentindo isso Gor? Faz tanto tempo que não sabia mais o que isso significava... Dor... Muito tempo mesmo.
            -Quem é ele? – perguntou inquisitivo Seton a Gor – Como lhe trata intimamente? E o que ele esta fazendo nesse mausoléu?
            -Gor não contou não é? Eu imagino – falou passando a mão no rosto – que você não o fez, pois os ama demais. Acredito que esse foi o motivo.
            Gor gemia cada vez mais de dor
            -Pare com essa conversa toda – exigiu o furioso Lacktum – e revele logo o motivo dos rostos de Gor e o seu estarem nas estátuas. Se bem que desconfio de algo.
            -Ora Van Kristen. Notou o óbvio! Meus parabéns! Mas é claro que não foi só você que notou isso – falou isso, olhando para Halphy – não é minha jovem?
            -Lógico - falou em resposta a ladina – mas e a dor de Gor?
            -Logo veremos isso, mas acho que Gor suportará isso. Não vai ser mortal. Mas uma coisa: sabem o motivo de estarem aqui? O verdadeiro motivo de estarem aqui? O motivo pelo qual o Irmão Destino ter os trazido, todos, até esse lugar no tempo e no espaço?
            -Como assim? Espaço? Destino? Tempo? Que brincar - começou Lacktum nervoso quase preparando uma magia– mas esta usando o momento errado.
            -É isso mesmo Lacktum – apoiou Thror.
            Foi então que, da capa que o estranho colocava de lado, surgia à forma de uma bainha e uma nova espada. Era possível também ver a armadura de cor negra que combinava com os seus cabelos de cor ébano. Ele sacou a espada e a pressionou contra o chão com tanta força que dentro de toda aquela penumbra, pareceu um relâmpago.
            -Silêncio! Todos – exigiu ele – silêncio absoluto!
            -Esta bem – soltou um Thror meio perdido e amedrontado.
            Era como se um terremoto tivesse passado por todos, porém o cavaleiro de armadura negra nem o sentiu. Ele o causou. O único que não se preocupava com isso era Gor, que tentava dominar sua própria dor.
            -Então olhem para aquela estátua. Especialmente você Seton – falava isso, apontando para a figura.
            A figura era enorme e usava roupas que mais pareciam as de um escocês. Além disso, em cada mão portava uma machadinha. E uma inscrição estava abaixo dela:

Galtran Coração Prateado, bárbaro, batedor e druida
Líder do Vale das Esmeraldas e do clã Coração Prateado
Irmão de Half e originou Nemesis
Nasceu nas Terras Altas

                Seton notou o que ele queria, quando falou sobre a estátua. Coração Prateado era um druida que, diziam as lendas, ensinou novas magias aos servos da natureza e a todos aqueles que tinham descendência céltica. Seton sendo inglês ouviu muitas histórias sobre isso. Como quando um espírito demoníaco se instalou em seu corpo e a vitória de Galtran sobre a criatura abissal. Ou quando feriu o olho de um dragão que se cobria com as esmeraldas encontradas em seu vale. Ele foi o maior praticante da Arte dos druidas na Inglaterra e na Escócia. E de certa maneira, os mestres de Seton sempre o citavam em seus ensinamentos.
            -E você Lacktum, olhe esta aqui.
            Quando notou, viu um cavaleiro em uma armadura completamente pomposa, entre as estátuas. Lacktum já sabia quem era, pois notou o brasão Van Kristen. E sentiu ódio daquele homem.

Guilherme Van Kristen, guerreiro e lanceiro
Comandante das tropas do Lobo Negro e guardião do Baronato
Nasceu na Inglaterra

            -Esse maldito – falou o arcano – é meu ancestral e a causa de meu pai ter desejado que eu fosse cavaleiro. Para não negar seu desejo – falou isso, olhando para baixo – como se uma lembrança amarga surgisse em sua mente – enquanto ele esteve vivo treinei para isso.
            O estranho apontou em direção à outra estátua. Na verdade, para duas. Primeiro a de Agness e para Meron. As inscrições nela continham:

Meron feiticeiro de sangue celeste
Arcano de grande força meta-mágica
Nasceu nas Terras Altas

            Agness foi uma lenda entre os ladinos, enquanto Meron era um renegado, mas poderoso entre os feiticeiros. Ambos eram pessoas que fizeram as lendas que lhe contavam quando criança. Mas Agness foi amiga de sua avó, pelo que sua mãe falava.
            -E você paladino. Olhe para aquela estátua.
            Quando notou, viu que como a estátua de Galtran e Kalidor, essa estava quase no final do corredor.
James Gawain, paladino, templário e cavaleiro do cálice
Barão do Lobo do Norte e Grão mestre secreto dos templários
Mestre de Kender e marido de Tallyana
Nasceu na Inglaterra

            Federick descendia de uma ordem de cavaleiros treinados por Kender, discípulo de Gawain. Na verdade havia um comentário que seus filhos teriam se tornado reis em terras distantes de nosso mundo. Mas como tudo eram lendas. Pelo menos eram lendas antes.
            -Todos vocês descendem de um ou mias Imortais Esquecidos. Heróis e vilões, que surgiram um determinado período de cinco séculos após a morte do Messias católico. Que enfrentaram demônios e deuses antigos, na atual ilha denominada Inglaterra. E que surgiram séculos depois para enfrentar um novo mal que era contido deles mesmos. Isso que os fez sair do reino dos mortos, foi uma benção: os trouxe para a vida, mas os forçou a uma imortalidade condenada. E então nós vivemos tentando encontrar um modo de acabar com esse martírio. Entenderam o que digo?  Vocês foram envolvidos nessa guerra, não seus por motivos pessoais, na verdade eles se entrelaçam com o destino de algo muito maior. Criando um paradoxo que notaram mais para frente, se alcançarem um grau de poder bem elevado. Como o nosso. Não é mesmo Gor? Ou ele não contou a vocês que viveu num período logos após o domínio de Roma sobre todo o mundo conhecido? Alguns anos ou séculos depois eu acho. Nem que ele havia ressuscitado a ele, para enfrentar o ma? Nós somos os Imortais Esquecidos! Meu nome é Kalidor Hein Hagen, barão do brasão do Lobo Negro. Guerreiro e espadachim de primeira grandeza que se casou com minha eterna companheira Shizuko. E este que anda entre vocês, também foi um membro do nosso grupo antes de minha entrada. Gor, um soldado de um período esquecido pelos ingleses.
            Todos se sentiram completamente estupefatos com a revelação do guerreiro. Ele viveu num período de heróis e lendas, e talvez ele tenha constituído boa parte delas. E Gor, um companheiro supostamente valoroso, era bem mais que isso.
            Enquanto isso, Thror soltava uma brilhante pergunta:
            -Quem é você?

            Lacktum parecia atordoado com todas essas revelações. Nem notou o rosto confuso da jovem Halphy, completamente atônita. E como sabia, isso significava que nem ela acreditava o que ocorria ali. O que não poderia ser verdade, na verdade era. Ninguém poderia forjar aquela situação. Ninguém poderia forjar aquela verdade.
            -Você veio fazer o que aqui? – perguntou Lacktum, mantendo o controle.
            -Vim rever meus companheiros. Os dois que dormem foram os que mais marcaram minha vida. Ele, Wiegref, foi como um irmão para mim e ela...
            Ele se calou e olhou ao lado, com um olhar triste, mas apaixonado na direção de uma das estátuas. Lacktum entendeu que uma paixão entre a modelo daquela estátua e o guerreiro de armadura negra já existiu.
            -Independente, - continuou o poderoso Kalidor – são vocês que terão que cuidar desse problema. Vocês terão que proteger esse futuro.
            -Mas então nos ajude! – disse Halphy inconformada – Você tem poderes que superam a nós todos!
            -Não posso nem devo fazer isso. Pois essa luta não é mais minha. Com o tempo, entenderam isso... E não quero perder mais o controle de minha sanidade.
            Ele começou a andar entre o grupo, passando seus olhos por cada um pausadamente. Todos o notavam e sentiam o poder enorme que ele emanava de dentro de si. Eles sabiam que Kalidor Hein Hagen estava realmente passando entre eles. E então, ele pousou sua mão direita sobre a cabeça do mago. E sem o olhar diretamente disse:
            -Mas saiba que o destino de vocês é um só. Parece difícil de compreender agora, mas um dia entenderam.
            E quando terminou te disse isso, Kalidor se moveu e olhou em direção ao pobre Gor. Este continuava com suas dores, gritando e gemendo com força maior do que qualquer vez que tenha sido atacado em combate. E Kalidor esboçou uma pequena pontada de dor ao olhar na direção do velho soldado inglês. Ele se agachou, observando seu antigo companheiro com olhos cheios de ternura.
            -A dor é grande, mas passará. Se acostume, pois ela diminuirá, eu lhe garanto. Bem... Boa sorte companheiro.
            Foi então que Lacktum olhou na direção do cavaleiro negro com fúria. E gritou:
            -Não iremos parar de tentar fazer o que achamos necessário! Não importa quem teremos que enfrentar! Mesmo que seja você e todos os que te servem! Eu já perdi muito nessa vida, e não quero saber qual futuro o destino reserva para mim! Eu quero controlar meu futuro! Meu destino!
            Kalidor olhou com escárnio para o mago, e em resposta, riu. Por último repetiu:
            -O destino é um só.
            E saiu da caverna, como se quisesse deixar os corações mais confusos do que já estavam.

            Gor se recuperou pouco depois, não totalmente, mas o bastante para se levantar e se apoiando no muro ou nas paredes, chegar à entrada. Lacktum e Halphy discutiam o real motivo de Kalidor estar ali, mas não entravam em consenso. Ele achava que o cavaleiro estava lá para trazer confusão ao grupo, já que o pouco que sabia sobre ele, dizia que o dito cujo, serviu ao próprio Hades. Mas Halphy achava que o problema vinha de que ele não ofereceu ajuda. Nem nada do gênero para ludibriar eles. Ela achava que o cavaleiro não estava lá para corromper ou mesmo enganar. Ele queria auxiliar, mas de que jeito, ela não tinha idéia...
            Seton olhou confuso para os dois discutindo, enquanto levantava Gor. Thror não sabia o que fazia, enquanto passava a mão na marca em sua cabeça. Federick colocou fim na confusão e nas discussões.
            -Parem com isso! Precisamos continuar agora que Gor esta melhor, mas não perfeito. Prestem atenção em nosso amigo
            -Mas ele não nos contou toda a verdade – soltou Lacktum irritado.
            Gor com a voz dolorida começou:
            -Me perdoem. Não queria influenciar suas decisões... No que um dia já fui... Ou sou... Só queria que soubessem que alguém se importa com vocês. E que de um modo ou de outro eu necessitava de auxílio, afinal, viram o futuro em Delfos alguns, não é? E viram o que havia embaixo da catacumba em Starten? Não podemos ignorar isso!
            Todos se calaram. O lugar frio fazia o coração daqueles que já foram amigos se congelar e endurecer cada vez mais. Foi então que Federick abraçou Gor, repentinamente.
            -Você é um amigo. Confie em nós e confiaremos em ti. Pelo menos eu confiarei em você Gor.
            Foi então que Lacktum, mesmo com a máscara macabra, esboçou um rosto de tristeza. O que ele notou se tornava cada vez mais evidente em sua mente. Ele não entendia os sentimentos dos outros, pois o ódio o cegava. Só podia reparar que se sua magia era voltada para a vingança contra o demônio em forma de homem que destruiu o que amava. E as certezas de antes, naquele instante, não eram mais tão claras.
            Federick apoiava o corpo do exaurido Gor. O paladino apoiava moralmente todos os companheiros do grupo, sempre os consolando e criticando quando fosse preciso. Mas acima de tudo, era alguém em quem todos confiavam. Talvez com exceção de Thror.
            E com as forças que ainda tinha, Gor foi o primeiro a entrar no templo. E logo em seguida, todo o resto do grupo o seguiu.

            O mausoléu era parecido com o que muitos acreditavam ser uma catacumba egípcia, porém possuía traços de uma cultura grega. Havia sempre colunas que serviam mais como decoração, do que alicerce, mostrando todo o cuidado do arquiteto. A obra faraônica era tão bem estruturada que nem precisava de apoio para o teto. Seria uma obra fenomenal, se não fosse o ar sepulcral e o clima claustrofóbico que ela exalava. E o engraçado, era notar traços de uma cultura sidhe sombria.
            O grupo entrava com receio, na escuridão. Mas foi então que Lacktum estalou os dedos, e um brilho de luz se manifestou no cajado do rapaz. Seton já advertiu todos mostrando que aquela não era uma catacumba comum. Não viu nenhum dejeto animal ou criatura rastejante de qualquer tipo. O que lhe causava muito mais medo, do que visse uma serpente extremamente venenosa. Afinal, os animais sabem onde existe vida.
            Parecia que o lugar diminuía enquanto adentravam mais no mausoléu. Mas  eram sua percepções que diminuíam, quando mais desciam na masmorra sinistra, criando um medo muito maior.
            Foi então que o atento da meio elfa se fixou ao corredor que se dividia em dois.
            -Vejam uma encruzilhada.
            -Bem, - soltou Lacktum forçando a vista – é verdade. A nossa atual rota continua o nosso caminho pelo mausoléu, o outro desce ainda mais nesse lugar. Acham que devemos seguir qual?
            Federick apontou a mão em direção a encruzilhada, e sentiu que se continuarem no caminho que estavam uma forma de mal. Mas não como aquelas com que estavam acostumados. Ele sentia a energia negativa, mas não era só isso
            -Cernunnos me faz querer continuar por esse caminho.
            Lacktum olhou para seus companheiros. E pela primeira vez, depois de tanto tempo com a máscara maldita, ele tomou uma decisão em prol do grupo. Ele olhou para todos e especialmente para Federick colocando a mão no ombro, e então disse:
            -Sinto que devemos descer. Vamos explorar o lugar. Se formos até a fonte do mal, agora, teremos problemas para sobreviver. E temos que nos preparar para qualquer perigo. Se você sentiu, talvez seja muito poderoso para enfrentarmos.
            -Concordo – falou Halphy.
            -Não irei – disse Federick.
            -Como? – se espantou o mago.
            -O que vocês ouviram. Não vou fugir do mal, vou ao seu ao encontro. Enfrentar o perigo esteja ele perto ou longe. Não estou indo contra ti Lacktum, afinal é um mago, pensa muito mais estrategicamente. Mas não posso me esquivar disso.
            Quando isso foi dito, Thror agarrou o braço do paladino. O guerreiro santo olhou furioso para o grego, como se seu olhar fosse uma flecha. E ele acertou o rosto do homem sem memória.
            -Vamos logo, - disse Thror debochado – você não sobreviveria sem nós. Pare de teimosia Federick.
            -Ou será – retrucou o príncipe – que é você que teme morre? Talvez, só talvez, você não perdeu a memória, mas teme enfrentar o passado, que tal?
            Foi nesse momento que o punho de Thror encontrou a face de Federick. O nariz do paladino jorrou sangue como um espirro de água. Ele caiu na parede e no chão duro de areia.
            -Fale isso de novo seu fresco, inútil! E enfio suas palavras goela abaixo!
            Nesse momento houve um silêncio no corredor. Todos temiam um confronto entre eles. Só Gor tinha forças para segurar um dos dois. Porém, teriam homens extremamente poderosos brigando e o inglês não seria o suficiente para ambos.
            Foi então que Gor trouxe uma solução à disputa.
            -Esperem! Deixem comigo e Federick. Vamos explorar aquela região.
            -Mas... – começou Lacktum, antes de ser interrompido por Gor.
            -Não se preocupe arcano, eu o protegerei. Afinal, ele foi único que se manteve ao meu lado quando Kalidor soltou que eu mentia para o grupo.
            -Esta bem, mas se cuide. Salamaleikuh, Gor.
            -Leikuh Salama, meu amigo mago. Vamos Federick – pegando pelo braço do paladino – vamos logo. Quando mais cedo partirmos, mais cedo voltaremos. Não é?
            -Certo – disse o contrariado Federick
            Thror, ainda não conformado, falou aos berros.
            -Nos ainda acertamos as contas quando voltar.
            -Pode ter certeza disso!
            E então, o grupo que era composto pelo druida, o mago e a jovem ladina, desciam as escadas. Enquanto Gor e Federick acendiam suas tochas. A luz era tão fraca quanto, as esperanças de ambos os grupos. Mas não como o brilho do olhar de um paladino. Parecia até uma estrela. Uma estrela cadente.

            Enquanto desciam as escadas Halphy já sentia a raiva tomar conta de si.
            -Lacktum, - disse Halphy – como você critica Gor por nos esconder a verdade, mas não intercede por Federick? Gor é nosso líder! Teria que ter mais controle sobre nós.
            -Halphy, - respondeu pausadamente – eu o reprovei por mentir, não por se preocupar com o grupo. E ele o fez por que achou necessário. Não sei se ele é um bom líder para essa missão de busca pelos artefatos, mas ele já foi membro dos Imortais Esquecidos. Pode lidar melhor que nós com alguns problemas.
            -Isso não é desculpa, nem resposta para mim, Lacktum.
            -Mas para mim é! E temos que nos preocupar com o agora. Vejam.
            As escadas terminavam em mais um corredor. Havia uma abertura no meio de mesmo, enquanto no final havia uma porta grande e de aço, que se diferenciava da construção egípcia. Parecia ser feita de aço de Damasco e tinha um símbolo que todos percebiam ser dos elfos negros. Era um coração de prata, que significava nobreza entre os sidhes sombrios. O que significava que, fosse lá o que estivesse atrás da estrutura de aço, seria de um eldar monar[1], de pelo menos uma das casas dessa sociedade.
            Foi Seton quem quebrou o fascínio de Halphy e Lacktum sobre o lugar, dizendo:
            -Por onde começamos?
            -Vamos ver o que existe naquela entrada sem porta, primeiro? – falou Lacktum.
            -Tudo bem, destemido líder.
            Foi então que Lacktum notou que quando Gor se ausentava, era ele que fazia às vezes de líder. Ele tomava as decisões, olhavam nele alguém que controlaria os ânimos dos exaltados. Mas não era hora para se concentrar nisso.
            Quando entraram, viram uma sala preparatória para atos fúnebres. Isso era claro no ar e no aspecto do lugar. Havia uma mesa aonde deviam depositar os corpos e usar óleos e as ervas apropriadas para a conservação dos mesmos. Diferente da cultura egípcia, os órgãos não eram extraídos, isso era notável. Era possível reparar nisso, pois não havia vasos fúnebres, nem sequer uma forma de guardar os restos mortais dos cadáveres. Realmente, aquele lugar não possuía só características de povos egípcios e gregos.
            Ao fundo, um grande córrego de água surgia de uma construção tubular aberta, com uma imensa abertura. A água límpida - e ao que parecia - fresca, corria com muita força. Era notável, para o druida, que a nascente não estava nem muito perto nem muito, longe deles. Mas por precaução, que os fez sobreviver até agora, eles não pularam diretamente até água. Mesmo que a sede falasse mais alto em suas gargantas.
            Foi então que Lacktum notou algo surgindo por de trás da mesa. Parecia com um chifre. Mas mesmo sabendo que um animal desse tipo não existia naquele deserto, - com o pouco conhecimento natural que tinha – ele não temeu muito por isso. Ele começou sim, a temer, quando viu o tal chifre se mover para diferentes posições e notou que eles eram na verdade um apêndice cefálico. Seton se aproximava com a foice na direção do ser, quando o mago concluiu o que era aquilo.
            -Saia de perto dessa mesa Seton! – gritou o mago inglês.
            Mas era tarde: a criatura visou o druida. Criatura essa que lembrava mais uma mistura de besouro com formiga. A bocarra possuía formas parecidas com presas, que se confundiam com a enorme carapaça. E as patas eram usadas como modo de manter em pé atacando Seton, como se fosse uma criatura bípede.
            E o enorme inseto não atacava o corpo do druida, mas sim sua arma. Ele tentava devorar a enorme foice de Seton.
            -Ah, seu maldito! – falando isso, Seton retirou a foice das costas.
            -Seton! Não! Ele se alimenta de metais! – gritou Halphy.
            Nesse momento, Seton reparou o que Halphy quis dizer: o monstro não queria atacar realmente Seton, mas sim devorar sua arma. Foi então que Lacktum notou que a criatura deveria ser um Devorador de Metais. Elas são criaturas que dissolvem os metais das armas ou de qualquer item feito por esse material.
            -What can I punish my opponents magic. Let them feel the pain of my flaming Art.
            E então, um chicote de energia surgia em pleno ar, graças a um gesto de mão de Lacktum. E como se fosse um domador de feras, fez então o inseto recuar.
            -Magia nova? – questionou a perceptiva Halphy.
            -Sim, ganhei de presente do Azerov!
            Foi então que Halphy moveu o braço para apontar sua besta contra a criatura, que saltou num ataque. O golpe teria sido certeiro, porém, a carapaça interrompeu o trajeto do virote. Mas isso foi o suficiente para Seton. Ele aproveitou para atacar, o que seria a cabeça do inseto. Mesmo assim, isso não o deteve.
            Ele subiu sobre o corpo de Halphy repentinamente. Ele expelia um ácido que só afetava metais porem, não deixava de ser assustador.
            -Sai daqui nojento!
            Em um instante, a criatura se fixou em uma faca que Halphy portava na cintura. E nesse momento ele atacou sua arma. Com um rápido bote, o monstro devorou a arma da ladina.
            -Seu...
            Nesse momento, Seton tentou atacar novamente com a foice. Foi bem sucedido contra o devorador de metais.
            Lacktum tocou um bracelete que vinha usando desde que partiram da torre de Azerov. Quando ele fez isso soltou uma palavra de comando.
            -Burn!
            Nesse momento, o mago criou um novo chicote de chamas. O golpe foi fulminante para o monstro. Ele queimou tanto, que se encolheu até sua carapaça se desfazer, enquanto se envolvia em si mesmo.
            No intervalo desse tempo, Halphy saia desengonçadamente de baixo da criatura que a cobria. Enquanto se ajeitava, tirando toda a sujeira que caiu sobre si, ela parou repentinamente notando algo.
            -Aaaaah! – gritou em pânico a meio elfa.
            Todos olharam preocupados. Seton já iria preparar a magia de cura, quando notou que não havia ferimento algum no corpo da jovem.
            -Você esta bem! Então o que te fez gritar? – exigiu o druida.
            -Minha adaga! Aquela coisa devorou minha arma.
            Todos olharam com um rosto nervoso para Halphy. Ela então olhou para o lado, fez um bico emburrado e disse:
            -Esta bem! Eu paro de reclamar. Seus chatos...
            Do nada então, se ouve outro grito. Um grito de dor.
            -Agora não foi meu grito...
            -Lógico que não foi você Halphy – interrompeu Lacktum – veio lá de cima sua tola.
            -Deve ter sido Gor ou Federick! Vamos, temos que os auxiliar! – soltou Seton.
            Thror então sentiu um aberto no coração. Uma sensação que mesmo não tento presenciado muitas vezes, sabia distinguir muito bem. Aquilo não era nada bom.

            Antes disso, os dois encontraram um corredor amplo. Pensaram até mesmo em procurar armadilhas, mas preferiram correr em direção ao seu final. Se fossem pegos no caminho, seria um azar que suportariam correr. E também, Federick não voltaria pedindo ajuda ao grego.
            Fazia poucos instantes, havia brigado com o guerreiro sem memória e se não se arrependia nem um pouco. Não se deixaria vencer por um sentimento de desculpas. Os paladinos possuíam todo tipo de virtude, mas um de seus maiores pecados se referia ao orgulho. Mesmo servindo a um deus como Cernunnos, faltava a Federick o discernimento desse defeito com honra.
            O paladino já havia sido ferido por uma pequena flecha. Isso ocorreu, pois não tinham cevado com eles, Halphy a especialista em armadilhas. Outra prova que o orgulho era mal conselheiro. Pois a flecha havia ferido seu flanco e ele ainda não havia notado um líquido escuro que saia da pele.
            Depois de tanto correrem, chegaram ao final do caminho. Então notaram que havia um salão circular com alguns itens, mas o que chamava a atenção mesmo era um enorme sarcófago. Apesar de possuir claros traços egípcios, o caixão arcaico também possuía marcas do elfos negros, o que mostrava traços daquele povo. Havia no lugar uma forte luz, que com certeza provinha de magia. Ela criava vários tons de luz. E o que traria uma atmosfera mais alegre, na verdade trazia uma cena sinistra aos olhos dos companheiros.
            -Veja – disse Gor apontando para o sarcófago que ficava de pé, próximo da parede. Atrás dele, surgiam alguns itens de prata e cobre brilhando com intensidade. Mas um dos itens brilhava mais que tudo naquele lugar. Uma lamina de prata com grandes poderes. A espada do Cavaleiro de Platina estava ali.
            -Achamos Federick! – disse empolgado Gor – Mais um dos itens do conjunto! E pelo jeito deve...
            -Calado Gor! Não vê que algo esta errado? Tudo parece fácil demais.
            -Como assim? Não é bom desse modo?
            Federick olhou com reprovação para Gor. Sentiu como se falasse com Thror. Ele reparou nas atitudes um tanto infantis do guerreiro inglês até hoje.
            -Ainda não entendeu? Você é mais experiente do que eu. Esse lugar deve ser protegido por algo ou alguém. E...
            Quando iria terminar a frase, ouviram um barulho. Era como se o som surgisse de um lugar onde não entrava ou saia por eras. A madeira crepitava com força, mas muito lentamente. Foi possível notar que o sarcófago se movia, mostrando várias teias de aranha nos vãos do túmulo. Os insetos fugiam daquele lugar em um enorme enxame que eles acreditavam que iriam atacar. Mas não chegaram próximos a Gor ou Federick. As teias eram a única coisa que mantinha a tampa ainda ereta. Então, sem aviso algum, até ela caiu.
            O que se revelava era uma figura sombria, tanto pelo tempo que ficou encarcerado no sarcófago, quanto pela luz sombria que tocava todo o salão. Além do tom de pele negro como o carvão que antes possuía, quando havia vida de verdade em seu corpo. Sua estrutura corporal estava toda jogada para frente, com a perna e o braço esquerdo colocados mais a frente, como se tivesse preparado para um ataque. A cabeça abaixada deixava os cabelos mumificados à plena vista e impedia a visão dos olhos da criatura. De repente, era possível notar, onde deveria haver globos oculares, se revelou um vazio pleno e mórbido. E abaixo aonde deveria ficar os olhos, uma bocarra cheia de dentes surgiu. Depois de certo tempo, foi notado que o tom de pele era realmente de cor negra, com traços élficos. A mumificação no sarcófago preservou esses traços.
            -É um elfo negro – soltou o paladino.
            -Parece um que servia a Kana, - começou a explicar o guerreiro inglês – antigo príncipe dos elfos negros. Na verdade, que serviu Edgar, seu filho. Veja as roupas. Parece um soldado.
            -Pare de admirar um adversário e comece a atacar o monstro! Ele nem está vivo! É uma aberração contra a natureza!
            Foi quando a criatura se levantou tão rápido que se ouviu um estalo pelos ossos da múmia do elfo negro. Ele levantou a cabeça, com o lugar onde deveria haver as orbitas voltadas para os dois oponentes fortemente armados.
            Estes se posicionavam como exímios guerreiros que eram. Federick estranhou a pose de Gor. O modo de se colocar no combate não parecia o de um guerreiro comum. Ele ouviu muito sobre esse modo manipular arma dos orientais, mas nada disse.
            -Sou um servo das vontades divinas de Vossa Majestade, Felkarion Coração de Prata, antigamente chamado pelos homens comuns de Edgar Felkar. Saiam dessa sala como entraram. Pouparei vocês e qualquer um que tenha entrado nessa alcova. Mas somente se saírem imediatamente desse lugar sagrado. Seus pés não são dignos de entrarem nesse lugar, pois seus corações não são verdadeiramente puros, apesar de possui um Imortal entre vocês. Essa é a ultima chance que lhes cedo – falava isso enquanto apontava com seu decrépito dedo para Gor e Federick, num arremedo de posicionamento contra eles.
            -E então? – perguntou entusiasmado Gor e Federick – O que acha? Vamos embora ou ficamos?
            -Ele é uma criatura que não possui alma, - afirmou o paladino – é obvio que devo a destruir. Se não quiser vá embora.
            -Se eu disse que iria acompanhar você, vou fazer isso até na morte.
            -Vindo de um imortal isso soa até engraçado.
            Foi então que Gor notou que o jovem paladino entendeu muito bem que os Imortais Esquecidos não era só um nome. Eles realmente eram imunes ao dedo frio da morte. Mas não era momento de admirar a perspicácia do paladino.
            A múmia élfica começava a andar na direção dos companheiros.
            -Que assim seja feita a vontade de vocês... – disse então a criatura mumificada antes de partir para cima do pescoço de Gor.

            Todos subiram até o corredor onde viram seus companheiros pela última vez. E eles sabiam que alguém poderia ter morrido. Os quatro não imaginavam o que enfrentariam mais a frente, mas sabiam que deviam proteger seus aliados. Thror era o mais influenciado com tudo isso.
            Agora o pobre grego se sentia culpado pelo que poderia ocorrer com o paladino. Ele era chato, mas sempre confiável com sua lamina do lado dos deuses célticos. Sempre cobrando, sempre teimoso, só que Thror nunca notava que sempre agia na mesma proporção de Federick. O guerreiro sagrado agia de acordo com as besteiras do grego. Ele talvez fosse o irmão mais velho que talvez ele nunca tenha dito.
            Os corações batiam enquanto percorriam o caminho. Lacktum não estava nervoso, mas sentia que algo errado estava para acontecer. O mago não parecia se importar por perder companheiros, e sim por perder pessoas para sofrer ataques por ele.
            Seton e Halphy não eram tão cheio de culpa como Thror, mas também não conseguiam se tornar insensíveis, como o mago. E como companheiros, eles deviam ajudar Federick.
            Os passos eram acelerados. Percorreram o caminho como se suas vidas dependessem disso. E era como pensava a maioria, pois seus amigos eram pedaços de suas vidas. Mesmo que alguns nunca admitissem.
            Foi quando Halphy gritou.
            -Estou vendo uma luz mais a frente.
            Todos acreditavam ter chegado a tempo.
            O mago já colocava em sua mão uma grande porção de mana. Um brilho translúcido criava pequenas setas metamágicas. Halphy colocava a besta de mão mais para frente de seu corpo como se a arma servisse também de defesa. Seton colocava sua foice enorme de lado como se estivesse preparando um golpe. E o grego chegava por último. Sua arma saia da bainha nas costas com mais pressa do que normalmente fazia.
            Foi então que todos viram o que ocorria corretamente naquele sepulcro: o guerreiro Gor, se apoiava na lamina mágica, estendendo sua mão enquanto soltava um grito rouco de horror. Ao menos ele não estava muito distante da entrada onde se encontrava o grupo.
            Já Federick estava na frente de um ser de cor negra com poucas vestes, que o estrangulava com muita força. Ele se debatia com tudo que tinha. Até que a força cessou.
            Os dedos se desvencilharam do pescoço, mostrando um corpo inerte e sem aspectos de vida. Era como se Federick caísse como um boneco lentamente diante dos companheiros. Quando chegou ao chão, foi possível ouvir um som triste, enquanto fazia a poeira levantar. E não era preciso verificar o corpo. Todos sabiam o que ocorreu.
            Federick de Salles, paladino e príncipe morreu.

            Thror levantou a espada longa com os olhos cheios da fúria espartana que jurava possuir. Ele esqueceu completamente a posição de defesa. O rosto com a marca de um ferimento misterioso traria medo para todos que o vissem naquele momento. Sua boca parecia a de uma fera que protege o ninho com toda a sua ferocidade. O ataque seria mais letal do que jamais os membros do grupo teriam visto. Se houvesse um ponto vital, a criatura não estaria de pé, isso era certeza.
            Mas mortos não sentem dor.
            O corpo de criatura estava cheia de feridas do combate com os dois guerreiros. Mas parecia que os cortes sofridos pelo corpo, não significavam nada para o ser mumificado.
            Lacktum começou a criar uma esfera de fogo na direção do monstro. Quando o mago, o golpe arcano de chamas, afetava a múmia com pouco efeito. E mesmo assim, a criatura élfica não estava inabalável. Era notável que o monstro estava caindo.
            Isso ocorria pelos insensatos e descoordenados golpes do grego Thror. Cada lamina vista contra a luz sinistra era uma ferida no corpo do monstro. Se houvesse sangue nele, jorraria como um rio. Os golpes no que teria sido o peito dele em outra vida eram os mais certeiros, abrindo buracos do tamanho de braço. Isso quando os ossos não eram completamente triturados. Mas a única ocorria realmente era que partes do corpo do morto vivo saltavam a cada golpe.
            Por culpa do monstro, eles perderam um amigo e perdão não era possível naquele momento Halphy se derretia em gritos de desespero, mas sem derramar lágrimas. Para uma mulher ela sempre se mostrava forte, na maioria das vezes. O druida Seton não sabia o que fazer em relação ao corpo do jovem paladino. Lacktum continuava atacando, mais como prevenção, do que para eliminar o monstro. Só Thror atacava sem consciência, furioso, praticamente um demônio. Mas até um demônio erra.
            O golpe foi falho. Deixou uma abertura na defesa do grego. Ele que sempre lutou de guarda alta, agora era um alvo excelente. As garras do ser tocaram o pescoço de Thror. Ele já sentiu um golpe maior de dreno de energia física na Grécia, mas agora se sentia exausto pelos consecutivos ataques ao monstro. O que o fez, baixar sua guarda pela primeira vez, num combate contra uma criatura semi-humana. Quando estava tão perto de conseguir a derrota do inimigo.
            Enquanto a múmia esganava o pescoço de Thror, era possível sentir o hálito podre que séculos encarcerado num sarcófago tornavam insuportável. O hálito da morte pensou o grego. Afinal, ele morrer por quase deixar que sua impaciência superasse o vínculo da amizade entre ele e Federick. Era um preço pequeno a se pagar pela tolice que cometeu momentos antes. O paladino nunca fez nada contra ele. Qual o motivo de suas desavenças? Nunca havia um.
            Foi quando um raio fumegante atingiu o peito do monstro. O golpe passou como uma flecha que trespassa um alvo completamente imóvel. O corpo do monstro, lentamente, caia em direção ao chão, enquanto soltava o grego. Quando Thror virou o rosto em direção ao seu salvador, viu que Lacktum soltava mais um pequeno dardo de energia mística. Por alguns instantes, não houve nenhum som nem movimento naquela sala.

            Todos chegaram até o corpo do paladino, sofrendo pelo amigo perdido. Seton usava magias de cura inutilmente na tentativa de reviver o companheiro. Thror se afastou até a entrada por onde teriam chegado, chorando sem parar. Lacktum, impassível e frio, foi até o corpo da múmia.
            Examinando o corpo do monstro, um coração coberto de prata. Ele parecia pulsar mais por magia que por vontade própria. Ficava no peito da criatura que se abria com uma ferida. O item emanava energia por todo o corpo do monstro, como se fosse alimentado pelas energias necromânticas que existiam no lugar. Aquele era um item incomum. Ele o tomou e viu que parecia ter uma inscrição nele. Coração de Kana.
            A ladina foi mais fria que qualquer um e foi atrás da lâmina, que só notou depois do que ocorreu com Federick. Eles haviam mais um dos itens dos conjuntos malditos. A espada do Dragão de Platina estava em suas mãos.

            Eis que de repente surgiu do meio do salão, quebrando o silêncio, uma criatura translúcida com roupas antiquadas de sacerdotisa. Se não fosse pelo lugar mórbido e pelo aspecto élfico, alguns pensariam que aquilo era o que os católicos chamam de anjos. Lacktum e Seton, então notaram que se tratava de um poderoso espírito desencarnado. O vestido espectral tremia, enquanto flutuava, pouco acima do chão. O olhar da mulher e suas vestes, mostravam que quando viva, foi uma sacerdotisa de cabelos longos – mesmo para uma elfa – e grande piedade. Além disso, suas vestes traziam símbolos de cobras, o que mostrava que era uma clériga dos elfos negros.
            Antes que reagissem de forma agressiva, ela começou:
            -Não temam meus jovens. Estou aqui para conceder ajuda espiritual ao teu amigo. E uma maneira de aquecer os sentimentos daqueles que não partiram. Tragam o corpo do guerreiro sacro.
            Foi então que Thror carregou o corpo do paladino. Ninguém desconfiou da aparição, talvez, pelo ar de sinceridade e veracidade que ela trazia o lugar mórbido toda vez que ela proferia suas doces palavras. Seu espírito criava uma área de bem estar para todos, mesmo com a terrível perda que acabaram de ter.
            Eis que a sacerdotisa fantasma começou a se mover em direção do caminho anterior dos aventureiros. Continuou por esse caminho que eles ainda não haviam desbravado. Passaram por onde tiveram o combate contra a aberração que consumiu a adaga de Halphy. Alguns ficaram pensando em como tudo poderia ter sido diferente. Thror era quem mais segurava o choro, isso ficava claro.
            O espectro da sacerdotisa encaminhou todos ao fim do corredor. Quando entraram naquele lugar, notaram que lá era uma catacumba. Isso era claro pela grande quantidade para vagas para corpos, como um dos sepulcros usados para colocar os corpos dos sacerdotes católicos na parede da estrutura. No meio do lugar havia dois sarcófagos de pedra com símbolos e algumas escritas. A sacerdotisa espiritual ficou na frente de um artefato com aspectos religiosos dos elfos negros. Era uma serpente bem trabalhada, com um cajado enrolado em seu corpo. O cajado se apoiava no chão por uma haste. Era possível ver dois códices próximos do cajado, ao qual o espectro disse que deveriam ser pegos para ajudar na jornada dos jovens.
            Nos sarcófagos, estava escrito o seguinte:

Aqui repousam Wiegref Hinagawa e Kayla Sabá
Guerreiros de uma época e período que estão perdidos na memória da humanidade
Em nossos corações serão sempre imortais

Foi quando a sacerdotisa olhou para os aventureiros e apontou um dos espaços vagos na parede da catacumba. Thror então notou o que teria que fazer. Já era tempo de disser adeus ao paladino.
-Vamos levar o corpo de Federick de volta a Azerov. Talvez ele... – começou o jovem mago inglês. Foi interrompido por um forte, e severo Gor.
-Por qual motivo? Para levar um corpo sem vida e permanecer assim? Azerov pode ser poderoso, mas não entende sobre os segredos de além da morte. E mesmo que fosse um sacerdote com tamanho poder, não compete a nós decidir sobre a vida e morte nesse grupo. Sei muito bem, pois tive uma vida inteira para saber sobre isso. Só aqueles que intercedem por nós diante os deuses, podem, ou tem poder sobre as almas. Isso acontece, pois, este dever e direito essencialmente só poderia ser de sacerdotes. Ou melhor, das divindades que servem. E disso eu entendo muito bem.
Ao falar disso, Gor soltou um suspiro melancólico. Lacktum desprezou as falas do inglês imortal com uma feição de ódio abaixo da máscara. Halphy então falou
-Não estou entendo suas atitudes ultimamente Lacktum. Há momentos em que se preocupa conosco, outra nem tanto. Mas nesse momento sei como pensa. É difícil o adeus.
Gor então começou a proferir em forma de canção:

No alto vejo meu pai.
No alto vejo minha mãe.
No alto vejo meus irmãos e irmãs.
Vejo todos que antecederam a mim e a eles, desde o inicio.
Pedem que assuma meu lugar no salão dos guerreiros de Odin, onde tomamos o hidromel dos deuses e viveremos para sempre.

Enquanto Gor cantava essa música, repetidas vezes, Thror depositava o corpo do antigo amigo em um das áreas vaga no sepulcro. E foi então que o grego falou baixo próximo do corpo como se fosse um sussurro ao espírito:
-Adeus paladino.
O grego então se voltou para a sacerdotisa e pediu que ela cuidasse do corpo do antigo amigo.
-Não se preocupe homem das terras de onde Herácles é o ancestral. A criatura que acabou matando seu companheiro paladino é na verdade um guardião, um ser que não será destruído com meros golpes mortais. E não foi erro dele se o amigo de vocês morreu. Existo nessas tumbas por vários séculos e vejo tudo que ocorre nelas. Seu amigo morreu por orgulho e seu senso de justiça. Em um combate, isso deve ser esquecido e ignorado. Existem muitas vidas em jogo para se preocupar com seus sentimentos mais baixos. Espero que todos tenham ciência disso, pois caso contrário, só irão conseguir um fim igual ao dele.
Thror saiu das catacumbas com pressa e com um rosto mais rígido do que já possuía. Esse era o modo espartano de demonstrar seus lamentos.
Cada um deles deixava pouco a pouco aquele lugar. Seton olhava para o chão o tempo todo enquanto saia daquele lugar. Halphy não conseguia mais deter seu choro, apesar de sempre deixar sua pose de forte falar mais alto. O mago e a ladina meio elfa levaram os dois livros que possuíam os títulos de A Saga dos Portais Infernais e A Saga das Esferas Negras. Gor saiu em seguida deixando como ultimo naquele lugar o mago inglês. Enquanto saia, as luzes do corpo translúcido sumiam apagando aquele lugar. Eles conseguiram o artefato, mas deixaram para trás uma história. Um príncipe que nunca será rei.

Saíram da cidadela escondida no deserto para encontrar novamente Naktuh. E poderia vir, até mesmo na escuridão, os rostos pálidos, tristes e derrotados de todo o grupo. Ele não entendeu o motivo daquilo, até notar o óbvio. Até mesmo pensou em perguntar sobre o que havia ocorrido, mas ele sabia que o deserto pode ser cruel com aqueles que não conhecem suas regras. A sobrevivência sempre será dos mais fortes... E dos mais sábios, pensou ele.
Lacktum chegou próximo de Naktuh, onde começou a agradecer o oriental. Todos começaram a imitar o mago.
-Muito grato, mas, - falou Naktuh em resposta – não fiz nada digno de nota. Voltem até Azerov e digam que sinto saudades daquele ancião tolo e sem graça, que viaja pelo mundo. Certo meu jovens. E não se preocupem com o amigo de vocês. Onde sua alma estiver sua estrela vai o proteger, todos os dias, dos males da alma. Acreditem em mim.
-Suas palavras são reconfortantes – falou Gor, pousando sua mão sobre o ombro de Naktuh.
-Mas nem tanto – soltou venenoso, Lacktum.
-Lacktum! – repreendeu Halphy.
-Qual o problema?
Todos olharam com raiva para o ruivo. Ele ignorou os olhares de Gor, Halphy, Thror e Seton. Fazendo isso, tirou uma pedra que tinha debaixo da roupa. Azerov havia deixado com Lacktum, uma pedra de Ixxanon. Era como iriam retornar.
-Parem de me perturbar e se aproximem de mim. E por enquanto nenhuma palavra sobre o que aconteceu com ele!
Todos que estivessem próximos da pedra de Ixxanon seriam transportados imediatamente pelo espaço e tempo. Seria como fizeram antes, mas agora seria uma trilha de volta. Isso ocorria pela Arte e o poder arcano contido na pedra.
-Para sahib, existe uma palavra que Alá ensina a todos aqueles que o escutam.
-Ah é? – disse Lacktum enquanto se concentrava na palavra de ativação – E qual é?
-Maktub. Está escrito. Tudo na sua vida esta escrito. E predestinado a acontecer.
Lacktum o olhou com seriedade. Já ouviu isso antes. Mas não se lembrava no momento de onde.
-Todos prontos? Mesmo que não estejam... Return!
Eles sumiram na frente da Naktuh. Se não fosse pelas marcas de suas pegadas na areia, poderia até mesmo se acreditar que fosse tudo uma ilusão. Mas Naktuh tinha certeza que os únicos que desejariam que tudo fosse mentira eram os membros do grupo. Assim como ele sabia que as palavras não vinham de Lacktum, mas de outro.
-Salama Leikuh! Que Alá proteja suas almas.
E começou a andar pelas areias escaldantes do deserto, voltando para sua casa.

Quando os aventureiros chegaram á torre, foram recepcionados por uma torre silenciosa e sem vida. Isso não era comum, mesmo para Azerov. E isso trazia o medo no coração das almas dos heróis, por algum motivo sinistro. Parecia que Cernunnos teria abandonado os jovens pela morte de Federick, pelo menos era o que parecia.
Foi então que o silêncio foi partido com um grito de dor. Não era possível descrever a intensidade ou de onde vinha o grito, mas era humano. Pelo menos era isso que parecia.
-O que é isso? – soltou uma assustada Halphy.
Gor e Thror desceram as escadas até o último andar, com receio que uma desgraça ocorresse. Lacktum e Madelyne foram logo atrás, com um Seton assustado. Seria hilário ver aquela cena de um homem de olhos arregalados de medo, com uma enorme foice na mão, se não fosse o perigo real que aquela torre transmitia.
-Qual o motivo desse medo todo? – perguntou a ladina.
-Medo? – retrucou Seton – Eu? Imagine...
Então qual o motivo das suas pernas baterem tanto uma na outra?
            Seton então percebeu que o joelho esquerdo, batia no joelho direito. Era verdade, o druida estava com medo. Morrendo de medo.
            -É obvio que não! Os deuses não abandonam os seus servos nas trevas do medo – soltou aborrecido Seton.
            -Vocês de cima! – gritou Gor.
            -QUE FOI!? – gritou com medo, em resposta, o druida.
            Lacktum e Halphy olharam para Seton. Ambos tinham um tom sarcástico no rosto, até mesmo o mago com rosto coberto pela máscara. O druida não enganava ninguém. Todos sabiam que Seton latia bem mais do que agia.
            -Desçam aqui! Temos problemas! – continuou Gor.
            Os três desceram até onde estava a voz do guerreiro inglês. Quando lá chegaram, viram uma cena bizarra. Hugo e Richard caídos no chão. Madelyne extremamente ferida. E por ultimo Gor e Thror segurando o dono da torre, que parecia ensandecido. Era quase noite e as sombras dominavam o local.
            O mago ruivo pegou sua adaga rapidamente. Ele pede ao grego que segurasse Azerov. Esse se debatia e contorcia como alguém sofrendo com uma terrível dor perfurando todo o corpo. Thror tentava manter parada a cabeça do velho mago, mas era difícil já que ele o mordia e atacava sempre que possível. Era como se a razão tivesse fugido do engraçado e sarcástico dono da torre. Já com força, ela seria trazida de volta, pois o grego conseguiu segurar a cabeça do ancião e o mago usou o cabo da adaga, para deixar ele inconsciente. Ele tombou imediatamente, inerte no chão.  
            Todos se refaziam do ataque louco de Azerov. Richard e Hugo foram despertados por Seton. Já Halphy ajudava Madelyne que ficou encostada contra a parede da torre durante todo o conflito. Gor, Thror e Lacktum olhavam atentamente para o pequeno e frágil corpo de Azerov, que segundo antes atacou todos como um demônio que foge do Inferno. Mesmo o grego teve parte da pele do pescoço arrancada pela unhas. Foi quando Lacktum chegou até Madelyne, e perguntou:
            -O que ocorre aqui? Que demônio se apoderou da mente e do corpo de Azerov?
            -Nenhum que eu conheça, - disse a jovem cobrindo os cortes no corpo – pois ele agiu desse modo por conta daquele livro maldito!
            Madelyne gritou apontando em um livro aberto, com letras de diversos tipos e lugares, além de símbolos e runas. Lacktum se aproximou até ele e perguntou novamente.
            -O que ele fez com o livro?
            -Ele só leu... Só isso - e então, a serva de Azerov se pôs a chorar.
            Foi quando todos notaram que a tristeza reinava na torre. Em todos os sentidos. As trevas se apoderaram dos heróis.

            Ninguém vai entoar hinos de louvor a um príncipe sem reino. Nem vai glorificar o guerreiro sagrado. Mas um dia talvez, as pessoas se tornarão tão nobres quanto um príncipe sem coroa, mas que possuía um coração sem medo.



[1] Eldar monar seria um líder da cultura dos elfos negros. Normalmente, as culturas desse povo são formadas por teocracia, o que significava que seus líderes eram sacerdotes.