sexta-feira, 26 de outubro de 2012

(Parte 5) Capítulo Cinco: Pesadelo



No navio, Thror e Gor treinavam com pedaços de madeira. Assim não se feririam de verdade. Mas mesmo assim, ambos precisavam mostra um ao outro toda a força de seus corpos. Os homens apostavam em qual dos dois e Halphy recolhia o dinheiro, é claro.
Após muita lutar, Gor venceu. E Halphy ganhou uma boa grana com isso.
Os dois então se colocaram na beirada do navio suando como dois cães que são atirados ao mar. Eles riam, como se ao invés de estarem treinando, estarem passeando por um belo lugar. A ladina só pensou consigo mesmo, que aquilo só poderia ser coisa de homens.
O guerreiro inglês então olhou para a cicatriz na cabeça de Thror e perguntou:
-Onde arranjou essa marca homem?
-Não sei... Mas nunca pude reclamar dela. Pelo menos não dói.
-Só por não se lembrar de como a obteve não significa que seja uma boa coisa. Feridas nunca são. Talvez quando você souber o motivo dessa marca vai doer mais do que imagina.
-Mas pelo que meu pai me disse era boa sim.
-Seu pai?
-Sim, meu pai adotivo.
-Que coisa... E qual é seu nome?
-Orfeu.
-Como das antigas historias gregas – Gor ficou de costas para o mar e continuou a falar – Você sabe que ele perdeu tudo que amava.
-Pensei que ele tivesse perdido só a mulher.
-Mas era isso que ele perdeu – se aproximando do grego, Gor falou para ele – Algumas vezes, é bom não se lembrar de certas dores, e de onde elas vieram.
Então, o inglês foi andando calmamente em direção ao seu quarto. Halphy foi em direção do grego.
-Sabe que até que ele tem razão Tzorv. Se você não se lembra do que ocorreu com você não ficará triste com as dores passadas. Viu só? Não é de todo mal não ter memória de seu passado.
Thror se colocou na frente da jovem em um salto só. Parecia ameaçador. Mesmo não sendo tão serio quando precisava.
-Se você tivesse um filho... Ou uma mãe que amasse muito... E nunca soubesse dele ou dela... Até ser tarde demais, você se sentiria bem assim?
A jovem se calou imediatamente.

O mago de sangue nórdico já estava acostumado ao navio, e o seu vai-e-vem não incomodava mais seu estomago. Foi se deitar em sua cama improvisada com a finalidade de assim ter uma boa noite de sono. Não foi o que houve.
Ele nunca esteve ali, mas reconhecia muito bem aquele lugar. Era um devaneio que sua mente criava, pois, não era realmente seu castelo. Fragmentos de uma memória corrompida. A dor e o sofrimento criaram aquela paisagem ilusória que lhe trazia tanto jubilo... E trevas.
Era um dia que ele conhecia bem. Um dia nublado, cheio de nuvens negras. Nuvens que pressagiavam o fim dos tempos. Tempos felizes para Lacktum. Tempos em sua casa e terra natal. Cada nuvem criava um temor no coração, pois ocorreu naquele chão, que escorreu o sangue de inocentes.
Ele se lembra de sentir a agonia no coração quando acordou. Como se alguém atravessasse uma lâmina em seu peito, sem que ninguém tivesse adentrado o seu quarto. E essa arma dilacerou seu coração como se acertasse os seus sentimentos por seu pai, por sua mãe, sua irmã e sua amada. Aquilo que muitos chamavam de uma, agonia no coração, mas que muito atendemos tarde demais.
Mesmo assim, despertou pensando em ir até a casa de Lirah Lugarao’Céu. Colocou uma roupa bem simples de passeio, com suas botas de couro surradas e o cinto que ganhou de presente de seu pai. Parecia tão feliz, mas a agonia no coração o consumia. Seus pais estavam bem: ele os havia visto a mesa de café. Quando passou por eles, sua mãe soltou, com um sorriso resplandecente como o sol. Perguntou ao filho apressado, aonde iria. Verei minha amada hoje e comerei em sua casa foi sua resposta enquanto passava correndo pela sala. Enquanto isso, os pais riam pela atitude frenética e feliz dos jovens amantes.

Era só sua alma tentando lhe pregar uma peça. Seu mau agouro, sua agonia, não seriam nada. Ele se espantava demais com historias de magos e bruxas, presságios e oráculos. Seus pais estavam bem e com certeza veria o sorriso de sua amada rindo de seus temores tolos.
Ele cantava enquanto caminhava sobre a neve e a grama. O inverno estava se fortalecendo naquelas terras, mas era primavera no coração de Lacktum. Seus pés amassavam a neve, como crianças que correm fugindo das outras, como parte de uma brincadeira. Seu rosto mal sentia o frio daquele lugar, enquanto atravessava o campo. Ele cantava:

Oh, linda! Minha menina,
me dê a sua direção
Oh, linda! Minha pequenina,
me dê o seu coração

O sorriso da garota fazia o sorriso dele dobrar o tamanho. Nem mesmo uma ninfa o faria esquecer aquele rosto. Mesmo quando ela reclamava da franja natural em seu cabelo, ou quando ele se emaranhava criando pequenos chofres em sua cabeça. Era como se ele visse uma beleza natural, tal como um cavalo de pele branca saindo de um bosque ou as águas límpidas e claras de um rio. Em seu coração só havia primavera, trazida pela presença dela nesse mundo.
O campo já tinha sido atravessado. Faltava pouco até encontrar Lirah. Ela não tinha grandes posses, mas não se importava com isso. Menos ainda seus pais, amigos da família dela. O que importava era acabar com a agonia em seu coração. O temor tolo que os amantes sentem por puro amor.
Ele teria que subir a colina e poderia ver a casa de sua amada. Aquela que trouxe primavera ao coração do jovem nobre. Com dificuldade – mesmo para um rapaz – ele subiu a colina com esforço, pensando em como seria recepcionado por Lirah.
Quando ele chegou ao topo da colina... Seu coração se tornou inverno.

 Sua visão mudou. Como sempre no mundo onírico, nossa mente muda drasticamente. Com isso, nossa consciência dos fatos, de forma aleatória. E por aqueles instantes, mesmo que seja algo real ou ficção, um fragmento do passado ou criação bizarra da alma, é possível crer que esses fatos são reais. E Lacktum odiava aquele pesadelo mais do que tudo na vida.
Ele viu o castelo, agora em chamas. As nuvens negras lambiam o céu, com tons vermelhos e amarelos provenientes do fogo que parecia vir das torres, mas para o jovem, vinham direto do Inferno. Os casebres eram destruídos e consumidos bem mais rápido que as torres do castelo. Surgiam gritos de crianças no meio das chamas, clamando por piedade que não surgia.
Quem foi o demônio que começou aquelas atrocidades? Qual o motivo de tantas mortes? Ele não recebia respostas. Lacktum estava preso no meio do turbilhão que era o centro daquela chacina.
As mulheres clamavam que não tocassem em seus filhos. Elas eram ignoradas e além de terem seus rebentos mortos, ou tomados de suas mãos, tinham seus corpos abusados pelos saqueadores. Os velhos clamavam por suas famílias, ou suas vidas, em esforço inútil. Mesmo os soldados não conseguiam enfrentar a força sobrenatural do inimigo, esmigalhando as esperanças do jovem.
Lacktum estava amarrado a um pedaço de madeira, de maneira a parecer crucificado. Suas pernas foram feridas, o forçando a ajoelhar na neve que acabara de cair. Seu cabelo cobria sua visão parcialmente, mas não impedia nem um pouco de ouvir os gritos e o barulho ao seu redor. Ele preferia a morte ao invés daquilo.
Ele ouviu passos calmos se aproximando. Pensou que poderia ser um anjo querendo o levar para o além, mas descobriu que era o demônio que perpetrou tudo aquilo. O homem jogou ao chão um volume esférico embrulhado em um saco de couro. Puxando o cabelo de Lacktum, forçando a cabeça dele para trás, ele cochichou no ouvido do pobre sofredor que o saco continha a cabeça de seu pai.
O rapaz não achou que fosse verdade. Mas então notou que mesmo dentro do saco, vazava um liquido negro sobre a neve. Ele notou que aquilo era sangue quando viu que não era negro o tom na neve... Era vermelho escuro. Vermelho sangue.
Ele não agüentava mais os gritos ensurdecedores de dor e sofrimento. Não conseguia mais olhar as cenas demoníacas que foram forjadas ali.
Foi então que homens trouxeram a mãe de Lacktum – cada um segurando os braços da jovem senhora – completamente desacordada. Lacktum não achou que iriam o torturar tanto assim. Arrastando a pobre mulher como um saco de batatas ele pedia clemência por ela.
Foi quando notou que o homem iria cochichar novamente. Lacktum sentiu medo e ódio de ouvir aquelas palavras que eram:
-Você é aquele quer irá sofrer mais entre todos os do sangue Van Kristen, orgulhosos de seu poder! Afinal, eu matei seu pai, torturarei sua mãe e irmã, mas você... Você viverá para lembrar e sofrer.

Lacktum desperta no navio. Ele é forçado a acordar, depois de um terrível pesadelo que remontava ao seu passado.
Foi quando segurou a adaga que recebeu de seu pai, próxima ao peito, como se fosse uma lembrança boa. Engraçado como uma arma pode remontar a um passado tão bom. Aquela arma foi um presente de seu pai para se proteger, assim como seu brinco. Ele uma vez disse a Lacktum que quanto um homem o matasse, a adaga iria brilhar como a luz de uma estrela, quando este se aproximasse dele. Na época, Lacktum achava que seu pai era invencível. Como pensamos, quando somos crianças.
Ele então colocou sob seus olhos, querendo impedir as lagrimas. Então se lembrou rapidamente do dia em que a primavera se tornou inverno. O inverno sumiu, mas deixou somente a escuridão que pairava sobre suas lembranças.
O jovem mago se levantou. Chegou ao convés do navio. Olhando para a costa grega que surgia na sua frente, recitou:

-Oh linda! Minha menina...

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

(Parte 4) Capítulo Quatro: "Eu sou um passageiro..."



O pirata Joseph era conhecido por ser detentor de um talento único com línguas. Por isso muitos o chamavam de Boas Línguas. O problema é que muitos acreditavam que ele era um assassino terrível que tirava a língua de suas vítimas. Por isso muitos acreditavam que ele era a mais terrível criatura do mar mediterrâneo.
Mas existem lendas que falam sobre outras das habilidades do navegador. Dizem que ele teria o poder de navegar muito mais rápido que qualquer ser vivo pelas ondas do oceano através de magia negra. Alguns contam que ele teria feito um pacto com uma entidade demoníaca que existia abaixo do mar, outros, que ele encontrou a poção da vida eterna. O que poucos sabiam é que na verdade Joseph havia feito sim um pacto, com uma temível bruxa que vivia numa ilha pouco conhecida pelos humanos comuns.
Onde ela o conheceu, ou como se desenrolou isso não cabe a essa história contar. Só saibam que esse pirata terá um papel importante na vida desses heróis, pelo menos mais uma vez antes dela terminar.

Os dias em um navio eram bem diferentes do comum para boa parte deles. Com raras exceções, como certo grego, muitos não se acostumaram bem com a vida no mar. E ele gostava daqueles dias cheios de vida e cantorias. Tanto que o próprio Thror gostava de cantar uma determinada canção:
Eu sempre serei um passageiro
Sempre serei aventureiro
Quem não quiser viajar
Nunca verá o mar
Eu sempre serei um passageiro
Sempre serei guerreiro
Quem não quiser navegar
Nunca saberá o que é amar
E muitos que o ouviam, queriam saber de onde ele escutou aquela música. E Thror dizia de um navio antigo com um desenho de um olha a sua frente. E uma palavra surge com isso na cabeça de Thror. Argos[1].

Eles nunca haviam subido num navio; ao menos alguns deles. Halphy estava acostumada a viajar pelos mais diversos lugares, enquanto Thror, não se lembrava de muita coisa a não ser que era de um parente distante dos espartanos – mas sabia que viajar também estava em seu sangue. Richard e Hugo se uniam em conversas longas sobre como era lindo o mar e que criaturas viviam abaixo daquelas mágicas e misteriosas águas. Já Lacktum passara mal nos primeiros dias e soltava constantemente o conteúdo de seu estomago no mar.
Lacktum tinha raízes nórdicas. Seu ancestral, Guilherme era saxão, mas sua mulher era uma filha de viking. Portanto, acreditava que seu sangue de marinheiro ressaltaria no mar. Ledo engano...
No navio os membros do grupo passaram cerca de três dias procurando por um vislumbre do litoral. Sabiam que isso demoraria a acontecer, mas não perdiam as esperanças que alguma coisa boa estava por vir. O grupo também cometeu um ledo engano.
Em uma manhã, todos despertaram pelo barulho no convés. Federick foi o primeiro, mesmo não sendo o único a despertar, chegando ao topo das escadas mais rápido. Lacktum correu em seguida notando o movimento no navio. Os outros foram despertando aos poucos, como se despertos de sonhos bons.
Ao chegar próximo de Joseph, o paladino Federick, iria perguntar o motivo do rebuliço quando notou no imenso mar azul, uma mancha vermelha escura tão grande, que se poderia ver a léguas de distância.
-Pelos chifres de Cernunnos! – disse um espantado Federick – De onde surgiu isso? É sangue não é?
-Calma lá, – disse Joseph, olhando de canto de olho para Federick – estrangeiro louco! Não sabemos se é sangue mesmo! – Joseph então dava voz de comando para que o navio contornasse a mancha, mas se aproximando o bastante para verificar.
Pouco depois, o navio chegou ás bordas da mancha vermelha. Joseph pediu uma bacia. Pegou uma corda, que achou no convés e amarrou na pequena bacia que lhe cederam. Jogou em direção a mancha. Quando notou que estava cheio, ergue sem ajuda alguma o pesado recipiente.
O mago inglês era o único que não olhava o fato com temor. Ele mal conseguia olhar o fato, para dizer a verdade. Ele ainda vomitava vez ou outra.
-Se fosse mulher - disse Halphy com um sorriso malicioso – poderia imaginar algumas besteiras sobre você...
Os piratas ao redor riram, apesar da situação tensa em que se encontravam
-Hã? – grunhiu o mago que acabara de soltar parte de seu café da manhã ao mar.
Thror então inquiriu Joseph:
-O que isso capitão!
-Diga, isso é sangue ou não? – perguntou Federick aflito.
Joseph ignorou as perguntas, afundando a mão na bacia e sorvendo um pouco daquela água avermelhada na boca. Era possível sentir um gosto quase metálico na boca ao tomar daquela água. Olhou para os homens do navio e os aventureiros, pronto para lhes dar o parecer sobre aquilo.
-Mexam esse navio – disse o capitão – o mais rápido possível. Seja lá o que tenha causado isso, fez sangrar muitas pessoas ao ponto de colocar uma mancha de sangue em pleno mar!
Com as palavras do capitão, os homens tomaram suas posições como se tivessem fugindo de um lugar, onde acabaram de encontrar o demônio em pessoa. Todos se espantavam com o ocorrido, mas só sete figuras se mantinham olhando aquelas manchas.
-O que teria feito isso? – disse Halphy com a mão direita sobre o próprio pescoço, como se tentasse desamarrar um nó invisível.
-Já ouvi lendas – começou Hugo a dizer – sobre serpentes marinhas e terrores submersos na água, esperando para destruir navios que se atrevem a navegar em seus territórios, ou quando, simplesmente se enfurecem com algo. Ou até mesmo, os monstros criados pelas poderosas divindades que controlam o mar e as águas. Dizem até que esse é o motivo de nenhum homem conhecido cruzar os mares que ficam a Oeste.
Gor se senta como puxando lembranças de sua mente embaralhada.
-Poucas vezes – disse em tom melancólico – sai de meu reino natal. Muito menos, sai em alto mar. Isso era coisa de James e Galtran. Será que já enfrentaram tal mal em suas vidas?
Todos estranhavam as palavras de Gor. Ele falava sobre as pessoas que eles nunca ouviram antes. Mas já estavam se acostumando com os pequenos devaneios do guerreiro inglês.
-Mas afinal, o que teria causado isso? Disse Federick voltando ao assunto.
Todos se olharam com rostos de interrogação e medo. Foi então que Lacktum falou algo que não tinham notado. Depois do último vômito, claro.
-Bem – disse se recompondo o mago – vocês repararam que apesar da imensa mancha de sangue, não havia um corpo sequer na água? Pior que isso – continuou com um tom um pouco mais forte – aquele sangue em pleno mar era de pessoas em um navio grande. Onde esta o tal navio? Acho que o medo do feiticeiro sobre males antigos no mar é justificado.
Ninguém se pronunciou sobre o que achava daquilo.

-Olhe – disse o jovem feiticeiro, dias depois – uma ilha capitão!
-Se preparem para sermos abordados – disse Joseph comandando seu navio.
-O que quer dizer com isso? – perguntou Halphy estranhando as palavras do capitão.
-É isso mesmo capitão... Qual o problema?
Lacktum só conseguiu soltar um grunhido de vômito.
-Vocês logo vão saber.
Foi então que Halphy notou, ao lado do navio, um estranho fluxo na água. Inicialmente, achou que fossem golfinhos. Já viajou de navios e conhecia esses animais lindo que muitos achavam que fossem monstros. Mas foi então que notou como eram desajeitados e granes as criaturas para serem seres do mar.
Com um simples salto, os estranhos saltaram para dentro do navio. Cada um em partes diferentes, como se fosse um ataque no navio Salva Ventos. Mas não era.
As criaturas eram grandes e brutais. A pele de cada um estava cheia de verrugas escuras e nojentas. Suas roupas que eram feitas de algas e conchas sujas, traziam um ar de maresia. Seus cabelos negros eram desgrenhados e sebosos. Cada um tinha uma lança que colocavam ao lado de seu corpo. Eles olhavam muito bem ao seu redor.
Os companheiros que se uniram para essa viagem olhavam já se preparavam, aos atos dos quatro seres. Lacktum e Halphy olhavam atentamente os ogros.
Já ouviram falar em ogros. Criaturas dos contos infantis, quase sempre simbolizavam maus costumes ou a crueldade inerente nos homens. O que todos sabiam, é que ogros possuíam um instinto tribal. Gostavam de matar e pilhar por diversão. E estranhamente esses ogros não atacaram, simplesmente abordaram o navio.
Os marinheiros não esboçaram seque um sinal de agressividade contra os suposto invasores. Mas sim estavam preocupados com o que estava para acontecer.
Os guerreiros Thror e Federick, já estavam preparando para sacar suas espadas. Lacktum começava a conjurar uma magia com as mãos estendidas. Halphy se agitava com a adaga nas costas.
-Não ataquem – esbravejou Joseph aos aventureiros, estendendo a mão que antes estava no timão – essas criaturas vieram vigiar o navio até a ilha! Não se preocupem garotos!
Um dos ogros chegou até Joseph e começou a falar em uma língua incompreensível. Os dois discutiram um tempo que parecia durar uma eternidade. Por final, o primeiro pulou sozinho no mar.
Após isso, Joseph fez o navio atracar na ilha, num improvisado cais de madeira.
A madeira era fraca, mas por algum motivo, agüentava os grandes e pesados ogros em cima de seus alicerces. Uma ponte bem feita, apesar de tudo. Era possível notar que a ilha pequena: do tamanho de um pequeno feudo ou castelo. Possuía uma colina que terminava num arremedo de morro ou montanha. Era possível ver um casebre naquela direção. E uma fumaça verde saindo de sua chaminé.
Isso era possível ver corretamente por todos, exceto o paladino Federick e o druida élfico Richard. Estes foram impedidos de sair do navio, sem nem ao menos explicar. Eles foram impedidos de adentrar a ilha, sem a companhia de seus amigos por especificação de Joseph. Os dois se recusavam a deixar seus amigos adentrar a ilha, sem a companhia deles. Foi então que o capitão pirata pediu a Thror que convencesse os amigos a permanecer no navio. Mas o motivo era uma incógnita ainda.
-Eles não devem ver – começou Boas Línguas – o que a ilha pede para aqueles que a descobrem.
Thror então, com uma ajuda providencial de Lacktum, convenceu seus dois companheiros a se manterem no navio. Então, todos se dirigiram a ilha, exceto o paladino e o druida.

Havia uma vasta vegetação até chegarem ao casebre. Porém, quando se aproximavam da única construção visível da ilha, notaram um pequeno altar no que seria um toco de árvore. Porém o centro do toco tinha inúmeras manchas de sangue. Ele era velho e apodrecido, com um tom macabro, como se fosse criar pernas a qualquer momento. A vegetação ali era mais rala, tinha um tom verde escuro e não possuía flores.
Do casebre surgia uma figura negra coberta por um manto preto com detalhes nas mangas em um dourado fraco. Mau era possível ver seu rosto, quanto mais suas mãos. Já seus pés eram visivelmente deformados: longos e grandes, pareciam constituídos por escamas. Era possível confundir aqueles pés com as patas dianteiras de algum lagarto de grande porte. Ela aproximava com um cheiro de maresia, e de seu manto, surgia água que escorria em direção do solo.
A figura negra começou a falar mais como um guincho do que uma voz de verdade.
-Tragam o sacrifício adequado, homens de Joseph.
Quando Halphy e Lacktum ouviram sobre o sacrifício, seus rostos mostraram que captaram o motivo de deixar o druida e o paladino no navio. Aquela mulher devia se uma bruxa, e como as lendas contam para conceder um favor elas exigem em compensação um tributo, um sacrifício. Mas que sacrifício seria concedido a essa bruxa marinha pelo pacto que fizeram? E que favor foi feito para Joseph para ter de sacrificar – fosse o que fosse – naquela maldita ilha?
Foi então que todos viram que os marinheiros traziam uma caixa que se balançava muito, e de seu interior surgia um gemido de um animal. O som parecia aumentar cada vez que se aproximava do profano altar. Thror já tinha noção que se tratava de um bode, quando a estrutura de madeira chegou aos pés da bruxa. O grego só não tinha certeza se o bode gritava por medo do lugar, ou talvez, que a pobre criatura já tenha se conscientizado o que iria acontecer.
A caixa aberta mostrava o pobre animal se debatendo contra a força excessiva dos marinheiros. O pobre bode gemia, mas era inútil para os ouvidos e corações dos homens do mar. Ele seria a oferenda de um sacrifício.
Todos olhavam com expectativa. Enquanto Halphy colocava as mãos sobre os olhos, Thror olhava com indignação o ato vil para com o animal. Gor fitava a cena com raiva, colocando a mão na arma, como se impedindo que a lâmina, encontrasse o pescoço da figura encapuzada. Só Hugo e Lacktum permaneciam impassíveis a cena, como se acostumados. Realmente, não estavam confortáveis com aquilo, mas já conhecia os ritos das religiões pagãs. Sangue e vísceras eram cenas comuns entres os pagãos sem cultura, pensavam eles.
O arremedo de mulher segurou a cabeça do animal com uma força tremendo, mesmo para uma criatura tão curvada, e aparentemente, velha como ela. Em seguida, como se quebrasse um graveto velho e fraco, ela desloca o pescoço do pobre animal com a força de um único punho. Continuando seu rito profano, a figura arrasta o pequeno corpo no altar, como se joga um saco de alimentos ou bugigangas, deixando seu pescoço dependurado sobre a mesa do holocausto. Por último, com suas mãos com dedos que lembravam lâminas, cortava a carne do bode e consumia os fluidos internos da pobre criatura. Era como se bebesse de uma fonte de água límpida. Mas aquilo era sangue.
Ela então fitou rapidamente, Joseph.
-Você já cumpriu seu dever dessa vez Joseph – disse a figura, retirando seu capuz. Foi então possível ver que ela não era velha, como esperavam. Na verdade era uma jovem moça. Ao menos simulava ser nova, alguns pensavam, parecendo beirar seus vinte verões de vida, no máximo.
-Muito bem – disse Joseph com tom baixo, quase triste – nosso acordo esta cumprido por esse ano.
-Uma noite se passará e encontrará as costas gregas em segurança.
Thror ficou confuso. Navegavam pelo mar do norte da França, e mesmo que estivessem em grande velocidade e não soubesse muito sobre navegação, tinha certeza que demoraria mais que um dia para chegarem até as terras dos deuses olímpicos.
-Que a Arte[2] obscura o acompanhe, Boas Línguas – disse a jovem bruxa.
Gor notou então que Joseph virava as costas com pressa, como se quisesse fugir da ilha o mais rápido possível. Ele não queria ver mais o corpo do animal estendido no altar de madeira. Muito menos, a agora, jovem bruxa.
Diga Joseph – perguntou o jovem Lacktum intrigado – afinal, para que serviu tudo aquilo? Quem é a aquela bruxa? Qual o motivo de viver aqui, isolada? Qual sua ligação com ela? E afinal, que ilha é essa?
-Bem – o capitão tentava trazer a tona varias memórias – aquele foi o rito daquela mulher macabra que ajudo a cumprir todo o ano. O nome dela é Angélica, e ela é denominada como uma bruxa do mar; criaturas que entregam seus espíritos aos demônios ou senhores das águas e dos oceanos. Essa ilha já foi morada de um poderoso cavaleiro caído. Kalic Benton, se me lembro bem do nome dele. Toda ela emana energia negativa que pode ser usada para controlar uma pequena fração do tempo e espaço, por isso, amanhã de manhã estaremos no litoral grego. Eu descobri a ilha... Por acidente... Pelas minhas navegações! A bruxa me concede a habilidade de viajar mais rápido com meu navio desde que eu sacrifique um animal que ela me pede. Normalmente esta em lugares difíceis de chegar e que ela exige que sejam exatamente aqueles! E – por fim – fazendo esse sacrifício ela obtém algo que ela chama de mana, que nunca compreendi direito, mas a ajuda ficar jovem novamente.
Lacktum compreendeu tudo. E até mesmo que Joseph se negou a responder uma das perguntas: qual a ligação do capitão com a bruxa do mar, Angélica. Parecia haver algo a mais nessa história. Apesar de que, o vinculo poderia ser qualquer um. Mas fosse o que fosse não seria algo bom.
Mal sabiam que aquela ilha seria uma peça do destino deles. Mas por enquanto, o druida e o paladino esperavam o grupo no navio. Halphy olhava em direção do mar, tentando esquecer por instantes o que vira minutos antes e o resto do grupo acompanhava o capitão, junto dos marinheiros.
Lacktum se perguntava se veria novamente a ilha. Ele iria preferir ver, se soubesse o que aconteceria. Parte de seu futuro estava nela.


[1] Existiria nas lendas gregas dois Argos: um deles era um monstro com cem olhos que servia a Hera. O outro seria a embarcação ao qual Teseu se lançou ao mar com seus companheiros atrás do Velocino de Ouro. Havia vários heróis presentes no navio, entre eles o próprio Hercules. Por conta do nome do navio os seus ocupantes eram chamados de Argonautas.

[2] Esta referindo a magia com a Arte. Arte obscura seria referente a magia negra.