Até onde sabemos sobre a humanidade, teríamos surgido há
aproximadamente 2,5 milhões de anos. E
existem dois períodos distintos no surgimento da mesma: o Paleolítico e o
Neolítico. Isso se deve ao fato de boa parte de nosso período de existência se
resumir a essas duas fases distintas. Esses períodos são cercados de um grande
mistério, pois não possuíam registro, sendo que uma das primeiras formas de
expressões seriam as pinturas rupestres seriam as imagens encontradas em sítios
arqueológicos.
Esses dados são o que qualquer historiador dirá a você. Mas
isso é a verdade?
Tantas culturas de diferentes origens citam suas próprias
gêneses de formas diferentes. A crença católica é a que a mais possui
referências históricas, pois vivemos numa sociedade formada por essa fé. Os
povos de origem asgardiana, céltica, olímpica, entre outros, tem seus
nascimentos citados como um ato divino. Mas é só isso? Somente isso? E como
pode ser isso?
Deuses com formas humanas ou semi-humanas moviam, destruíam e
até moldavam o mundo a seu bel prazer. Aproveitavam de todos os homens,
tratando a nós como escravos, ou no máximo, divertimento. As mulheres eram abusadas
ou enganadas em troca de favores da carne e mesmo contra a sua vontade, tinham
que ceder a isso. Nem mesmo as crianças eram poupadas das maliciosas mentes das
entidades que as tomavam de seus pais se possuíssem interesse, por qualquer
motivo que seja.
Mas somente um entre todos, só pediu o necessário. O único
que sacrificou seu bem maior acima de tudo! Ele que em mais de uma cultura foi,
e é chamado, por Senhor. Essa história trata sobre isso: sacrifícios e
destinos.
Essa história não trará nenhum nome conhecido das lendas e
dos mitos, a não ser quando este participarem da história. Ela poderá citar
nomes como de: Arthur Pendragon, o rei celta e católico; Leônidas, o rei que
valeu por um exército e que tinha um exército que valia por mil; e até mesmo Júlio
Cesar, o homem que tocou o título de Imperador, mas nunca, obteve êxito, mas
eles não são o foco dessa história.
História sim. Não um conto de fadas, pois nada nessa história
esta livre de um triste fim. Muito menos um conto de terror, pois apesar das forças
malignas operantes sempre existem aqueles que mantêm a ordem. Quanto mais um
mito ou lenda, pois nada aqui foi criado. No máximo uma fábula já que os
personagens têm uma função alegórica, trazendo uma moral: mesmo que você não
olhe por alguém, podem estar olhando você.
Minha função é mostrar o que olhos que existiram naquele
período, olhos mortais, viram e presenciaram. Desde o mero encontro com uma
pequena fada, até o confronto contra dragões e demônios. E, acreditem esse foi
o menor dos problemas
Quantos homens erguerão suas armas contra o mal? Mas o que é
o mal? Nocivo? Mal? Tudo o que se opõe a honra? Mas então o que é honra? Mesmo
que víssemos plenamente a palavra mal, seria um termo difícil definir. E então
o que fazer para explicar ela? Vou entregar ao leitor a minha idéia sobre o
mal. O mal é tudo aquilo que se opõem ao nosso destino. Ás vezes, nós
esquivamos dele guiando nosso destino. Em outras nos entregamos a ele, deixando
nosso futuro ser dominado. Mas existem, aqueles que erguem a lamina da vontade
contra os obstáculos criados pelo mal.
Houve uma terra que tinha como marca maior, em sua história,
a morte do filho Dele, que Ele sacrificou em nome dos nossos pecados. Essa
cidade chama-se Jerusalém.
Quando o Império Romano do Ocidente caiu, deixou uma marca
que atingiu boa parte dos países que ele tocou com um tornado: o cristianismo.
As religiões, assim como as tradições de vários povos, foram modificadas em
nome da nova religião. E todos aprenderam o que eram os dogmas e sacramentos.
Mas o homem traz consigo sempre a vontade de obter mais. De
conquistar mais.
Após o ano mil, Jerusalém era o centro do mundo religioso de
várias culturas. Religiões, que tiveram origem no Oriente Médio, foram postas
em confronto direto. Os árabes islâmicos queriam a Cidade Santa, pois de lá, Maomé
teria subido aos céus, já os judeus que lá se encontravam, tinham diversos
lugares sagrados e os cristãos reverenciavam a cidade por ser um dos últimos
locais em que Jesus Cristo esteve vivo. Mas por questões acima dos religiosos –
é o que afirmavam os líderes das facções – os povos se enfrentavam em batalha
sangrenta.
Existem ainda os fatores demográficos e de remissão: graças
ao aumento da população desde o começo do ano mil, os católicos necessitavam
retirar esse excesso de suas terras. Para isso, o Papa Urbano II dizia que os homens
que entrassem para a guerra contra os infiéis, teriam seus pecados perdoados.
Os cavaleiros chamados pelo papa para tal embate usavam - em nome de sua fé -
uma cruz bordada em suas vestes por cima da armadura. Eram então chamados de
cruzados, guerreiros e símbolos do cristianismo no Oriente. Eles iniciaram as
Cruzadas, um dos conflitos, no período da Idade Média, mais extensos e
sangrentos da história da humanidade.
Entre os séculos, XI e XIII, a Santa Sé promoveu as Cruzadas,
que poderiam ser traduzidas como expedições militares, mesmo sendo tratadas
pela maioria, como modo de evangelizar os infiéis.
Existiram diversas Cruzadas, mas quase todas culminaram na
derrota cristã e perdas de vidas de ambos os lados. Mas ao final da Primeira
Cruzada os nobres voltaram para suas terras, com exceção, os que ficaram
estabelecidos em regiões conquistadas e as transformariam nos quatros Estados
cristãos. Seriam eles, o Condado de Edessa, o Principado de Antioquia, o
Condado de Tripoli e o Reino de Jerusalém.
Foi em 1144 que ocorreu o impossível, pois o Condado de
Edessa foi capturado pelo exército muçulmano. Com isso os turcos puderam
reagrupar seus homens, e enfim a longa fronteira dos três Estados cristãos
restantes. Estava para começar a Segunda Cruzada.
Graças aos pedidos dos Estados cristãos os embaixadores
enviados a Roma tiveram resposta positiva em relação a ajuda contra os turcos.
O Papa Eugênio III – encarregou o clérigo Bernard de Clarvaux, um erudito e
conhecido homem de propagar entre os cristãos sobre a nova Cruzada. Com isso o
rei Luís VII da França e o imperador Conrado III do Sacro Império Romano,
entraram de vez nessa jornada em 1147.
Isso fez com que boa parte dos exércitos de ambos os
territórios, se deslocassem, acompanhando seus reis. O que fez com que seus
territórios ficassem um tanto quanto desprotegidos.
Nessa época - em que alguns poucos erguiam suas
armas contra aqueles que achavam injustos - homens e uma mulher que se dirigiam
a Starten, na França, teriam que usar estes itens se ainda quisessem continuar
nesse plano de existência.
Esses textos foram traduzidos de escritos antigos que estavam
na língua antiga dos elfos. O sidhe. Essa língua teria surgido no começo dos
tempos em que até os esses seres eram jovens demais para se lembrar.
Elas relatam sobre acontecimentos que ocorreram no Reino da
França, no ano de 1147 em uma estação de primavera. Cada um dos jovens
personagens caminhava em direção ao vilarejo.
Richard Naara estava indo ao vilarejo de Starten, pois, o que
as vozes das cidades próximas diziam sobre o lugar é que a cidade teve problema
com a profanação de corpos. Mas Richard sabia que tal como seu nome era a única
coisa que tinha a profanação de corpos não era o problema verdadeiro. Os mortos
voltaram a andar. Sabia muito pouco sobre o assunto, mas tentaria ajudar.
O jovem elfo cobria sua cabeça com um manto bem pesado com a
finalidade de cobrir sua herança élfica. Usava uma roupa leve com luvas pesadas
contrastando com suas vestimentas. O cabelo, mesmo pela cobertura na roupa, saltava
para fora. Sorte que suas orelhas pontudas não faziam o mesmo. Enquanto
caminhava na direção o lugar, arrumava o azevinho e o visco, itens típicos de
um druida. Mas ele necessitava não só deles, mas confiar em suas próprias
habilidades herdadas de sua mãe. De quem tanto sentia saudade.
Diferente dele, também partia Halphy – que como Richard
descendia de uma família sidhe – mas não estava lá por motivos nobres. Não aos
olhos humanos ao menos.
Os dois homens, Hugo e Lacktum, trilham caminhos paralelos, porém
por meios e motivos diferentes. Enquanto Hugo Capeto ainda não sabia se
entregaria sua mente às trevas do seu coração, as de Lacktum o traziam a
Starten por memórias que torturavam demais. Mas ele sabia que não havia mais
salvação para si.
Mas iniciemos essas narrativas por um guerreiro.
Thror, grego e um guerreiro excepcional. Seu passado era tão
obscuro quando a perícia inerente de armas que tinha. Tanto para vender, quanto
para usar. Cerca de três dias do litoral de distância, Thror caminhou sem rumo
até a cidade por pura confiança no destino. Levando consigo uma espada, uma
armadura e alguns bons equipamentos, nada mais. Estranhamente, ele achava que a
armadura o impedia de movimentos mais acrobáticos. Os poucos que o conheceram
em combate, o achavam estranho.
Mas estranho mesmo era a marca em sua cabeça. Qualquer um que
o examinasse, acharia que uma marca como aquela poderia matar um homem comum.
Porém, mesmo assim, Thror Tzorv continuava vivo. O mesmo golpe nos homens, em
campo de batalha, matava qualquer um, mas o homem da cicatriz se vangloriava da
marca. Mesmo não sabendo de onde ela vinha.
Porém a visão de Thror começou a embaçar, nublando seus
pensamentos e fazendo sua mente vagar para sua terra natal. Ele notava flores
que só surgiam nas colinas gregas, eram chamadas de narciso. Até mesmo as colunas
da casa que surgia a sua frente, parecia nova. Não as ruínas que ele abandonou
á um pouco mais de um ano. Mesmo assim, sua visão que se concentrava numa
colina grega que Thror não se lembrava, voltou a um morro que descia para
Starten na França.
Essa visão de um passado que não conhecia, o assombrava
enquanto descia o morro e atravessava a ponte de madeira em direção a Starten.
Starten ficava a quatro dias do litoral da França. Protegida
por pequenas montanhas, que diziam estar povoadas por monstros, só possuía mais
uma via de acesso por uma pequena ponte de madeira improvisada, feita de
eucalipto. Ao sul havia florestas que se tornavam intransponíveis, enquanto ao
norte havia o cemitério.
Esse caminho era usado e respeitado três meses atrás. Porém
com o caso das gêmeas DuBoi, as histórias sobre estas duas garotas explicariam
o motivo da população local não atravessar aquele solo de repouso eterno.
Lacktum com seus cabelos vermelhos, seu grimório entre seus
pertences na mochila e sua pele de urso como veste, presa num cinto de couro,
olhava para uma cruza manchada de sangue no centro da cidade. Ele olhava com
uma intenção curiosa, diferente dos outros homens que fitavam o símbolo com
medo. O sangue ainda marcava o local, como uma amostra profana do que
acontecerá antes.
O ferreiro se aproximava para falar com o estrangeiro,
estranhando seus olhos curiosos de inglês. Já Lacktum percebeu quando se
aproximou dele, um homem sujo pela ferrugem de uma forja.
- O que faz aqui – começou o forjador – homem do extremo
norte da ilha das brumas?
- Vim pelos rumores – disse contrariado Lacktum – de morte e
outras coisas que surgem nas terras do rei Luis VII.
Ignorando o que Lacktum falava, o ferreiro continuou apontando
para as marcas de sangue e explicando o ocorrido.
- Á um pouco menos de três meses – disse o ferreiro, como se
trouxesse lembranças de algo amargo – duas garotas de oito verões foram
raptadas na cidade. Dois ou três dias depois quando perdemos as esperanças que
as encontrássemos as vimos, vindo do norte. Do cemitério. Nuas. Caminhavam com
dificuldade, era o que achávamos. Na verdade, quando se aproximavam vimos uma
mancha vermelha. Pensamos que era sangue. Mas elas não possuíam mais sangue,
nem tão pouco órgão, elas estavam mortas!
- São coisas terríveis – disse sem alterar o humor - Mas como
sabiam que foram raptadas?
- A casa delas tinha sido destruída. Os pais mortos por
alguma coisa. Ainda bem! Foram poupados de ver uma cena de afeto profano na frente
da santa cruz. As garotas devoraram crianças, ali mesmo, que brincavam antes.
Lacktum então começou a andar e olhou de canto de olho para o
ferreiro, cruzando a cruz e seguindo até a igreja.
- Inglês, – disse o ferreiro – se dirige a igreja com a finalidade
de se intrometer nesse problema, não é? Mas não parece querer saber sobre o
ocorrido. Vem a essas terras então por qual motivo?
O mago Lacktum olhou sarcástico. Ele fitava a face do
ferreiro, medindo as palavras, lógico.
- Nas terras, onde mortos estão vivos, soube que o corpo de
alguém que amei, estaria aqui. E temi por sua integridade... Ferreiro inglês.
Disse isso, andando novamente até a igreja. O ferreiro soltou
um pequeno, mas sarcástico sorriso.
Ele se aproximava com o manto cobrindo o rosto e o corpo. E
não era sem motivo. Richard nunca seria visto com bons olhos.
Seu sangue puro entre os sidhes o tornaria alvo dos clérigos
fervorosos da igreja daquelas terras. Um devoto dos deuses faéricos nunca teria
paz nas mãos sacerdote. Quem dirá os dois!? Entrava na igreja com grande temor,
acreditando que alguém poderia o descobrir.
Já Hugo fazia o mesmo, sem pensar em nada que o preocupasse.
Mas se alguém descobrisse sobre seus dons arcanos, ele seria caçado de qualquer
modo. Porém isso não intimidava nem um pouco.
Para completar o grupo que seguia até a igreja, Thror entrava
com sua arma e armadura do modo mais discreto possível. O que se tornava
difícil, mesmo com equipamentos mais simplórios.
Todos sabiam que o padre Jean estava desesperado procurando
mercenários. Isso, afim de, obter um resultado contra os mortos que deixavam
seus sepulcros. Afinal, o pequeno templo católico de Starten tinha somente a proteção
de Deus e de Owen, um ex-soldado que desertou do exercito do rei francês. O
padre mandou mensageiros ao alto clero que não respondeu, ou quando o fez,
ironizou suas mensagens loucas sobre mortos famintos.
Ele, o padre olhou as figuras que estavam na igreja com
admiração e espanto: o mago Lacktum mantinha seu olhar sarcástico, porém sereno
em direção ao sacerdote enquanto sentava no banco da frente na sé; Richard
ficava longe da luz, afim de não ser visível seus traços de sidhe ao padre; Já
Hugo olhava as luvas amarradas aos braços, com tiras de couro, com desenhos
rúnicos, que portava. Ele cobria o rosto com o manto e com as mãos estendidas
pelo banco; por ultimo, Thror se mantinha de pé fitando o padre com seriedade,
mas respeito.
As vestes marrons, sujas com o trabalho balançavam, enquanto
começava a falar com seus olhos jovens verdes. Mesmo com só pequenos tufos de
cabelo ao lado de sua cabeça demonstrava jovialidade e beleza que normalmente
não se via em alguém do clero.
-Obrigado por comparecerem – disse o sacerdote – Acho que
sabem dos nossos problemas nos últimos meses?
Lacktum levanta, tomando a frente no assunto.
-Ora clérigo, - disse o arcano apressado – fale logo sobre os
mortos-vivos que rondam a cidade. Que seus fiéis comentam até com estrangeiros.
O padre se espantou, mas não deixou transparecer em seu
rosto.
-Não há como negar isso a você meu jovem.
-Fiquei sabendo disso – falou Lacktum cruzando os braços –
com o ferreiro local, eu acho.
-Ah Gor! Ele se preocupa muito com o que ocorre aqui, apesar
– disse o padre alterando o tom de voz – de não ser daqui. Mas mesmo assim,
ajuda na proteção da cidade como uma sentinela muito prestativa e atenta. Já
deve que se confrontar com estes seres, mas nada que meu caro amigo Owen,
saberia lidar.
Surgia por de trás de um pilar, um homem loiro vestindo uma
brunea. De sua cintura, surgia um mangual pesado, que ficava batendo em sua
cintura. Ainda no cinto, havia um desenho de uma cruz no centro.
- Ele também auxilia nos combates? – disse o grego Thror,
olhando as ótimas armas e a armadura de Owen.
- Sim, mas – disse o guerreiro Owen – se concentrem no que
fala vossa clemência.
- Tudo bem, continue.
O padre tomou fôlego, para o fim de pronunciar as palavras
certas. Olhou como se soubesse que os homens ali entenderiam suas palavras. Ou
assim esperava.
- Nesses últimos tempos... Precisei queimar os corpos dos
fiéis que morreram, como os pagãos fazem, pois os mortos do cemitério se
levantam e nos atacam! Muitos dos fiéis, hoje na vila, encararam pais e mães,
irmãos e irmãs, tios e tias, e toda sorte de ancestrais que deveriam estar
inertes em seus sepulcros. Começou com o caso das gêmeas e foi progredindo. Vez
sim, vez não, essas criaturas mortas nos atacam e levam ao menos um membro da
vila
A voz do sacerdote ficava cada vez mais aflita.
- Mandei um pedido de ajuda a alguns vilarejos próximos, mas
sem contar os estranhos fatos aqui relatados. Afinal, quem acreditaria? Nem a
Santa Sé acreditou nisso. Quem dirá o povo das terras humildes, e sem rei, da França?
Por isso peço encarecidamente que ajudem Starten nesse tempo de crise.
Os homens sentiram um grande sinal de temor do padre, como se
ele temesse que não aceitassem a missão. Como se ele temesse pela cidade, por
algo pior.
Hugo, Thror e Richard olharam, como certos de suas respostas.
O mago Lacktum se demorou a mostrar alguma reação. Por fim responderam. Thror
começou.
- Se é assim, - disse um careca Thror sorridente – vamos
acabar com essa crise. Não é mesmo encapuzado?
- Meu nome – disse o sidhe contrariado – é Richard, homem das
terras das polis. Sou da terra onde surgiram as fadas. E mortos famintos não me
assustam.
- E você rapaz? – disse o grego olhando na outra direção.
O italiano Hugo Capeto olha com uma vontade única, pensando
em como isso poderá ser interessante.
- Eu aceito, eco –
disse o italiano com olhos quase reptilianos... Quase dracônicos.
Quando Thror se dirigia para Lacktum, este se adiantou e
falou com ele, como adivinhando.
- Não se preocupe grego. Eu também irei ao cemitério.
- Juro por Deus, - disse o padre Jean com um olhar
esperançoso – que irei lhes compensar de algum modo. Seja aqui, ou no outro
mundo.
- Muito obrigado – disse Richard, rindo com a ironia sobre
outro mundo.
Owen foi a algumas aldeias próximas a Starten, onde mantinham
quadros de anúncios. Eles serviam para diversas funções: quando necessitavam de
fazendeiros; mão de obra para alguns assuntos artísticos; e soldados, a para a
já debilitada milícia francesa. Algumas vezes, continham quadros de recompensas
por um bandido ou animal feroz. Mas como Starten não era muito famosa, quase
sempre, o lugar era mais conhecido por dar acesso ao litoral, o que não rendia
serviços muito diversificados.
Os homens começavam a sair quando ao longe, da direção do
cemitério, ouviram o som de um trovão, num dia sem nuvens de chuva. E os
ouvidos mais atentos podiam notar que havia outro, som como o grito de uma
garota.
A jovem Halphy era uma garota, inteligente e seus talentos na
arte do roubo e malícia ressaltavam essas características para si. Mas ela
nunca foi muito desse tipo de atitude soturna ou ladina quanto mais jovem... Não
muito.
Ela seguia aquele homem desde que entrou nos limites da
cidade de Starten. Estranho, mesmo com seu tom nobre, aquele homem surgindo com
arma e armadura pomposas, em terras francesas. Suas vestes negras contrastavam
com a armadura vermelha que vestia e os cabelos negros mostravam que não era
daquelas terras.
Já Halphy era uma pessoa única: era de sangue sidhe[1]
como os arcanos chamam, meio elfo para os humanos e fealith[2]
para os elfos. Continha pouco dos traços sidhe, mas o bastante para um arcano a reconhecer. Mesmo assim, ela
cobria suas orelhas com seus grandes cabelos com a finalidade de não
descobrirem sua identidade élfica.
Mas o estranho sombrio continuava o caminho até o cemitério,
ignorando Halphy completamente, mas isso não era algo que ela queria – a não
ser que isso fosse extremamente desejado para seu serviço – naquele momento.
Ela acabou de chegar a Starten, quando o viu surgir praticamente do nada. Ele
não surgiu da mata, como se fugisse de algum lugar, mas se mantinha com suas
feições impassíveis, ignorando completamente Halphy. E isso não era possível.
Já que ela não queria ser ignorada!
-Que maldito, - resmungou baixo Halphy – ele não sente dó dos
meus pés? Bem não deveria mesmo ter que se preocupar comigo, afinal ele nem
repara que eu estou aqui. E afinal... Estou falando sozinha? Bem de qualquer
modo ele pode ser um alvo em potencial de roubo.
A curiosidade da jovem falava bem alto. Afinal, quem poderia ignorar
a talentosa e superior, Halphy. Existiam momentos em que Halphy quase sempre se
via como uma garota comum cheia de vontades típica de uma moça de sua idade.
Como essa curiosidade que lhe surgiu devido ao fato de ter sido ignorada pelo
estranho. Mas havia outros em que lhe deixava aflorar seu ar de superioridade
devido a sua inteligência e seu parentesco élfico. Nada como ser um símbolo de
superioridade, pensava ela.
Foi então que algo de muito estranho ocorreu. Ela conseguiu
ouvir do estranho o seguinte:
-Ele parece que não esta aqui. Sua aura esta extremamente
fraca. Posso a sentir. Não tem como o distinguir dos outros.
Nesse momento, que parecia já criar uma grande confusão na
mente da jovem Halphy, se tornou melhor com o movimento rápido e bizarro da
cabeça do estranho girando em para trás. Literalmente girando para trás.
-Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah! – soltou Halphy
olhando para o ser que acabará de se mostrar um verdadeiro monstro.
Enquanto todos conversavam na igreja foi possível ouvir um
som estridente ao qual, alguns já sabiam o que era.
-Parece ser a voz de uma jovem – soltou Hugo.
Então Thror levantou sua arma como um símbolo sagrado de um
clérigo e começou a correr para fora do templo.
-Por Ares! Uma luta! Há quanto tempo não consigo uma boa
luta!
-Espere homem! – gritou em vão Richard – O tolo vai para o suicídio
se for até lá só sem saber o que enfrentará.
-Então não é nosso dever ajudar um companheiro meu caro elfo?
– soltou baixo o feiticeiro.
-Mas como...
-Ora meu rapaz... Há poucas coisas que um feiticeiro não
consiga reparar. Atendo pelo nome de Hugo, Hugo Capeto. Qual seria o seu?
-Bem... - disse constrangido o elfo encapuzado – meu nome é
Richard Naara.
-Richard mesmo? Para um elfo? Nomes estranhos que os seres
faéricos conseguem nesses tempos sem reis... Mas também quem diria um
feiticeiro ajudando um padre a eliminar um mal necromântico, não é?
-No caminho te conto. Vamos!
Nesse momento Hugo puxou seu novo conhecido Richard para fora
da igreja enquanto sobrava só um dos membros daquela reunião feita as pressas.
O padre olhou para ele como se quisesse dizer que não poderia se ausentar
daquele lugar. Lacktum nunca gostou da fé do Deus Cristo, mas entendeu os
motivos do padre. Havia outros que precisavam de uma proteção acima da comum.
Ele acenou de forma respeitosa, mas com uma dose de sarcasmo e começou a
correr.
Nesse mesmo momento um sorriso saltou da face do jovem padre
Jean. E ele possuía grande malícia.
Todos correram em direção ao cemitério. Havia grande
apreensão em alguns daqueles homens com exceção de Lacktum. Ele olhava o lugar
ao seu redor e percebendo o mundo que o cercava. A floresta ficava atrás do
cemitério o que concedia ao lugar um ar fúnebre. As arvores, todas, convergiam
para uma clareira que era o ponto principal do cemitério. Elas pareciam se
tornar o limite do lugar de repouso dos mortos. Era possível ser notado pelo
maior dos mausoléus que ficava quase no limite da localidade. Era belo, mas
emanava uma aura que pessoas, como Richard, detestavam. Eles chamavam de A
Canção dos Condenados. Quando uma grande aura de força necromântica, de forma
natural ou sobrenatural, se aglomera numa região, quase sempre cria sons que
são entendidos como pequenas brisas, ventos e até tufões que muitos acreditam
ser naturais. Mas a verdade é que são as vozes dos mortos usando a natureza
para falar o que todos sabem: que a morte é terrível, mas existem coisas
piores.
Quando todos chegaram, viram uma moça caída ao chão com uma
grande expressão de medo começou a olhar para eles enquanto balbuciava
palavras.
-Ca... Ca... A...
Ca... Ele... Vi... Rar... Ca...
Foi nesse momento que Thror fiz uma brilhante pergunta:
-Careca?
-Ela não esta se referindo a você grego – disse Lacktum
rápida e asperamente.
-Bem – quis responder o guerreiro – poderia ser... Não é?
Hugo e Richard se calaram diante da ponderação de Thror. Mal
o conheciam, mas reparavam que ele tinha menos intelecto que um roedor.
Guerreiro não eram sábios, porém, nunca tão estúpidos. Mesmo assim o jovem mago
inglês ressaltou:
-Só se ela estivesse com medo, dessa sua cara feia grego. E
com essa marca na cabeça ainda por cima...
-Eu queria dizer – falou a jovem, se refazendo do susto – que
eu vi uma cabeça girando.
-Ah! – disse o brilhante guerreiro – É normal quando vemos
uma cabeça sendo decepada.
Todos olharam com tanta raiva para o grego, que Richard
precisou segurar o feiticeiro para não lhe esbofetear. Seria cômico, não fosse
pela situação de todos se encontrarem na frente de um cemitério.
A jovem se levantou arrumando seus cabelos castanhos enquanto
olhava aquele bando de homens estranhos e esquisitos. Não que todo homem não
fosse assim, mas aqueles eram realmente assustadores, se não fosse pela mente
perspicaz da meio elfa. Ela começou então a reclamar:
-Em vez de fazerem adivinhas com minha fala, deveriam me
ajudar a levantar bando de brutos!
-Perdões senhorita – disse Hugo quando notou que a jovem permanecia
no chão. Ele estendeu sua mão á jovem que limpou prontamente sua calça com tapas
bem rápidos e curtos. Começou a se limpa com palmadas bem concentradas,
especialmente as partes sujas da lama do cemitério. A moça era muito bela e
possuía olhos mais amendoados que o normal, mesmo para uma moça daquela idade.
Os cabelos castanhos cobriam suas orelhas que alguns notavam que continha um
pouco dos traços élficos. Mas outros notavam coisas mais preocupantes que isso,
e o fato dela usar calças: ela tinha ferramentas que lembravam mais os ofícios
de um ladrão. Como deveria de ser, isso chamou a atenção de Lacktum, além dos
outros fatores que havia notado.
Ela iria começar a falar algo quando, sem aviso algum, Thror
virou a cabeça em uma direção. Parecia que ele olhava pela mesma direção que
acabavam de vir. Surgia então na cabeça do guerreiro grego uma imagem, de muito
tempo atrás. Mesmo não se lembrando de boa parte de sua memória, ele começava a
tornar alguns de seus lapsos sobre o passado, em formas de defesa contar certos
perigos. Foi então que o mago lhe disse:
-Esta olhando muito para trás careca. Algum problema?
-Corram.
-Mas do... – e antes que terminasse a frase algo aconteceu.
-Corram!
-Estrangeiro louco – ela disse. Mas logo se arrependeria
dessas palavras.
Todos sentiram que o chão tremia abaixo deles, mas alguns
tinham noção que aquilo não se tratava de um simples ato da natureza. E o único
guerreiro entre eles já notava que aquilo era algo mais profundo e sinistro. Ao
ponto que começou a correr em direção ao cemitério. Alguns acharam que se
tratava de um tolo covarde, mas quando olharam novamente para a cidade notaram
que estavam absurdamente enganados.
Do chão começavam a brotar estranhas sementes que tinham tons
de azul e marrom. Esses brotos pareciam possuir formas de dedos que se
movimentavam como estivessem estalando com o ar do lugar. E então o que ninguém
imaginava começou a surgir em suas mentes: aqueles brotos não pareciam com
formas de mãos... Eles eram mãos! Contorcidas e pútridas, que começavam a
forçar carcaças que já foram corpos, cheias de insetos viscosos e nojentos.
Eles começavam a se erguer da terra com formas semi-humanas e cheias de morte
que exalavam enquanto tentavam tomar uma forma mais ereta.
Algumas formas não eram completamente humanas. Entre elas
poderia se notado uma parte do que seria, um corpo cortado ao meio. Outro tinha
boa parte da face arrancada como se por um golpe de espada. Havia outro que
possuía o mesmo problema, mas pelo golpe de um terrível animal, talvez um urso
ou lobo. Existia entre aquele circo de horrores, até mesmo mulheres grávidas e
animais que deveriam ter sido enterrados nas cercanias do cemitério. Era um
pequeno pandemônio que surgia diante dos olhos daqueles jovens.
-Carneeeeee... – soltavam algumas das criaturas.
Entre eles, os que mexiam com magia já ouviram falar sobre
esse tipo de criatura. Era conhecida entre os necromantes menos experientes,
mas temida como qualquer outro. Afinal, mexer com a trama vital não era fácil e
para conseguir isso eles precisavam lidar com o maior obstáculo para a vida
alguns diriam. A morte não deveria ser um empecilho para alguém assim.
Portanto, deveriam encontrar modos de controlar todos os aspectos dela. E entre
eles estava à transformação de cadáveres em crias da vontade do conjurador que
as trouxeram de volta a vida. Sem mente – e alguns diriam sem alma – esses
seres podem também surgir espontaneamente absorvendo o necroplasma ao seu redor
e os sentimentos que possuíam em vida as pessoas que tinha ao seu redor, assim
como os próprios. Isso quase sempre alterava suas formas finais, os tornando
cada vez mais perigosos dependendo do que eram preenchidos. Mas aqueles que
monstros que estavam a sua frente não passavam da mais baixa das categorias
desse tipo de criaturas. Os povos de pele bronzeada de além do mediterrâneo
tinham um nome para aquele tipo de criatura, mas os europeus os conheciam como mortos famintos[3].
Foi nesse momento que Halphy iria começar a correr em direção
ao cemitério notou de forma forçada que o guerreiro grego havia parado sua
investida. Ela iria reclamar de ter acertado o seu pequeno nariz contra a
armadura do grego, quando percebeu o motivo da brusca parada de Thror.
Era possível ver o guerreiro de cicatriz na cabeça, colocando
a sua frente o escudo para combater. Ele se posicionava, de modo a dobrar o
joelho para melhor golpear e se esquivar de qualquer ataque que surgisse. A
espada longa era colocada de lado com a ponta da lamina para baixo, mas firme,
como um cavaleiro segura a crina de sua montaria. Sua barba deixava sua
expressão que antes parecia extrovertida, em mais seria do que antes.
Quando então notou, um grupo menor de mortos – porém não
menos apavorante – surgia na frente do grupo. Halphy então soltou mais um
grito.
-Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah!
Eles se preparavam para um combate, mas era certeza que
seriam massacrados pela massa de mortos que se colocava entre eles e a
salvação. Naquele breve instante era possível notar que a desesperança surgia
nas almas e corações daqueles jovens. O mal tem esse efeito sobre os corações
que possuem luz. Traga toda a vida e bondade, até não surgir nada que se possa
ser digno de pena. Assim funcionam as trevas. Porém, as trevas já se apossaram
do coração de Lacktum.
O mago inglês então notou que a formação profana não era
perfeita. Havia uma brecha entre as criaturas que poderia ser utilizada para
que todos fugissem.
-Corram e me sigam por suas vidas! – gritou isso enquanto
passava entre os seres macabros que se colocavam entre eles e o caminho do
cemitério. Ao menos era um lugar que, a primeira vista, não estava recheada
daquelas pragas que fugiram de seus túmulos. Era arriscado, mas não havia
muitas opções no momento.
O feiticeiro e o druida ficavam mais para trás, enquanto
Halphy seguia na frente junto ao guerreiro careca. Este abria caminho com uma
tática simples, mas eficaz. Usava o escudo como uma barreira entre ele e os
mortos famintos, e com a lâmina de sua espada longa, retaliava qualquer
oponente adjacente. Quase sempre o que ocorria era o surgimento de cenas
bizarras, como a cabeça de uma mulher que teve o crânio cortado ao meio pelo
grego com a ferida enorme. Era bizarro ver um corpo que deveria ter sido uma
bela jovem trespassada pela lamina e mesmo assim continuar de pé!
Todos passavam pelo pandemônio de criaturas com temor, mas ao
mesmo tempo com a coragem tola que a juventude nos concede. Quem pudesse ver o
grupo, poderia acreditar que talvez fosse uma experiente equipe que preferia
não enfrentar os mortos. Mesmo fugindo. Mas ao contrário, a coragem os tornava
fortes contra o mal que havia na frente de cada um deles. Porém, não havia para
onde fugir muito menos aonde se esconder, pensavam alguns.
Foi então que quando alguns se achavam seguros demais Halphy
grita:
-Ruivo cuidado!
Era tarde demais. Uma mão, que mais parecia uma garra de tão
afiada, perfurou o ombro do jovem Lacktum. Este então preparava uma magia, mas
nesse mesmo instante, foi acertado por um segundo ataque nas costas. Quando
havia pensado em atingir seu primeiro atacante, teria deixado suas costas
abertas para um novo golpe. E isso fez que perdesse muito sangue.
Halphy então se colocou acima do jovem inglês, que estava
agachado colocando as mãos nas costas, como um escudo contra os monstros. Ela
pegou uma adaga e colocou a frente do corpo como uma leoa que protege sua cria.
Os ataques eram constantes, mas ela não poderia deixar que os seres que os
cercavam acabassem com o jovem. Na verdade, após se posicionar para proteger o
jovem ruivo ela se fez uma pergunta: por que raios ela estava naquela posição,
protegendo um desconhecido? Não o conhecia e mesmo assim estava quase que se
colocando em uma situação de risco. E para que? Para talvez isso a matar e
atrapalhar em seus intentos de obter o artefato que tanto quis? Bem, o erro
estava feito, e agora era agüentar firme o que estivesse para acontecer.
O mago inglês então soltou:
-Art that guide my
intentions and bring wind power to protect us.
Nesse momento um pequeno raio de energia se
concentrou na mão ensangüentada de Lacktum. Era brilhante e parecia ter vida
própria, tanto que quando o mago a lançou, não parecia uma flecha que saltava
de sua mão, mas sim um vaga-lume que voava tão rápido quanto à seta de um arco,
atingindo o peito do monstro. E nesse instante, ele foi jogado contra o escudo
de Thror, que logo o golpeou atravessando o rasgo que o mago fez com a magia.
A ladina lhe deu apoio para levantar, que ele
negou prontamente. Mas ela era teimosa assim como o mago. Colocou o braço dele
por cima de seu ombro, sempre tento cuidado para que não tocasse de jeito algum
em seu ombro ferido. Ele então notou que a garota possuía uma besta de mão
junto a cintura.
-Você tinha uma arma que iria lhe proteger
contra ataques de perto. Qual foi o motivo de não a usar? – perguntou o mago
suando pela dor e perda de sangue.
-Eu estou carregando o motivo! – falou isso a
ladina enquanto bufava – Mas não se preocupe! Um dia, se ainda estiver vivo lhe
cobrarei isso. Pode ter certeza disso!
-Pago minhas dívidas, mas adoro quando posso
cobrar elas.
Quando os dois notaram, viram que o bando todo estava dentro
do que seria um mausoléu e os chamava para se proteger dos ataques inimigos. E
num esforço que parecia uma corrida, chegaram até a construção de belas pedras.
Os outros aproveitaram e fecharam a porta grande e pesada, graças aos músculos
poderosos de Thror. Todos estavam a salvo. Alguns pensavam isso.
Das sombras então surgiu um som:
-Quem ser vocês? – soltou uma voz fraca e esganiçada, mas
furiosa.
Mesmo ferido Lacktum não temia por sua vida ou pela dos
outros. Especialmente a dos outros. Então, levantou sua mão e proferiu:
-Darkness is not my enemy. And like everything on it is he
who keeps my then want you to tell me.
Nesse instante, uma pequena pedra de cascalho que estava na
mão do mago começou a brilhar com intensidade tremenda. Com isso, o mausoléu
começou a se revelar para o grupo de jovens.
Havia uma escada, que era bem extensa. O teto como as paredes
parecia ser de um material pouco comum daquela região notou Richard. Parecia
vir de muito longe, talvez até do Oriente. Não havia tochas nem lugar para
colocar uma. Foi então que se fixaram na visão do que teria soltado aquela
frase na parte mais baixa da escadaria.
Era um bando de goblins, ou duendes verdes - como muitos
falavam – ao qual apontavam pequenas lanças e seu líder, carregava um bastão.
Parentes distantes dos elfos, mas mais próximos dos gnomos, kobolds, korrigans,
trolls, e criaturas deformadas do mundo elemental e seus iguais. Eles quase
sempre são conhecidos por serem pequenos, de tom esverdeado, ranzinzas e
malignos. Mas nem todos eram assim. Esperavam que não fosse que nem as lendas.
-Nós estamos aqui, pois ficamos sabendo que esse lugar estava
infestado de mortos... Famintos. Acho que é isso – soltou um Lacktum machucado
e cansado – Minhas costas doem!
-Esperar – disse quando subia a escada para ver a ferida no
inglês.
Ele então começou a passar a mão sobre a ferida nas costas e
proferiu as seguintes palavras de cura:
-Bod
y ysbrydion
a gynhwysir yn y natur
da yn dod i
enaid hwn cythryblus.
A magia que estava nas mãos do goblin então levantou as
feridas como se elas começassem a sumir nas mãos da pequena criatura. Os espíritos
do bem operavam, exclamou Richard. Ele entendia da natureza em um todo, assim
como da magia que ela impregnava em todos os sentidos. Alguns chamavam de
deuses, elementais, espíritos e forças da floresta. Mas eles representavam o
que havia de bom ou furioso na natureza.
-Temos um poderoso arcano aqui eu acho – soltou Hugo – Talvez
ele esteja envolvido com os mortos lá fora.
-Ora essa! – gritou Richard revoltado.
-Nom ser quem procuram... Mas saber quem ser. Na verdade, -
disse o goblin – se vierem de cidade eu poder disser aonde esta culpado.
-Como assim? – soltou Thror revoltado – Alguém naquela vila
fez isso com os corpos? Diga quem é para minha lâmina se encontrar com seu
pescoço.
O goblin esboçou um rosto de severidade.
-Ser sacerdote.
Todos ficaram abismados com a suposta revelação do diminuto
ser. O que padre Jean teria haver com o mal que surgia naquela região? Não
fazia sentido... Para alguns.
-Eu não gosto muito da fé católica, – disse Lacktum assumindo
– mas qual motivo ele teria para fazer isso? Conte.
-O motivo estar aqui nesse mausoléu.
Então ele fez um sinal para que o seguissem. Agora que
notaram melhor, viram penas em seu pequeno tufo de cabelo. Havia uma espécie de
tiara improvisada na cabeça que prendia as penas na cabeça do duende verde.
Elas eram de vários pássaros diferentes e Halphy jurava que viu o corpo de um
filhote de rato pendurado na cabeça. Era nojento, ela pensava, mas não era como
a maioria das outras garotas. Não tanto quanto as outras garotas, mas pelo
menos não era tão fresca quanto normalmente uma garota seria.
Ele batia seu pequeno cajado no chão como apoio para seu
diminuto corpo, que apesar de pequeno, era bem velho pelo que se notava. Cheio
de verrugas, tanto pela velhice, como pela pele áspera que todos os goblins
têm. Apesar da estatura, era o único entre eles que parecia impor algum
respeito como chefe espiritual dos outros. Sereno, mas com ar sério – mesmo
para um ser tão insignificante em tamanho – ele guiava os aventureiros enquanto
ralhava com os membros de seu próprio grupo.
Então, quando todos estavam com a cabeça completamente cheia
de dúvidas Halphy soltou:
-Então, qual motivo do padre Jean estar fazendo essas coisas
diabólicas?
O goblin notou o ar de sarcasmo, mas já começou a argumentar.
-Séculos atrás... Grande mal surgir em forma de um deus
terrível que humanos nunca conseguir enfrentar. Esse mal, trazido por um portal
poderoso. Tão poderoso que surgir em lugar onde humanos, surgir e onde todos
irão perecer. Mas grupo de heróis descobrir, como vencer deus macabro. Mas o que
importar, é que um grande e poderoso dragão estar envolvido nisso. Durante
batalha, seu corpo ficar preso nesse portal. Histórias também disser que
maioria dos heróis morrer, exceto dois. As lendas chamar de Cavaleiro de Pele
de Platina e o Desalmado. Tão poderosos que eles conseguir selar o portal com
dragão junto... Como uma espécie de cadeado.
-E o que isso tem haver conosco aqui? – perguntou Hugo
impaciente.
-Espere, - disse Lacktum pensando friamente – o que ele diz
tem um pouco de razão. Pelo menos, no modo arcano de se ver as coisas. Um ser
de tamanha magnitude realmente poderia ser usado para selar um portal. Dragões,
por si só, são grandes fontes de mana. E se bem entendi, um desses dois homens
da lenda deveria ser muito bem um mago, bruxo, feiticeiro ou até mesmo uma
divindade, não é goblin?
-Sim.
-O que eu não consigo entender – e disse isso Lacktum,
enquanto seguia o pequeno ser e segurava o cascalho brilhante - é qual o
envolvimento do padre nisso tudo! Você esta tagarelando demais.
Chegaram então próximo de um portão grande de aço que
continha um corpo próximo. Parecia uma enorme besta, visto de longe, mas ao se
aproximar era possível notar uma face quase humana. Pelagem grande e espessa
com dentes protuberantes e olhos esbugalhados como de um monstro. Ali havia o
corpo de um ogro.
-Ora essa! Armadilha! Essa coisa vai nos devorar! – disse
Richard desembainhando sua pequena foice.
-Não! Olhar direito! – o pequeno goblin apontou para o corpo
do ogro. Havia uma enorme poça de sangue próxima daquele corpo enorme. Na
verdade, já estava seco, mas era possível notar que alguém teria o golpeado com
precisão no peito com um item extremamente pesado e poderoso. Thror já havia
notado, mas o próprio Richard constatou pelo seu curto conhecimento de armas – mas
longo em relação a cortes e golpes:
-Foi o golpe de uma maça.
-Golpe de Owen, protetor de padre.
-Novamente, não querendo ser mal, mas, - disse Lacktum com ar
sarcasmo, ainda não querendo crer nas palavras do duende verde – você ainda não
explicou o que isso tem haver com padre Jean. E o que esse lugar tem haver com
isso? E vocês?
-Na verdade nos sermos protetores.
-Protetores? – disse Thror estranhando ainda mais a conversa.
-Realmente é muito estranho – soltou Halphy com as mesmas
dúvidas do grego.
-Na verdade cemitérios servir de lugar para deixar corpos em
paz. Mas também espíritos.
-E o que isso significa? – soltou Lacktum impaciente.
Foi quando o goblin começou a abrir o portão, que agora
notavam ter instruções mágicas. Ele abria com dificuldade o portão cheio de
runas e letras. Letras arcanas alguns notavam. De proteção e selamento.
-Corpo de dragão estar preso em portão. Mas espírito não.
Quando o portão foi aberto, notaram lá dentro um enorme
sarcófago de pé cheio de runas e letras, abaixo e acima dele. Várias correntes
surgiam de todas as direções da sala, que era tão pequena. A sala em si,
parecia que não via a luz há vários anos. O ar estava cheio de teias que pareciam
criar outra proteção ao redor do caixão antigo. Os desenhos ao seu redor deixavam
o terrível lugar, ainda mais sinistro. Eram desenhos de demônios e dragões,
além de uma face draconiana na parte da frente do sarcófago. Criando uma
atmosfera de medo e pavor que os deixava sufocado só de ver aquela coisa.
Parecia que todos já haviam visto aquela estrutura repugnante em outros tempos
e outras vidas. Mas na verdade, eles o viam toda vez que fechavam seus olhos,
sabendo que o medo iria sobrepujar tudo aquilo que mais acreditavam, destruindo
seus sonhos. E era claro o motivo. Dentro daquela forma horrenda havia um dos
maiores medos e pavores que o ser humano possui em forma de uma monstruosidade.
Um dragão. Ou melhor, seu espírito.
-Nós goblins sermos servos de Caliban, deus esquecido que se
arrependeu de seus pecados em épocas antigas e agora serve aos desígnios de
proteger segredos. Essa construção ser protegida por nossa espécie vários
anos. Pois aqui conter esse espírito
maligno ao qual não deve sair até dia destinado.
-Dia destinado? Como assim? – soltou uma inconformada Halphy
– E isso agora tem hora marcada para acontecer?
-Minha cara, - disse Richard, tentando conter a jovem de
pensamentos impulsivos – não se alarme. Isso é natural nas profecias. Não é?
-Sim – soltou o goblin, firme como antes – Existir uma
profecia sim. Profecia disser que haverá época em que esse mal se libertará de
qualquer modo. Isso pelo que ler em escritos antigo acontecer quase que daqui
um ciclo das estações inteiro. Mas haverá como deter eles. Armadura de
Cavaleiro de Platina e vestes do Desalmado. Elas poder o deter. Deter mal.
-Como? – perguntou Thror com cara de dúvida.
Então Lacktum sorriu com ar de satisfação, como se fosse o
único que soubesse a resposta para essa questão.
-Os itens estão impregnados com os poderes antigos dos heróis
que prenderam esse tal dragão. Só através deles é possível lacrar o portal. É
isso que eles querem, não é? Libertar o mestre através desses itens? Deixarem
ele livre totalmente de sua clausura forçada, correto pequeno?
-Sim.
-Eles quem? – soltou Halphy interrogativa.
-Ora não é óbvio? Os que acreditam que com a libertação desse
monstro conseguiram ter poderes. Os que devem ter cedidos corpos a ele, pois
esse dragão deve saber controlar os mortos. Padre Jean não estava querendo
aventureiros para proteger a cidade de Starten. Estava querendo aventureiros
para aumentar seu exército. Não notaram que havia vários deles entre os mortos?
Era certo o que ele disse. No momento em que foram atacados
não discerniram muito bem, mas agora, refletindo sobre o que enfrentaram,
notavam vestimentas de aventureiros. Não de camponeses. E então todos já tinham
idéia do que ocorria. Era macabro.
-Oráculo de Delfos! – soltou o pequeno duende verde.
-Como assim? – indagou o druida elfo.
-O Oráculo de Delfos – disse espantosamente o guerreiro do
grupo – É um antigo meio de se prever o futuro que os gregos utilizavam. Eram
objetos ou pessoas que através de ligação divina, se comunicavam com os deuses
e obtinham respostas. Um dos mais famosos era o de Delfos. Acho que era isso –
por fim colocou a mão no queixo pensativo.
Todos o olharam espantado perguntando:
-Como sabe disso?
-Saber do que?
-Ora o que a acabou de... – Hugo iria continuar a falar, mas
foi interrompido por Halphy.
-Olha... Depois do que aconteceu lá fora, começo a confiar
nesse grego sem nem pensar muito. Vamos prosseguir – na verdade, a jovem não
poderia disser ali, mas notou que talvez ele, o grego, fosse fácil de ludibriar
e enganar. Alguém útil e forte para lhe proteger num futuro não tão distante.
-Como estar dizendo,
esse oráculo já ser citado uma vez por líder da minha ordem. Disser que quando
o tempo chegar ser necessário que alguém enfrentar perigos para encontrar os
itens, pois eles ser chave para trancar portão infernal. Eles ter consciência,
os fracos não resistir a poderes deles. Mas o mais importante é que outros
buscam por eles. Eu e os goblins não poder fazer isso, pois ficar prontos para
proteger o local. Especialmente que ogro, nosso maior defensor ser morto. Padre
Jean cede oferendas ao dragão em forma de aventureiros incautos. Vocês tiveram
sorte. Vocês poder encontrar o Oráculo.
-Coloque sorte nisso pequenino – soltou Halphy – O ruivo que
o diga...
-Respeito comigo garota arrogante. Já lhe disse: quando puder
irei quitar minha divida.
O jovem fala com tanta certeza fazendo parecer que a divida
seria paga com o sangue da garota a sua frente. Mas ela não se abalou pelas
palavras do mago. Aprendeu com sua mãe que magos podem ser mestres na arte da
lábia, com a finalidade de evitar confrontos ou intimidar pessoas mais
supersticiosas. E isso com certeza ela não era. Viveu entre a magia e estava
louca para obter mais desse poder. Para tanto esperava muito encontrar um
determinado item que iria lhe conceder seus desejos mais sinistros.
-O que quer que façamos duende? – questionou o concentrado
Hugo.
-Vão até Delfos. Descubram onde cada item esta e detenham o
plano dele. Pois não existem outros para fazer isso.
-E sua ordem? Não pode nos auxiliar?
-Nosso grupo ser dizimado á alguns dias... Receber uma carta
dizendo sobre isso... Parece que arcano mascarado destruir templo secreto de
minha ordem.
Nesse momento um sorriso maligno surgiu na boca de Lacktum.
Será que enfim encontraria o seu algoz? Será que enfim teria encontrado o homem
que lhe trouxe tanto tormento? E talvez, só talvez, conseguiria enfim encontrar
Lugarao’Céu? Eram coisas que quase ninguém entenderia, mas alguém que sofreu
como ele sabia que aquilo era o mais perto de Paraíso. E a Paz Eterna, viria quando
tivesse a cabeça cheia de sangue do homem. Seria algo que o afetou por anos, e
agora era o momento crucial de sua vida para obter redenção. Sua redenção.
-Bem vamos voltar então? Se Jean estiver envolvido com isso –
disse Hugo preocupado – os aldeões podem estar em extremo perigo.
-Vamos então - disse Halphy, sem se importar com o que eles
achavam que ela estava fazendo ali. Richard e Lacktum olhavam com certo ar de
desconfiança para a menina que acabara de gritar, e agora mostrava tanta confiança
usando roupas que mais parecia de um homem. O que não chegava a incomodar
nenhum dos presentes, afinal, eram com a mente bem aberta se fosse comparados a
todos da aldeia.
Ela era uma mulher bem diferente da maioria. Mais audaz, mas
que ainda mostrava toda a desenvoltura de uma mulher que descobrira há pouco
tempo o que significava liberdade. E até seus defeitos.
Mas excluindo isso todos decidiram então: iriam
se encontrar com o padre Jean. Afinal, alguns ali não acreditavam na religião,
assim como nos representantes deles. E muito menos no seu Céu.
[1] No
caso se refere aos elfos. Pode ser um termo referente a estes seres ou se
referindo a um elfo em si.
[2]
Fealith: inspirado no alfabeto de J.R.R. Tolkien. Significa “espírito cinza”.
Seria uma ofensa contra os meio elfos pois eles não teriam uma alma limpa como
os sidhes.
[3]
São mortos-vivos. Normalmente se refere a esqueletos e zumbis. Como o termo
“zumbi” não é europeu, foi preferível colocar um termo com sentido para os
monstros.